Folha de São Paulo, 4/12/10
Garry Gasparov, o maior jogador de xadrez de todos os tempos, em 2005 afirmava: “O jogo requer a disciplina de pensar muito além do presente e muito além de você mesmo. Não apenas pensar no seu tabuleiro, mas também no do seu oponente. Para cada movimento, tem que calcular a resposta de seu oponente. Não só a resposta imediata, mas também dez ou 15 movimentos antecipados”.
A ocupação do Complexo do Alemão é mais um episódio da história do tráfico no Rio, que vem do final dos anos 70, quando se forma um corredor de exportação de cocaína para a Europa. Este cria um mercado interno para dar sustentação financeira aos grupos nos intervalos entre as partidas de cocaína. E se cristaliza.
O Complexo do Alemão concentrou os traficantes que saíram das favelas de pequeno porte ocupadas pelas UPPs.
Tornou-se uma central do Comando Vermelho. Muito mais importante por isso que pela distribuição de cocaína, que no Rio é concentrada na Rocinha e na Maré -que juntas respondem por mais de 60% da distribuição no varejo.
O Alemão tem 65 mil moradores. A Rocinha e a Maré juntas têm 180 mil. A ocupação do Alemão tem um forte efeito simbólico, restituindo aos militares e policiais a confiança da população. Isso é, em si, muito importante.
O prazo dado desde a ocupação de uma favela ao lado foi usado pelos chefões, que fugiram, na lógica das guerrilhas. Na Operação Rio do Exército (1994) tinha sido assim. Provavelmente estarão em outra comunidade na periferia que, no futuro, terá simbologia semelhante à do Alemão.
Os casos das favelas de Vigário Geral, Parada de Lucas e outras servem como memória.
A ocupação do Alemão foi reativa, como resposta aos atos de microterrorismo perpetrados. Estes, segundo o governo, foram resposta dos traficantes às UPPs. Previsível, até porque outras áreas foram tomadas pelas milícias, que vivem de extorsão.
Se as bocas de fumo do Alemão estão fechadas (espera-se que agora definitivamente), isso nada tem a ver com a demanda de cocaína: os viciados continuarão procurando onde comprar. Para isso existem centenas de outros pontos.
O efetivo policial que ficará no Alemão, mantida a escala das UPPs, estará na casa dos 2.500. Isso é mais que todas as UPPs da zona sul e norte do Rio, que estão em comunidades de 5.000 moradores. Somando ambas, tem-se o mesmo efetivo do policiamento ostensivo na capital, em cada momento.
Abre-se uma oportunidade. Mas, para isso, deve-se seguir o conselho de Gasparov. Ou será mais uma vez uma questão de tempo, pela própria dinâmica da demanda de cocaína (8 ton/ano no Rio) e do narcovarejo correspondente.