O ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador, Cesar Maia (DEM), dá nota seis —ou seis e meio— para os cem primeiros dias de governo de Jair Bolsonaro (PSDB). Na entrevista à Folha, concedida neste domingo (14), ele também chama o presidente de líder sindical e representante da velha direita.
Pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o ex-prefeito do Rio critica a articulação política de Bolsonaro. Para ele, é uma confusão. Cesar também questionou a capacidade do presidente de escalação de ministros. “Qual é a informação Bolsonaro acumulou para fazer as escolhas certas?”
Na semana passada, a Procuradoria-geral da República remeteu ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedido de prorrogação do inquérito sobre Cesar Maia e seu filho. Perícia da PF encontrou, no sistema da Odebrecht, registro de pagamento de R$ 1,5 milhão aos dois.
Folha de S.Paulo: Na semana passada, foi remetido ao Supremo um relatório de janeiro da Polícia Federal indicando repasses da Odebrecht para o sr e seu filho. Acha que é retaliação?
Cesar Maia: São procedimentos. A gente sabia desses prazos. Ficávamos torcendo para a [Raquel] Dodge —ou, agora, o [Edson] Fachin— entender que aquilo era uma porcariazinha de caixa dois. Aí, não encaminha para frente e arquiva. Vários foram arquivados assim, né? A gente estava com expectativa de arquivamento. Mas tinha que acontecer.
F: Foi prorrogada a investigação. Mas o senhor tinha a expectativa que fosse arquivado.
CM: Todo réu em potencial acha que vai ser arquivado. Primeiro eu já não era prefeito. Eles falam 2008, 2010 e 2014. Um deles era meu último ano de governo e eles acusam meu chefe de gabinete de ter pedido dinheiro para a campanha da Solange Amaral. Eu nem sabia. Até porque eles eram proibidos por mim e por lei. Quem está no governo não pode fazer campanha eleitoral. Eles falam que teria sido feito pedido a Odebrecht para ajudar, por caixa dois, a campanha de senador. Eu era candidato porque o partido me pedia. Não tratava de captação de recursos.
F: Como o sr avalia articulação do governo Bolsonaro?
CM: Parece que está começando agora. O Bolsonaro disse que a aprovação da reforma era coisa do Congresso. Mas passou. É um projeto de lei dele e o Poder Executivo tem que capitanear, articular.
F: O presidente finalmente está assumindo a responsabilidade?
CM: Obrigatoriamente. Como o Rodrigo disse, a responsabilidade é dele. E ele vai ter que chamar os líderes para conversar. Perderam prazos, perderam tempo. Uma coisa que já deveria ter sido votada pela CCJ vai ser votada na semana que vem, se for.
F: A intenção era votar antes da Páscoa. Mas o Rodrigo Maia definiu que, nesta semana, terá o Orçamento impositivo…
CM: Os jornais publicaram um estudo da relação de poder entre Legislativo e Executivo. O Brasil era o segundo onde o Executivo tinha mais poder sobre o Legislativo em uma lista de, sei lá, 30 países. O caso do Brasil era um caso de 91%, um número desses. O que está acontecendo e vai acontecer —e seria inevitável, fosse o Bolsonaro, fosse quem fosse— é que o Legislativo vai dizer “nesse número não pode ficar. Vamos reduzir para 70%”. Uma primeira medida é o Orçamento impositivo.
F: Mas teve um mal-estar porque o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), disse ter acertado com o Rodrigo que a Previdência seria antes.
CM: O Onyx não é exatamente um articulador. Era um deputado nosso, do PFL. Representava a indústria de armas do Rio Grande do Sul. E teve uma bobeira ali em que os procuradores apresentam as leis de anticorrupção. Ninguém sabe por que o Onix foi nomeado relator. Uma vez relator, ele resolveu ser o representante dos procuradores. Nem no Supremo passava aquele relatório dele… O Legislativo, não é o Rodrigo, é qualquer que estivesse ali, tem que pensar que outras medidas precisa tomar de maneira a reduzir a disparidade de poder entre Executivo e Legislativo. Só no Brasil, um país democrático, se tem esses instrumentos. Esses vão ser rediscutidos.
F: Quais?
CM: Medidas Provisórias, por exemplo. Isso gera consenso no Congresso. Viu o que aconteceu com o Orçamento impositivo? Não tinha direita e esquerda. Coisas desse tipo, que extrapolam o poder do Executivo sobre o Legislativo, tendem a ser corrigidas.
F: Se até hoje não mudou, por que teria essa uma tendência?
CM: É o momento em que o perfil do Executivo não gera expectativas de diálogo por parte do Legislativo. E é verdade. Qual expectativa pode ter um deputado ou outro? Quem é que fala em nome do presidente? Hoje um major [Vitor Hugo (PSL-GO)] diz que o Rodrigo é o primeiro-ministro. Está louco. Esse é um líder do partido dele. Isso é uma confusão.
F: O sr. acha que, obrigatoriamente, tem que deter essas medidas porque não existe diálogo com o governo Bolsonaro?
CM: Isso leva a deputados e senadores terem ideias e proporem dentro do Legislativo porque eles se sentem “desempoderados”. Propõem medidas que possam corrigir essa distorção.
F: O sr. fala do Onyx. Mas ele é o canal.
CM: Ele cumpriu aquela função junto ao conjunto de procuradores e ganhou a confiança do Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito pela Lava Jato. Não tem nada a ver com rede social… A Lava Jato que empurrou o Bolsonaro para a vitória. Agora ele tem que se lembrar que a Lava Jato não é um Poder Legislativo. Na hora que a Lava Jato está dentro do governo e que vai tomar medidas, tem que ter tramitação. Ele deve chiar “porra, não se pode governar”. Mas, tendo a experiência de governo, ele vai ter que se ajustar.
F: O Bolsonaro foi deputado.
CM: Mas era um líder sindical. Foram sete mandatos. Ele representa os militares e os policiais. Era só isso que fazia. Quando eu era deputado, fui procurado por almirantes me pedindo que fosse elaborado um projeto de Lei criando uma gratificação de militares em geral. Eu disse que era inconstitucional. “Não vai passar. Mas vai ser discutido”. Apresentei. Aí, o Bolsonaro veio me procurar. “Está querendo entrar na minha área?” Ele não foi descortês. Mas estava muito nervoso. Assim que ele se comportava quando alguém entrava no campo dele. Ele representa isso. O que aconteceu com os caminhoneiros? Ele é um líder sindical dos caminhoneiros e foi lá. Ele andava atrás dos caminhões, cumprimentava a gente, levava cafezinho… É assim que ele funciona.
F: O que o senhor achou do controle do preço do Diesel?
CM: Mostra amadorismo. Custava esperar o Paulo Guedes voltar? Isso gera uma expectativa de que pressão pode produzir resultado junto ao presidente. A própria reforma agora.
F: Dá para passar a reforma da Previdência como está?
CM: Achava isso. Agora não sei. Essa confusão de quem faz coordenação, declaração dos líderes de governo… Esse tipo de confusão que foi produzida tem que se exigir atenção.
F: O sr. diz que há uma tentativa de articulação do presidente com o Congresso, mas que há uma desarticulação…
CM: A articulação é uma questão rápida. Quem é que conduz esse processo? Eles têm os dois presidentes da Casa, o ministro da Fazenda poderoso, o próprio Moro. Precisam escolher os quadros que vão fazer o trabalho de jantar, de almoçar…
F: O sr. foi exilado, preso político no Chile. Como vê essa tentativa do presidente de revisão histórica, querendo comemorar o golpe de 64?
CM: Ele não entendeu. Há uns quatro, cinco anos atrás, estava lendo a respeito da nova direita brasileira. Que Olavo [de Carvalho] é apenas um personagem. Nesses estudos havia um ponto em comum, que a direita ia continuar a crescer. Mas sempre dissociada do golpe de 64. A associação com o golpe de 64 tirava força dessa nova direita. Para que introduzir um tema que dificulta você ser um novo líder da direita? O Bolsonaro é um antigo líder da direita na hora em que toca esse tema. Ele vai ao Chile, ele e Onyx, e elogiam o Pinochet. Ninguém no Chile elogia o Pinochet. Ele vai a Israel e usa uma expressão considerada absurda pelos judeus [de que seria possível perdoar o Holocausto]. Pode ter falado uma besteira dessas? Então, ele vai sendo a velha direita. Assim como ele fala da nova política, da velha política, Bolsonaro é a velha direita.
F: Mas o sr. acha que ele, ao menos, pode encarnar a nova política?
CM: Se estou dizendo que as declarações desmedidas que ele tomou são da velha direita, ele não pode ser a nova política. Nova política é não nomear indicados por deputados? Isso é um nada.
F: Há alguém que encarne essa nova direita aqui?
CM: O Rodrigo poderia ser. Ele está sendo firme, está sendo coerente. Ele está trabalhando isso no ponto de vista de imagem. Os convites que tem recebido, como presidente da Câmara, para ir ao exterior, são muitos. E o Rodrigo não fala inglês. Ele balbucia inglês. Isso tira dele mobilidade. Sabe disso. Disse que vai fazer um intensivão.
F: O sr. acredita em seu potencial de articulação, diz que tem capacidade de ouvir. Acha que o credencia para a Presidência?
CM: Ainda não. Até porque o estilo dele não é de produzir impactos populares. Ao contrário. Fez uma campanha eleitoral aqui, com todos os riscos, defendendo reformas liberais e teve uma votação proporcional ao que defendeu: 70 mil votos. Não precisou fazer uma campanha populista.
F: Muitas vezes as promessas de campanha de Bolsonaro eram incompatíveis com a tese de redução de gastos.
CM: Não tinham nada que ver as ideias do Bolsonaro com a eleição dele. Era o Lava Jato. O que é o governo do Bolsonaro? São quatro vetores: econômico-financeiro, Paulo Guedes; segurança, Moro; um grupo administrativo, que é muito bom, de militares dentro do Planalto; e o quarto um pouco solto. Uma boa ministra da Agricultura; por enquanto, um bom ministro da Saúde. E, enfim, essas coisas que a gente está vendo por aí. O quarto grupo é disperso.
F: O que o sr. diria desses cem primeiros dias do governo?
CM: Que a expectativa que se tinha foi frustrada. As ideias basilares que estavam nutrindo o Bolsonaro não foram aplicadas.
F: E o que acha das críticas do Olavo de Carvalho aos militares?
CM: Ele não entendeu direito o sucesso dele. O sucesso subiu à cabeça. Ele passou a achar uma coisa que não é, que é um influenciador do governo. Não é. Ele é influenciador do ministro da Fazenda? Do Moro? Ele é influenciador de quê? Do ministro das Relações Exteriores? Para baixo, né?
F: Como assim para baixo?
CM: Essa sempre foi uma área em que o Brasil teve um destaque muito grande. De repente entra esse personagem e a política externa vira alvo de desconfiança. Está todo mundo perplexo [elogia chanceleres dos governos petistas, e o assessor especial Marco Aurélio Garcia]. Agora, parece que o articulador é o deputado filho do Bolsonaro. Mas articulador de quê? De elogiar os Estados Unidos? O que o Eduardo Bolsonaro tem a dizer a respeito da América Latina, do México? Nada. Tem elogios ao Trump. Será que alguma coisa que Bolsonaro tem dito no exterior tem ajudado o governo? Agora ele vai conversar com Macri, que está com uma baixa popularidade.
F: Que está em queda.
CM: Nosso líder liberal Macri, com inflação lá em cima. Agora, vai enfrentar uma greve geral. Os caminhoneiros param o país todo. E ele vai lá. Falta de informação também. É um homem inteligente. Não tenho dúvida. É o presidente da República. Mas é culto? Não. Tem cultura política? Não. Bolsonaro ficou esses anos todos aí como deputado. Que atividade internacional foi a dele?
F: Ele pode delegar.
CM: Para delegar, tem que saber o que e para quem. Em um pais como Brasil, em uma América Latina confusa como essa, não saber a quem delegar e como…
F: Acredita que ele escalou mal os ministros?
CM: Disse que são três vetores: economia, segurança e a parte administrativa entregue aos militares. Isso está muito bem. É o que segura. Aí são pontos.
F: O que o sr. acha dessa opção por se manifestar pelas redes sociais? O Carlos Bolsonaro teve um embate pesado com o Rodrigo.
CM: E daí? Você acha que isso gerou algum tipo de formação de opinião? Claro que uma coisa inusitada como essa, a imprensa dá uma relevância muito grande. Qual é a importância disso para o governo?
F: Fica complicado para articulação quando o filho do presidente faz contrapontos nas redes sociais ao presidente da Câmara em um momento tão delicado.
CM: Será que é ele mesmo? Será que jantam junto e o pai não dá um empurra, “já que eu não posso falar, fala você”? Qual é a permanência disso?
F: O sr. acha que os posts do Carlos refletem o pensamento do pai?
CM: Não sei porque não conheço os posts do Carlos. Não dou relevância a isso. Não acho que é um personagem. Não estou dizendo que não seja, Mas não acho que seja um personagem político relevante. Acho que essa intensidade termina não ajudando o pai.
F: O sr. dá uma nota para esses primeiros cem dias do governo Bolsonaro?
CM: Estou dizendo que existem três vetores positivos. Como são muito importantes, vamos dizer nota seis, nota seis e meio? Graças a esses três vetores.