Publicado em 16/01/2010 em Folha de São Paulo
AS ELEIÇÕES parlamentares no Brasil ocorrem num quinto plano, como se não tivessem importância. Minimizadas pela cobertura da imprensa, ridicularizadas pelas aparições na TV e não alcançadas pelas pesquisas, os curiosos só vão descobrir o resultado da eleição proporcional com a publicação dos nomes pelos jornais no dia seguinte. Ali, um ou outro garimpa o seu candidato.
E os analistas tratam, então, graficamente, da composição do novo Congresso. Num quadro pluripartidário inorgânico como o brasileiro, se tem dito: “tanto faz”. Afinal, nenhum partido chega perto dos 20% na Câmara dos Deputados. E o Executivo contrata a sua maioria.
Mas a atenção hoje deveria ser outra, com os exemplos que correm pela América Latina, que sinalizam riscos e, assim, a necessidade, em 2010 e daí para a frente, de se dar atenção muito maior às eleições parlamentares.
Na Venezuela, no Equador e na Bolívia, os políticos, os partidos, os intelectuais, os analistas e a imprensa concentraram suas atenções no líder populista, nas pesquisas indicando a sua popularidade, nos plebiscitos que propõem, nas reeleições. Com isso, os Parlamentos foram desossados. Na Venezuela, na eleição parlamentar anterior, os partidos de oposição decidiram não concorrer, e a Câmara passou a ser, literalmente, de partido único.
Com isso, esses governos passaram a tratar a lei como um ato administrativo seu e avançaram sobre as instituições, o direito de propriedade e as liberdades individuais, de expressão e de imprensa. A exceção é o Paraguai. Com a vitória inevitável de Lugo, os partidos concentraram-se na formação de um Congresso de resistência. E é exatamente aí onde as extravagâncias chavistas não conseguem avançar. Se os Kirchner se coçavam na busca de uma variante do chavismo, ao perderem, nas eleições de 2009, a maioria na Câmara e Senado, essa aventura passou a enfrentar resistências.
Aqui, os dois decretos do governo Lula, um atropelando a Lei de Anistia, outro, um pout-pourri de excentricidades autoritárias, acenderam a luz vermelha sobre as eleições de 2010. A esquerda autoritária, pós-mensalão, perdeu a hegemonia para o sindicalismo no partido e no governo. E abriu para esse as delícias dos fundos e dos conselhos de administração. E agora recobra força, mostra suas unhas afiadas com um “programa de governo”, quem sabe para aplicar em 2011.
Os distraídos continuarão a concentrar toda a sua atenção na eleição presidencial. No dia seguinte, lerão nos jornais o nome dos parlamentares eleitos. Se antes tanto fazia, agora não. Eleger um Congresso com força suficiente para resistir a aventuras chavistas é tão importante quanto a própria eleição presidencial: daqui para a frente.