Autor: admin
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10 de novembro de 2017
09 de novembro de 2017
“AS REDES SOCIAIS SÃO UMA AMEAÇA À DEMOCRACIA?”
(The Economist – Estado de São Paulo, 04) 1. Em 1962, o cientista político britânico Bernard Crick publicou Em Defesa da Política. Ele argumenta que a arte do toma lá dá cá político, longe de ser algo deplorável, possibilita que indivíduos que acreditam em coisas muito diversas convivam em sociedades harmônicas e vibrantes. Na democracia liberal, ninguém tem exatamente o que quer, mas, de modo geral, todos são livres para viver a vida que escolhem para si. Por outro lado, na falta de uma dose mínima de informação, civilidade e consenso, as sociedades acabam resolvendo suas diferenças na base da coerção. Se tivesse comparecido a uma das sessões das comissões do Senado americano na semana que passou, Crick (que morreu em 2008) teria ficado horrorizado com as mentiras e a polarização política.
2. Há não muito tempo, as redes sociais ofereciam a promessa de uma política mais esclarecida: a facilidade de comunicação e a circulação de informações corretas ajudariam as pessoas de boa índole a acabar com a corrupção, a intolerância e as mentiras. Na última quarta-feira, porém, um executivo do Facebook admitiu que antes e depois da eleição presidencial americana do ano passado, entre janeiro de 2015 e agosto deste ano, 146 milhões de usuários podem ter visto conteúdos mentirosos e enganadores, veiculados na plataforma por agentes do Kremlin. O YouTube, do Google, identificou 1.108 vídeos ligados aos russos, e o Twitter, 36.746 contas. Longe de contribuir para o esclarecimento do público, as redes sociais estão espalhando veneno.
3. A interferência da Rússia é só o começo. Da África do Sul à Espanha, o jogo político está cada vez mais agressivo e sujo. Em parte, isso se deve ao fato de que, ao propagar mentiras e indignação, minar o discernimento dos eleitores e acentuar a polarização política, as redes sociais corroem as bases sobre as quais se dá o toma lá dá cá político que, na opinião de Crick, promove a liberdade. Mais do que gerar divisão e desacordo, as redes sociais se encarregam de amplificá-los. A crise financeira de 2007-2008 alimentou a revolta contra uma elite endinheirada que se descolara da realidade vivida pela grande maioria. As chamadas “guerras culturais” fizeram com que os eleitores passassem a se dividir de acordo com suas identidades, e não mais pelo corte de classe. O incentivo à polarização não é exclusividade das redes sociais. Está presente também na TV a cabo e no rádio. Mas a Fox News atua em terreno conhecido, ao passo que as plataformas sociais são um fenômeno novo e ainda pouco compreendido. E o modo como elas funcionam faz com que tenham influência extraordinária.
4. As redes sociais ganham dinheiro colocando fotos, postagens pessoais, notícias e anúncios publicitários diante do usuário. Como dispõem de ferramentas para mensurar sua reação, sabem muito bem como entrar na cabeça da pessoa. Coletando dados sobre a atividade de cada um, as plataformas calibram seus algoritmos para exibir aos usuários as coisas que mais provavelmente lhes chamarão a atenção, fazendo com que eles continuem rolando a página, clicando e compartilhando indefinidamente. Qualquer um que queira influenciar a opinião das pessoas pode produzir dezenas de anúncios, analisar a reação de seu público-alvo e determinar a quais deles os usuários se rendem com mais facilidade. O resultado é impressionante: um estudo mostra que em países desenvolvidos as pessoas tocam a tela de seus smartphones 2,6 mil vezes por dia.
5. Seria maravilhoso se isso contribuísse para que a verdade e a sabedoria viessem à tona. Entretanto, a despeito do que diz Keats em seu Ode a uma Urna Grega, a verdade é menos beleza do que trabalho árduo, sobretudo quando está em desacordo com nossas opiniões. Qualquer um que conheça o feed de notícias do Facebook sabe que, em vez de difundir sabedoria, a plataforma é craque em espalhar coisas compulsivas, que tendem a reforçar os preconceitos das pessoas. Isso reforça a política do desprezo pelos adversários que se instaurou, pelo menos nos EUA, a partir dos anos 1990. Como os diferentes lados veem fatos diferentes, não há base empírica comum a partir da qual possam chegar a um consenso. Como as pessoas ouvem a todo instante que os que estão do lado de lá são um bando de vagabundos que não fazem senão mentir, trapacear e difamar, é cada vez mais difícil vê-los como indivíduos com os quais é possível chegar a um entendimento. Como são sugadas pela voragem das mesquinharias, dos escândalos e da indignação, as pessoas acabam perdendo de vista o que realmente importa para a sociedade em que convivem.
6. Dessa forma, caem em descrédito a busca do consenso e as sutilezas da democracia liberal, para alegria dos políticos que se alimentam de teorias conspiratórias e da xenofobia. Considere-se os efeitos das investigações em curso, no Congresso e no FBI, sobre a interferência do Kremlin na eleição americana de 2016. Atacados pelos russos, os americanos agora se atacam furiosamente uns aos outros. Como a Constituição dos EUA foi concebida para proteger o país da força de tiranos e multidões, as redes sociais agravam a paralisia política em Washington. Na Hungria e na Polônia, cujos ordenamentos institucionais são mais frágeis, elas ajudam a sustentar uma democracia de estilo fortemente majoritário e antiliberal. No Mianmar, onde o Facebook é a principal fonte de notícias de muita gente, contribuem para aprofundar o ódio contra a minoria muçulmana rohingya, que vem sendo alvo de ações de limpeza étnica.
7. Diante desse estados de coisas, o que pode ser feito? Mais dia, menos dia, as pessoas se adaptarão, como sempre acontece. Levantamento realizado esta semana mostra que apenas 37% dos americanos acreditam no que leem nas redes sociais, metade do porcentual dos que dizem confiar em jornais e revistas impressos. Mas, enquanto a adaptação não acontece, governantes mal-intencionados podem causar estragos de grandes proporções.
8. As sociedades criaram mecanismos, como os crimes de difamação e calúnia e os direitos de autor e propriedade, para controlar os órgãos tradicionais de imprensa. Algumas pessoas querem que as redes sociais também sejam responsabilizadas pelo que é publicado em suas plataformas. Defendem ainda que elas sejam mais transparentes e passem a ser tratadas como monopólios que precisam ser desfeitos. São boas propostas, mas com efeitos colaterais. Recentemente, o Facebook contratou os serviços de terceiros para verificar a veracidade das informações veiculadas em sua plataforma. No entanto, as evidências de que isso contribui para moderar o comportamento dos usuários estão longe de ser inequívocas. Além do mais, a política não é como outros tipos de discurso: deixar a cargo de duas ou três grandes empresas a tarefa de decidir o que é, ou não, saudável para a sociedade envolve riscos enormes. O Congresso americano quer que as redes sociais divulguem quem paga pelos anúncios que veiculam mensagens políticas, mas isso não combate os efeitos nocivos da ação de indivíduos inconsequentes, que compartilham notícias com pouca ou nenhuma credibilidade. Dividir as gigantes das redes sociais em várias empresas menores talvez faça sentido como ação antitruste, mas em pouco contribuiria para arejar a atmosfera política. A bem da verdade, a multiplicação das plataformas sociais poderia tornar o setor ainda mais incontrolável.
9. Há outras soluções mais eficazes. As redes sociais poderiam ser obrigadas a ajustar seus sites, de forma a mostrar com clareza se determinado conteúdo é de autoria de amigos ou de fontes confiáveis. As ferramentas que permitem compartilhar notícias e postagens poderiam alertar o usuário para os efeitos prejudiciais da disseminação de informações incorretas. Os robôs são muito usados para amplificar postagens de conteúdo político. O Twitter poderia bloquear os mais nocivos, ou pelo menos sinalizá-los. E os efeitos seriam ainda benéficos se as redes sociais adaptassem seus algoritmos para que as postagens conhecidas como “caça-cliques” fossem deslocadas para o fim de seus “feeds”. Como vão de encontro a um modelo de negócios destinado a monopolizar a atenção, essas mudanças provavelmente teriam de ser impostas por meio de lei ou da ação de autoridades reguladoras.
10. As redes sociais vêm sendo alvo de muitos abusos, mas, com vontade política, a sociedade seria capaz de controlá-las e reviver aquele sonho inicial de esclarecimento. Os riscos que a democracia liberal corre atualmente não poderiam ser maiores.
08 de novembro de 2017
07 de novembro de 2017
06 de novembro de 2017
03 de novembro de 2017
31 de outubro de 2017
2018 NO RIO É ELEIÇÃO PARA PREFEITO – TAMBÉM!
1. O sonho oculto, efetivo (ou ambição?) dos pré-candidatos a governador do Rio de Janeiro em 2018 é perder a eleição e se candidatar a prefeito do Rio em 2020.
2. Na eleição de 2018, para governador, todos os pré-candidatos são competitivos para chegar ao segundo turno. Talvez seja isto que esteja os estimulando mais a se candidatar e, com isso, afirmarem-se como personagens na eleição de 2018. Dessa forma, atrairão a atenção nos programas e comerciais de TV, terão cobertura da imprensa, e a visibilidade para todos –os que têm mais e os que têm menos- crescerá.
3. Para se chegar esta conclusão de sonho oculto, um grupo de estudantes, um a um, realizou uma tarefa informal. Ir na agenda dos pré-candidatos, ou contatá-los através das redes sociais, e fazer perguntas simples, mais ou menos assim: i) Ser governador nesta crise financeira do estado e ao meio da crise da segurança pública, é masoquismo? ii) Ser prefeito do Rio não seria tarefa mais atraente? iii) Se você não se eleger governador, aceitaria ser candidato a prefeito em 2020?
4. As respostas –se não foram iguais-, foram muito semelhantes. A primeira veio acompanhada de um sorriso e arrematada com…, “é, você tem uma certa razão”. A segunda teve respostas iguais: …claro que sim. E na terceira pergunta, as respostas foram também iguais: …provavelmente.
5. Isso é reforçado porque a base eleitoral dos 4 pré-candidatos a governador é a mesma: a cidade do Rio de Janeiro e, naturalmente, o sonho de consumo de todos eles.
6. As pesquisas que circulam feitas pelos próprios pré-candidatos ou como pergunta agregada em outras pesquisas, pelos institutos, colocam sempre os nomes de Romário, Eduardo Paes, Indio da Costa e Tarcisio Motta. Romário aparece na frente, com uns 20%. Os demais flutuam no intervalo dos 6% a 10%.
7. E se supõe que, na cabeça de todos eles, venha aquela piada dos amigos que sairam correndo de um tigre. Um deles perguntou: Para que estamos correndo, se o tigre é muito mais veloz que nós? O outro respondeu: Você, eu não sei, mas eu estou correndo para correr mais rápido que você, e o tigre vai escolher o mais próximo.
8. Supondo que este quadro pré-eleitoral se mantenha mais ou menos assim até a campanha, o alvo dos candidatos não será quem está em primeiro, mas os demais, cujas diferenças de uns para os outros estará na faixa de uns 3% ou 4%, estimulando a todos e criando a expectativa de irem para o segundo turno.
9. E a motivação é reforçada pela eleição de 2020 a prefeito. Um deles respondeu a um estudante: É…, nessa eleição todos são candidatos a vencer, mas todos –se perderem- são, desde já, candidatos em 2020.
10. Nenhum ficará desmotivado durante a campanha.Todos vencerão, pois estarão ganhando força e visibilidade para 2020. Sendo assim, será uma campanha…, animada.
30 de outubro de 2017
27 de outubro de 2017
26 de outubro de 2017
OS 500 ANOS DAS “95 TESES” DE LUTHERO: O DEBATE ENTRE PROTESTANTES E CATÓLICOS HOJE!
1. A ideia de uma entrevista com alemães protestantes e católicos sobre os 500 anos do nascimento do luteranismo (31 de outubro de 1517) partiu de uma troca de palavras há uns meses com Peter Hanenberg, professor da Universidade Católica de Lisboa. Que sugeriu a pastora Nora Steen. O trio completou-se com Constantin Ostermann von Roth, protestante mas não luterano, dirigente da Associação São Bartolomeu dos Alemães. A conversa decorreu no estúdio da TSF e as fotografias foram na Igreja Evangélica Alemã de Lisboa.
2. P: Vou começar por si Peter. Como católico alemão e professor de Estudos Culturais, como vê o legado de Lutero na sua Alemanha?
P.H.: Lutero é uma das figuras centrais da cultura da Alemanha. Por duas razões opostas: primeiro, porque a religião que surgiu com ele foi motivo da divisão entre os alemães em muitos momentos, e essa divisão trouxe, ao longo da história, sofrimento, guerras e conflitos e, neste sentido, pode dizer-se que era um separador dos alemães. Mas ao mesmo tempo é um unificador dos alemães, por exemplo, pela tradução da Bíblia que efetuou, que forneceu as bases para o desenvolvimento da língua alemã.
3. P: Pastora, para si que é luterana, a história de Lutero é ainda mais especial?
N.S.: Lutero é um cunho decisivo na Alemanha e na evolução da língua alemã. E ainda por outra questão: o povo foi incentivado a aprender a ler e a escrever. A tradução da Bíblia para uma linguagem que o homem da rua conseguia entender foi um marco na cultura do povo.
4. P: Constantin, sei que se considera laico, embora seja protestante por tradição familiar. Isso seria algo que Lutero, homem do século XVI, entenderia?
C.O.R.: Acho que sim. Sou laico e defino-me como protestante e não propriamente como luterano, como já disse. Porque aí há uma certa distinção entre os protestantes e os luteranos, mesmo fazendo todos parte do protestantismo. Sou laico, mas não sou nem ateu nem agnóstico. Acho que Lutero entenderia, porque ele não distingue, por um lado, como sagrado aquilo que acontece dentro da igreja e, por outro, como profano aquilo que acontece no nosso dia-a-dia, fora da igreja. Criou uma religião na qual a Igreja tem menos peso do que no catolicismo, e que se baseia muito na responsabilidade própria e nós também podermos agir diretamente perante Deus. Podemos dizer que Lutero abriu a porta ao laicismo.
5. P: É mulher e pastora. Na Igreja Católica não seria possível. Isto é uma grande evolução desde o luteranismo original, haver mulheres pastoras na Alemanha?
N.S.: Lutero não concordava com a ordenação de mulheres, estava dominado pelo pensamento patriarcal da época, convicto de que as mulheres deviam dedicar-se exclusivamente à família e ao lar. Na nossa igreja as mulheres pastoras existem apenas há algumas décadas.
6. P: Constantin, volto a si. A revolta de Lutero e as 95 teses que ele afixou tem que ver com a bula das indulgências e o fausto papal. Foi uma revolta pessoal de um monge que também era um intelectual ou refletiu o espírito do tempo?
C.O.R.: Refletiu aquilo que já era mais ou menos previsível no tempo em si. Porque já havia reformadores antes de Lutero, por exemplo John Wycliffe que criticou a acumulação das posses da Igreja. E relembro os humanistas que eram contemporâneos de Lutero.
7. P: Está a falar de Erasmo de Roterdão?
C.O.R.: Exatamente, que ao contrário de Lutero queria reformar a Igreja por dentro e não por fora. A importância e a visibilidade que damos a Lutero resulta de vários fatores: ele soube utilizar os novos meios de comunicação, como a tipografia; teve uma rede de companheiros, intelectuais e pintores, que divulgaram as suas teses e depois teve a sorte de ter um monarca que não tinha interesse em que o dinheiro da bula de indulgências saísse do próprio reino.
8. P: Consegue sintetizar o que é que foi revolucionário na mensagem de Lutero?
N.S.: Para mim foi o entendimento de que Deus nos ama a nós, seres humanos, sem que tenhamos de fazer alguma troca. Apenas pela graça divina temos a nossa justificação, afirma Lutero. Não é a confissão, não é o dinheiro, não são coisas materiais que nos podem libertar da nossa culpa. Além disso, o sacerdócio comum de todos os crentes é uma questão fundamental: todos temos competência para interpretar a Bíblia, para pregar a palavra e para dar a bênção.
9. P: Sem a proteção do príncipe da Saxónia, Lutero seria um mero rodapé da história? Alguém havia de silenciar?
P.H.: É importante o que o Constantin disse, de já ter havido outras pessoas que pretendiam uma reforma da Igreja e que criticavam certas práticas religiosas, o que significa que teria de vir um Lutero. Agora essa especial relação da proteção que depois encontrou junto do príncipe da Saxónia é, de facto, o início de uma relação muito próxima entre a fé e o Estado e isso ainda hoje é visível em muitas igrejas, na Dinamarca, na Suécia… Mesmo a organização das igrejas protestantes da Alemanha segue a linha dos estados, por isso essa questão de como é que a Igreja situa a fé perante o Estado é um dos desafios muito importantes na história da religião. E depois leva aos tais conflitos que marcaram os séculos XVI e XVII, como a Guerra dos 30 Anos, em que só no fim se chega à paz na medida em que se atribui a cada território uma só confissão. Quem tem o direito de mandar em termos políticos também tem o direito de mandar em termos religiosos. Essa proximidade é o desafio que se coloca na fé na Alemanha a partir de Lutero.
10. P: A divisão geográfica católicos-luteranos na Alemanha é ainda semelhante à que ficou da Guerra dos 30 Anos?
P.H.: Há regiões que se reconhecem como mais católicas ou mais protestantes, mas há uma grande migração. As fronteiras já não são tão definidas.
11. P: Constantin, o luteranismo é uma reação alemã à cultura latina ou acha que não tem nada que ver com isso?
C.O.R.: Se não tem nada que ver, não quero dizer. Mas tem pouco que ver. Lutero era uma pessoa muito introvertida, no sentido em que a sua principal preocupação era a sua angústia de não obter a redenção própria, de não ser salvo.
12. P: Peter, falou na importância da tradução da Bíblia para alemão. Esta tradução, para além de ser revolucionária, porque a Bíblia passa a estar acessível a todas as pessoas, tem um papel de unificador da língua, não é?
P.H.: Já havia outras traduções para alemão da Bíblia antes de Lutero mas não eram bem conseguidas. A intenção de Lutero era encontrar uma linguagem que era também a das pessoas na rua. E conseguiu. Introduziu uma grande força no texto bíblico, que não era simplesmente uma tradução, era um texto que conseguiu falar com as pessoas. E essa força da uma língua nova, fresca, real, partilhada pelas pessoas, é o que caracteriza essa tradução, além de ser uma das poucas feitas dos originais hebraicos e gregos, o que introduz uma dimensão filológica que também será importante para a teologia cristã na Europa.
13. P: O que é que sente que há hoje de luterano na identidade nacional alemã?
C.O.R.: Hoje já não é assim tão claro distinguir o que é especificamente luterano ou católico, porque depois da II Guerra Mundial houve os grandes fluxos de migração, portanto em zonas que antigamente eram nitidamente protestantes, hoje há mesclas. Mesmo Colónia, que era dominada pelos católicos, hoje tem uma relação entre protestantes e católicos quase de 50/50. Mas ainda há alguns vestígios daquilo que são resultados do luteranismo. Já não se notam como há cem anos quando Max Weber fez as suas pesquisas mas de facto há. Um dos impulsos é que a religião não se limita só à missa, mas também se estende à vida profana. Daí que os protestantes deem à profissão uma ideia de ser algo sagrado e leva-nos a exercê-la com paixão.
14. P: Está a dizer que – e falou de Weber e do seu A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo – assim se explica muito do que é hoje o sucesso económico da Alemanha?
C.O.R.: Falando por mim, acho que vestígios do protestantismo na sociedade alemã podem ser ainda vistos. Por exemplo, no prazer do escrutinar. Nós na Alemanha discutimos, no sentido de debater. Depois na racionalização da organização do dia-a-dia, também no valor que se dá ao investimento em vez do consumo, uma certa autodisciplina, a aversão à ostentação de riqueza, a austeridade que é hoje muito falada… É o resultado daquela visão que temos da nossa profissão e de como tem de ser regida, uma certa dureza contra si e os outros, no empenho e na dedicação, na pontualidade, que é o resultado de aproveitar o máximo do tempo que temos disponível, e optar pelo caminho não mais fácil, aquele que achamos que é o melhor para obter resultados. Essas características todas têm um lado positivo e negativo. Nós, protestantes, levamos tudo muito a sério, falta-nos uma certa leveza e alegria na vida.
15. P: Peter, como é que se relacionam os católicos e os luteranos? Os casamentos mistos existem?
P.H.: Existem e são completamente normais hoje. Mas na geração dos meus pais ainda era assunto. Quando o Constantin estava a descrever o protestante alemão, estava a reconhecer-me.
16. P: O católico alemão reconhece-se naquela descrição?
P.H.: Estou convencido de que os católicos alemães são muito protestantes. O Constantin tem razão, isso tem alguma origem no papel importante que Lutero deu a cada um dos crentes na sua autorresponsabilidade e no seu contrato pessoal com Deus. Nós católicos, encontramos na Igreja um mediador que pode ser uma ajuda no caminho.
17. P: A chanceler Angela Merkel é filha de um pastor. Acha que esta influência do luteranismo existe na forma como governa, como vive, a tal austeridade não só na vida mas naquilo que defende?
N.S.: Angela Merkel cresceu na Alemanha de Leste. Viveu um protestantismo claramente posicionado a nível político. E na RDA os protestantes formavam uma minoria que se deparava com muitas desvantagens. Esta experiência imprimiu um cunho para toda a vida. Aprendeu que era preciso ter uma personalidade forte para conseguir transformações, para pôr algo em movimento. Para além disso manifesta abertamente e com clareza a sua fé cristã.
C.O.R.: Eu não sei se de facto é ou não luterano, mas no nosso ministro das Finanças nota-se as características protestantes. E daqui acho que também resultam os mal-entendidos entre a forma como os alemães agem e o que os países do Sul pedem. A maneira de resolver problemas é distinta.
18. P: Peter, o luteranismo está na política alemã e não só nos democratas-cristãos de Merkel e Wolfgang Schäuble?
P.H.: Pode encontrar-se em vários partidos. E mesmo nos que têm o cristianismo no título não se nota mais e isso é muitas vezes motivo de crítica a estes partidos. Mas eu diria que mesmo em relação ao ministro das Finanças, o que ele faz não faz como protestante mas como ministro. O ser protestante é uma experiência diluída no dia-a-dia, nas práticas profissionais, num certo percurso do país, mas não se afirma como posição religiosa. O que se torna cada vez mais claro é que a Constituição tem bases na religião, mais numa religião cristã do que noutras, e isto também é motivo de grande reflexão agora que temos comunidades de outras religiões.
19. P: Constantin, é possível haver um protestantismo alemão por oposição ao luteranismo de suecos, noruegueses?
C.O.R.: Protestantismos há muitos, e nos luteranismos de facto há diferenças. O alemão é um dos mais liberais.
20. P: Nestas diferenças de que falámos, salta à vista a condição de pastora, que como disse é recente. Há mais alguma diferença evidente?
N.S.: Algumas. É óbvio que mulheres sacerdotes são uma marca distintiva. Porém, existe uma questão mais importante: Lutero refere o sacerdócio comum a todos os crentes, na nossa igreja não há diferenças perante Deus. Temos os mesmos direitos e os mesmos deveres, tanto um bispo como um leigo. Outra questão é que não existe para nós um culto mariano e não temos santos. Não temos santuários como Fátima ou Lourdes.
21. P: Uma pergunta mais provocadora ao católico alemão. Francisco fala de uma Igreja humilde, sem fausto. É possível dizer que o Papa está de alguma forma a seguir a mensagem de Lutero do século XVI ou é uma heresia?
P.H.: Não é uma heresia. O que é de reconhecer é o caminho que toda a Igreja levou para chegar agora ao Papa Francisco. Julgo que essas tentativas de renovar a Igreja por dentro é um processo que já se iniciou nos anos 1960. A Igreja Católica está atenta aos sinais dos tempos mas ao mesmo tempo quer ser o sinal para os tempos. Como dizia Bento XVI, um alemão, a Igreja Católica oferece caminhos, não impõe estes caminhos. Esta proposta é provavelmente a diferença mais marcante em relação ao luteranismo hoje em dia, esse processo de aprendizagem com propostas para os crentes se orientarem neste mundo.