Descriminalizar as drogas?

Publicado em 27/03/2010 em Folha de São Paulo

VOLTA AO PALCO a questão da descriminalização do consumo de drogas. Volta no momento em que a Holanda revê a lei de venda permitida de maconha. Quer reduzir o volume permitido e obrigar uso de carteirinha, excluindo os turistas.
No Brasil, a forma com que o debate se dá, as razões que justificam, são só para a classe média consumidora. O tráfico de drogas no Brasil (o caso do Rio é bem conhecido) se dá num varejo capilar nas favelas onde estão os pontos de venda. O tráfico intra classe média não faz parte do noticiário.
Com a capilaridade existente, descriminalizar quantidades pequenas vai produzir no varejo três efeitos: multiplicar o número de “aviões” (menores) na entrega; aumentar o número de consumidores nos pontos de venda; reduzir a mistura, passando a usar cocaína com maior grau de pureza e maconha de maior intensidade. A multiplicação dos “aviões” levará ao aumento da evasão escolar entre menores pobres. O consumo por quantidade permitida vai aumentar no local das “bocas de fumo”.
Como na velha piada do japonês esperto, que passava todos os dias com sua lambreta pela fronteira com uma caixinha de balas e pipocas atrás. Anos depois, o fiscal encontrou o japonês e perguntou o que afinal ele contrabandeava. Resposta: “Lambreta, né!”.
Os padres católicos de Buenos Aires que trabalham em favelas questionaram a decisão da Corte Suprema que apontou na direção da descriminalização de pequenas quantidades. Para eles, isso será um sinal de liberação e estímulo para os jovens pobres consumirem. Sem renda, abre-se ainda mais o varejo para criar a renda necessária ao consumo. E cria-se um microdistribuidor móvel que poderá abastecer vários consumidores ambulando.
Assim se fraciona ainda mais o varejo e dificulta-se a repressão.
E estimula-se o consumo social, que, como se sabe, começa assim e termina na ampliação de mercado de quem vende. Consumir pequena quantidade sem risco será o deleite dos viciadores. Isso sem falar no crack.
Com um agravante: boa parte da droga consumida é traficada por consumidores para financiar seu vicio. Se a entrega na quantidade base se dá sem risco, a atratividade do tráfico-consumo aumentará.
Um flagrante e… maconha ou cocaína ao ar. Como se medirá a quantidade? Bem, se agregarmos todos esses fatores que aumentam a demanda, no outro lado da linha aumentará no Brasil o tráfico de drogas que se quer neutralizar.
Não custa lembrar o mapa mundi georreferenciado do preço da cocaína: http://bit.ly/cocainemap.