UOL (18) ENTREVISTA O CIENTISTA POLÍTICO JAIRO NICOLAU! RESPOSTAS!
1. Creio que não havia necessidade de criar um fundo exclusivo para financiar as eleições. Bastava aumentar o valor dos recursos do Fundo Partidário em anos eleitorais. Curiosamente, o TSE liberou o Fundo Partidário nas campanhas deste ano. Os partidos receberão cerca de R$ 2,5 bilhões. Não conheço democracia em que os partidos recebam tantos recursos do Estado.
2. Minha preocupação é a Justiça Eleitoral não ter capacidade de analisar as contas dos candidatos. Com o volume de recursos circulando em uma campanha de apenas 45 dias [a propaganda gratuita no rádio e TV começa em 31 de agosto e termina em 4 de outubro, três dias antes da eleição; a campanha nas ruas e internet está autorizada a partir do dia 16 de agosto], novos esquemas de desvio de recursos podem ser criados. Agora, diretamente com recursos públicos. O fundo eleitoral foi criado de afogadilho, sem regras claras de distribuição de recursos entre os diretórios estaduais e para os diversos cargos. Até os dirigentes partidários estão perdidos. De qualquer modo, já entrou na barganha para atrair políticos. A promessa é simples: “Vem para cá que aqui tem dinheiro fácil para a sua campanha”.
3. O autofinanciamento já era previsto na lei. O Congresso [Nacional] aprovou o fim da regra, mas o presidente [Michel] Temer [MDB] vetou. Desse modo, um candidato pode gastar até o limite definido para um cargo. Imagine uma pessoa muito rica que seja candidata a presidente. Ela pode gastar até R$ 70 milhões [teto total fixado pelo TSE para custear uma campanha presidencial em primeiro turno] de sua fortuna para autofinanciar. É claro que essa regra pode gerar desequilíbrios, sobretudo quando pensamos nas campanhas para governador e deputados [para governador, o teto vai girar entre R$ 2,8 milhões e R$ 21 milhões, dependendo do tamanho do eleitorado do estado; para senador, variará de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões, também segundo o tamanho do eleitorado do estado; para deputado federal, o teto será de R$ 2,5 milhões; e para estaduais e distritais, de R$ 1 milhão]. A legislação errou ao não estabelecer um mesmo valor (sejam eles candidatos ou não) para todos os cidadãos doarem para a campanha.
4. O financiamento ilegal de campanhas é um desafio para as democracias contemporâneas. Sempre ouvi falar em caixa dois no Brasil, mas as investigações recentes mostram que eles eram mais amplos e feitos com procedimentos bem mais sofisticados do que eu imaginava. Mesmo quando não há uma triangulação com recursos do Estado, o caixa dois é grave, pois estabelece conexões entre financiadores e políticos que não são transparentes para os cidadãos.
5. Ninguém imagina que o caixa dois deixará de acontecer nestas eleições. Um país com tantos recursos circulando ilegalmente, com o tamanho da economia informal e dinheiro do narcotráfico circulando, por que imaginar que as campanhas serão feitas segundo regras estritas?Mas sou mais otimista que outros analistas e acredito que o volume de recursos ilegais nas campanhas vai diminuir em 2018. Em primeiro lugar, porque, com o financiamento público, muitos candidatos não irão atrás de recursos privados. Em segundo, é que, depois das denúncias recentes, muitas empresas provavelmente não quererão participar de esquemas ilegais.As investigações [da Lava Jato] criaram uma cultura do medo entre políticos e empresários. Estão com medo de ser gravados, seguidos e filmados
6. A legislatura eleita em 2014 bateu todos os recordes. Não só do número de partidos representados, como também da dispersão de poder. Não há democracia no mundo em que o partido mais votado receba apenas 14% dos votos, como foi o caso do PT em 2014. A pulverização partidária veio à custa do enfraquecimento das três maiores legendas (MDB, PT e PSDB).É sintomático que um conglomerado de deputados de centro-direita, o ‘centrão’, tenha sido a força dominante nessa legislatura. Acredito que chegamos ao ápice da pulverização partidária. Com concentração de recursos de campanha e a introdução da regra de 1,5% [cada partido precisará ter ao menos 1,5% dos votos válidos nacionais a deputado federal para receber o fundo partidário e ter direito a tempo gratuito no rádio e na TV, condição que será considerada a partir de 2019], vamos assistir a um processo de redução da fragmentação a partir do ano que vem. Falamos muito de financiamento público, mas é bom não esquecer que cidadãos poderão doar para os candidatos. Na última eleição, o “crowdfunding” foi proibido. Vamos fazer o primeiro teste em 2018. Vejo a ideia com simpatia, sobretudo, porque é uma forma de o candidato prestar conta online de quanto está recebendo. Deve ser um recurso importante para alguns candidatos.
7. Para o sistema partidário, sem dúvida, é a introdução da cláusula de 1,5%. O número é baixo, mas provavelmente terá um efeito significativo. Minha estimativa é que no máximo uns 20 ultrapassarão essa votação. Só esses terão dinheiro e tempo de rádio e TV a partir de 2019. A mudança, cujo efeito é mais imprevisível, é o financiamento das campanhas. Saímos de um sistema que vigorou por 20 anos para algo novo, que combina dinheiro público, financiamento de cidadãos e possibilidade de autofinanciamento. O resultado? Ninguém pode antever. Uma que me preocupa é a diminuição do tempo de propaganda eleitoral para apenas 45 dias. O tempo é curto, sobretudo para os candidatos a cargos proporcionais. Sem conhecer os candidatos, a tendência é aumentar [o número de votos] brancos e nulos, como vimos em 2016. Ninguém imagina que o caixa dois deixará de acontecer nestas eleições
8. A campanha pelo voto distrital no Brasil é baseada em algumas fantasias. Uma delas é que as campanhas serão mais baratas, porque serão circunscritas a um território menor. Se fosse assim, as eleições para prefeito no Brasil seriam baratas e não são. Outra fantasia é que os políticos se aproximariam mais dos eleitores. Nas democracias tradicionais, não faz tanta diferença se o sistema é proporcional ou distrital, o número de cidadãos que têm contato com o político é menor do que se imagina. Sem contar que o voto distrital é devastador para os pequenos e médios partidos. As manifestações de 2013 foram impressionantes duas vezes. Primeiro, por acontecerem de maneira surpreendente. Segundo, por não terem deixado marcas visíveis nas eleições de 2014. Desde 2015, porém, os brasileiros falam de política como nunca.
9. Quando recebi no ano passado uma mensagem de uma tia por WhatsApp criticando o distritão [proposta para rever o sistema eleitoral, depois rejeitada], percebi que algo tinha mudado para valer. A propósito, se tem algo que me impressiona no Brasil é como, em poucos anos, o WhatsApp virou o grande canal de comunicação, incorporando pessoas que não participam das outras redes sociais. Não sei o que acontecerá na campanha, mas uma eleição com WhatsApp deve potencializar a difusão de informação como nunca vimos. Isso provavelmente irá acontecer, como vimos em 2016. Recebi mensagens com montagens grotescas, editando falas e imagens de candidatos. Não sei se existe instrumento para rastrear “fake news” no WhatsApp [a empresa, de propriedade do Facebook, informa que não tem controle sobre a circulação das mensagens do serviço nem guarda cópia delas em seus servidores]. E, como é um instrumento que espalha informações rapidamente e de maneira descentralizada, o efeito é potencializado. Vai ser um grande desafio para o TSE e para os partidos lidarem com as ‘fake news’ em 2018
10. O sistema eleitoral brasileiro sempre foi um incentivo para que os partidos atraiam personalidades e lideranças da sociedade civil para concorrer. Jogadores de futebol, artistas, empresários e radialistas fazem parte da política no Brasil desde os anos 1980. Eu lembro que, na primeira eleição de que participei, em 1982, o candidato mais votado do Rio de Janeiro foi o Agnaldo Timóteo [cantor e compositor, eleito então deputado federal pelo PDT com mais de 500 mil votos], que cantava nos comícios do [Leonel] Brizola [eleito duas vezes governador do Rio de Janeiro].Diga-se de passagem, na mesma eleição foi eleito um advogado, que participava de um programa de televisão, chamado Roberto Jefferson [hoje presidente do PTB, foi o pivô das denúncias que revelaram o chamado “mensalão”, esquema de compra de votos de parlamentares no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)].
11. Acho que é um problema que afeta sobretudo o PT e o PSDB. O PT ficou muito dependente da liderança do Lula. O ex-presidente se apresentou em cinco das disputas em que o partido concorreu. No caso do PSDB, o domínio da dupla Serra-Alckmin [José Serra-Geraldo Alckmin, do PSDB paulista] praticamente não deu oportunidade à emergência de outras lideranças.Quando penso no destino das três principais lideranças da minha geração –Eduardo Campos [PSB, governador de Pernambuco morto em 2014, quando se lançava candidato a presidente da República], Aécio Neves [PSDB-MG, senador e candidato derrotado por Dilma Rousseff (PT) nas eleições presidenciais de 2014, hoje alvo de investigações por corrupção, flagrado recebendo R$ 2 milhões do grupo J&F] e Sérgio Cabral [MDB, ex-governador do Rio de Janeiro, hoje preso por corrupção em Curitiba, em decorrência das investigações da Operação Lava Jato]–, me dou conta de que outros fatores afetam a renovação política.
12. As mulheres hoje são a maioria do eleitorado e, descobri num levantamento que fiz recentemente, elas também comparecem mais às urnas do que os homens. É um enigma a sub-representação feminina no Brasil. Na lista de números de mulheres no Legislativo, estamos em 154º lugar de uma lista de 190, logo atrás de Burkina Faso e Djibuti [países africanos com problemas de desenvolvimento]. E o Brasil foi um dos primeiros países da América Latina onde as mulheres garantiram o direito de voto. Espero que tenhamos mais candidatas em 2018 e, sobretudo, que elas sejam eleitas.
13. Não creio que o impeachment da presidente Dilma afete a visão dos eleitores. O que é lamentável é que seu governo tenha sido substituído por um no qual não há hoje nem sequer uma mulher (a AGU [Advocacia-Geral da União, comandada por Grace Mendonça] tem status de ministério, mas não é um ministério no sentido tradicional). Comparados às mulheres, os negros foram mais bem- No momento mais severo da crise política, alguns chegaram a dizer que não teríamos eleição neste ano. Nunca compartilhei dessa ideia. Um pouco por vontade, um pouco por conhecer a força da história eleitoral do país. Considero as eleições deste ano uma das mais importantes da nossa história. A de 1989 foi a eleição de inauguração da Carta de 1988. Trinta anos depois e, em sequência a uma das maiores crises da República, a disputa deste ano será, na minha opinião, uma eleição fundadora de um novo ciclo. Com um novo presidente, um Congresso com uma taxa bem alta de renovação (sei que muitos acham que isso não acontecerá) e com forças emergentes no cenário partidário.
14. Espero que toda a conversa sobre política dos últimos anos se traduza em um voto mais qualificado para o Legislativo. Temo somente por uma onda em defesa do voto nulo. Gostaria de ver mais mulheres e uma nova geração de políticos representados na Câmara dos Deputados. No Rio de Janeiro, vivemos a maior crise de uma unidade da Federação desde a redemocratização. Nascido no interior do estado [Nova Friburgo, a 136 km da capital], e atualmente morador da cidade do Rio de Janeiro, o meu maior desejo é que o novo grupo político que assumir o estado tenha capacidade de começar a sua reconstrução. Depois da ruína desses últimos anos, só as eleições podem nos dar algum alento.