18 de janeiro de 2022

INDIVÍDUO E POLÍTICA! 

(Cesar Maia – Folha de São Paulo, 02/01/2010) Curiosa convergência entre populismo, liberalismo tradicional e marketing político. Para eles, quem faz a história é o indivíduo, de acordo com a sua vontade. Assim se acha o líder populista, que se considera o próprio movimento. Já na lógica da análise liberal, tradicional, a história se confunde com os indivíduos que lideram os processos. As circunstâncias ou são eles mesmos ou são aleatórias.

Sempre é bom lembrar um repetido trecho de Marx no início do “18 de Brumário” (1851): “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; nem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas legadas e transmitidas pelo passado”.

Se não bastasse esse binário simplificador da história, nas últimas décadas, a tecnologia publicitária aplicada às campanhas eleitorais maximizou a função do indivíduo.

Por vezes potencializando uma de suas características e, não poucas vezes, criando um personagem ao fantasiar o candidato com esse figurino. A cada dia é maior o destaque do indivíduo como a razão da politica. Por isso a obsessão em controlar a imprensa, na medida em que a individualização da liderança só consegue ver a imprensa como competidor. O método marxista, que reduzia o papel do indivíduo a mero fantoche das classes sociais abstratas, se esvai, mas não no caminho da assertiva do “18 de Brumário”. 

Quando aquelas “se foram”, ficaram os líderes e o culto à personalidade.

A mercadologia política norte-americana, ao dar à publicidade a razão do sucesso eleitoral, minimizou as circunstâncias e maquiou os personagens. A tecnologia audiovisual exacerbou o papel do indivíduo e presidencializou as eleições no parlamentarismo. São os governos de líderes populistas os que mais tendem a intervir na imprensa. São os líderes produzidos por marketing os que são atraídos pelo populismo e pela intervenção na mídia. Ou que, alternativamente, gastam milhões com publicidade, convencidos de que esse é o caminho da popularidade. Quando isso não ocorre, a culpa é da imprensa.

Esse foco na pessoa dos chefes de governo tirou visibilidade de seus assessores, possíveis sucessores.
Lula é exemplo disso. Por um lado, sente cócegas para intervir na mídia. Não podendo, gasta bilhões. E, naturalmente, sua candidata o é por decisão pessoal. Ela nunca disputou eleição, não tem currículo no partido. É levada como andores da romaria de N.Sra. da Pena, em Vila Real, para que seja percebida.

As campanhas eleitorais se resolvem em si mesmas. Por isso o candidato da oposição não tem pressa. A imprevisibilidade aumenta, a politica se torna inorgânica, representantes se descolam de representados e os riscos relativos ao governo eleito se multiplicam.

17 de janeiro de 2022

A POLÍTICA ESTÁ MOLDANDO A ECONOMIA! 

(Fareed Zakaria – O Estado de S. Paulo, 15) Enquanto testemunhamos picos de inflação a um ritmo que não era visto desde os anos 80, especialistas debatem se esse fenômeno é preocupante e duradouro ou benigno e transitório. Não sou economista, mas como estudioso da história imagino que o retorno da inflação seja parte de uma mudança maior, que ocorre por todo o mundo. Para colocar de maneira simples, por décadas, em país atrás de país, a economia moldou a política. Agora, da China aos EUA, é a política que está moldando a economia.

O controle da inflação é uma das mais abrangentes mudanças da nossa era. Países acreditavam que simplesmente tinham de conviver com a inflação e lidar com preços e salários em alta. Quando tendências inflacionárias fugiram do controle, com frequência tiveram consequências políticas.

Ao contrário do desemprego, que afeta apenas uma pequena porcentagem de pessoas que não conseguem trabalho, a inflação afeta todos. E, ao contrário do desemprego, que encolhe seus ganhos futuros (se você tem emprego), a inflação encolhe o que você tem agora, ao erodir o valor de suas economias. É por isso que a inflação alta tem se associado com tanta frequência a turbulência política, desde a Alemanha da década de 1920 até o Irã dos anos 70 e a América Latina dos 80.

Andamos esquecidos disso agora, mas recentemente, nos anos 80, a inflação era galopante em grande parte do mundo.

Países como Brasil, Argentina e Peru tinham índices de inflação na casa de milhares por cento. Os EUA entraram na década com mais de 12% de inflação. Em alguns países europeus, como Itália, a taxa era maior do que 20%. Na maioria deles, as causas eram algum tipo de combinação entre elevados déficits dos governos, políticas desleixadas de bancos centrais e choques externos, como a crise do petróleo dos anos 70.

REVOLUÇÕES. As crises produziram revoluções nas políticas. Bancos centrais tornaram-se mais independentes e colocaram o foco em domar a inflação. Governos do mundo em desenvolvimento tornaram-se mais responsáveis fiscalmente. Em alguns casos, os governos simplesmente atrelaram o valor de suas moedas ao dólar. Um dos principais motivos que convenceram países como a Itália a abrir mão de suas moedas nacionais em favor de uma moeda comum europeia foi acreditar que fundir suas políticas monetárias com a da Alemanha lhes permitiria consertar seus problemas na inflação.

Em grande medida, isso funcionou e, no início dos anos 2000, países congratulavamse

As políticas econômicas de hoje não têm sido mais orientadas para o crescimento

uns aos outros por terem vencido a guerra. Isso tudo parecia parte de um paradigma segundo o qual governos reconheciam o poder do livre-mercado e do livre-comércio.

Thomas Friedman usou a metáfora de uma “camisa de força dourada” para explicar o que aconteceu. Os governos colocaram a si mesmos numa situação em que suas opções de políticas eram estritamente condicionadas pelos mercados e, como resultado, suas políticas encolheram, mas suas economias cresceram.

Ao longo dos últimos anos, parece que o oposto tem ocorrido em quase toda parte. Considere a Turquia, que na década de 2000 se tornou modelo de país em desenvolvimento, domando a inflação e estimulando o crescimento. Seus formuladores de políticas eram elogiados em todo o mundo.

Hoje, o presidente turco abandonou até mesmo a pretensão de uma economia racional, usando a política para recompensar amigos, punir inimigos e defendendo uma política monetária que é o oposto do que a maioria dos especialistas acredita ser correto. O Chile, que era considerado o país mais prudente fiscalmente na América Latina, agora parece ter tomado um caminho mais parecido a um populismo de esquerda.

PROTECIONISMO. Ou considere a garota-propaganda dos países em desenvolvimento, a China, onde o crescimento econômico foi a estrela-guia das formulações de políticas. Hoje, o presidente, Xi Jinping, persegue políticas que, com frequência, atacam o setor privado em áreas essenciais para o crescimento, como tecnologia.

Conforme apontou a estudiosa Elizabeth Economy, foi a China, não os EUA, que iniciou a movimentação para desatrelar as economias dos dois países e assumiu o protecionismo e o nacionalismo econômico, quando Xi anunciou sua estratégia “Made in China”. A Índia, de sua parte, espelhou essa movimentação com o próprio protecionismo e subsídios.

O mundo ocidental tem seguido o exemplo. Dirigida por uma preocupação compreensível a respeito dos salários da classe média e da desigualdade, a política econômica não tem sido mais orientada para o crescimento. Tarifas, subsídios e pacotes de ajuda refletem o fato de que a política está moldando a economia.

Bancos centrais têm se apressado na última década em aplicar medidas extremas em resposta aos dois grandes choques desta era – a crise financeira e a pandemia. Como nota Ruchir Sharma, na metade dos anos 90, nenhum país do mundo tinha um índice de dívida em relação ao PIB acima de 300%. Atualmente, 25 excedem essa marca.

A antiga obsessão com a economia acima da política foi exagerada. Ela alcançou grandes sucessos, mas criou outros problemas, como estagnação salarial. Mas a atual ênfase da política acima da economia parece mais perigosa. Ela permite aos governantes adotar políticas clientelistas, protecionismo e artimanhas de curto prazo para evitar que as pessoas comuns sintam as dores da crise. No longo prazo, porém, nos perguntamos se essas mesmas pessoas comuns terão de pagar o preço.

13 de janeiro de 2022

PESQUISA INÉDITA MOSTRA QUE ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO É FATO MAIS IMPORTANTE DA HISTÓRIA DO PAÍS PARA OS BRASILEIROS! 

(Marlen Couto – O Globo, 09) Em meio à ampliação do debate na sociedade sobre racismo e desigualdade racial, a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, foi apontada como fato mais importante da História do país pelos brasileiros. Pesquisa inédita encomendada pelo Observatório Febraban ao Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) mostra que a assinatura da Lei Áurea foi citada como primeira resposta de 31% dos entrevistados, ao serem questionados sobre os momentos mais significativos do Brasil.

Prestes a completar 200 anos, a independência, em 7 de setembro de 1822, aparece na segunda posição, com 18% de preferência. Em seguida, com 8%, estão a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889; o fim da ditadura militar, que levou à redemocratização do país, em 1985; e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Outros momentos recentes, como a Operação Lava-Jato, o Plano Real, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor e a implementação do Bolsa Família, também aparecem com destaque.

Para o sociólogo Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe, fatores estruturais, como a alta proporção de negros na população brasileira (54%, de acordo com o IBGE), e conjunturais, como o fato de o combate ao racismo ter se consolidado como uma agenda no Brasil e no resto do mundo nos últimos anos, ajudam a explicar a importância atribuída ao momento histórico:

— De um lado, é sabido que o Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão, e isso tem significado para a população negra. Do outro, entrou para a agenda global a discussão sobre os efeitos perniciosos da desigualdade racial. Isso foi muito forte em 2020 e 2021.

Os dados indicam ainda que a abolição da escravidão foi mais citada pelos mais jovens, com 18 a 24 anos. Nesse grupo, o percentual chega a 40%, ante 25% na população acima de 60 anos. Não há diferença tão significativa nos recortes por escolaridade e renda.

Professor de direito internacional e direitos humanos na FGV, Thiago Amparo destaca que, apesar da permanência do racismo cotidiano, institucional e estrutural no país, o Brasil tem passado por um processo de amadurecimento e difusão do debate racial, puxado por intelectuais e ativistas negros e negras.

— O Brasil, diferentemente de muitos países latino-americanos de língua espanhola, não pensa profundamente sobre seu processo colonial. Isto faz com que, no Brasil, o dia da independência seja mais um feriado do que efetivamente um momento de reflexão sobre legado colonial em nossas instituições. Em paralelo, o debate sobre abolição ferve, em parte pela constatação do protagonismo negro na abolição, em parte pela ideia de uma abolição inconclusa, posto que racismo permanece no país.

Fatos mais lembrados
1º – Aboliação da Escravidão, 1888
2º – Independência do Brasil, 1822
3º – Proclamação da República, 1889
4º – Redemocratização pós-Ditadura, 1985
5º – Impeachment Dilma Rousseff, 2016
6º – Operação Lava-jato, 2014-2021
7º – Implantação do Real, 1994
8º – Criação do Bolsa-Família, 2003
9º – Impeachment Fernando Collor, 1992
10º – Golpe de 1964 e o regime militar
A conexão com o presente e a relação com as lutas políticas da atualidade têm mais impacto na percepção do passado do que a compreensão do processo histórico, avalia o historiador e diretor da Editora da Universidade Federal Fluminense (Eduff), Renato Franco:

— A questão racial no Brasil permanece como um problema em aberto, diante da timidez das políticas públicas de inclusão que outorgam uma cidadania incompleta aos descendentes de escravizados. Por sua vez, o fortalecimento dos movimentos sociais e a ascensão das políticas de cotas nas universidades têm contribuído para repropor a pauta racial, especialmente entre os mais jovens.

Apesar de figurar entre os momentos históricos mais lembrados, 59% dos brasileiros ouvidos informaram não saber do bicentenário da independência.

O comportamento e memória dos brasileiros em relação à data se diferencia das experiências de outros países, como os Estados Unidos. Um levantamento da empresa de pesquisas americana Gallup mostrou em 2001 alto interesse da população do país nas celebrações: 76% informaram que pretendiam participar de celebrações familiares, e 66% informaram que pretendiam exibir uma bandeira do país.

Professora de História da UFF, Janaína Cordeiro pesquisou a celebração feita pela ditadura militar, em 1972, quando a independência completou 150 anos. Ela afirma que o grito do Ipiranga pode ter menos apelo na população do que a abolição por ter sido construído “de cima para baixo” — o país, que já abrigava a corte portuguesa desde 1808, passa a se organizar como uma monarquia que tinha Dom Pedro I como imperador.

A pesquisadora ressalta que a data tem lugar de destaque na tradição nacional, mas precisa ser suscitada pelos agentes públicos e pela sociedade civil, o que não tem acontecido no governo federal:

— Bolsonaro convocou manifestações no 7 de setembro, mas mesmo naquele momento não foi capaz de associar significado histórico à data, o que evidencia um desprezo pela História que não foi comum mesmo em governos autoritários.

No ano passado, após uma série de críticas pela falta de planejamento de ações para o bicentenário, o secretário especial da Cultura, Mario Frias, anunciou uma linha de crédito de R$ 600 milhões para as celebrações.

A historiadora Rosa Maria Araújo, diretora do Arquivo Geral do Rio e integrante de um grupo de trabalho para as comemorações do bicentenário na cidade, acrescenta um outro dado à discussão: os impactos da instabilidade política e das crises econômica e sanitária têm “apagado” a data. A pesquisa do Ipespe mostra que, para os brasileiros, são justamente a saúde, a educação e o combate à fome que devem receber uma maior atenção em 2022, assim como o desemprego e o custo de vida.

— Há uma concorrência com a Covid, que está solapando o Brasil do ponto de vista sanitário, economicamente e socialmente — diz Rosa Maria Araújo.

Turbulências na relação do Executivo com o Legislativo, como os dois impeachments, e acontecimentos que ainda resvalam no cotidiano político e eleitoral atual, caso da Lava-Jato, também são lembrados — no caso da saída de Dilma Rousseff e da operação que notabilizou o hoje presidenciável Sergio Moro, os impactos são visíveis no cenário em curso de 2022. O impeachment de Dilma tem o dobro das primeiras menções que o de Collor e é mais lembrado por entrevistados com ensino fundamental, o que indica que pode ter mais peso para a base que ajudou a elegê-la. O fim da ditadura é mais citado entre brasileiros com ensino superior.

O cientista político Leonardo Avritzer, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Observatório da Democracia, chama a atenção ainda para o destaque da redemocratização entre os períodos históricos com maior importância:

— A população brasileira volta a se preocupar com a questão da democracia. Ao mesmo tempo, temos grupos diferentes achando coisas diferentes, o que se expressa num quadro polarizado.

A pesquisa ouviu 3 mil entrevistados, de 19 a 27 de novembro de 2021, nas cinco regiões do país. A margem de erro é de 1,8 ponto percentual para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%.

O levantamento do Ipespe também mediu a percepção dos brasileiros sobre símbolos nacionais que melhor definem ou representam o país e sua população. A fé é apontada como a principal característica positiva dos brasileiros — para 30% dos entrevistados, é o primeiro traço citado em uma pergunta com múltiplas respostas. Já a natureza é citada como o aspecto que melhor define o Brasil.

12 de janeiro de 2022

DIA DO FICO, QUE FAZ 200 ANOS, NÃO FOI 1º PASSO DA INDEPENDÊNCIA, DIZEM HISTORIADORAS! 

(Sylvia Colombo – Folha de São Paulo, 09) Decorada na escola, repetida em filmes históricos, evocada como um provável princípio de um patriotismo brasileiro, a frase talvez nunca tenha sido de fato dita por dom Pedro, naquela época ainda príncipe regente do Brasil — pelo menos não da forma como ficou conhecida.

O Dia do Fico, cujos 200 anos celebram-se neste domingo (9), vem sendo desconstruído pela historiografia contemporânea.

“Há uma lenda dourada sobre o Dia do Fico, que vê a Independência como destino do Brasil, mas a verdade é que a Independência não estava escrita nas estrelas. Naquela época, outras opções estavam em debate e havia distintas pressões agindo. A ideia de que esse episódio ligou o despertador da Independência não é real”, diz à Folha a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz.

Nem a frase é exatamente essa nem o Dia do Fico pode ser considerado o primeiro passo do que seria a Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822.

Onde estão, então, os problemas dessa versão?

O Dia do Fico, como se conhece o episódio de modo geral, foi a expressão de revolta de dom Pedro que, ao ser convocado a retornar a Portugal pelas Cortes de Lisboa, rebelou-se e, de uma das janelas do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, teria dito: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”.

Só que este não é o registro original e sim o que foi alterado para entrar para a história. Segundo o primeiro edital publicado sobre a sessão, a frase dita pelo regente teria sido outra, bem menos enfática ou heroica.

Ele disse: “Convencido de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa, e conhecido que a vontade de algumas províncias assim o requer, demorei a minha saída até que as Cortes e meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito, com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido”.

Para Schwarcz, a frase é uma construção, que fez parte da utilização da pessoa de dom Pedro pela elite imperial como uma figura simbólica. “A elite controlou o fantoche, e esse retoque da frase é apenas um dos aspectos dessa narrativa que esteve por trás da saída imperial para a crise daquele momento”, afirma.

A análise da frase inicial, segundo a historiadora Lúcia Bastos Pereira das Neves, “permite perceber que dom Pedro não estava pensando ainda em uma separação do Brasil com relação a Portugal”.

Ela alerta para o fato de que “não se pode ver a história com os olhos de quem já sabe o que aconteceu depois. Quando disse a frase do Dia do Fico, dom Pedro não tinha convicção sobre o que ocorreria — vinha titubeando, estava pressionado, estava em dúvida sobre suas opções”.

Voltando um pouco no tempo: a família real portuguesa estava no Brasil desde 1808. No ano anterior, temendo o avanço de Napoleão sobre Portugal, o então príncipe regente dom João embarcou com toda a família ao Brasil, com o apoio político e logístico da Inglaterra. Durante os 13 anos em que permaneceu aqui, dom João estabeleceu a corte no Rio de Janeiro, promovendo várias melhorias na cidade e na economia da colônia.

Em 1815, o Brasil teria seu status elevado, passando a fazer parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Na prática, a ex-colônia modernizou-se. Houve a abertura dos portos para nações amigas, que diversificou e aumentou o comércio, e novos edifícios públicos foram construídos.

Também foi possível, por iniciativa de dom João, passar a imprimir jornais no Brasil, algo que era proibido durante a época colonial. Surgiu a Imprensa Régia, que publicava a Gazeta do Rio de Janeiro, e foram criadas instituições como a Real Academia Militar, o Jardim Botânico, o Banco do Brasil, o Teatro São João (hoje Teatro João Caetano) e outras.

A família real também mandou vir a Biblioteca Real de Portugal, com um acervo estimado em 60 mil volumes, que daria início ao que hoje é a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Todos esses avanços foram ameaçados depois, quando ocorreu a Revolução Liberal do Porto, em 1820, em Portugal. Tratou-se de um movimento liberal, nacionalista e constitucional, que buscava reestruturar o império, tendo novamente Portugal como centro político e administrativo.

Para isso, era essencial que dom João 6º retornasse à metrópole e mais, jurasse a Constituição. O plano era desmantelar a ideia de monarquia como as do Antigo Regime. A monarquia “modernizada” teria o rei quase como uma figura simbólica e cerimonial, enquanto o poder político de fato seria exercido pelas Cortes.

Dom João partiu para Portugal para enfrentar a crise e deixou Pedro, então com 22 anos, à frente do país. Antes de viajar, ele teria dito: “Pedro, se o Brasil se separar de Portugal, prefiro que seja para você, que vai me respeitar, e não para alguns desses aventureiros”. Embora não haja comprovação histórica de que a frase tenha sido dita, é outro desses episódios que entraram para a narrativa oficial da Independência.

As Cortes, no entanto, queriam também que dom Pedro voltasse e emitiram um decreto com esse intuito. Segundo o plano, as províncias do Brasil passariam a responder diretamente a Lisboa até que uma junta escolhida por Portugal fosse designada para governar o país.

Para a historiadora Isabel Lustosa, o momento do Fico está totalmente vinculado às ações das Cortes de Lisboa. “Os liberais brasileiros, inicialmente, ficaram satisfeitos com a revolução constitucionalista que aconteceu na cidade do Porto, em razão das liberdades que seriam concedidas, especialmente a liberdade de imprensa. Porém, logo começaram a perceber que as medidas das Cortes apontavam para um retrocesso político e econômico do Reino do Brasil.”

Isso porque, apesar de serem pessoas com ideias liberais, logo perceberam que seus interesses econômicos e sociais estavam sob risco, caso o Brasil, como queriam as Cortes, fosse novamente reduzido em sua autonomia, até eventualmente ser transformado de novo em uma colônia.

“Esses homens enxergaram no processo o prejuízo que recairia sobre seus interesses e se uniram, no final de 1821, em defesa dos mesmos”, afirma Lustosa.

Uma das saídas que foi ganhando força entre a elite brasileira era pressionar o regente dom Pedro a permanecer aqui, evitando a minimização do status do Brasil, ao mesmo tempo que se aniquilaria a possibilidade de uma revolução independentista como as que vinham ocorrendo em outros países da região, com guerras sangrentas e processos de fragmentação territorial no que antes eram os vice-reinados espanhóis.

“A permanência de dom Pedro era importante do ponto de vista institucional, pois ele representava a monarquia e o regime da moda, digamos assim, que era o da monarquia constitucional. O medo da fragmentação do Brasil por falta de um centro de poder que o unisse era grande”, diz a historiadora.

Lustosa concorda com Schwarcz sobre o equívoco de pensar que o Dia do Fico tenha sido um primeiro passo para uma inevitável Independência. “Não havia ainda, no final de 1821, quando elementos das elites do Centro-Sul do Brasil se uniram no Rio de Janeiro pelo Fico, um movimento pela independência do Brasil. O que havia era uma reação a uma circunstância: a forma como o governo estava centralizado nas chamadas Cortes de Lisboa”, diz Lustosa.

Dom Pedro, sozinho no Brasil, também hesitou muito em decidir que passos tomar. Por vezes, mostrava-se em desacordo com o plano de ter sido deixado para trás para governar o país. Manifestou, em cartas ao pai, o desejo de voltar para a Europa. Por outro lado, sentiu a enorme pressão de políticos, comerciantes e da elite brasileira para que ficasse, mantendo algo de ordem e de unidade no país.

“O medo da Revolução Haitiana também era muito real entre as elites latino-americanas. No Brasil, a ideia de manter a ordem a qualquer custo era muito presente entre as pessoas que tinham dinheiro e poder. Portanto, a ideia de não submissão às ordens das Cortes respondia mais a esse sentimento de garantia da manutenção de interesses”, diz Lúcia Bastos Pereira das Neves.

“A opção imediata não era a Independência, mas a manutenção dos privilégios dessa classe e da ordem no país, com a presença de um monarca. É preciso fazer um esforço para entender como as pessoas daquela época pensavam”.

Mesmo entre as províncias, havia divisão sobre as atitudes a tomar. Pernambuco e Bahia, por exemplo, estavam mais próximas da ideia de apoiar as Cortes. No Rio e em São Paulo, as elites se dividiam entre os conservadores vinculados a José Bonifácio e os mais radicais, liderados por Joaquim Gonçalves Ledo.

Dom Pedro era muito influenciado pela posição da mulher, Leopoldina, e não foi diferente nesse episódio. “Dona Leopoldina, como as princesas de seu tempo, destinadas pelo casamento a garantir acordos de cooperação internacional, era uma legítima representante dos interesses da Áustria, onde nascera. Era legitimista, absolutista e catolicíssima, mas muito inteligente e arguta”, afirma Isabel Lustosa.

“Ela compreendeu que a autonomia do Brasil, mesmo que ainda sem a independência declarada, era fundamental para o sucesso daqueles interesses.”

O momento que culminou na proclamação do Fico ocorreu em 9 de janeiro, quando o príncipe regente recebeu uma carta assinada por 8.000 pessoas que pediam sua permanência no país. Depois de ler a missiva, dom Pedro proferiu a frase e acabou permanecendo no Brasil.

“As pessoas gostam da história arrumadinha, com a cronologia clara, só que ela não é assim. O episódio do Fico tem importância, mas já é hora de vermos a Independência em um conjunto maior de eventos, que não ocorreram apenas na Corte do Rio de Janeiro”, diz Lilia Schwarcz.

A antropóloga e historiadora sustenta que “havia outros protagonistas, homens e mulheres, em outras regiões do Brasil. Talvez a efeméride dos 200 anos seja uma boa oportunidade de fugirmos da agenda clássica e jogarmos luz nesses outros eventos”

10 de janeiro de 2022

JUSTIÇA PODE ESMAGAR AS FORÇAS DA INSURREIÇÃO!

(O Estado de S. Paulo, 06) Com o aniversário da invasão do Capitólio, há uma questão importante para os americanos que apoiam o Estado de Direito: essa insurreição extremista foi contida ou está se espalhando? A resposta é que não sabemos. Mas a luta para salvar a democracia americana está ganhando força – e alguns dos combatentes mais importantes estão praticamente invisíveis.

Ao longo do ano passado, o Departamento de Justiça e o FBI conduziram uma campanha nacional para identificar e processar os extremistas que invadiram o Capitólio. Não chega às manchetes como deveria, mas esse esforço de aplicação da lei não tem precedentes – e é a melhor esperança do país para restaurar o Estado de Direito de forma pacífica.

Uma olhada no catálogo de fotos online de suspeitos do FBI poderá mostrar os rostos dessa insurgência. Praticamente todos parecem ser brancos e quase todos são homens. Parecem uma multidão turbulenta em um jogo de futebol. Em quase todos os rostos, pode-se ver um brilho de raiva.

Restaurar a ordem é um processo lento e doloroso em países onde extremistas violentos desafiaram o Estado. A insurgência no Iraque e no Afeganistão não puderam ser reprimidas por todo o poderio militar dos Estados Unidos.

Quando pensamos na batalha do Departamento de Justiça dessa forma – como uma contrainsurgência – percebemos os perigos de táticas excessivamente zelosas. O governo não deve ser tão agressivo em sua perseguição a ponto de criar mais insurgentes do que prender. Essa é a linha tênue que o secretário de Justiça, Merrick Garland, e o FBI tentam não ultrapassar no combate ao extremismo doméstico em um país que está tão dividido em questões políticas.

Os Estados Unidos já enfrentara ameaças domésticas antes. O que parece funcionar melhor é a aplicação lenta e constante dos poderes exclusivos do Estado.

Mas, um ano após a terrível violência no Capitólio, muitos perpetradores ainda estão andando em liberdade – e a maioria dos principais organizadores não foi punida. Agora, essa investigação precisa se acelerar e levar à Justiça todos os que atacaram nossa democracia. 

06 de janeiro de 2022

REMOÇÃO!

(Cesar Maia – Folha de SP, 17/04/2010) A expressão “remoção” foi cunhada no início do regime autoritário, entre 1964 e 1965, para nominar a transferência compulsória de moradores de algumas favelas de bairros de classe média no Rio para conjuntos habitacionais construídos em bairros afastados, com recursos dos programas de ajuda dos EUA.

A palavra “remoção” aplicada à mudança de objetos foi usada pelo regime autoritário, nas demolições de favelas, para marcar uma ação de força. Passou a carregar, dali para a frente, essa marca repressiva no imaginário da população.

No Império, o problema habitacional dos mais pobres não foi colocado como questão. Os pobres eram basicamente escravos e viviam no local em que trabalhavam.

O problema começa a surgir com o retorno das tropas da Guerra do Paraguai e se agrava com a exclusão dos escravos, pelos fazendeiros, após a Abolição. Surgem e proliferam os cortiços.

A reforma sanitária do Rio iniciou a demolição dos cortiços e a abertura de fronteiras para a expansão imobiliária. O caso de maior força simbólica foi a queima do cortiço Cabeça de Porco (passou a ser a denominação dos cortiços), em 1892, na base do morro da Providência, em frente à ferrovia Central do Brasil. A solução foi subir o morro, que depois se ampliou com o retorno das tropas de Canudos.

Chamaram favela, planta onde ficava o acampamento. A reforma urbana do Rio, em 1904, com suas demolições, construiu apenas um pombal de 200 microcasas.

Em 1928, a prefeitura contratou o arquiteto francês Alfred Agache (que criou o termo urbanismo) para o plano urbano do Rio, publicado em 1932. Agache tratava as favelas como equipamentos provisórios e lastimava que Santa Teresa se tornara permanente.

Para o ato, foram convidados arquitetos famosos. Um deles, Ed Groer, russo, quis ver onde os pobres moravam e cunhou a frase “favela é solução” ao comentar as condições de areação e insolação comparadas às dos cortiços.

As expansões imobiliária e industrial e a opção por não investir em transporte de massa e em habitação popular atraíram a mão de obra para perto do local de trabalho. O adensamento começou a produzir conflitos. Em 1942, realizou-se a primeira demolição com forte simbolismo, transformando em fogueira a favela do largo da Memória, no Leblon. No final dos anos 40, o STJ confirmou o usucapião das cinco maiores favelas.

O vereador Carlos Lacerda defendia a urbanização. Um programa de acesso à cidade e a seus serviços e de moradia digna se transformou em confronto. A expressão “remoção” afirmou um estilo repressivo e unilateral, transformando o que deveria ser um direito dos pobres em direito dos ricos. Agora volta com a mesma entonação

05 de janeiro de 2022

JUVENTUDE E POLÍTICA!

(Cesar Maia – Folha de SP, 24/04/2010) Desde os anos 80 a mobilização da juventude e a sua participação política vinham diminuindo. As mobilizações dos jovens em grandes manifestações nas ruas foi minguando. Nas campanhas eleitorais, os debates acalorados, com “torcidas” dos candidatos extravasando os auditórios, quase desapareceram. Precipitadamente, analistas falavam de um processo de alienação, produto da sociedade de consumo.

Provavelmente, a causa de fundo não tenha sido nenhuma razão estrutural, mas as mudanças na própria atividade política. À medida que os extremos políticos convergiam para o centro, produto de uma certa desideologização após a queda do Muro de Berlim, as razões espontâneas de mobilização perderam impulso.

Uma razão central está no que muitos politólogos chamam de “partidocracia”. Ao tempo em que ocorre a convergência ao centro, os partidos se fecham e se consideram eles mesmos detentores da representação popular a partir do voto da população. A “partidocracia” produziu claros desestímulos à participação dos jovens, que não viam os canais de participação, mobilidade e ascensão partidárias. Os parlamentos foram se burocratizando como desdobramento desse processo. E o efeito maior foi o desestímulo à participação dos jovens e a sua desmobilização.

Nos últimos anos, há uma nítida reversão desse quadro, desmentindo os que imaginavam que as causas eram estruturais e permanentes. Se uma parte dos jovens busca a participação política com expectativa de ascensão partidária e acesso a mandatos, a grande maioria busca a participação política para influenciar as decisões. A internet quebrou aquela obstrução. Mesmo que a maioria dos partidos não desenvolva canais de acesso a mandatos e a espaços políticos, o fato é que, em relação àqueles que querem participar da política, a internet implodiu as máquinas partidárias. O uso da internet é proporcionalmente maior entre os jovens, reforçando essa tendência. Esses descobrem que os edifícios partidários podem ser alcançados em qualquer andar, sem precisar mostrar carteirinha ao porteiro nem usar os seus elevadores.

A participação é livre, pode-se dizer o que se quer, multiplicar o que se pensa, formar redes numa multiplicidade de temas e numa frequência maior que os políticos com mandato, mobilizar a opinião pública.

Já vivemos num ambiente muito diferente, com ampla participação dos jovens, que, filiados ou não a partidos, opinam, pressionam e chegam à sociedade, independente da vontade e da autorização dos caciques de plantão. Com isso, a participação dos jovens voltou a dar dinamismo ao processo político.

Os partidos que entenderem isso estarão conectados ao futuro.

04 de janeiro de 2022

A ‘CONTRARREVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA’!

(O Estado de S. Paulo, 01) No fim dos anos 90 era comum ler articulistas entusiasmados com o formidável potencial da rede digital de turbinar a democratização da informação e a participação democrática. Duas décadas depois, há amplas evidências de agentes políticos manipulando eleições por meio de instrumentos algorítmicos de publicidade das redes sociais, como mensagens subliminares, microestímulos psicológicos ou ferramentas de recompensas e punições em tempo real. Computando traços de personalidade, disposições comportamentais, interesses, preocupações e vulnerabilidades, mecanismos de Inteligência Artificial podem, por exemplo, identificar prováveis eleitores de adversários políticos e bombardeá-los com conteúdo tóxico projetado para dissuadi-los de ir às urnas.

Os mecanismos para provocar essas e outras mudanças comportamentais em escala massiva foram forjados pelo novo sistema econômico que Shoshana Zuboff, uma das principais pesquisadoras da Era da Informação, denominou “Capitalismo de Vigilância”. Ele mantém elementos do capitalismo tradicional – como propriedade privada, trocas comerciais e lucros –, mas que só são concretizados através de relações de vigilância. Experiências humanas outrora consideradas privadas são computadas, armazenadas como propriedade privada e codificadas em dados comportamentais originariamente manipulados a serviço de interesses comerciais, mas cada vez mais como arsenais de guerras políticas ou culturais.

“Nossos espaços de informação e comunicação como um projeto de mercado são um experimento social fracassado, e esse experimento deixou um rastro de destroços sociais”, disse Zuboff, em seminário do Instituto FHC. “Entre esses destroços vemos a completa destruição da privacidade, a anulação de direitos fundamentais, a intensificação da desigualdade social, o envenenamento do discurso social, sociedades divididas, normas sociais demolidas e instituições democráticas enfraquecidas.”

Há um século as democracias forjaram leis para quebrar concentrações de poder econômico que vulneravam trabalhadores e consumidores. Mas essas leis não são capazes de proteger as sociedades contemporâneas da economia de vigilância digital. O poder das Big Techs não é primariamente econômico, mas social. Seus danos não estão restritos à cadeia econômica de trabalhadores e consumidores, mas a uma nova categoria humana, os “usuários”, ou seja, todos nós, a todo tempo, em todo lugar.

Em uma civilização da informação, diz Zuboff, os princípios da ordem social derivam de três questões cruciais, sobre o conhecimento, a autoridade sobre o conhecimento e o poder que sustenta essa autoridade: 1) quem conhece?; 2) quem escolhe quem conhece?; e 3) quem escolhe quem escolhe quem conhece? “As gigantes tecnológicas detêm a resposta a cada uma dessas perguntas, embora não as tenhamos eleito para governar.”

As democracias enfrentam uma questão fundamental: como estruturar, organizar e governar a informação e a infraestrutura de comunicação de modo que elas sejam não só compatíveis com a democracia, mas a fortaleçam? Para respondê-la, ao menos quatro desafios precisarão ser encarados de frente: a atualização das leis antimonopólio; o modelo de negócios das gigantes digitais fundado no armazenamento e manipulação de dados pessoais; o seu poder de controle da informação e censura; e o seu alcance sobre jovens e crianças.

Não há soluções pré-fabricadas para esses desafios, e é bom que assim seja, porque elas precisarão ser forjadas no crisol do debate democrático e em suas instâncias de representação política. O desafio é ainda maior quando se considera que a revolução digital é transnacional, e, tal como com as mudanças climáticas, só um esforço global coordenado poderá conduzi-la aos fins esperados.

03 de janeiro de 2022

PESQUISAS ELEITORAIS!

(Cesar Maia – Folha de SP, 01/05/2010) Sempre que as pesquisas eleitorais são publicadas, surgem os questionamentos. Em geral as críticas se baseiam nos resultados diferentes entre institutos, além da margem de erro. Uma pesquisa de opinião pública, sobre qualquer questão, depende de a informação ter chegado às pessoas. Fazer uma pesquisa de opinião no Brasil sobre os conflitos subnacionais na Bélgica neste momento não dará nenhum resultado, mesmo que parte das pessoas marque uma resposta. Da mesma forma, quando a informação a ser pesquisada é restrita, a pesquisa não testa opinião pública. Por exemplo: você acha que o Copom vai aumentar, diminuir ou deixar os juros iguais?

O processo básico para que uma pesquisa eleitoral traduza o que pensa a opinião pública é que o “jogo de coordenação” (expressão técnica) tenha se desenvolvido. Num processo eleitoral, a opinião das pessoas vai se formando em contato com a opinião de outras pessoas.

Elas recebem informações dos candidatos e dos meios de comunicação e conversam entre si. É esse processo de tomada de decisão, a partir das conversas entre as pessoas, o que se chama de “jogo de coordenação”. Longe do processo eleitoral, quando os partidos ainda não iniciaram suas campanhas, sem sua própria TV/rádio, e a imprensa ainda não priorizou a cobertura, as informações que chegam aos eleitores ainda são diluídas. Vale a memória dos nomes.

No caso da eleição presidencial deste ano, um dos candidatos tem o nome mais conhecido por sua participação em outras eleições e em governos. O presidente da República, por um ano e meio, foi reduzindo essa vantagem, divulgando o nome de sua candidata e buscando colá-la às realizações do governo.

Mas quando o processo se abre e a mídia amplia os espaços pré-eleitorais é que se inicia o “jogo de coordenação”. Os candidatos procuram colocar seus nomes e propostas no meio desse “jogo”, assim como desqualificar os seus adversários. As pessoas passam a tratar do tema progressivamente. O “jogo” esquenta quando entra a TV dos candidatos.

As pesquisas, portanto, medem, de início, opiniões frias, e vão retratando de forma crescente a tendência efetiva da opinião eleitoral, a meio do “jogo de coordenação”.

Os fatos eleitorais vão afetando esta opinião pública, mantendo ou alternando tendências. Dessa forma, as pesquisas divulgadas nestes meses falam da opinião pública, antes do “jogo de coordenação”.

Os candidatos, em suas campanhas, vão influenciando esse “jogo” de maneira a que as conversas estimuladas pela propaganda, direta e indireta, produzam, no final, decisões a seu favor.

E as pesquisas, que no início apenas faziam diagnóstico, no final passam a fazer prognóstico.

29 de dezembro de 2021

A EFICÁCIA DA CONFIANÇA, POR RUTGER BREGMAN!

(Alice Ferraz – O Estado de S. Paulo, 25) “Mudar sua visão sobre a natureza humana, olhar para os humanos de uma forma radicalmente nova, implicará consequências para sua própria vida.” Essa foi a frase que deu início à conversa com um dos mais proeminentes pensadores europeus da atualidade. O holandês Rutger Bregman é taxativo ao afirmar que uma mudança de visão sobre a humanidade nos conduzirá a transformar a forma como nos organizamos em sociedade e como democracia e que, obviamente, acarretará mudanças pessoais.

Em seu mais recente livro, o best-seller internacional Humanidade: Uma História Otimista do Homem, Bregman traz uma visão – em suas palavras, realista – sobre o caráter cooperativo e de confiança do homo sapiens que “nasce para aprender, se relacionar e interagir e que tem no ‘corar’ a quintessência da socialização”. Segundo o autor, corar é uma expressão unicamente humana. “Pessoas coram e com isso demonstram que se importam com o que as outras pessoas pensam, fomentando assim confiança e socialização.”

No final de um dos anos mais desafiadores da década, o historiador chama atenção em nossa conversa para uma das recorrentes pesquisas feitas por sociólogos do World Value Survey a cada ano desde a década de 1950. A pergunta feita é: “em média, você acredita que as pessoas são confiáveis?”. Segundo Bregman, não existe nenhum país na Terra com menor número de pessoas que confiam umas nas outras que o Brasil. Na última pesquisa realizada pelo projeto, só 5% dos brasileiros afirmaram poder confiar nas pessoas em comparação aos 70% na Noruega. “A confiança é o oxigênio da sociedade, confiar faz tudo funcionar melhor. Se você não tem confiança, você tem burocracia, mais advogados. Na minha opinião, devemos fazer tudo que pudermos para aumentar o volume de confiança em uma sociedade.”

Como, então, podemos aumentar o nível de confiança no outro nos tempos em que vivemos? Bregman afirma que a pandemia provou mais uma vez que a vasta maioria dos seres humanos quer fazer o certo e contribuir para o bem comum. “Temos de reconhecer que bilhões de pessoas ao redor do globo mudaram radicalmente seu modo de viver para parar a disseminação do vírus e isso é algo impressionante. Podemos sempre olhar para quem não usa máscara e se mostra conta a vacina, ignorando a realidade, mas a grande maioria fez o que era necessário, mesmo sendo difícil e frustrante do ponto de vista pessoal e profissional, incluindo homens de negócio”, conclui.

Se Bregman parece ingênuo à primeira vista, com o decorrer da conversa vemos que suas explicações se baseiam em pesquisas importantes e contundentes. Ele traz exemplos convincentes e atuais e uma teoria revolucionária sobre a base evolutiva do homo sapiens. “É exaustivo viver sempre preocupado com o que as outras pessoas estão tramando por trás de você. Assumir que os seres humanos são programados para a bondade, confiar e esperar esse comportamento dos outros é uma forma libertadora de se viver e, possivelmente, você terá de volta exatamente o que espera.”

O livro de Bregman está na lista do também historiador e best-seller Yuval Noah Harari, autor do premiado Sapiens: Uma Breve História da Humanidade como “o livro que me fez enxergar a humanidade sob uma nova perspectiva”. Para a última semana de 2022, pode ser uma boa aposta de leitura

28 de dezembro de 2021

UM PAÍS CAPAZ DAS REFORMAS!

(O Estado de S. Paulo, 24) A destacar as várias reformas feitas no País desde a redemocratização, o conjunto de podcasts A Arte da Política Econômica – uma iniciativa do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças – mostra que houve um considerável avanço no ambiente institucional e econômico do País. Não condiz com a realidade, portanto, a ideia de que nada foi feito ou de que as coisas só pioram. Muito se fez ao longo dessas três décadas e meia, e olhar em perspectiva a trajetória das reformas pode fornecer lições importantes para os tempos atuais, tão desafiadores.

Em primeiro lugar, ao considerar o que foi aprovado desde o governo de José Sarney, percebe-se que muita coisa foi feita. E ainda mais significativo: muitas reformas foram aprovadas em situações políticas e econômicas dificílimas. Elas não são uma utopia, tampouco exigem circunstâncias excepcionalíssimas. Demandam, isso sim, diagnóstico qualificado do problema, proposta séria e liderança e coordenação políticas.

Não se trata de otimismo ingênuo.

Levantamento do Estado, realizado a partir dos podcasts da Casa das Garças, contabilizou 28 reformas aprovadas desde 1986, começando pela extinção da chamada “conta movimento” do Banco do Brasil, que fazia com que a instituição recebesse um fluxo automático e ilimitado de recursos do Banco Central, como forma de viabilizar operações de interesse do governo federal (por exemplo, compra de produtos agrícolas e concessão de crédito rural). Na prática, a conta transformava o Banco do Brasil em autoridade monetária paralela.

Ao olhar as reformas em perspectiva, fica evidente também a disparidade entre os diferentes governos. Muitas reformas foram realizadas, mas elas não aconteceram por uma espécie de impulso histórico incontornável. Houve períodos com aprovação de medidas estruturantes em ritmo intenso, como os governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, e outros em que nenhuma reforma foi aprovada. Não é exagero: durante o período em que Dilma Rousseff esteve na Presidência da República, nenhuma medida de modernização do País foi implementada.

A escandalosa omissão petista revela a responsabilidade do cidadão na escolha de seu voto. Dilma Rousseff não aprovou nenhuma reforma não porque não contasse com apoio político. Em seu primeiro mandato, tinha ampla maioria no Congresso. O ponto é que ela não queria nenhuma reforma. Sua agenda era intervencionista, em irracional adesão ao retrocesso.

Caso peculiar é o governo de Jair Bolsonaro. O Congresso, quando ainda Rodrigo Maia ocupava a presidência da Câmara dos Deputados, aprovou reformas significativas, como a da Previdência e o novo marco do saneamento básico. No entanto, em vez de representar mérito para o presidente Bolsonaro, a aprovação das duas medidas revela, sobretudo, o influxo positivo, ao longo do tempo, de um governo verdadeiramente reformista. Previdência e saneamento foram objeto de intenso estudo, debate e amadurecimento no governo de Michel Temer.

As “reformas” do governo Bolsonaro – entre aspas, porque carecem de elementos mínimos para se qualificarem como medidas estruturantes – nunca foram prioridade do Palácio do Planalto. Basta ver as PECs apresentadas, em fins de 2019, sob o rótulo de “Plano Mais Brasil” ou a proposta de reforma administrativa. O governo as esqueceu.

O diagnóstico em perspectiva das reformas deixa o presidente Jair Bolsonaro em situação delicada. O bolsonarismo travou a tramitação no Congresso de dois projetos de reforma tributária (de longe, os textos mais maduros sobre o tema que apareceram em anos) e trabalhou para aprovar a PEC do Calote, paradigma de retrocesso na política fiscal.

Seria equivocado, portanto, ignorar que, ao lado das reformas e avanços, também houve, ao longo do tempo, retrocessos e paralisias. A modernização do Estado e do ambiente econômico não é uma utopia, mas requer responsabilidade do eleitor e das lideranças políticas. O obstáculo não é uma eventual impopularidade do governante, e sim o populismo, seja qual for sua cor ideológica.

27 de dezembro de 2021

A QUEDA DE BORIS JOHNSON EM REDUTO CONSERVADOR!

(The Economist/O Estado de S. Paulo, 19) A eleição para o posto vago na Câmara dos Comuns para a região de North Shropshire deveria ter sido fácil para os conservadores que governam o Reino Unido. Neil Shastri-Hurst era um candidato verdadeiramente conservador para um assento verdadeiramente conservador. Cirurgião que serviu ao Exército e posteriormente virou advogado, ele trajava jaquetas e blazers – um visual meio antiquado, talvez, dada sua meia-idade, mas que combinava com os vilarejos e propriedades rurais que ele visitava para angariar apoio.

História e demografia sugeriam que ele encontraria bastante respaldo em North Shropshire. Os limites da circunscrição tinham mudado, mas a região vinha elegendo conservadores continuamente desde 1832, exceto por um hiato de dois anos, após a vitória de um liberal, em 1904.

Owen Paterson, o parlamentar anterior, havia garantido 63% dos votos na eleição mais recente, em 2019, o melhor resultado em sua carreira de 24 anos. Os eleitores da região são mais velhos, mais brancos e mais pró-Brexit do que a média entre as circunscrições, o que tipicamente sugere um terreno favorável aos conservadores.

Mas não foi o que aconteceu. Na votação para preencher o posto, em 16 de dezembro, os eleitores escolherem a liberal-democrata Helen Morgan com 17.957 votos, ante 12.032 do rival. Foi uma derrota considerável para o governo: a fatia de 34,1% dos votos capturada do eleitorado conservador foi a maior desde 2014. Sir John Curtice, especialista em eleições da Universidade de Strathclyde, afirmou que, se esse fenômeno fosse um terremoto, sua magnitude seria de pelo menos 8,5 na escala Richter.

O desdobramento segue-se a uma vitória igualmente dramática dos liberal-democratas em Chesham e Amersham, que lhes garantiu o importante assento de Buckinghamshire, em junho. O significado disso para os conservadores é claro: se circunscrições como essas correm risco sob a direção de Boris Johnson, as deles também estão em perigo.

O partido de Johnson aceitou seu errático estilo de governo acreditando que ele é um cabo eleitoral inigualável. Esse entendimento está se rompendo. O partido tolera incompetência ou impopularidade. Ambas, não. Nenhum desafio à liderança de Johnson sobre o partido parece iminente. Mas, afirmou Geoffrey CliftonBrown, poderoso líder conservador, algum desafiante poderá se materializar se o primeiro-ministro não se acertar nos próximos três meses.

Oliver Dowden, copresidente do Partido Conservador, minimizou o resultado, qualificando-o como uma ressaca de meio de mandato. “Os eleitores de North Shropshire estão irritados e nos mandaram uma mensagem”, afirmou. Governos em meio de mandato perderem eleições para postos vagos na Câmara dos Comuns é a regra geral, e este resultado é um retorno à forma histórica para os liberal-democratas, que há muito são habilidosos competidores em eleições para postos assim.

Com frequência, essas vitórias se revertem para o partido governante em uma eleição geral – veja, por exemplo, as vitórias liberais em Richmond Park, em 2016, ou em Brecon and Radnorshire, em 2019.

Em outros momentos, porém, elas representam pontos de inflexão: sinais de que um primeiro-ministro é irrevogavelmente impopular, prenúncios de sua derrota eleitoral. Para Margaret Thatcher, o começo do fim foi uma eleição para preencher um posto na Câmara dos Comuns em Eastbourne, em 1990. Para John Major, foi Newbury, em 1993. Para Gordon Brown, Glasgow East, em 2008. A diferença entre um tropeço ou um presságio fica clara somente em retrospectiva. Mas a coisa não parece nada boa para Johnson.

A primeira razão é a prova de que os eleitores estão respondendo ao governo não com mera insatisfação, mas com aversão. Paterson deixou o Parlamento em desgraça. Em outubro, uma investigação constatou que ele trabalhou indevidamente como lobista enquanto era parlamentar e recomendou sua suspensão por 30 dias da Câmara dos Comuns.

Ele achou a decisão injusta, assim como Johnson, que pressionou seus parlamentares a votar para derrubá-la e reformar a comissão que tinha decidido. Tratou-se de um reflexo autocrático, impedido por imediatas reações contrárias em seu próprio partido. Johnson recuou. Paterson renunciou ao cargo.

Seria possível sobreviver a isso, caso o fato não tivesse ocorrido no início de um mês catastrófico, que permitiu aos liberal-democratas transformarem a disputa em um referendo a respeito do estilo de governo de Johnson. Durante um discurso para empresários, ele embarcou numa desconexa digressão a respeito da Peppa Pig, a personagem de desenhos animados.

O Partido Conservador foi multado por infringir a lei eleitoral, por não relatar devidamente uma doação que havia financiado uma reforma no apartamento de Johnson, em Downing Street. Revelou-se que festas foram realizadas na residência oficial e em instalações do Partido Conservador, no ano passado, durante os lockdowns para conter a pandemia.

Em 14 de dezembro, Johnson enfrentou uma grave rebelião de parlamentares contra as novas medidas contra a pandemia, que a oposição interpretou como um sinal de fraqueza. Enquanto isso, sua aprovação cai: o instituto Ipsos Mori indicou que Keir Starmer, do Partido Trabalhista, é considerado mais capaz para exercer o cargo de primeiro-ministro por uma margem de 13 pontos, a primeira vez que um líder trabalhista fica à frente nessa sondagem desde 2008. Menos de um quinto dos eleitores considera que Johnson tenha bom julgamento ou represente bem o Reino Unido no exterior.

A segunda razão para Johnson se preocupar é que o resultado sugere que a volatilidade que redefiniu a política britânica nos cinco anos recentes não se abateu. O triunfo eleitoral de Johnson em 2019 decorreu do enfraquecimento de antigas lealdades ao Partido Trabalhista em circunscrições nevrálgicas para a legenda. Esse resultado sugere que lealdades estão indefinidas também em bastiões conservadores e, com o divórcio da Europa já estabelecido, o Brexit deixou de ser um grito de união para os conservadores como era dois anos atrás.

Ainda assim, mais onipresente para o primeiro-ministro é a evidência de que os eleitores de oposição estão se organizando de maneira marcadamente eficiente, concentrando o voto no candidato capaz de vencer um conservador. Enquanto a fatia de eleitores liberal-democratas aumentou em North Shropshire, a do Partido Trabalhista, a principal legenda de oposição, caiu mais que a metade.

Um padrão similar foi percebido em Chesham and Amersham. Há evidências de uma discreta e informal cooperação: os trabalhistas mantiveram o assento em Batley and Spen em uma eleição para ocupar um cargo vago na Câmara dos Comuns, em julho, auxiliados por um leve toque da campanha liberal-democrata. E os trabalhistas não lutaram o quanto poderiam em North Shropshire, apesar de ter terminado em segundo lugar na disputa de 2019.

Esse balé faz sentido: o número de circunscrições em que liberal-democratas e trabalhistas são os principais rivais uns dos outros reduziu-se acentuadamente na última década, à medida que as regiões mais promissoras para cada partido se distinguiram cada vez mais. Se o agrupamento em torno de um único candidato de oposição visto em North Shropshire se repetir em outras circunscrições dominadas por conservadores, isso poderia ser fatal para eles.

23 de dezembro

GABRIEL TARDE! 

(Cesar Maia – Folha de SP, 15/05/2010) Gabriel Tarde (1843-1904), sociólogo francês, pai da microssociologia (e da micropolítica), viu suas ideias serem atropeladas pelas escolas estruturalistas, como as de Marx, Durkheim, Weber etc., que prevaleceram no século 20. Sua obra capital foi “Les Lois de l’Imitation” (1890), texto fundamental para entender a lógica da internet 110 anos depois.

Em “Leis da Imitação”, Tarde analisa o processo de formação de opinião a partir das relações entre os indivíduos. Nos termos de hoje: os meios de comunicação, sistemas de publicidade, vocalizadores etc… distribuem informações, que são filtradas pelos indivíduos. Para assumi-las como opinião sua, o indivíduo as testa com alguém em cuja opinião confia.

Na medida em que haja coincidência, ele afirma a informação como opinião e a repassa. Esse processo ocorre em pontos infinitos, que vão formando fluxos de opinamento. Alguns são linhas tênues, que desfalecem. Outros fluxos se ampliam e vão avançando com diversas intensidades viróticas.

Para Tarde, há três tipos de indivíduos: os “loucos”, que iniciam fluxos de opinamento; os “tímidos” ou “sonâmbulos”, que são repassadores de fluxos, ou imitadores, na expressão de Tarde; os “tolos”, ou “descrentes”, que pouco repassam os fluxos recebidos.

Para Tarde, a imitação difunde-se em ondas concêntricas. Por esse processo se formam as instituições e a opinião pública. Se um grupo social afirma ideias, outros podem repassá-las por “imitação”. Olhando para os meios de comunicação de hoje, que são os mais importantes distribuidores de informação, estes obedecem à lógica da audiência, pois esta define suas rentabilidade e competitividade.

Estrito senso, os meios de comunicação não formam opinião, mas reforçam opinião formada. Mas, como estão inseridos socialmente, por sensibilidade, estudos ou pesquisas, dão conta de fluxos de opinamento em formação sustentada.

Quando propagam esses fluxos, aceleram enormemente a velocidade de transformação deles em opinião pública. Fluxos que constituiriam opinião pública em, por exemplo, dois anos, podem ser acelerados pela TV e formar opinião em duas horas, como ocorre algumas vezes.

A lógica da internet e de suas redes é essa, agregada à diversidade informacional de hoje. “Louco” é quem cria um fluxo e vê sua repetição às centenas e aos milhares nas redes, no YouTube…

“Tímidos” são os mais importantes para os iniciadores e estimuladores de fluxos (políticos entre estes).

São os “tímidos” que garantirão aos fluxos os múltiplos acessos e a aceleração na formação de opinião -e o voto. Um processo muito mais complexo e difícil que na TV dos anos 70/80.

22 de dezembro de 2021

BRASIL, AINDA UMA DEMOCRACIA?

(Albert Fishlow, economista e cientista político, professor emérito nas universidades de Columbia e da Califórnia em Berkeley – O Estado de S. Paulo, 19) Com o início do recesso parlamentar, depois de o Congresso preparar a votação do Orçamento federal, um ano decisivo de eleições presidenciais acaba de começar. Bolsonaro conseguiu garantir um novo partido político para apoiá-lo e, também, elevar o déficit federal projetado para o dobro do nível de 2021, aumentando os benefícios para os pobres, assim como a isenção do Imposto de Renda para aqueles com receitas mais altas.

Agora, ele só precisa se preocupar com a enorme liderança de Lula nas pesquisas e com a insistência do Supremo Tribunal Federal (STF) em manter os princípios eleitorais democráticos. Com o surgimento de novas informações nos EUA sobre as tentativas fracassadas de Trump de se manter no cargo presidencial ilegalmente, Bolsonaro e os filhos talvez queiram passar as férias lendo em vez de relaxar ou dirigir motos.

Lula, por outro lado, já está tentando se definir mais como centrista do que esquerdista. Ele também procurou enfatizar seu compromisso com uma política climática positiva na Amazônia, o que diverge de sua posição anterior. A decisão dele de oferecer a vice-presidência a Geraldo Alckmin, duas vezes candidato à presidência pelo PSDB, foi uma jogada inteligente. Desta forma, ele busca atrapalhar as esperanças de João Doria, governador de São Paulo.

Sérgio Moro também entrou na disputa. Sua fama é resultado de seu papel central na Lava Jato. A Operação também levou à prisão de Lula, que, posteriormente, foi anulada após revisão de um tribunal superior. Moro foi ministro da Justiça durante o primeiro ano de mandato de Bolsonaro, de quem se afastou mais tarde depois de pedir demissão. Por isso, ele se define, naturalmente, como opositor de ambos os principais candidatos.

A vitória de Lula proporcionará a faísca de inovação que o Brasil tanto precisa? O PT conseguirá reconstruir o Brasil afastando-se de seu forte compromisso atual de apenas gastar mais, em vez de alocar melhor?

Os problemas econômicos enfrentados pelo País são graves, e dificilmente serão resolvidos pela liderança de Paulo Guedes, cujo simples compromisso com o setor privado não funciona tão perfeitamente quanto ele acredita. As projeções econômicas para o futuro imediato são ruins.

Este padrão exige mudança. O compromisso com a inovação regular é a única solução. O Brasil deve se integrar ao mundo de forma mais eficaz, com menos dependência do nacionalismo e do populismo. Isso não é fácil. Tal estratégia não é completamente centrada no Estado, nem dependente de sinais de lucro privado. A democracia permite que ela funcione.

20 de dezembro de 2021

INDIGNADOS!

(Cesar Maia – Folha de SP, 11/06/2011) Manuel Castells apresentou, em 2009, seu livro “Comunicación y Poder” numa conferência na Universidade Complutense de Madri (ver no YouTube). Trata da mudança da política pela transformação da comunicação.

A construção do poder é a capacidade de atores sociais influenciarem outros, de maneira a reforçar o seu poder. Onde há poder existe contrapoder ou resistências às relações institucionalizadas.

A batalha pelas mentes se joga na comunicação. Não é o Estado, e sim a comunicação, o instrumento básico de construção do poder. Castells diz que a emoção fundamental é o medo, que elimina o espírito crítico e foca, nos indivíduos, a busca por proteção.

A informação que reforça o que uma pessoa pensa tem seis vezes mais probabilidade de ser registrada. Por isso, a imprensa vai atrás da opinião que as pessoas já têm. A comunicação cria o campo das mudanças na opinião pública. Isso não quer dizer que se siga a mídia -que constrói os espaços públicos. As pessoas opinam sobre o que é divulgado.

Informações omitidas pela mídia restringem o espaço público do debate. A audiência é ativa, mas se dá no espaço público do que é divulgado. Grave é o que a mídia omite.

Política sem comunicação de massa não chega ao público. A mídia não é detentora de poder, mas formadora dos espaços onde se constrói o poder. A comunicação política requer mensagens simples e poderosas. O mais simples é o rosto humano. O mais poderoso é a confiança.

A estratégia fundamental na disputa pelo poder é destruir a confiança numa pessoa ou num partido. Quem não participa de tal jogo não está na política.

Essa disputa é a política do escândalo. São batalhas pelo poder simbólico onde se joga reputação e confiança. Mas o excesso gera fadiga do escândalo que termina igualando a todos e desprestigiando o sistema político. A correlação entre corrupção percebida e descrédito nos políticos é clara.

Hoje, o jogo do poder depende também das novas mídias, via internet e celular, que são redes horizontais ou autocomunicação de massa.

O sistema se abre a mensagens de todo tipo, individuais e de movimentos sociais. Estes atuam sobre valores sem objetivar o poder, e estão fora da sociedade civil organizada.

Aqui surgem práticas políticas insurretas, movimentos espontâneos dos indignados, que até desestabilizam governos. Passam por cima dos partidos e das regras do jogo. É a cultura da indignação. Os indignados que não atuavam na política entram no jogo.

O espaço público está sendo reconstituído fora das instituições. As condições de mudança se produzem nesse novo espaço da comunicação. É a sociedade fora dos partidos e dos sindicatos. Esse é o mundo do poder e da mudança.

17 de dezembro de 2021

ANTIPOLÍTICA NO CHILE!

(João Vitor Cardoso, pesquisador do Centro de Estudios de Conflicto y Cohesión Social e doutorando pela Universidad de Chile – Folha de S. Paulo, 04) Devido ao marco eleitoral definido pela ditadura (o dito ‘sistema binominal’), no Chile se estabeleceram duas grandes coalizões políticas: por um lado, a ‘Concertación’, abrangendo os partidos de esquerda; e, por outro, a ‘Alianza por Chile’, com a direita. Apesar de outras coligações também se estruturem ao longo do tempo, como a ‘Frente Amplio’, do candidato presidencial esquerdista Gabriel Boric, este sistema gerou no país duas identidades políticas tradicionais.

Em 2015, houve uma reforma que pôs fim a tal sistema e, entre outras medidas, obrigou os partidos a apresentar 40% de candidaturas femininas. Antes, em 2012, o voto passou a ser facultativo e, desde então, a tendência de participação eleitoral apresentou baixa considerável. Em suma, nas últimas décadas, os presidentes foram sendo eleitos graças ao voto de aproximadamente um terço do eleitorado. A mobilização deste terço em cada banda ideológica vai provocando o espelhamento da representação política em duas minorias – enquanto, ao mesmo tempo, o grupo de pessoas que não se identifica com o sistema eleitoral cresceu nos últimos anos.

Esse processo acompanha a redução da identificação partidária que vem ocorrendo na América Latina. O Chile, depois da Guatemala, é o país da região onde as pessoas menos se identificam com um partido político. Para além da polarização direita-esquerda, como o cientista político Carlos Meléndez observa, a orientação negativa em relação aos partidos políticos é um previsor importante da intenção de votos.

Essa ‘anti-identificação’ com os partidos revelou-se no primeiro turno das eleições presidenciais com o sucesso do candidato outsider Franco Parisi, que abraçou uma identidade ‘antissistêmica’ e ficou em terceiro lugar. Neste gradual abandono da identificação partidária, as pessoas ‘apartidárias’, que aparentemente recusavam qualquer politização, agora parecem tender ao populismo.

Vale lembra que, em outubro de 2019, os levantes populares, conhecidos como ‘Estallido Social’, ecoaram a crise do modelo de ‘soluções privadas para problemas públicos’ estabelecido pela Constituição de 1980, como sintetiza o constitucionalista Javier Couso. Com efeito, observa-se uma tensão entre eficácia econômica e legitimidade política na medida em que esta última está ancorada na promessa de expansão do consumo e ascensão social das classes médias.

Assim, em um contexto de estancamento econômico, aumento nas tarifas de serviços básicos, alta concentração de renda, avanço da criminalidade, intenso movimento imigratório e profunda deslegitimação do sistema político, o modelo socioeconômico constitucionalizado pela ditadura colapsa.

Enquanto a desorganização da economia gera convulsão social, esta desorganiza o sistema político. Um ano depois, em outubro de 2020, 78% dos chilenos votaram a favor de abrir um processo constituinte, em plebiscito que teve a maior participação eleitoral da história do país desde a instituição do voto facultativo.

Os candidatos presidenciais que chegaram ao segundo turno colocam-se em polos opostos diante desse fenômeno: o ultradireitista José Antonio Kast chamou a população a votar pelo ‘recuso uma nova Constituição’ e reduziu a convulsão social a uma questão de segurança pública; já Boric estava na mesa de negociações do acordo multipartidário que abriu caminho para a institucionalização do processo constituinte.

Caso este resista às eleições, o Chile terá a primeira Constituição paritária do mundo, graças a um mecanismo de correção de resultados destinado a assegurar que nenhum sexo esteja super-representado no organismo que está redigindo a nova Carta do país. Aos representantes dos povos originários também foram garantidos 17 assentos, distribuídos de acordo com a prevalência de cada grupo étnico.

Na eleição do próximo dia 19 de dezembro, o exemplar processo constituinte, com regras eleitorais inovadoras, pode estar em jogo. Por um lado, as consequências da crise social abriram caminho para uma atuação crescente de grupos, setores e classes emergentes, culminando na Constituinte; por outro, observa-se uma pane na classe média, que acaba se deixando levar por populismos que prometem segurança e estabilidade na base da força.

16 de dezembro

CICLOS POLÍTICOS!

(Cesar Maia – Folha de SP, 16/10/2010) Há certa tendência do eleitorado em dar, aos governos, um prazo maior que o de um mandato para mostrar a que vieram. A reeleição é percebida como um mandato de oito anos, com ‘recall’ no quarto.

Só um governo desastrado – penso assim – não consegue a reeleição.

Mesmo aqueles com avaliação regular tendem a conseguir o segundo mandato, projetando expectativas a partir do tempo que precisam. E do uso da máquina. Nos regimes parlamentaristas, estes ciclos costumam ir além dos oito anos, mas raramente acima de 12 anos. Helmut Kohl, na Alemanha, foi uma exceção: governou 16 anos.

As razões para o esgotamento dos ciclos decenais são conhecidas. As expectativas excedem, e vem um julgamento muito mais enérgico que no primeiro mandato. O eleitorado muda, com a inclusão dos que eram jovens sem direito a voto antes. É o conhecido ‘desgaste de material’ que o exercício do poder impõe.

‘Desgaste de material’ é quando o governante passa a ter a intimidade do eleitor e perde a capacidade de criar expectativas e de surpreender.

A sensação de que as mudanças, ou mais mudanças, não virão estimula o eleitorado a buscar a alternância.

No entanto, nada disso é automático, e menos ainda compulsório. Depende da oposição. Quando uma força política, ou uma coligação, vê seu ciclo terminar e toma isso como fracasso seu, e não como a alternância de ciclos, produto da tendência natural do eleitor, se precipita e passa a se autoflagelar. E, assim, transforma em desastre uma derrota natural e previsível.

O novo ciclo, que poderia ser mais curto, termina sendo mais longo, pela fragilização da oposição. A entrada de um novo ciclo político exige das forças políticas que estão fora da nova onda paciência e talento. Paciência para entender esse processo e não ter crises de ansiedade. Talento para encurtar a duração da nova onda.

Em 2002, a percepção da oposição era que o governo que assumia produziria um desastre. Ficou esperando. O desastre não veio, e uma expansão mundial lhe deu até conforto. No ‘mensalão’ de 2005, a palavra de ordem que prevaleceu foi ‘deixar sangrar’. A sangria passou rapidamente, com umas demissões, o crescimento econômico e a intensificação dos programas assistenciais.

Por aqui, um novo ciclo atrai políticos de um lado para outro. Nos países em que o voto é distrital ou em lista, com poucos partidos, isso não ocorre. Num país federado e continental como o Brasil, esses ciclos se dão também em nível regional. E o que se vê, país afora, é uma ingênua e imprudente autoflagelação dos perdedores. Paciência e talento aos perdedores.

15 de dezembro de 2021

ESCÂNDALOS ASSOMBRAM CASTILLO!

(O Estado de S. Paulo, 10) O presidente do Peru, Pedro Castillo, sobreviveu a uma tentativa do Congresso de impedilo, mas apenas por agora. Na noite de terça-feira, Castillo provavelmente sentiu algo próximo a um alívio. Depois de horas de deliberação, o Congresso votou contra a abertura de um processo de impeachment para removê-lo da presidência, duas semanas depois de um grupo de parlamentares de direita apresentar a moção.

Até segunda-feira, a situação parecia ruim para o desgastado presidente e não apenas por causa da agressiva oposição que ele tem enfrentado de virtualmente todos os campos políticos – incluindo de seu próprio partido, o Perú Libre – desde o primeiro dia de seu governo. Enquanto uma série de escândalos chegava às manchetes ao longo do mês passado, parecia que a oportunidade para a direita se livrar de Castillo finalmente havia chegado, enquanto até partidos mais centristas, como Acción Popular e Alianza por el Progreso, consideravam publicamente a possibilidade.

Mesmo assim, a moção pela abertura dos procedimentos fracassou, aparentemente porque a oposição não obteve o coup de grâce que esperava para o fim de semana. Uma reportagem aguardada, que revelaria o teor de gravações de áudio que implicariam Castillo em um caso de suborno, não foi publicada, por fim.

Mas isso não importa. Apesar de seus erros, a oposição encontrará uma outra chance, porque ao que tudo indica Castillo logo lhe proverá um novo motivo para sua remoção. Apenas quatro meses após iniciar o mandato, múltiplas alegações de corrupção emergiram no entorno do presidente. Um ex-comandante do Exército acusou Castillo, seu ministro da Defesa e seu chefe de gabinete, Bruno Pacheco, de pressioná-lo para promover oficiais próximos a Castillo indevidamente.

O ex-comandante alega que foi aposentado compulsoriamente quando se recusou. O diretor da agência de tributos e aduana do Peru também acusou Pacheco de pressioná-lo para favorecer certas empresas com impostos atrasados, o que ocasionou uma investigação. Poucos dias depois, Pacheco, que desde então se demitiu do cargo, foi encontrado com US$ 20 mil escondidos no banheiro de seu escritório. Ele alega que o dinheiro era de sua poupança.

Para piorar as coisas, em 28 de novembro, um programa jornalístico mostrou imagens de Castillo encontrando-se secretamente, tarde da noite, com uma mulher, em um edifício não destinado a assuntos oficiais do governo. A mulher foi posteriormente identificada como Karelim López, lobista de uma empresa que recentemente venceu uma licitação do governo oferecendo seus serviços por exatos 27 centavos a menos do que sua competidora. Foi essa série de eventos que motivou parlamentares dos partidos Renovación Popular, Avanza País e Fuerza Popular a apresentar a moção de impeachment.

Num discurso ao país, Castillo declarou que o encontro com López foi “pessoal” e que houve uma tentativa de desacreditá-lo por parte de pessoas que não conseguem aceitar um presidente camponês. Em um anúncio paralelo, a respeito de esforços para coletar dinheiro para crianças órfãs, Castillo afirmou que explicaria a fonte dos recursos para o projeto “muito em breve”. A respeito da suposta interferência nas forças armadas, Castillo disse apenas que respeita a instituição.

Escândalos estão obscurecendo qualquer avanço em políticas que o governo possa estar promovendo. A principal proposta de Castillo, mudar a Constituição, parece mais improvável que nunca. Houve muito pouca resposta em relação aos relatórios a respeito dos poderes legislativos que o Executivo pediu ao Congresso no começo de novembro.

A vice-presidente, Dina Boluarte, a primeira na linha de sucessão, também enfrenta significativa hostilidade da oposição e dentro do Perú Libre. A atual primeira-ministra de Castillo, Mirtha Vásquez, tem se dedicado principalmente a apagar incêndios que parecem atingir diariamente o palácio presidencial – incluindo seu próprio anúncio a respeito do fechamento de quatro minas em Ayacucho, do que teve de voltar atrás dias depois após muitas críticas do setor privado.

Em um aparente esforço para negociar sua sobrevivência, Castillo chamou para conversar os líderes de todos os partidos no Congresso antes de terça-feira, sem especificar a agenda. Os dois maiores de direita, Fuerza Popular e Renovación Popular, não atenderam ao convite.

Sua reunião com Vladimir Cerrón e seu ex-primeiro-ministro Guido Bellido, membros da facção radical do Perú Libre, que por fim não apoiou a moção para impedi-lo, provocaram especulação de que Castillo voltará a se inclinar para a extrema esquerda por causa da determinação da direita em removê-lo do cargo.

Mas isso não aumentará seu poder nem o enfraquecerá. O verdadeiro problema de Castillo parece ser que ele, aparentemente, está pouco interessado em governar e, em vez disso, parece ter o foco em usar sua posição para favorecer seus aliados e talvez a si mesmo. Seus defensores argumentariam que isso não o diferencia em relação a presidentes peruanos anteriores, mas a questão é precisamente essa: longe de trazer uma mudança real, Castillo está dando continuidade aos mais tradicionais aspectos da política peruana.

Enquanto isso, os opositores darão tempo ao tempo. Eles se contiveram nessa ocasião, mas não por alguma preocupação verdadeira pela estabilidade democrática, nem, evidentemente, por qualquer apoio tácito a Castillo. A direita simplesmente aprendeu uma lição com o impeachment e a remoção do cargo do ex-presidente Martín Vizcarra, em 2020: enquanto o presidente tem algum apoio, tentativas de destituí-lo resultarão numa significativa reação contrária. Isso não quer dizer que os recentes eventos não estão prejudicando os índices de aprovação de Castillo.

Ele tem atualmente 25% de aprovação, em comparação a 35% em outubro, segundo o instituto de pesquisa IEP, mas 55% da população ainda é contra sua remoção do cargo – provavelmente porque o Congresso tem uma taxa de aprovação ainda pior, de 21%. Então, a direita vai esperar e acompanhar os desdobramentos. Com base em seu comportamento até este ponto, Castillo dará oportunidade para a direita lhe impingir o golpe mortal mais cedo que tarde.

14 de dezembro

TRAGÉDIA ANUNCIADA NA EDUCAÇÃO!

(O Estado de S. Paulo, 12) A pandemia de covid-19 está longe de ser uma tragédia superada, mas é inegável que o avanço da vacinação no Brasil tem diminuído as infecções e o número de mortes. Nada trará de volta as mais de 615 mil vítimas do novo coronavírus. O luto das famílias deve ser respeitado e o surgimento de novas variantes deve manter todos em alerta. Ao mesmo tempo, o País precisa voltar os olhos para o futuro antes que o retrocesso promovido pelo desgoverno nos últimos três anos seja irreversível. É urgente, portanto, conter o avanço da evasão escolar.

A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, o movimento Todos pela Educação conseguiu traduzir em números uma catástrofe mais do que anunciada. Cerca de 244 mil crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos estavam fora da escola no segundo trimestre deste ano, um crescimento de 171,1% em relação ao mesmo período de 2019. Isso significa que 1% deles não estava matriculado em nenhuma instituição, ante 0,3% em 2019. É a maior taxa dos últimos seis anos. No Ensino Fundamental ou Médio, a taxa de atendimento dos estudantes recuou de 98% em 2019 para 96,2% neste ano, a pior desde 2012.

Mesmo com o retorno presencial das aulas em todo o País, a expectativa para os últimos meses deste ano não é de melhora. O líder de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa, explicou ao Estado que o fechamento prolongado das escolas criou um preocupante desengajamento, principalmente entre os alunos mais pobres. O resultado dessa mazela social é evidente. Basta frequentar as ruas para perceber onde estão essas crianças: trabalhando para tentar ajudar suas famílias a trazer comida para dentro de suas casas. Na Bahia, por exemplo, a quantidade de pedidos para estudar à noite disparou, já que os interessados assumiram outras atividades econômicas durante o dia.

A evolução do porcentual de jovens fora da escola escancara a marca de irresponsabilidade do governo Jair Bolsonaro. A evasão, que caiu ano a ano entre 2012 e 2019, subiu de forma consistente nos últimos três anos. Há também muitas crianças atrasadas na trajetória de ensino. Mais de 700 mil daquelas com idade entre 6 e 14 anos estão matriculadas na pré-escola, etapa voltada para aquelas entre 4 e 5 anos.

O Banco Mundial já havia alertado, em março deste ano, para o grave quadro educacional que se desenhava na América Latina e no Caribe. A instituição financeira estimava que o abandono escolar poderia aumentar 15% na pandemia e que a região teria a segunda maior alta mundial absoluta de pobreza de aprendizagem – na época, um em cada dois alunos já era incapaz de ler e compreender um texto simples ao fim do Ensino Fundamental. O custo econômico agregado das perdas em capital humano e produtividade somaria US$ 1,7 trilhão, conforme o banco.

No Brasil, porém, o governo fez ouvidos moucos às previsões e continua a ignorar indicadores que apenas confirmam essa calamidade. A única preocupação do presidente Jair Bolsonaro na área de Educação era excluir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) questões não alinhadas à pauta conservadora e promover um revisionismo histórico por meio do qual o golpe militar de 1964 seria tratado como revolução. Enquanto isso, o exame, que completou 23 anos e é a principal porta de entrada de universidades públicas, teve o menor número de inscritos desde 2005.

Depois de três péssimos ministros, cortes em verbas para bolsas e demissões coletivas em órgãos vinculados à pasta, a dúvida que remanesce é quando a crise na Educação brasileira encontrará o fundo do poço, de forma que o estrago possa finalmente começar a ser revertido. É mais do que necessária uma articulação entre União, Estados e municípios para promover a busca ativa dos estudantes e trazê-los de volta para a sala de aula, tarefa que hoje tem sido desempenhada apenas por professores e diretores. É algo desafiador e que, no caso das crianças carentes, passa pelo básico: oferecer refeições àquelas que têm fome.

13 de dezembro de 2021

GANGUES DISPUTAM CONTROLE DE CIDADES DA RIVIERA MAIA E ASSUSTAM TURISTAS NO MÉXICO!

(O Estado de SP, 06) Os mexicanos mais saudosistas ainda se lembram do paraíso que era o balneário de Acapulco, cantado na voz doce de Frank Sinatra – hoje, uma cidade tomada pela violência. Para não ver o pesadelo se repetir na Riviera Maia, o governo do Presidente Andrés Manuel López Obrador mandou para a região um batalhão de elite da Guarda Nacional, treinado especificamente para a segurança dos turistas. No fim de semana, homens fortemente armados começaram a patrulhar as praias de água azul turquesa.

O envio de um grupo de elite da Guarda Nacional foi anunciado por López Obrador em novembro após uma onda de violência tomar conta da Península de Yucatán. No dia 20 de outubro, um confronto entre gangues no bar La Malquerida, em Tulum, deixou dois turistas mortos – uma alemã e uma indiana – e três feridos.

No dia 4 de novembro, em Puerto Morelos, um lugarejo localizado entre Cancún e Playa del Carmen, um comando fortemente armado tomou de assalto a praia do hotel Hyatt Ziva Riviera com a intenção de assassinar dois traficantes de um grupo rival – ambos disputavam o ponto de venda de drogas. O confronto terminou com a morte de dois traficantes e cenas de pânico, com turistas e funcionários correndo em desespero em busca de proteção.

Na semana passada, documentos revelados pela agência EFE mostraram uma operação confusa da polícia do Estado de Quintana Roo, no dia 1º de outubro. Homens mascarados e fortemente armados invadiram o hotel El Pez, em Tulum, causando pânico entre os hóspedes. O governo estadual garante que foi uma missão de busca e apreensão, mas muitos turistas acabaram roubados – alguns foram até expulsos do lugar sob a mira de fuzis automáticos.

No México, há um excesso de forças policiais. Além de duas polícias federais e 31 estaduais, cada município também tem uma. No total, são mais de duas mil corporações diferentes. Apenas o Distrito Federal – Cidade do México – tem quatro forças policiais.

A ponta mais frágil da cadeia são os policiais municipais, que quase não têm direito a férias. A maioria, cerca de dois terços, ganha menos do que um salário mínimo e todos pagam pela munição que utilizam. Ao mesmo tempo, são eles que enfrentam mais de 90% dos crimes comuns cometidos e estão na linha de frente dos cartéis, portanto, mais vulneráveis à corrupção.

Por isso, a ideia de López Obrador é tentar federalizar a segurança pública, investindo nessa força de elite da Guarda Nacional. Ao todo, cerca de 1,5 mil integrantes foram enviados para a Riviera Maia, distribuídas entre as localidades de Benito Juárez, Isla Mujeres, Solidaridad, Puerto Morelos e Tulum.

De acordo com especialistas, quatro grandes cartéis disputam o domínio do tráfico de drogas nas praias de Quintana Roo – Los Zetas, Jalisco Nueva Generación, Golfo e Sinaloa. Essas quatro organizações estão ligadas a gangues locais, que não se importam em disparar contra qualquer um em plena luz do dia. Uma delas é conhecida como ‘Cartel de Cancún’, que é formado por ex-integrantes dos Zetas.

As receitas dos cartéis, no entanto, não se resumem ao tráfico de drogas. Segundo Edgardo Buscaglia, especialista da Columbia Law School, de Nova York, as organizações criminosas mexicanas complementam a renda com contrabando, falsificação de dinheiro, de documentos, fraudes, homicídios por encomenda, roubo, pirataria, prostituição, sequestro, tráfico de armas e de seres humanos.

No caso da Riviera Maia, a extorsão é uma importante fonte de recursos das organizações criminosas. Nos últimos meses, hotéis, restaurantes, pizzarias e até um shopping center sofreram violentos ataques associados à cobrança por proteção, o que levou muitos estabelecimentos a fecharem suas portas. ‘As investigações apontam que a violência é causada, principalmente, por células do cartel de Sinaloa que disputam o território entre si’, disse o governador do Estado, Carlos Joaquín González.