28 de junho de 2022

QUEM É LEONIDAS IZA, O LÍDER INDÍGENA DE PONCHO VERMELHO QUE ASSOMBRA O GOVERNO DO EQUADOR!

(O Globo, 25) Forte, veemente e sempre vestindo seu poncho vermelho, Leonidas Iza forjou sua liderança entre os indígenas do Equador em meio ao fogo dos protestos. Hoje de volta a Quito, ele está à frente de uma mobilização que encurrala o presidente conservador Guillermo Lasso.

O líder de poucos sorrisos comandou uma revolta contra o governo em 2019, que então terminou com 11 mortos e mais de mil feridos.

Agora, Iza volta às ruas para uma nova briga: ou Lasso alivia o custo de vida — que afeta severamente as comunidades rurais — ou ele e os seus continuarão em Quito, uma cidade semiparalisada pelos protestos.

— Se (o Executivo) não resolver este problema, rios de gente continuarão a chegar à capital — desafiou o chefe de um exército de 14 mil homens e mulheres com lanças e paus capazes de abalar um governo.

Iza, de 39 anos, é um quéchua do povo Panzaleo, assentado nas províncias de Cotopaxi e Tungurahua, no coração dos Andes euatorianos. O poncho vermelho, uma trança até as costas e suas palavras flamejantes o distinguem entre os indígenas.

Teimoso e, às vezes, radical, Iza é um anarquista aos olhos do governo, mas seu povo o vê como um representante fiel e carismático de suas causas.

— Qualquer governo terá que lidar com a posição do movimento indígena e dos setores populares — disse Iza, presidente da poderosa Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), à AFP antes da eleição de Lasso em 2021.

Andrés Tapia, que o conhece há 20 anos, o descreve como um líder “determinado” em suas ideias e gentil com seus amigos.

— Sempre teve um caráter muito firme — comenta Tapia, que trabalhou com Iza em seus primeiros dias como ativista.

O ex-porta-voz da Conaie Apaawki Castro concorda e acrescenta: quer “que tudo saia milimetricamente calculado”. Seu lado sensível aparece quando canta e toca instrumentos de sopro.

Iza quer recuperar para os indígenas o poder de outros tempos quando, com suas revoltas populares, derrubavam presidentes.

Único de oito irmãos que estudou na universidade, dirigiu o Movimento Indígena e Camponês de Cotopaxi (MICC). Em 2021 tornou-se presidente da Conaie. Sua participação nos protestos de 2019 foi fundamental. Aquele “outubro negro” — como chamam os episódios as classes média e alta de Quito — foi parar no livro “Estallido”, que Iza escreveu com Tapia e Andrés Madrid.

O relato, que descreve a revolta como “épica”, resume os sentimentos do líder: “Comunismo indo-americano ou barbárie”.

Nascido na comunidade de San Ignacio, em Cotopaxi, no Sul do Equador, Iza garante que deve seu espírito guerreiro à mãe.

— Minha mãe Rosa Elvira [Salazar tinha um espírito rebelde. Ela sempre esteva nos processos comunitários, nas mobilizações, cozinhando nas mobilizações — contou em entrevista divulgada pelo MICC, na qual aparece alimentando um bezerro.

A prisão de Iza logo após o início do novo protesto alimentou as manifestações no país. O líder a descreveu como um “sequestro político”. O dirigente indígena defende a produção agrícola em detrimento da exploração mineral.

— Se conseguíssemos reorganizar a capacidade produtiva nacional, poderíamos alimentar parte do mundo — disse.

Em 2021, ele concorreu à indicação do Pachakutik , o braço político da Conaie, para as eleições presidenciais de 2021. E embora tenha perdido para Yaku Pérez —-que ficou em terceiro no primeiro turno — conseguiu entrar totalmente no radar da política equatoriana.

22 de junho de 2022

OS MUITOS GANHOS DO ENSINO INTEGRAL!

(O Estado de S. Paulo, 22) Por qualquer ângulo que se olhe, o ensino integral é um investimento que vale a pena. Melhoria da aprendizagem, redução de desigualdades, maior empregabilidade e salários mais altos para quem conclui a educação básica, entre outros benefícios, já haviam sido constatados em levantamentos anteriores. Uma recente pesquisa acaba de evidenciar mais um ganho ligado à oferta de ensino em tempo integral: a diminuição, em até 50,8%, das taxas de homicídios de adolescentes homens na faixa de 15 a 19 anos.

Os dados, noticiados pelo Estadão na última segunda-feira, retratam a realidade de Pernambuco, onde foram comparadas taxas de homicídio de jovens em municípios com e sem escolas de ensino em tempo integral, inclusive em Estados vizinhos. Desde 2004, a rede pernambucana investe em escolas de tempo integral, com 70% das vagas de ensino médio nesse formato de carga horária dobrada, o mais elevado índice do País.

Cada município pernambucano conta atualmente com pelo menos uma escola em horário integral. O investimento, como não poderia deixar de ser, resultou em aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade do ensino brasileiro, que leva em conta o desempenho dos alunos em provas de matemática e língua portuguesa, além da aprovação ao final de cada ano letivo.

Os benefícios do ensino em tempo integral são intuitivos e ecoam o senso comum: ao permanecer mais horas na escola, crianças e adolescentes têm mais tempo de aula, de estudo e de convívio. Não surpreende, então, que aprendam mais e que sua vivência escolar seja capaz de abrir mais portas, quando terminarem o ensino médio e partirem rumo à universidade ou ao mercado de trabalho. Não por outra razão, países desenvolvidos adotam o ensino em tempo integral, enquanto a regra, na maioria das escolas brasileiras, é apenas um turno de quatro horas.

Vale registrar, porém, que a jornada mais longa, por si só, não basta. Mais do que uma escola em tempo integral, o que se busca é uma escola que ofereça educação integral, isto é, que dê conta da formação dos estudantes em diversas frentes: a cognitiva, a socioemocional, a física, a cidadã e a profissional, entre outras. Qualidade, em todos os sentidos, é a palavra-chave. Daí que uma política educacional centrada nesse modelo requer ações articuladas. Tanto os professores devem atuar em regime de dedicação integral quanto o currículo precisa ser atrativo e diferenciado, com foco no protagonismo e no projeto de vida dos jovens. Se a escola for desinteressante e de má qualidade, quem vai querer permanecer mais tempo nela?

O levantamento em Pernambuco foi realizado por pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. Assim como estudos anteriores, jogou luz sobre algo essencial nas políticas educacionais: investir em escolas de ensino em tempo integral gera resultados positivos. Ou seja, do ponto de vista dos governos e das prioridades orçamentárias, é um tipo de investimento que compensa e vale a pena. Logo, deveria servir de referência para gestores educacionais em todo o País, seja em Brasília, onde o Ministério da Educação (MEC), sob o atual governo, já demonstrou não ter projeto educacional à altura dos desafios nacionais, ou nos gabinetes das secretarias municipais e estaduais de Educação.

Não há mágica para solucionar os problemas educacionais nem é preciso reinventar a roda. O ensino em tempo integral já comprovou ser um caminho que traz avanços. Nos últimos anos, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo acordou para a importância dessa iniciativa, a exemplo de Estados como Ceará e Paraíba. Na rede estadual de São Paulo, como informou o Estadão, o número de escolas de ensino fundamental e médio em tempo integral saltou de 364, em 2018, para 2.050, um acréscimo de 463%. A meta é alcançar 3 mil unidades no ano que vem. Eis um investimento que dá resultado. O País só tem a ganhar se todas as redes de ensino seguirem esse mesmo rumo.

22 de junho de 2022

OS MUITOS GANHOS DO ENSINO INTEGRAL!

(O Estado de S. Paulo, 22) Por qualquer ângulo que se olhe, o ensino integral é um investimento que vale a pena. Melhoria da aprendizagem, redução de desigualdades, maior empregabilidade e salários mais altos para quem conclui a educação básica, entre outros benefícios, já haviam sido constatados em levantamentos anteriores. Uma recente pesquisa acaba de evidenciar mais um ganho ligado à oferta de ensino em tempo integral: a diminuição, em até 50,8%, das taxas de homicídios de adolescentes homens na faixa de 15 a 19 anos.

Os dados, noticiados pelo Estadão na última segunda-feira, retratam a realidade de Pernambuco, onde foram comparadas taxas de homicídio de jovens em municípios com e sem escolas de ensino em tempo integral, inclusive em Estados vizinhos. Desde 2004, a rede pernambucana investe em escolas de tempo integral, com 70% das vagas de ensino médio nesse formato de carga horária dobrada, o mais elevado índice do País.

Cada município pernambucano conta atualmente com pelo menos uma escola em horário integral. O investimento, como não poderia deixar de ser, resultou em aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal indicador de qualidade do ensino brasileiro, que leva em conta o desempenho dos alunos em provas de matemática e língua portuguesa, além da aprovação ao final de cada ano letivo.

Os benefícios do ensino em tempo integral são intuitivos e ecoam o senso comum: ao permanecer mais horas na escola, crianças e adolescentes têm mais tempo de aula, de estudo e de convívio. Não surpreende, então, que aprendam mais e que sua vivência escolar seja capaz de abrir mais portas, quando terminarem o ensino médio e partirem rumo à universidade ou ao mercado de trabalho. Não por outra razão, países desenvolvidos adotam o ensino em tempo integral, enquanto a regra, na maioria das escolas brasileiras, é apenas um turno de quatro horas.

Vale registrar, porém, que a jornada mais longa, por si só, não basta. Mais do que uma escola em tempo integral, o que se busca é uma escola que ofereça educação integral, isto é, que dê conta da formação dos estudantes em diversas frentes: a cognitiva, a socioemocional, a física, a cidadã e a profissional, entre outras. Qualidade, em todos os sentidos, é a palavra-chave. Daí que uma política educacional centrada nesse modelo requer ações articuladas. Tanto os professores devem atuar em regime de dedicação integral quanto o currículo precisa ser atrativo e diferenciado, com foco no protagonismo e no projeto de vida dos jovens. Se a escola for desinteressante e de má qualidade, quem vai querer permanecer mais tempo nela?

O levantamento em Pernambuco foi realizado por pesquisadores do Insper e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Natura. Assim como estudos anteriores, jogou luz sobre algo essencial nas políticas educacionais: investir em escolas de ensino em tempo integral gera resultados positivos. Ou seja, do ponto de vista dos governos e das prioridades orçamentárias, é um tipo de investimento que compensa e vale a pena. Logo, deveria servir de referência para gestores educacionais em todo o País, seja em Brasília, onde o Ministério da Educação (MEC), sob o atual governo, já demonstrou não ter projeto educacional à altura dos desafios nacionais, ou nos gabinetes das secretarias municipais e estaduais de Educação.

Não há mágica para solucionar os problemas educacionais nem é preciso reinventar a roda. O ensino em tempo integral já comprovou ser um caminho que traz avanços. Nos últimos anos, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo acordou para a importância dessa iniciativa, a exemplo de Estados como Ceará e Paraíba. Na rede estadual de São Paulo, como informou o Estadão, o número de escolas de ensino fundamental e médio em tempo integral saltou de 364, em 2018, para 2.050, um acréscimo de 463%. A meta é alcançar 3 mil unidades no ano que vem. Eis um investimento que dá resultado. O País só tem a ganhar se todas as redes de ensino seguirem esse mesmo rumo.

21 de junho de 2022

1822: O PRIMEIRO JORNALISTA NO BANCO DOS RÉUS!

(Isabel Lustosa, pesquisadora do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa – Folha de SP, 20) Quem estava vivo e ativo em 1984 ainda se lembra do clima que tomou o Brasil durante a campanha pelas Diretas Já. O comício da Candelária, no Rio, foi uma experiencia emocional e sensorial intensa até para quem estava em algum lugar distante do palanque. Era um tempo de esperança em um futuro melhor, o final de um período sombrio que nos tinha sufocado por mais de duas décadas.

Pode-se dizer que um clima parecido, em bem menores proporções, foi experimentado pelos que, às vésperas da Independência, passaram a ter acesso aos jornais e panfletos publicados pela imprensa, que fora liberada no Brasil em 1821. Essa imprensa livre, ainda que incipiente, levou adiante o movimento pelo “fico” (9 de janeiro de 1822) e fez a campanha pela primeira Constituinte brasileira.

Em maio daquele ano, o jornalista João Soares Lisboa, editor do Correio do Rio de Janeiro, fez correr na cidade um abaixo-assinado e colheu 6.000 assinaturas pedindo eleições para uma Assembleia Constituinte brasileira. No mesmo documento recomendava aos subscritores que indicassem se queriam que as eleições fossem diretas ou indiretas. Dom Pedro 1º aceitou o pedido de uma Constituinte, mas não o das eleições diretas pelo qual a maior parte dos assinantes havia optado. O jornalista protestou, questionando: “Quem autorizou Sua Alteza Real a determinar o contrário do que lhe pediu o povo?”.

O protesto, publicado na edição de número 64 do Correio, em 1º de julho de 1822, levou Soares Lisboa a ser julgado por ofensa grave ao chefe do Poder Executivo, crime previsto na lei sobre abuso da liberdade de imprensa. O caso inaugurou o sistema de jurados no Brasil, que foi criado justa e exclusivamente para julgar aquele tipo de crime. João Soares Lisboa foi absolvido e, assim como os seus leitores, comemorou a vitória como prova de que o Brasil entrara de fato na era das luzes e dos direitos.

Interessante contrastar aquele longínquo julho de 1822 com o clima que o Brasil viveu com o fim da ditadura. Entre 1983 e 1984, muito mais do que 6.000 brasileiros se manifestaram pelas Diretas Já nas grandes cidades do país. Enorme foi também a nossa frustração com a escolha da eleição indireta para o pleito de 1985. Mas essa frustração foi superada pela Assembleia Constituinte, que promulgou a Constituição de 1988, dando forma de lei aos direitos reprimidos pela ditadura.

A alegria dos liberais brasileiros da Independência durou menos que a nossa. Antes mesmo do final de 1822, João Soares Lisboa e seus companheiros foram presos ou tiveram que fugir para o exterior. Exilado em Buenos Aires, Soares Lisboa pôde voltar ao Rio de Janeiro quando a Assembleia Constituinte foi inaugurada, em 3 de maio de 1823. Partiu novamente depois que, por um golpe de força, o imperador dissolveu a Assembleia, em 12 de novembro. Por ironia da história, os perseguidores do jornalista de 1822 passaram a ser perseguidos juntamente com ele em 1823.

Nós, que acreditávamos que nossos direitos estavam garantidos por leis estabelecidas há décadas, os vimos sabotados por juízes e promotores midiáticos, os quais hoje estão desmascarados e desmoralizados. No entanto nem podemos comemorar tais derrotas. Os abusos cometidos por eles criaram um ambiente de insegurança jurídica que estimula o governo que aí está a desobedecer às leis, ofender as instituições democráticas e ameaçar romper a ordem pelo uso das Forças Armadas.

João Soares Lisboa seguiu para o Recife revolucionado pela Confederação do Equador e se juntou a seu amigo Frei Caneca na luta por aquela outra independência, a do Nordeste. Homem do comércio e das letras, amante romântico dos ideais de liberdade impulsionados pelo Iluminismo, João Soares Lisboa preferiu morrer no campo de batalha a se submeter a um governo arbitrário.

20 de junho de 2022

EMPREGO E FOME!

(Luís Eduardo Assis, economista, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP – O Estado de S. Paulo, 20) A taxa de desemprego cravou 10,5% no trimestre terminado em abril último. Isso significa uma queda de 4,3 pontos porcentuais em relação ao mesmo período do ano passado, a redução mais forte da série histórica. Não só nos recuperamos do choque provocado pela pandemia, como voltamos para o patamar do começo de 2016.

Em 2019, quando a taxa girava em torno de 12%, o presidente Bolsonaro deu-se ares de especialista, criticou a metodologia adotada e disse que o índice do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) parecia ser feito para “enganar a população”. Não se sabe de manifestação do presidente agora que a taxa caiu.

A notícia é boa, mas não se ouvem as fanfarras. O comedimento tem razão. A queda do desemprego convive com uma forte deterioração das condições de vida da população mais pobre. Pesquisa coordenada pela Rede Penssan (II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar) registra que, em 2022, 33 milhões de pessoas sofrem de insuficiência alimentar grave – ou seja, passam fome.

Em relação à pesquisa anterior, de 2020, o número de brasileiros nessa situação aumentou nada menos que 73%. Nas famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, a fome foi registrada em 43% dos casos (era 22,8% em 2020). O índice cai para 3% nas famílias com renda per capita acima de um salário.

É estarrecedor, não só pelo nível abjeto em que nos encontramos, como pela velocidade da deterioração. Há quem use a taxa de desemprego para desacreditar a pesquisa sobre insegurança alimentar. Se o desemprego cai, por que a fome aumenta?

A fome aumenta porque esse governo se empenhou em desmontar programas e políticas sociais focados na segurança alimentar, justamente quando os preços dos produtos agrícolas explodiram. E também porque a queda do desemprego foi acompanhada pelo declínio da renda, fruto do aumento do trabalho precário.

A média dos rendimentos reais nos últimos 12 meses até abril de 2022 ficou em R$ 2.708,50, o valor mais baixo desde outubro de 2013. A massa de rendimentos reais voltou aos níveis de 2017. Ou seja, a queda do rendimento médio foi tão grande que o aumento do emprego não evitou a redução da massa de ganhos.

A fome tem rosto, tem nome e tem endereço. Tem também origem. Essa catástrofe que nos envergonha deriva da pérfida combinação entre erros da política econômica e desprezo pelos mais pobres. As consequências políticas são visíveis nas pesquisas de opinião.

15 de junho de 2022

QUEM FOI BÁRBARA PEREIRA DE ALENCAR, REVOLUCIONÁRIA E PRIMEIRA PRESA POLÍTICA DO BRASIL!

(Fernanda Mena – Folha de SP, 11) Inimiga do rei, agitadora, revoltosa, conspiradora, liberal, sanguínea, nervosa, mulher-macho.

Uma rica sinhá sertaneja desafiou os costumes e os tabus de seu tempo e também o poder da Coroa portuguesa ao participar da articulação política que proclamou uma república no Vale do Cariri, onde o Ceará encontra Pernambuco.

Tamanha ousadia lhe rendeu a série de alcunhas que abrem este texto, mas também a denominação de patriota, e fez dela a primeira presa política do Brasil –ainda que pouca gente tenha aprendido sobre ela nas aulas de história.

Bárbara Pereira de Alencar era viúva, tinha 57 anos e cinco filhos criados quando tomou parte ativa do movimento que incendiou o Nordeste brasileiro, no rastilho das ideias iluministas de liberdade, igualdade e participação política que desembarcavam no porto do Recife.

Única mulher branca e rica proprietária de terras a participar da Revolução Pernambucana de 1817, dona Bárbara, como era conhecida, integrou a articulação precursora da Independência e da República no Brasil, uma luta que marcou sua trajetória de vitórias, derrotas e sacrifícios, antes de relegá-la ao esquecimento.

A Revolução Pernambucana foi um movimento que se opôs, de uma só vez, ao domínio português e ao regime monarquista e elaborou uma ideia de pátria para além do antigo regime e do sistema colonial, ainda que paradoxalmente mantivesse intacto o estatuto da escravidão.

Os insurgentes declararam independência da então província de Pernambuco cinco anos antes do suposto grito de dom Pedro 1º às margens do rio Ipiranga, em 1822. Derrubada a monarquia, instauraram ali uma república mais de 70 anos antes de Deodoro da Fonseca, o marechal, expulsar o imperador e a família real do Brasil em 1889.

O chamado revolucionário bateu à porta de dona Bárbara na noite de 29 de abril de 1817, quando seu filho mais novo, o então seminarista José Martiniano de Alencar, apareceu inesperadamente no Crato.

Ele havia viajado mais de 600 quilômetros desde o Seminário de Olinda, que havia se tornado uma espécie de centro irradiador das ideias iluministas derivadas da Guerra de Independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789-1799).

O seminário era reduto de freis próximos da família Alencar e, particularmente, de Bárbara. Sua pregação liberal era recebida com entusiasmo pela aristocracia agrária brasileira da região, incomodada com a alta de impostos da Coroa e com o deslocamento do eixo econômico e político da colônia para o Rio de Janeiro, onde aportara a família real portuguesa em 1808, fugida das invasões de Napoleão Bonaparte na Europa.

Naquela noite de abril, o então subdiácono José Martiniano de Alencar chegou à casa da mãe, no sítio do Pau-Seco, não só como filho, mas também como emissário do novo governo revolucionário instaurado no Recife.

Sua missão era levar a conspiração ao Ceará e libertar a província do domínio português a partir do Vale do Cariri. Há registros de que sua mãe, Bárbara, teria atuado na costura de apoio entre os poderosos da região.

A articulação partia do princípio de que a vanguarda política tinha como limite a manutenção da escravatura –uma condição para colher apoio no mando local, todo escravocrata, assim como os Alencar.

Dias depois, José Martiniano deu início à insurreição política durante a missa na igreja matriz do Crato, quando subiu ao púlpito e leu o manifesto dos rebeldes patriotas.

Aplaudido, hasteou ali a bandeira branca da independência e seguiu com o público da missa para a frente da Câmara, onde o grupo deu vivas à República e “morras ao rei”, para escândalo dos apoiadores da Coroa.

José Martiniano seria depois sacralizado não pela proclamação desta República do Crato, mas como senador do Império, presidente da província do Ceará e pai do escritor romântico José de Alencar, autor de obras clássicas da literatura brasileira como “O Guarani” e “Senhora”.

A reação foi rápida, e seu foco era prender os líderes da revolução. Três deles eram filhos de Bárbara. Ela mesma, a única mulher da lista de insurgentes, foi classificada pelo juiz como “muito culpada”.

“Bárbara foi acusada de queimar papéis”, conta a historiadora Danielly Teles, pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Sabemos muito pouco sobre o papel dela na revolução. Bárbara é uma personagem construída e fica difícil ter noção do que ela realmente fez”, aponta.

“A participação política feminina nesse período, em que a mulher se movimenta de acordo com o que é possível, não se resume apenas a pegar em armas”, explica Teles, autora de artigo sobre Bárbara que integra o quinto dos seis volumes da coletânea “Brasil: Independências”.

Para a historiadora, Bárbara de Alencar pode ser considerada uma mulher revolucionária da época, ainda que não tenha sido a única a se engajar em lutas políticas. “Ela representou a imagem de uma mulher forte, do sertão, que fugia dos padrões estabelecidos. Uma matriarca”, diz.

O movimento republicano pernambucano foi chamado pelo historiador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) de a mais “linda, inesquecível, arrebatadora e inútil das revoluções brasileiras” e resistiu por 75 dias à repressão das armas da Coroa Portuguesa antes de sucumbir.

Já sua versão cearense, conspirada e celebrada em serões, jantares e encontros no salão da casa de dona Bárbara, teve vida bem mais curta: a República do Crato durou apenas oito dias até que as ordens da Coroa levassem ao hasteamento de sua bandeira onde antes se via a flâmula dos revolucionários.

A contrarrevolução foi ágil, violenta e cruel. Levou Bárbara e três de seus filhos para as masmorras do quartel-general da capital cearense, a fortaleza Nossa Senhora de Assunção, construção que batizou a cidade.

Bárbara, uma mulher descrita como alta e forte, foi tratada como troféu e exibida pedagogicamente a cada povoado ao longo dos 500 quilômetros que separam o Vale do Cariri de Fortaleza. A viúva rebelde percorreu o trajeto acorrentada e a galope, desmilinguida sob o sol de verão do sertão cearense. Esse era só o começo de seu calvário.

Nascida na cidade de Exú (Pernambuco) em 1760 em uma família rica, proprietária de terras e de negros escravizados, Bárbara de Alencar cresceu acostumada ao poder e se tornou uma mulher livre e emancipada para os padrões da época.

“Era uma mulher decidida, abastada, que aprendeu desde cedo a ser dona do próprio nariz”, diz a jornalista cearense Ariadne Araújo, autora de “Bárbara de Alencar”, para o qual, afirma, montou um quebra-cabeças sobre a heroína sertaneja diante do desafio de obter informações a seu respeito.

“Ela se casou muito cedo e com um homem 30 anos mais velho, a contragosto do pai, o que demonstrava sua personalidade obstinada”, afirma.

Casada, mudou-se para o sítio Pau Seco e passou a administrar o engenho de cachaça e rapadura e a produzir tachos contra a vontade do marido. Para o pensamento da época, essas eram atividades para homens, o que rendeu a Bárbara a imagem de mulher-macho.

“Nessa época, era o homem quem se colocava publicamente e nos negócios, mas Bárbara, ao contrário, não aceitava papel de bastidor”, diz Araújo. “Ainda assim, ela não era totalmente transgressora: estava na vanguarda de alguns comportamentos e na tradição de outros. Não era abolicionista, mas era tratada como madrinha dos seus escravos, por exemplo.”

O escritor cearense Gylmar Chaves, que pesquisa a vida de Bárbara de Alencar há mais de dez anos para uma biografia, conta que ela mantinha escravizados muito próximos.

Um deles, conhecido como Barnabé, teria sido pego e torturado pelos soldados da Coroa para revelar o paradeiro da sinhá, fugida de suas terras. “Para não traí-la, ele decepou com os dentes a própria língua e a cuspiu aos pés do torturador”, diz Chaves.

De rica e poderosa proprietária, Bárbara passou quase quatro anos em masmorras e calabouços fétidos de Fortaleza, Recife e Salvador, com o corpo machucado pelos grilhões de ferro que carregava, enfraquecida pela má alimentação e pelas crueldades de alguns carcereiros.

Todos os seus bens foram confiscados pela Coroa e leiloados. A principal propriedade da família foi arrendada pelo rival e delator dos revolucionários, padre Francisco Gonçalves Martins, segundo Araújo.

No final de 1820, Bárbara foi posta em liberdade. Também soltos, seus dois filhos mais velhos, Tristão e Carlos, retomaram a luta revolucionária. Queriam se libertar de Portugal e, portanto, derrubar dom Pedro 1º.

Outorgada em 1824, a primeira Constituição na nação recém-independente não foi aceita pelos pernambucanos, que criaram a Confederação do Equador, organizada por frei Joaquim do Amor Divino Rabelo (1779-1825), mais conhecido como frei Caneca.

A Confederação tinha em Tristão uma liderança importante e reunia outras províncias do atual Nordeste, como Piauí, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, em um regime federalista em que cada unidade manteria sua soberania e autonomia, a exemplo dos EUA.

Dom Pedro se organizou para reprimir os confederados e contratou mercenários ingleses, que promoveram um banho de sangue no Recife, executado por um exército de 3.500 homens. Segundo Araújo, os ingleses saquearam e incendiaram a capital pernambucana, último bastião da resistência, mas lideranças confederadas ainda não aceitaram a derrota.

Tristão, considerado presidente da Confederação no Ceará, foi morto dias depois pelas tropas imperialistas. Seu corpo mutilado ficou exposto por dias, postado de pé, com a mão direita decepada. Carlos, outro filho de Bárbara, também foi brutalmente assassinado, assim como outros 11 parentes do clã Alencar.

“As manifestações de poder da repressão da Coroa foram muito mais fortes e violentas em 1817 e em 1824 que durante a Inconfidência Mineira [1789]”, afirma Maria Eduarda Marques, doutora em história e curadora da exposição “Revolução de 1817”, organizada na Biblioteca Nacional por ocasião do bicentenário do levante iniciado em Pernambuco.

Exilada em uma fazenda entre o Ceará e o Piauí, Bárbara de Alencar morreu em 1832, aos 72 anos de idade. Seus restos foram sepultados na capela de Itaguá, local depois batizado de Poço das Pedras, em Campos Sales, no Ceará.

Para Marques, o Brasil vive um momento de resgate de nomes da história, e Bárbara emerge como uma figura de peso nessas descobertas. “Estamos desmistificando a história mainstream, o que abre possibilidades de uma visão mais diversificada da história brasileira e menos centrada no heroísmo clássico e nas figuras masculinas e brancas.”

Em um artigo ainda inédito, Danielly Teles lembra que, em 2014, a então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou uma lei que ordenava que Bárbara Pereira de Alencar integrasse o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília, fazendo dela uma das poucas mulheres a receber a homenagem.

Para a pesquisadora, Bárbara de Alencar é “uma mulher que buscou pensar e fazer política, se movimentando e articulando relações em uma sociedade construída sobre as bases de um sistema de relações desiguais”.

14 de junho de 2022

RENDA É A MENOR EM 10 ANOS!

(Marcelo Reis Garcia) Entre os 5% mais pobres a queda foi de 48% desde 2012. Entre o 1% mais rico, de 6,9%.

A desigualdade no Brasil explodiu e nenhum governo (federal, estadual ou municipal) está sabendo enfrentar essa questão.

O 1% mais rico do Brasil ganha o equivalente a 38,4% do rendimento de 50% dos mais pobres.

Todas as famílias perderam desde 2012, mas entre os 5% mais pobres o rendimento despencou 48%, passando de RS 75 per capita em 2012 para RS 39 per capita.

Já o 1% mais rico saiu de RS 17 mil per capita para RS 15,9 mil per capita.

Em 2022 o Cenário é bem difícil.

O Nordeste segue com menor rendimento médio familiar, RS 843,00 enquanto a média nacional é de RS 1.353,00

Importante destacar que é a renda da família e não renda per capita.

A Desigualdade aumentou em todas as regiões, sobretudo nas norte e nordeste.

Analistas indicam escalada da desigualdade.

Constatações da PNAD a partir de minha avaliação.

1- Pressão sobre os Serviços Públicos;

2- Urgência de uma Reorganização Social para segurar a reconstrução de bases de Desenvolvimento Familiar;

3- Incapacidade total dos governos atuarem sobre desigualdade;

4- Entre 2023 e 2025 será necessário fortalecer Transferência de Renda. O esforço deveria ser por um cartão único e não pela dispersão atual;

5- Garantir condições mínimas para as equipes sociais nos municípios. Sem essas condições o trabalho não gera nenhum resultado.

13 de junho de 2022

NÃO IMPORTA DE ONDE VEM A COMIDA EM MEIO À FOME!

(Ishaan Tharoor – O Estado de S. Paulo, 10) Pense nisso como a guerra além da guerra. A invasão da Ucrânia e a ofensiva militar russa causaram destruição e deixaram dezenas de milhares de mortos. Mas a crise também teve efeitos dramáticos em todo o mundo. O efeito cumulativo dos ataques russos à Ucrânia e o bloqueio de seus portos no Mar Negro, assim como as sanções ocidentais às exportações russas, levaram à disparada dos preços em lugares distantes da zona de conflito. Nos países mais pobres da Ásia e da África, o custo de produtos básicos, como trigo e óleo de cozinha, disparou e criou tensões para as sociedades que menos podem comprá-los. Somente no Chifre da África, até 20 milhões de pessoas podem passar fome este ano em meio à escassez de alimentos e seca prolongada.

Agora, governos estrangeiros estão lutando por opções para liberar a imensa oferta de produtos agrícolas da Ucrânia, principalmente trigo. Autoridades ucranianas dizem que 20 milhões de toneladas de grãos estão presas no país.

ACORDO. Por meio de canais diplomáticos, autoridades ucranianas exploram a possibilidade de transferir o carregamento de grãos por trem para portos no Mar Báltico e para a vizinha Romênia. Mas há problemas logísticos, incluindo se esses portos têm capacidade para acomodar os encargos crescentes.

As construções da época da Guerra Fria também são um obstáculo. “Ucrânia, Rússia, Lituânia e outros ex-membros da União Soviética usam o padrão russo de bitola ferroviária (estreita)”, explica o Wall Street Journal.

Para piorar, autoridades dos EUA citam evidências de navios russos transportando grãos ucranianos “roubados” de portos sob seu controle e destruindo produtos alimentícios na Ucrânia, exacerbando a insegurança alimentar global.

Entre 2018 e 2020, a África importou 44% de seu trigo de Rússia e Ucrânia. Desde as recentes interrupções, os preços do trigo subiram 45%, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento. A maioria dos países do continente na Assembleia Geral da ONU votou para condenar a invasão da Ucrânia.

Mas, em tempos de crise econômica, importa menos para os países distantes do conflito como eles recebem seus alimentos e quem os está enviando.

10 de junho de 2022

VALE DO JAVARI, ONDE INDIGENISTA E REPÓRTER DESAPARECERAM, É ALVO DE COBIÇA DO COMANDO VERMELHO!

(O Estado de SP, 08) A região do Vale do Javari, onde desapareceram após ameaças o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, sofre reflexos de um misto de atividades clandestinas que vai além da extração de madeira e do garimpo. Desde os anos 2000, a região passou a ser alvo de disputa entre facções de narcotraficantes brasileiros, por ser estratégica para escoamento de armas e drogas – produzidas no Peru e na Colômbia e que abastecem o mercado brasileiro e o europeu, atravessando os rios e portos brasileiros. As facções mais presentes são o Comando Vermelho (CV), originário do Rio de Janeiro, e a Família do Norte, bando criado na periferia e nas cadeias de Manaus, mas que teve como trunfo o controle da chamada Rota do Solimões por alguns anos.

Essa facção local ficou conhecida em 2017, quando comandou execuções brutais no sistema prisional do Amazonas, num sinal do que seria o rompimento do acordo nacional entre as duas maiores organizações criminosas do País, o Primeiro Comando da Capital (PCC), de origem paulista, que também tentava o controle do Solimões, e o CV. À época, a FDN era parceira do CV e executou integrantes do PCC. Atualmente, FDN e CV disputam territórios.

A FDN foi alvo de uma operação da Polícia Federal, batizada “La Muralha”, que dissecou a organização. Investigações registradas pelo Ministério Público documentaram conexões da FDN com outro agente transnacional da região, os guerrilheiros colombianos das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), do qual restam frentes dissidentes, depois da deposição de armas com acordo de paz. Segundo o MPF, eles foram fundamentais para o acesso da FDN a armamentos.

Além dessas três facções, também surgiu em Tabatinga (AM) o bando local “Os Crias”, formado a partir de 2019, por alianças entre criminosos que estavam antes ligados às maiores facções. Policiais já encontraram documentos com referências a “Os Crias” na Unidade Prisional de Tabatinga, em abril .

A presença de “Os Crias” na tríplice fronteira foi catalogada pela publicação Cartografias das Violências na Região Amazônica, publicada em fevereiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O documento também indica que, do lado colombiano, a organização de narcotraficantes Caqueteños tem o maior controle no Amazonas.

A área em que Pereira e Phillips sumiram fica próxima à tríplice fronteira, sendo as principais cidades Santa Rosa, no Peru, Letícia, na Colômbia, e Tabatinga, no Amazonas. Os mesmos rios e igarapés onde as buscas são feitas servem aos traficantes como forma de escape. Os rios Amazonas e Javari são parte da rota. Autoridades já colheram indícios de que as organizações trabalham na extrativismo, com madeira e garimpo.

Militares dizem que as comunidades ribeirinhas e povos indígenas sofrem com a ausência do Estado e de oportunidades de renda, o que facilitou com que se alastrasse, nessa região permeável, uma mistura de atividades ilegais a girar a economia local.

As investigações em curso ainda não descartam nenhuma hipótese do paradeiro de Pereira e Phillips. A Polícia Federal concentra as apurações e recebeu apoio de militares das Forças Armadas. Um oficial relatou que as principais hipóteses são três: que ambos estejam em local isolado, provavelmente com indígenas; que tenham sofrido algum acidente; ou que tenham sido emboscados e mortos por marginais.

08 de junho de 2022

ESPÍRITO DOS MANIFESTOS DE 1977 É NECESSÁRIO!

(Merval Pereira – O Globo, 07) 1977 só foi um bom ano para a liberdade de expressão no Brasil do ponto de vista simbólico. Estávamos em uma ditadura militar e, portanto, havia censura nos meios de comunicação e nas artes. Mas havia uma incipiente, porém resistente, brisa soprando para lado certo.

Ao assumir a Presidência, Ernesto Geisel deixou saber que o compromisso do governo era com a abertura do país, embora “lenta e gradual”. O papel da imprensa, submetida a uma censura rígida, seria fundamental no projeto, que tinha, dentro dos próprios militares, seus adversários.

Ao mesmo tempo em que o secretário de imprensa, Humberto Barreto, ampliava seus contatos com jornalistas, os meios de comunicação tentavam alargar o espaço democrático da informação publicando análises e comentários que iam ficando mais explícitos.

Dois manifestos foram fundamentais para empurrar à frente a roda da História. Um, de intelectuais, pedindo o fim da censura nas artes. Outro, de jornalistas, contra a censura e a favor da liberdade de imprensa. A censura foi ficando cada vez mais anacrônica, até desaparecer.

Os jornais nasceram no século XIX, com a Revolução Industrial e a democracia representativa. A opinião pública surgiu por meio, principalmente, da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.

Não é à toa, portanto, que o surgimento da opinião pública está ligado ao surgimento do Estado moderno. Também não foi à toa que a censura à imprensa foi parte substantiva do controle da ditadura sobre a opinião pública. Assim como permitir a liberalização gradativa da liberdade de imprensa contribuiu para criar um ambiente propício para a abertura política.

É justamente essa a atribuição da imprensa: fazer com que o Estado conheça os desejos e as intenções da nação, e com que esta saiba os projetos e desígnios do Estado. A definição do teatrólogo americano Arthur Miller, de que “um bom jornal é uma nação conversando consigo mesma”, explica por que os governos ditatoriais ou autoritários não querem essa conversa republicana entre as diversas faces da nação.

No sistema democrático, a representação que sai das urnas é fundamental, mas a legitimidade dessa representação depende fundamentalmente da informação. O jornalismo, seja em que plataforma se apresente, continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático.

Justamente por isso é que, superada a ditadura, nos vemos agora às voltas com um governo autoritário, que tenta cercear a liberdade de expressão, seja nas artes ou no jornalismo. O governo Bolsonaro serve de exemplo dos problemas que governantes criam para incentivar a desmoralização dos meios de comunicação. O espírito dos manifestos de 1977 continua sendo necessário para defender a democracia.

07 de junho de 2022

CUIDADO COM A AMAZÔNIA, O NOSSO ARQUIPÉLAGO VERDE!

(Arminio Fraga, Beto Veríssimo e Juliano Assunção – O Globo, 05) Hoje é Dia do Meio Ambiente. Protegê-lo é, acima de tudo, garantir qualidade de vida. As florestas têm papel decisivo em nossa vida. Da harmonização do regime de chuvas que garante a produção de alimentos e a energia limpa à biodiversidade que oferece soluções para a saúde, são extensas as contribuições para nosso bem-estar. Isso sem contar seu papel no ciclo global de carbono e no equilíbrio do clima do planeta.

No Brasil, a natureza é superlativa e diversa. Há muito o que apreciar das riquezas naturais. Cabe ir além da experiência sensorial da própria visitação, que já é especial. Precisamos nos apropriar do simbolismo da natureza que nos cerca, que nos define e pode nos colocar, se cuidarmos desse patrimônio, numa posição de liderança ambiental em escala planetária, com palpáveis benefícios econômicos e políticos. A sociedade deve exigir que esse patrimônio natural seja preservado. A visão de um Brasil verde deveria balizar nossas decisões cotidianas e, principalmente, estar no cerne de nossa identidade e no centro de nosso projeto de desenvolvimento.

É com esse espírito que precisamos olhar para a Amazônia. A ciência já mostra evidências claras de que o desmatamento corre o risco de não ser reversível, o que poderá levar à savanização da Amazônia — destruímos 20% da floresta original. O desmatamento fragiliza partes importantes da floresta, que já não conseguem manter sua biomassa, emitindo mais carbono do que absorvem. É uma crise existencial que ameaça a maior floresta tropical do mundo e põe em risco a qualidade de vida dos brasileiros na Amazônia e fora dela.

A Amazônia é também residência de 28 milhões de pessoas, cujos indicadores socioeconômicos estão defasados em relação ao restante do país. É um erro comum acreditar que novos desmatamentos seriam necessários para o desenvolvimento da região. Ao contrário, já desmatamos demais, o que tem contribuído para deteriorar o ambiente econômico na Amazônia e para aumentar a criminalidade e a conivência com a ilegalidade.

A imagem de um grande arquipélago verde permite imaginar caminhos para o desenvolvimento da região. A população está distribuída em centros urbanos inseridos num mar de florestas, o que cria desafios logísticos, mas também abre a possibilidade de desenvolver atividades de manejo sustentável da floresta. A interação entre o poder público e o mercado, nesse contexto, também é necessária e ganha novos contornos. Além de suas atribuições tradicionais, o setor público tem papel crucial na proteção da floresta e na regulação do uso sustentável de recursos naturais. O setor privado também ganha novas funções, principalmente com a estruturação do mercado de carbono e com projetos de restauro florestal.

Dada a importância da floresta, a estratégia de desenvolvimento da Amazônia requer um esquema tático mais defensivo, na linha do 5-3-2: 50% de áreas protegidas como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, 30% de áreas de florestas de pé que podem ser objeto de exploração sustentável, e os restantes 20% já desmatados (e frequentemente degradados) explorados com com consciência ambiental e social. Essa parte equivale às áreas de Espanha e Itália combinadas. É ali que devemos concentrar nossa estratégia de ataque, onde devemos privilegiar os esforços de infraestrutura, regularização fundiária, investimento e disseminação de tecnologia. Cabe tudo, desde a produção de grãos, passando por pecuária de alto desempenho, mineração industrial, silvicultura e sistemas agroflorestais, até atividades como o restauro de matas nativas, na onda da compensação de carbono.

Vamos celebrar o meio ambiente, a floresta, a Amazônia.

02 de junho de 2022

100 ANOS DE BIBI FERREIRA!

No maior equipamento cultural da América do Sul, a Cidade das Artes, homenageamos uma das maiores personalidades da arte brasileira!

Não poderia ser diferente!

Bibi Ferreira é parte da cultura do nosso país; uma professora, nossa DAMA DO TEATRO!

Sinto-me honrado de nominar esse espaço dedicado a ela no seu centenário!

O Rio de Janeiro se debruça a essa estrela que fez dos palcos a extensão de sua vida. Viveu intensamente atuando, cantando, compondo e dirigindo. Aliás, foi uma das primeiras mulheres a dirigir uma peça de teatro, o que na década de 70 era raro porque, na época, às mulheres se restringiam a atuar e não dirigir, nunca no comando. Bibi rompeu essa lógica!

Uma grande artista, uma operária cultural, uma referência para muitos!

Compartilhou seu conhecimento e humildemente ensinou a todos sua sabedoria.

Foi, é, e será a grande diva da cultura do Brasil.

Agradecemos sua generosidade e eternizamos seu legado! Lembrando sempre que a arte é redentora da humanidade.

1º de junho de 2022

COLÔMBIA DO AVESSO!

(O Estado de S. Paulo, 31) No dia 19 os colombianos escolherão o vencedor das eleições presidenciais. Desde já se conhece o grande perdedor: o establishment político. De polos opostos, o ex-guerrilheiro de esquerda Gustavo Petro (com 40% dos votos no 1.º turno) e o magnata populista de direita Rodolfo Hernández (28%) encarnam a fome por mudanças.

A Colômbia tem uma história peculiar na América Latina. Nos “anos de chumbo” ficou imune a uma ditadura militar. Por décadas o governo foi dividido entre conservadores e liberais. Durante a “onda rosa” dos anos 2000, o país optou pela linha conservadora e pró-mercado de Álvaro Uribe e seus correligionários.

A estabilidade política e o crescimento econômico contrastam com quase 50 anos de guerra civil contra milícias marxistas, além da guerra contra o narcotráfico. O incumbente uribista Iván Duque foi lento na implementação do acordo de paz e das reformas. A desigualdade, uma das maiores do mundo, despertou protestos antes da pandemia e foi agravada por ela. Fartos com a violência, a corrupção e a desigualdade, os colombianos querem mudanças. Mas a sabedoria popular adverte: cuidado com o que você deseja. Nem toda mudança é necessariamente para melhor.

Petro e Hernández têm mais em comum que o apelo às mudanças. Ambos foram prefeitos, respectivamente de Bogotá e Bucaramanga, com resultados medíocres. E ambos apresentam propostas inconsistentes e rasgos autoritários.

Se eleito, Petro será o primeiro presidente de esquerda. Ele foi duas vezes senador e concorre pela terceira vez à Presidência. Moderando o discurso, diz-se agora favorável a uma “economia de mercado social-democrata”. Mas muitas propostas permanecem radicais, como empregos públicos para todos os desempregados, gratuidade do ensino superior ou o banimento de novas explorações de óleo e gás. Ele promete financiar seus programas com mais impostos, exportações agrícolas e a receita do turismo. Mas, para que ela compense a dos hidrocarbonetos, teria de igualar o turismo argentino e brasileiro juntos.

Hernández parece ainda mais inconsistente – e autoritário. Ele só entrou para a política recentemente e pouco se sabe sobre suas propostas. Sua campanha foi simplista e agressiva, suscitando comparações com Donald Trump e Jair Bolsonaro. Ele se recusou a participar dos debates e atribui praticamente todos os problemas da Colômbia à corrupção.

O próximo presidente governará com um congresso fragmentado. A coalizão de Hernández obteve só duas cadeiras e ele promete não fazer alianças com políticos. A coalizão de Petro conseguiu o maior bloco, mas não a maioria, e ele enfrentará a desconfiança das elites econômicas e políticas.

Agora que eles terão de disputar os votos do centro, espera-se que os colombianos premiem o mais comprometido com renovações sem rupturas, ou seja, que se mostre mais apto a consolidar a paz e reformar as estruturas que perpetuam velhas insatisfações dos colombianos, como a corrupção e a desigualdade, sem debilitar os alicerces que garantiram a estabilidade política e econômica do país.

30 de maio de 2022

ESPERAR NÃO FAZ BEM ÀS CRIANÇAS!

(Rosely Sayão, psicóloga, consultora educacional – O Estado de S. Paulo, 29) Quando as escolas estavam funcionando plenamente, antes da pandemia, fui visitar duas delas, a convite. Gosto de fazer isso principalmente nos horários de entrada, recreio e saída porque é quando percebemos como se dá a convivência dos alunos no espaço escolar, quando eles estão mais livres, e se há educadores presentes nesse período.

Nas duas, escolhi a saída, e levei um susto porque fazia um bom tempo que não tinha a oportunidade de observar a dinâmica desse horário. Meu susto? O alto número de alunos que ficava muito tempo após o término das aulas aguardando que os pais fossem buscá-las. E é preciso aqui apontar que eram alunos da educação infantil e do ensino fundamental 1, ou seja, crianças.

A lembrança dessas visitas me surgiu quando li no noticiário que uma criança de 7 anos ficou presa em uma escola do interior de São Paulo por cerca de cinco horas, após as aulas terminarem, até que fosse resgatada. Criança não gosta de ser das últimas da classe ou da escola a ir para casa. E não se trata, aqui, apenas de ela ficar desgostosa ou magoada com seus pais por ter de esperar muito tempo por eles. A sensação que a criança tem, ao ver seus colegas partirem e ela ficar, é de abandono. E já sabemos, faz um bom tempo, que tal sensação, além de provocar sofrimento, pode afetar o desenvolvimento e a saúde mental da criança.

Já faz algumas décadas que os pais ficam tranquilos quando o filho está na escola, e não só pela aprendizagem que pode adquirir, mas também porque consideram que a criança está em um ambiente seguro e monitorado por adultos responsáveis. Foi assim que, pouco a pouco, muitos pais passaram a se atrasar para buscar os filhos na escola. Para algumas escolas, isso virou rotina, tanto que já oferecem atividades extracurriculares no horário.

A realidade é que muitos pais não conseguem buscar o filho pontualmente por causa do horário do trabalho. Nesses casos, é preciso buscar, na rede de apoio da família, quem possa substituir os pais nessa tarefa para que não seja a criança prejudicada. Não há rede de apoio familiar ou de amigos? Quem tem filhos precisa construir essa rede. É por isso que, hoje, faço um pedido aos pais e familiares de crianças: não deixem os filhos na escola esperando muito tempo. Não faz bem a eles essa espera. E, para a criança, 15 minutos pode durar uma eternidade.

Lembrete: em tempos de covid, não leve seu filho para a aula caso ele tenha algum sintoma. O melhor lugar para a criança doente é em casa ou na de alguém da família.

27 de maio de 2022

MORTES DE CRIANÇAS A TIROS CRESCERAM NA PANDEMIA!

(O Estado de S. Paulo, 26) As últimas três matanças em escolas – Newtown, em 2012; Parkland, em 2018; e agora Uvalde – eclipsaram o massacre da escola de ensino médio de Columbine, em 1999, quando eventos desse tipo ainda tinham o poder de chocar os EUA.

As razões para a violência são incontestáveis. Há nos EUA muito mais armas do que cidadãos – cerca de 400 milhões de armas de fogo, segundo pesquisa de 2018 realizada pelo projeto Small Arms Survey, espalhadas entre 331 milhões de habitantes. Na última década, pistolas semiautomáticas, compradas para proteção pessoal, venderam mais que fuzis e rifles, usados para caçar.

No entanto, a pandemia desencadeou uma febre ainda maior de compra de armas de fogo. A produção anual de armas nos EUA cresceu de 2,9 milhões, em 2000, para 11,3 milhões, em 2020, de acordo com relatório publicado este mês pela Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF, na sigla em inglês). A grande maioria dessas permaneceu nos EUA.

ROTINA.

O índice de violência, especialmente contra crianças, só cresceu. Os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) constataram que o número de mortes de crianças e adolescentes de até 14 anos causadas por armas de fogo cresceu aproximadamente 50%, entre o fim de 2019 e o fim de 2020.

No ano passado, mais de 1.500 crianças e adolescentes menores de 18 anos foram mortos em ações homicidas ou por disparos acidentais, em comparação com 1.380, em 2020, de acordo com o Gun Violence Archive, base de dados que registra mortes causadas por armas de fogo.

Massacres ficaram tão comuns nos EUA que só uma pequena fração chega a atrair atenção muito além das comunidades diretamente afetadas. No mesmo fim de semana da matança em Buffalo, 12 pessoas foram feridas por disparos de arma de fogo no centro de Milwaukee, perto de onde se realizava uma partida da NBA (liga de basquete).

Duas semanas antes, o proprietário e dois funcionários do motel Broadway Inn Express, em Biloxi, no Estado do Mississippi, foram mortos a tiros, e outra pessoa também recebeu um disparo fatal durante um roubo de carro.

26 de maio de 2022

DE ANTONIO SCURATI, CHEGA O SEGUNDO VOLUME DE M!

(Luiz Zanin Oricchio – O Estado de S. Paulo, 22) Por que, em pleno século 21, escrever milhares de páginas sobre um ditador como Benito Mussolini (1883-1945)? O escritor Antonio Scurati responde que a figura de Mussolini, ao contrário da de Hitler, conta ainda com certa aura “benigna” – apesar de ter comandado um violento regime ditatorial e arrastado o país a uma guerra que o arrasou. Sua ideia, com um romance histórico de três volumes, é enxergar o fascismo por dentro. Ver o interior do monstro, sem atenuantes ou mistificações.

Outra motivação para escrever obra de tal envergadura seria a ascensão, pelo mundo, de líderes de extrema-direita como Matteo Salvini na Itália, Donald Trump nos Estados Unidos, Recep Erdogan na Turquia, Viktor Orban na Hungria e um longo etc. Antidemocráticos e liberticidas, seriam discípulos ou herdeiros de Mussolini? Questão a ser debatida, mas com certeza a chegada de personagens desse tipo ao poder representa o mais desafiador mistério político do nosso tempo. Convém dar uma olhada no passado para ver se esclarece o nosso presente.

Em M – O Filho do Século, Scurati narra, em 812 páginas, a primeira parte da vida de Benito Mussolini – da infância e juventude pobres à tomada do poder na chamada “Marcha sobre Roma” (foto nesta página), em 1922. Na segunda parte dessa projetada trilogia, M–O Homem da Providência (608 páginas), Scurati descreve a edificação do Estado fascista, a consolidação da ditadura na Itália com a consequente dissolução do regime democrático. A terceira, por certo, trará sua aliança com Hitler, a aventura na guerra, a queda em 1943 e a derrocada final, que, como todos sabem, termina em Milão, em 1945, fuzilado e pendurado pelos pés, o cadáver em exposição pública, junto com o da amante, Clara Petacci.

Da maneira como é escrita, a narrativa de Scurati nos enche de encanto – e também de horror. Encanto, porque, ao usar técnicas de ficção, como num romance, o transe da História salta aos olhos, vivo e pulsante. Horror, porque são muitas e visíveis as semelhanças entre aqueles tempos e o nosso. Em especial em países cuja base democrática vem sendo corroída por candidatos a tiranos.

Há invenção na forma, não no conteúdo. O texto de Scurati tem o frescor das boas narrativas, mas o rigor histórico se alia aos recursos ficcionais. Já no primeiro volume, esclarece: “Fatos e personagens deste romance documental não são fruto da imaginação do autor. Cada acontecimento, personagem, diálogo ou discurso aqui narrado é, ao contrário, historicamente documentado e/ou fidedignamente testemunhado por mais de uma fonte.” Romance “documental”, portanto.

Como forma, trata-se de obra multifocal e polifônica. Às vezes narra em terceira pessoa, mas usa muito o discurso indireto livre, o fluxo de pensamento de alguns personagens, bilhetes, conversas grampeadas, documentos oficiais, notícias de jornais, dossiês preparados pelos serviços de segurança. Todas as fontes convergem para o caudal da narrativa.

Esse material diverso, integrado ao romance, tem um efeito calculado, muito difícil de ser obtido em obras históricas, que é o de mergulhar o leitor do tempo presente no espírito do passado. E, também, funciona como uma câmera indiscreta, abrindo a cortina dos bastidores do poder.

DOENÇA. O segundo volume, M – O Homem da Providência, começa com o Duce doente, padecendo miseravelmente de uma prosaica, porém grave, úlcera no duodeno. Querem operá-lo. Ele não consente, prefere tratamentos mais conservadores e sai mais forte da doença.

Enquanto age para corroer freios e contrapesos das instituições, luta para conter seus pitbulls, que podem comprometer seu caminho rumo ao poder sem limites. Entre esses seres soturnos, destaca-se o sinistro Roberto Farinacci, adepto da violência pura. Ele convém ao regime durante certo tempo, depois começa a perturbá-lo. Como sempre acontece nesses casos, foi descartado assim que cumpriu sua missão e se tornou incômodo.

Mussolini sobrevive aos seus rebeldes, mas também a uma série de atentados. Quatro, no total: ataques a bala e a bomba, dos quais sai levemente ferido, e cada vez mais forte aos olhos do povo que o tem como predestinado e indestrutível.

Esse livro, que começa pela úlcera no aparelho digestivo, termina com a glória, um tanto vazia, da exposição montada para comemorar os dez anos da Marcha sobre Roma. A marcha é um episódio tão fundamental que, a partir dele, o Duce cria um novo calendário, o da Era Fascista, escrito em algarismos romanos, que teria a data de início de 28 de outubro de 1922, quando as milícias entraram em Roma, na ausência de Mussolini. Ele não estava lá.

Prudentemente, mantinha-se em Milão, de onde seria mais fácil fugir e pedir asilo na Suíça caso tudo desse errado.

Em sua trajetória, o Duce se depara com um problemão – o sequestro e assassinato do deputado socialista Giacomo Matteotti pelas milícias fascistas. Matteotti havia denunciado fraude nas eleições de 1924. Foi morto no mesmo ano. O crime poderia chegar até Mussolini e acabar com seu reinado. Ao contrário, são as medidas de exceção tomadas para garantir sua imunidade que aceleram o processo de construção do Estado autoritário. Há um ótimo filme a respeito desse episódio, O Delito Matteotti, de Florestano Vancini, com Franco Nero no papel do socialista.

Mussolini lavra novo triunfo ao conseguir um acordo com a Igreja Católica. Com o Tratado de Latrão, assinado em 1929, é concedido o território que forma hoje o Estado do Vaticano. Em troca, o regime ganha o apoio da Igreja, fundamental na Itália daquela época. Fecha assim a tríade que cimenta o poder fascista: religião, nacionalismo, defesa dos valores da família, dos costumes e da tradição. Deus, pátria, família.

Muito parecido com o que a gente vê e ouve por aí e por aqui, não? Mas é preciso cuidado. A história não se repete. Ou melhor, como já disse um filósofo, pode se repetir como farsa. O que não deixa de ser incômodo, e mesmo trágico.

Em todo caso, guardadas a distância histórica e as mudanças de hábitos e tecnologia, o receituário fascista, que se depreende da trajetória do Duce, parece ser aplicado ponto por ponto pelos governos hoje chamados de “iliberais”. A destruição das liberdades e garantias é o objetivo último e maior desses regimes. Muitas vezes, por paradoxo, a democracia é abolida em nome da “liberdade” dos indivíduos.

DITADURAS. Essa desconstrução pode se dar num golpe militar, tradicional e bruto, como os que assolaram no passado a América Latina em países como Guatemala (1954), Brasil (1964), Chile (1973), Uruguai (1973) e Argentina (1976). Ou por aproximações sucessivas, em que o regime iliberal rói por dentro a democracia, viciando e aparelhando instituições, minando a capacidade operacional dos contrapoderes, como o Judiciário independente, atacando a imprensa livre.

A tática é gradual e a estratégia é a construção do Estado total, com adesão completa, de todos e de cada um. “Se no velho Estado liberal, para ser um bom cidadão bastava respeitar as leis, agora, no Estado fascista, para não cair na ilegalidade, é necessário que todo cidadão se torne fascista”, escreve Scurati em M – O Homem da Providência.

Num primeiro momento, elimina-se a dissidência. No outro, exige-se adesão incondicional. “Era necessário reeducar um povo, corrigir uma nação.”

Esse projeto pedagógico despótico se constrói ao longo dos anos em que Mussolini obtém vitórias sucessivas – o acordo com o Vaticano, o esmagamento da rebelião colonial na Líbia, o enfrentamento da Máfia, o controle da imprensa, a sustentação do valor da lira diante da libra esterlina, moeda global da época. Ordem e segurança são valores supremos. Os trens andam no horário e os italianos podem dormir com portas e janelas abertas, pois os criminosos têm medo do punho duro da lei.

VIOLÊNCIA. Por trás dessa paz dos cemitérios escondem-se os crimes fascistas, revelados por Scurati. As prisões arbitrárias e assassinatos, o genocídio de populações líbias na guerra colonial, o culto da violência e a abolição da vida pública são tolerados num país em que a verdade emana do líder e apenas a submissão é aceita.

Por ser um jogo de tudo ou nada, a ambição insustentável do poder absoluto só poderia ter um fim. Mas, durante vários anos, Mussolini manteve apoio de parte considerável da população. Intelectuais importantes, como Marinetti e D’Annunzio, foram fascistas militantes.

Muitos países – dos Estados Unidos à Inglaterra – durante bom tempo viram em Mussolini uma barreira eficaz contra o perigo bolchevique. O papa Pio XI, após o Tratado de Latrão, chamou-o de “o homem da Providência” – título deste segundo volume. No meio do povo, murmuravam-se as barbaridades do regime. Mas eram coisas que só aconteciam com “os outros”, não com “as pessoas de bem”, os bons fascistas.

Essa ilusão se desmancha com o tempo, com as circunstâncias históricas, com a dura realidade imposta por um regime totalitário. Qual o custo – brutal – dessa aventura? É um pouco o que insinua a imagem final deste segundo livro. Mussolini, no auge do poder, e portanto totalmente só, desconfiado de todos, visita o lúgubre mausoléu dos mártires fascistas. Em sua imaginação, escuta o coro dos mortos, que chega não do passado, mas de um futuro iminente. O passado de crimes não passa e não pode ser enterrado, descartado ou negado. Ilumina o presente; vem do futuro, como presságio.

Como escreve Umberto Eco em seu Fascismo Eterno, ao comentar o discurso de Roosevelt sobre a luta contra a opressão: “Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca”. Que seja este o nosso mote: Não esqueçam.

24 de maio de 2022

RASCUNHO DA NOVA CONSTITUIÇÃO AGRAVA POLARIZAÇÃO POLÍTICA NO CHILE!

(O Estado de S. Paulo, 20) Dois anos e meio após uma onda de protestos sociais, o esboço da nova Constituição do Chile ficou pronto. Mas, em vez de reduzir as tensões políticas, ele agravou a polarização. Conservadores reclamam de não terem tido suas visões incorporadas ao texto, enquanto organizações civis e movimentos de esquerda dizem que o conteúdo é histórico.

“Esse é um texto muito importante por incluir novos atores sociais, mulheres, povos originários. É resultado de uma Convenção Constitucional que teve representação igualitária, por isso esses temas foram incorporados”, disse a professora de estudos avançados na Universidade de Santiago, Pamela Figueroa.

PROTESTOS. Com 499 artigos – que podem bater o recorde de maior Constituição da América Latina –, a nova Carta Magna foi a saída política encontrada pelo Chile para responder aos protestos de outubro de 2019, quando milhares de chilenos saíram às ruas contra a desigualdade, em um país onde o patrimônio dos mais ricos representa 16,1% do PIB, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

“É um texto que responde às demandas da sociedade chilena, que saiu às ruas por maior proteção e presença do Estado. É uma proposta de Constituição adequada aos padrões internacionais de direitos humanos e reconhecimento de direitos econômicos, sociais e culturais, uma questão que estava pendente na atual Constituição”, disse Mariela Infante, diretora da Corporación Humanas.

INSATISFAÇÕES. A proposta de Constituição não contém temas considerados controvertidos nas discussões, como o referendo revogatório, a perda de autonomia do Banco Central e a nacionalização da mineração. Mas desagradou a setores da direita e centro-direita, que alegam não terem sido representados na Convenção Constitucional.

“A composição da Convenção envolveu uma minoria da centro-direita e permitiu que apenas a esquerda conseguisse quórum de dois terços para aprovar as normas. Com isso, a esquerda impôs sua agenda”, disse Alejandro Fernández, advogado e diretor da Fundação Pacto Social.

Fernández cita o forte papel do Estado nos artigos aprovados. “Ele exclui o desenvolvimento de políticas públicas diferentes, exclui o privado. Todos os direitos sociais contêm uma preferência pelo Estado. Não no aspecto de garantir os direitos, que é legítimo, mas no aspecto de executá-los, de prover saúde e educação, quando já se mostrou que o Estado não cumpre bem esse papel.”

Para Pamela Figueroa, esse cenário resulta da necessidade de a nova Constituição englobar novos atores sociais. “É um texto importante por incluir mulheres e povos originários. É resultado de uma Convenção Constitucional que teve representação igualitária, por isso esses temas foram incorporados.”

POLARIZAÇÃO. A questão dos povos originários é um dos pontos de insatisfação da direita. “Temos conversado com as pessoas e muitos estão insatisfeitos. O tratamento privilegiado aos povos originários, por exemplo. Criam-se 11 nações dentro do Chile, mas isso não representa a realidade do povo chileno. Podemos identificar nessa categoria o povo Mapuche. O restante não chega a 1% da população.”

As pesquisas chilenas mostram um cenário de polarização, que analistas acreditam ser um reflexo da radicalização da política chilena. “O debate constitucional foi polarizado em alguns temas. Agora que o texto já está disponível, os cidadãos podem formar uma opinião melhor. A votação será muito polarizada, mas será imprevisível. O voto será obrigatório e no Chile, desde 2012, o voto é facultativo. Então, teremos novos eleitores, cujas opiniões desconhecemos”, afirma Figueroa.

O analista Carlos Meléndez, especialista em temas da América Latina, considera que o fato de o novo projeto ser tão extenso prova que não foi possível chegar a acordos importantes, o que amplia a desconfiança da população.

“A sociedade ainda tem muitas dúvidas sobre o processo constituinte. A nova Carta terá de ser difundida para que se forme uma opinião sobre o texto. Neste momento, há uma grande desconfiança com o processo em razão da improvisação e da pouca seriedade com a qual foi levado adiante.”

Mariela Infante diz que o rascunho dá força a movimentos sociais que não estão contemplados na Carta atual, mas concorda que só a divulgação massiva ajudará no entendimento. “O texto responde bem às demandas dos cidadãos, mas é preciso dar conhecimento aos temas, e as organizações civis ajudarão nesse processo”.

Manifestações sociais Nova Constituição foi resultado da onda de protestos contra a desigualdade, em 2019

LEGITIMIDADE. A nova proposta deve substituir a Carta vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet e será submetida a um plebiscito com voto obrigatório no dia 4 de setembro. O rascunho foi apresentado na segunda-feira e agora segue para a Comissão de Harmonização, que deve acertar a ordem e a coerência dos artigos. O conteúdo não deve mudar, explicam os analistas, apenas detalhes técnicos podem ser revistos. Até o dia 5 de julho, a versão definitiva será entregue ao presidente chileno, Gabriel Boric.

23 de maio de 2022

A GRANDE SUBSTITUIÇÃO!

Em seu manifesto de 180 páginas, Payton Gendron, o atirador do massacre de Buffalo, escreveu que queria “espalhar o conhecimento aos meus companheiros brancos sobre o real problema que o Ocidente vem enfrentando”.

O problema, segundo ele: a imigração em massa e o declínio na natalidade entre a população branca.

Parte do movimento supremacista branco vem sendo inspirada pela teoria conspiracionista da Grande Substituição ou Substituição Branca, criada pelo escritor francês Renaud Camus, que afirma que a população francesa, branca europeia, está sendo substituída, pelas elites, por povos não europeus.

Nos EUA, é uma teoria que faz sucesso nos fóruns anti-imigrantistas e supremacistas brancos. Segundo estes, o influxo de imigrantes, mais precisamente pessoas não brancas, levará ao fim da raça branca, o que, em suas visões, equivaleria a um genocídio. Também alegam que, ao tornar a população não branca maioria nos EUA, se levará a uma imposição de agendas que não são do interesse ou até prejudiciais aos brancos, já que esses votam de forma diferente dos brancos.

Os nacionalistas brancos americanos culpam os judeus, que estariam por trás das elites, pela imigração de não brancos e, recentemente, a teoria da Grande Substituição está associada ao movimento antissemita.

Payton Gendron escreveu que quem mais o “radicalizou” foi Brenton Tarrant, o atirador do massacre de Christchurch, na Nova Zelândia. O manifesto de Tarrant se chamava “A Grande Substituição”. Gendron disse que decidiu fazer justiça com as próprias mãos após realizar pesquisas sobre os problemas migratórios e aprender a respeito da “verdade sobre o massacre dos brancos por negros e o apoio das elites e judeus ” no fórum extremista 4chan.

A teoria da Grande Substituição já deixou as mídias periféricas e, nos EUA, já foi defendida por um dos apresentadores de tv mais populares da Fox News, Tucker Carlson. Na Europa, Heinz-Christian Strache, ex-vice-chanceler austríaco, do Partido da Liberdade da Áustria; e Marine Le Pen, já defenderam a teoria.

Para muitos analistas, com essa teoria, os atiradores encontraram uma ideologia para justificar a violência. E que a teoria da Grande Substituição e sua disseminação, em fóruns e mesmo pela mídia tradicional e políticos, funciona da mesma forma com a qual grupos terroristas conseguem encontrar sociopatas e pessoas instáveis e enchê-los com um propósito.

20 de maio de 2022

PRÉ-CAMPANHA!

(Cesar Maia – Folha de SP, 02/05/2009) Paul Lazarsfeld -fundador das pesquisas de opinião e tendências do eleitorado-, nos anos 30, na Universidade de Columbia, dizia que as campanhas eleitorais eram como a fotografia da época: dividiam-se em duas fases. Na primeira -a pré-campanha-, a foto era tirada e impressa no celuloide. Na segunda -a campanha-, a foto era revelada na câmara escura. Sem a pré-campanha não havia foto a revelar, e a campanha seria uma loteria de impressões, ensinava.

Esta é a lógica das primárias nos EUA. Os pré-candidatos se apresentam nacionalmente. Mostram propostas, criticam os adversários, durante meses, até a convenção.

Todas as imagens estão amplamente registradas no “celuloide” dos eleitores. Depois, a campanha exibe os detalhes, os compromissos e críticas, que complementam o básico. Sem pré-campanha, Obama nunca teria tido a chance de ser o candidato democrata.

No Brasil, o complexo eleitoral, composto pelos partidos e pela Justiça, fixou a ideia de que a pré-campanha é ilegal. Desta forma, enquanto os partidos denunciam seus adversários por fazerem pré-campanha, a Justiça Eleitoral os inibe com proibições e punições. Mas esse é um processo torto.

Todos têm espaço partidário igual para a propaganda autorizada, mas quem está no governo tem todo o tempo que entender para contratar publicidade na mídia.

Não pôr o nome na publicidade de quem está na mídia espontânea todos os dias é risível. Nos Estados e grandes capitais, trata-se de gastos anuais, em publicidade político-governamental, de R$ 50 milhões a R$ 200 milhões. No nível federal, os gastos chegam a R$ 2 bilhões, incluindo patrocínios e promoções. O exagero chega a tal ponto que o próprio uso da internet -meio democrático, barato e acessível a todos- passou a ter regras limitativas, antes e até durante as eleições.

Se o que se quer com o processo eleitoral é dar ao eleitor o máximo de informações, para que ele possa decidir politicamente, em vez de apenas reagir a estímulos publicitários, o processo atual aponta para o contrário disso.

Os partidos não têm tempo para amadurecer suas decisões em torno de seus pré-candidatos. As convenções fazem o jogo do “convencimento” dos delegados. As pesquisas de opinião pré-eleitorais só favorecem os mais conhecidos ou expostos, o que torna as oposições mais dependentes da mídia.

A democracia sofre um grave desvio, na medida em que não há condições de igualdade na disputa.

Governo e oposição atuam politicamente, visando às próximas eleições, com instrumentos totalmente desproporcionais. Essa é uma grave distorção que os partidos políticos -que legislam- e o TSE -que regulamenta- precisam rever com a máxima urgência.

19 de maio de 2022

IRLANDA DO NORTE ABRE NOVA CRISE ENTRE JOHNSON E UE!

(O Estado de S. Paulo, 17) O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, voltou ontem a ameaçar romper unilateralmente o Protocolo da Irlanda do Norte – mecanismo que possibilitou um acordo comercial com a União Europeia após o Brexit. Em viagem a Belfast, ele culpou o protocolo pela crise que impede a formação de um novo governo norte-irlandês.

Johnson manteve conversas com líderes políticos da Irlanda do Norte, incluindo os nacionalistas do Sinn Fein e os conservadores do Partido Unionista Democrático (DUP). Após pedir a retomada das atividades legislativas, ele defendeu a aprovação de uma lei que permita violar o protocolo caso a UE não concorde em reabrir negociações.

O Protocolo da Irlanda do Norte foi acertado para permitir que os britânicos deixassem o mercado único sem precisar montar novamente postos de fronteira entre a Irlanda, membro da UE, e a Irlanda do Norte, território britânico. A ausência de fronteira é parte fundamental do Acordo de Paz da Sexta-feira Santa, firmado em 1998, que encerrou três décadas de violência sectária na ilha.

FRONTEIRA. O problema é que o protocolo, na prática, deixa a Irlanda do Norte vivendo sob regras diferentes do restante do Reino Unido – o que os unionistas consideram o equivalente à reunificação da Irlanda.

Após mais de 30 anos de integração entre Reino Unido e UE, as economias das duas Irlandas se tornaram interdependentes e a imposição de qualquer controle alfandegário cria um atrito comercial que, além de impopular, teria impacto nos preços dos produtos.

Além disso, neste período em que Irlanda e Irlanda do Norte estiveram sob o guardachuva da UE, uma nova geração de católicos e protestantes cresceu desabituada à violência religiosa. Pesquisas apontam que a maioria dos norte-irlandeses ainda prefere ser parte do Reino Unido, mas a diferença é bem menor hoje do que era dez anos atrás.

ELEIÇÕES. Em 2016, no Brexit, a maioria da Irlanda do Norte votou pela permanência na UE. O DUP fez campanha pela saída e, durante as negociações com a Europa, ficou cada vez mais isolado. O resultado foi a perda da maioria que tinha na Assembleia local – eleição vencida pela primeira vez pelo partido nacionalista Sinn Fein, que apoia a reunificação.

Em resposta, o DUP rejeitou formar um governo e travou o funcionamento da Assembleia. O partido exige que Londres abandone o protocolo, o que deixou o premiê na situação difícil de ter de denunciar um tratado assinado por ele mesmo.

A UE rejeita reabrir as negociações do Brexit e uma decisão unilateral do premiê significa a violação de um tratado internacional, que afetaria a credibilidade do Reino Unido e permitiria que a UE revidasse com tarifas e restrições comerciais.