17 de outubro de 2018

SEGUNDO TURNO 2018! O QUE OCORREU NO PRIMEIRO TURNO E POR QUÊ! 

1. Já com 10 dias corridos do segundo turno e com 5 dias de programas eleitorais, centenas de inserções e milhares de posts nas redes sociais, a equação, ou o X da questão, continua a mesma.

2. Com 4 anos da Lava-Jato ocupando todos os espaços, com prisões de líderes empresariais e políticos, com vídeos e gravações de enorme destaque, era evidente que a questão comportamental, e da confiança, dos desvios e roubos, seria o X da questão.

3. A campanha presidencial e de governadores teria que ter este tema sobre-focado. Os programas de governo -educação, saúde, transportes, obras e até segurança- seriam periféricos nas decisões de voto.

4. Serviriam para legitimar as candidaturas afirmando que se tratava de candidatos a governar. Mas deveriam ocupar um tempo apenas suficiente.

5. Quando, no final, alguns candidatos surgiram aparentemente de repente e se destacaram para o segundo turno, isso foi divulgado como surpresa, puxada presidencial ou mobilização das redes sociais.

6. Os Institutos de pesquisa foram apresentados como culpados por seus “erros”. Será?

7. Durante a campanha os eleitores foram conhecendo os candidatos e trocando informações a respeito. Respondiam as pesquisas em função do conhecimento que tinham dos candidatos.

8. Mas foram eliminando entre as hipóteses e alternativas de voto aqueles que não tinham confiança ética. Os candidatos, digamos, mais atentos entraram com o tema ético, Lava-Jato, desvios e roubos, condenações e ligações…

9. As pesquisas deram os sinais a partir da última semana. As curvas passaram a ter alguma inflexão. Os eleitores foram eliminando os nomes que tinham desconfiança. Abriram-se vácuos.

10. Como num terremoto, estes vácuos eram os pontos de abertura de crateras que se ampliaram fortemente na hora do barulho. As pessoas correram para longe das crateras. E buscaram o que achavam ser os pontos seguros de fuga.

11. Os nomes de maior desgaste foram abandonados e os de pouco desgaste -conhecidos – foram abraçados na busca de “salvação”.

12. Não houve surpresa, nem erro dos Institutos. Os Institutos que incluíram a questão ética (roubos, desvios, ligações, etc.) nas pesquisas já tinham os indicadores. A mídia cobria, como quase sempre, como corrida de cavalos: quem está na frente, etc.

13. Os cruzamentos só eram destacados para os favoritos. E chegou a hora da decisão, do terremoto. E os caminho alternativos -independente do conhecimento completo deles- estavam traçados. Seria só correr para eles.

14. No segundo turno -havia e há- tempo para se ajustar as estratégias. A cristalização do tema na eleição presidencial foi muito, muito maior. PT/Lula/Haddad foi colado aos desvios. Que era e é o tema. Bolsonaro colado à truculência, que não era e não é o tema.

15. As pesquisas residenciais, ou quase, não podiam pegar a velocidade de multiplicação da opinião das ruas. As pesquisas nas ruas sim. Ou como se estudou na Inglaterra na universidade de Essex no final dos anos 30. O “sentimento popular” se antecipou à formação da Opinião Pública. Vejam o filme “Destino de uma Nação”, quando Churchill vai às ruas ouvir, e em função disso decidir.

16 de outubro de 2018

A BELIGERÂNCIA DE EVO MORALES NA DERROTA EM HAIA PARA O CHILE!

(O Globo, 13) Único caminho que resta ao presidente boliviano é cumprir sentença da Corte

Evo Morales, presidente da Bolívia, parece ter perdido o rumo depois de ser derrotado pelo Chile na Corte Internacional de Justiça. No início do mês, em sentença definitiva, a Corte de Haia negou a reivindicação do governo da Bolívia para obrigar o Chile a negociar uma “saída soberana” ao Oceano Pacífico. Inconformado, Morales passou a atacar o tribunal, considerando-o “parcial” e “contraditório”. Até aí, é esperneio de perdedor. O problema é que o presidente da Bolívia foi muito além. Passou a qualificar o Chile, publicamente, como “invasor”. O tom de beligerância é absolutamente impróprio, absurdo, porque é característico daquilo que causa ou está numa guerra. “Não é possível que a Corte beneficie os invasores”, disse, referindo-se a uma tomada de território “para saquear seus recursos naturais”.

Morales é um ex-líder sindical dos plantadores de coca festejado por forças políticas da esquerda sulamericana desde o seu alinhamento político e financeiro à Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na década passada. Folclórico, é capaz de discursar sobre a natureza dos terremotos como “consequência de políticas neoliberais” .

Está no terceiro mandato e em plena campanha pelo quarto período consecutivo no poder, na eleição do ano que vem. Transformou a saída para o mar em bandeira políticoeleitoral, evocando a disputa de mais de um século com o Chile. No final do século XIX, a Bolívia tinha uma fronteira oriental que se estendia ao Pacífico, com 400 quilômetros de costa. Entre 1879 e 1884, os bolivianos, unidos aos peruanos, guerrearam contra os chilenos. A derrota militar custou à Bolívia a perda do acesso ao mar, selada em 1904 num acordo que redefiniu a fronteira boliviano-chilena. A Bolívia pediu a intervenção da Corte de Haia, em 2013. Argumentou que o Chile teria violado “a obrigação de negociar” um acordo sobre a “saída soberana” para o Pacífico. O Chile retrucou com a “legitimidade e vigência” do acordo de 1904, não admitindo qualquer compromisso de cessão territorial. Ressaltou que, se a tese boliviana fosse acolhida, nenhum tratado internacional estaria assegurado.

A sentença do tribunal internacional a favor do Chile deixou Morales sem o seu principal trunfo para a quarta eleição consecutiva.

Ele tem todo o direito de espernear pela causa perdida. Porém, sob nenhuma circunstância, deve-se aceitar que, numa alucinação de candidato, o presidente da Bolívia acene com beligerância ao país vizinho. Cumprir a sentença de Haia é o único caminho que lhe resta.

15 de outubro de 2018

MARQUETEIROS DEVERIAM LER COM MUITA ATENÇÃO, NESTE SEGUNDO TURNO!

(Trechos do artigo de Luiz Fernando Carvalho na Ilustríssima – Folha de S.Paulo, 14)

Aprendi com Van Gogh a associar palavra e imagem, diz cineasta Luiz Fernando Carvalho

1. “Cartas a Theo” é um livro mágico. Fonte primária e fundamental para a compreensão e o estudo da obra de Vincent van Gogh. Relato que trança reflexões estéticas com paisagens existenciais da vida do pintor.

2. Categoria inominável de gênero narrativo, substância primordial que me orientou na tentativa de criar um filme a partir do oratório barroco de Raduan Nassar. Nasce do encontro com as “Cartas a Theo” a busca por não desassociar o cinema da literatura, as palavras das imagens.

3. Estava perdido durante a preparação do filme, quando, em um dia qualquer, me reencontrei com as cartas de Van Gogh. Unidade perfeita entre palavra e imagem, processo e imaginação. E me lancei ali, avistando palavras, os olhos devorando o universo visual do pintor —ou seria em ordem inversa? Pouco importa. Não saberia mais dizer, falar.

4. Nas “Cartas”, vertigem entre questões pictóricas e sua busca incansável por uma mediação impossível com o real: uma representação à altura dos sentidos do pintor, revelando nessa empreitada uma conexão estreita entre arte visual e literatura. “Livros, realidade e arte são todos a mesma coisa para mim”, escreveu Van Gogh em carta de 1883.

5. “Cartas a Theo” me apresentara o abandono de uma ideia preconcebida de que uma imagem se faz de si própria, segundo a qual ela já é uma linguagem, possível de pertencer a um contexto de imagens —imagens como as outras, mas suficientemente e de tal modo escolhidas e dispostas que, através delas, passe algo de inefável.

6. A lição das “Cartas” parece-me, ao contrário, que as imagens não são, desde sua origem, feitas de algo inefável. Elas são feitas de algo tátil, de algo que deve e pode ser construído: a imaginação!

7. “Desta vez, é simplesmente o meu quarto, apenas a cor deve fazer tudo, e dar, pela sua simplificação, um estilo maior às coisas, ser sugestiva aqui do repouso ou do sono em geral. Numa palavra, a contemplação do quadro deve repousar a cabeça, ou melhor, a imaginação.” Assim descreveu Van Gogh ao irmão Theo, imaginando a pintura de seu quarto em Arles.

11 de outubro de 2018

REFLEXÕES E CURIOSIDADES NAS ELEIÇÕES DE 2018 NO RIO DE JANEIRO!

1. Analistas que afirmaram que a ascensão do candidato do PSC se deu ideologicamente, ou seja, pela impulsão dos de maior renda, se enganaram. O georreferenciamento do voto mostra que foi o contrário. O voto dele foi maior na Baixada Fluminense, em São Gonçalo e na Zona Oeste do Rio.

2. No primeiro turno –seja no debate, seja nos programas eleitorais e inserções– a questão sub-regional não foi tema. Agora no segundo turno deverá ser.

3. A saída de Garotinho do processo eleitoral abriu um caminho para que o voto dos de menor renda e evangélicos migrasse para quem no primeiro turno não conflitou com ele no debate e nos programas e inserções. As análises que projetaram de forma diferente -como migração para Romário- se enganaram.

4. Se o foco básico do candidato do PSC a governador fossem os evangélicos, ele teria montado na convenção uma chapa com um vice da Igreja Católica?

5. Os que imaginaram que os temas da campanha seriam segurança pública e desemprego, erraram. Por exemplo, o candidato do PSD focou segurança pública e não sensibilizou o eleitor. O que mobilizou até aqui o eleitor não foi a segurança pública ou o desemprego, mas uma ideia difusa de comportamento e renovação, de certa forma, referenciada pela Lava-Jato.

6. Com isso, o voto mais ideológico não foi impulsionado. As votações dos deputados Marcelo Freixo e Chico Alencar, bem aquém do projetado, são exemplos.

7. Em nível nacional e do Rio de Janeiro, dois fatos mobilizaram os eleitores, ao contrário das previsões de analistas. As manifestações “ele não”, combinadas com a facada covarde, terminaram vitimizando o candidato do PSL e construíram uma inflexão favorável na curva de voto. Basta fazer o gráfico das intenções de voto de antes e depois.

8. A forte inclinação da curva de voto nos últimos dias, na verdade, era um processo que vinha de antes e cuja velocidade dependeu da descoberta que o eleitor foi fazendo no final. A pré-decisão já estava tomada.

9. O resultado eleitoral no Rio de Janeiro, em 2018, não sinalizou nomes para prefeito da capital em 2020. As performances do presidente e do governador eleitos a partir de 2019 e o terceiro ano de Crivella é que formarão o grid de largada. As decisões difusas que impulsionaram o voto a partir da Lava-Jato não terão o mesmo peso.

10. A expectativa criada pela eleição presidencial, se não confirmada pela performance de governo depois do clássico período de carência -herança recebida e variantes- pode alterar o quadro eleitoral atual de forma mais acentuada do que se possa supor. E, se isso ocorrer, aí sim, impulsionará o Não Voto.

10 de outubro de 2018

OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS, LAVA-JATO E AS ELEIÇÕES DE 2018 NO BRASIL!

1. As buscas de explicações e razões pela inversão eleitoral, como aconteceu no primeiro turno das eleições em 2018 no Brasil, são, em geral, simplificações que facilitam entender a equação causa e efeito.

2. Em geral, esses fenômenos simplificadores têm razões muito mais amplas. Essas razões constroem um quadro e um cenário que criam as condições para a impulsão e multiplicação quase sempre personalizadas pelos analistas, pela mídia e agora pelas redes sociais.

3. Uma análise mais cuidadosa e mais rigorosa precisa ir em direção as causas gerais, ou seja, como o cenário e o quadro eleitoral de 2018 foi construído. Os atores -conscientes ou não- são receptores desta situação e, a partir daí, capitalizadores e impulsionadores.

4. A Operação Mãos Limpas, na Itália (1992/1996), liderada pelo Procurador Di Pietro (ler “Operação Mãos Limpas” de Barraceto, Travaglio e Gomez – Ed. Saraiva, com introdução e conclusão do Juiz Sergio Moro), terminou por desconstruir o comando político do sistema parlamentar italiano, desintegrando os dois principais partidos – a Democracia Cristã e o Socialista. Surgiram, pelo menos na forma, novos partidos e novas lideranças políticas e parlamentares.

5. A Operação Lava-Jato, iniciada em 2014, com sua metodologia inspirada na Operação Mãos Limpas, teve o primeiro teste de suas consequências políticas e parlamentares no Brasil, agora em 2018. Da mesma forma, aqui, o comando político-parlamentar foi desconstruído na eleição geral de 2018.

6. Olhar apenas para os votos e a liderança do vencedor é tomar o efeito pela causa. Assim como na Operação Mãos Limpas, o impacto na opinião pública da Operação Lava-Jato e através dela a desconstrução do comando político-parlamentar abriu espaços para as mudanças ocorridas, seja pela expressão carismática de seu líder, como pelo surgimento de um partido que veio de quase nada para formar bancadas majoritárias em nível nacional e estaduais.

7. Mas há uma diferença na dinâmica e no desdobramento de uma e outra. Na Itália, o Parlamentarismo ao mesmo tempo realiza as inversões partidárias nominalmente e constrói novos governos formais, substituindo os líderes dos partidos desintegrados por novos líderes. Novos nomes, sem necessariamente alterar o conteúdo. Berlusconi é um exemplo. E alguns anos mais tarde, o Movimento 5 Estrelas – que galopa a antipolítica e galga a maioria simples na Câmara de Deputados.

8. A Operação Lava-Jato se desdobra no Brasil também 4 anos depois, mas num sistema Presidencialista vertical. Se a votação do primeiro turno se repetir no segundo, que impacto terá no governo e no parlamento brasileiro? Será mantido um presidencialismo de coalizão no conteúdo, com ajustes nos personagens de primeiro escalão? Ocorrerá impasses entre executivo e legislativo uns meses depois da posse, após o banho de legitimidade das urnas?

9. Será adotado por emenda constitucional um parlamentarismo à brasileira, o que ajudaria muito a estabilidade?

10. Há que acompanhar com olhos de ver e ouvidos de escutar. E proceder a avaliações sistemáticas e permanentes até que se possa desenhar as primeiras conclusões. E bastarão poucos meses para estas primeiras conclusões. Repetir de forma açodada a explicação pela fórmula latino-americana do populismo autoritário é, pelo menos neste início, precipitação. Aguardemos com um pouco de paciência.

09 de outubro de 2018

NOTAS PÓS-ELEITORAIS!

1. Lava Jato no Brasil produziu o mesmo strike parlamentar que Mãos Limpas na Itália.

2. Abstenção + Brancos + Nulos em 2018 foi similar aos anos anteriores. Não veio o aumento que se esperava.

3. Bancadas Federais. PT 56 , PSL 52, PP 37, PSD 34, MDB 34, PR 33, PSB 32, PRB 30, DEM 29, PSDB 29, PDT 28, etc.

4. Número de Partidos na Câmara Federal: são 25. Agora 30.

5. Senado fragmentado: 21 senadores. MDB 12, PSDB 8, DEM 7, PSD 6, PT 6, PSL 4, etc.

6. Composição ALERJ: PSL 13, DEM 6, MDB 5, PSOL 5, PDT 3, PT 3, PRB 3, PSD 3, SD 3, etc.

7. Rede, PTC, PMN, PRP, PV, Avante, PSTU, PCB, PRTB, DC, PCO, PPL, Patriota, PROS E PMB não atingiram a cláusula de barreira. Ficam sem fundo partidário e tempo de TV.

08 de outubro de 2018

‘A CLASSE MÉDIA FOI AFASTADA DA POLÍTICA. NOS AFASTARAM’.

(Estado de SP, 07) Antropólogo acredita que houve um processo de perda de contato com as instituições e os agentes públicos

O antropólogo Roberto DaMatta acredita que parte dos brasileiros foi afastada da política pela falta de contato com o universo político e é justamente essa desconexão uma das causadoras da polarização vivida pelo País. Para DaMatta, os dois líderes nas pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), não são os melhores candidatos para o momento atual. “É votar numa eleição para a frente com duas possibilidades de retorno ao passado”, disse.

Para ele, o novo presidente vai precisar redefinir posições tradicionais, como a influência do Estado na vida do cidadão, e a relação do governo com o mercado.

Autor de livros como O que faz o Brasil, Brasil e Carnaval, Malandros e Heróis, o antropólogo afirmou que uma nova Constituinte seria bem-vinda e a eleição não acaba após os brasileiros irem às urnas. “A responsabilidade é muito maior depois”. Ele acredita que o País passou a ser uma República sem dispensar os vícios da Monarquia. “Estamos acostumados a sempre ter alguém para responsabilizar pelos nos erros.” Após as eleições, DaMatta espera uma pacificação nacional.

Como chegamos ao atual cenário político e social, com um País praticamente dividido?

Houve um processo de perda de contato com as instituições e os políticos. A classe média foi afastada da política. Não é questão de não querer, mas os políticos nos afastaram. Somos uma sociedade que transitou para uma República sem compreender o que é uma República. Reproduzimos na administração pública o sistema monárquico, mas a democracia é um regime que tem contabilidade e as pessoas são cobradas pelo que fazem. No Brasil, temos o lado pessoal que canibaliza o que deveria funcionar na base do mérito, sem raiva, favores e preconceitos. Não podemos deixar de ter numa sociedade moderna a regra da lei. E isso exige uma visão de mundo mais sofisticada do que a visão vigente por aqui. A sociedade não se emancipou de sua mentalidade escravocrata, de ter sempre alguém que faça algo por você, de responsabilizar alguém pelos erros que cometeu. Em todas as situações e setores da vida.

Como isso se reflete na política atual?

A estrela do nosso cenário político é o Lula e ele está preso. A candidatura Haddad atrai porque é uma maneira de pessoas que são petistas ou simpáticas ao Lula usarem isso como uma espécie de revanche. Além disso, o Haddad introduz em um partido carismático elementos racionais e tecnológicos, um discurso tranquilo. Já o Bolsonaro representa um possível retorno ao regime militar. Ele não tem papas na língua, não tem muita sofisticação, e é justamente esse avesso que atrai, essa liberdade. É um candidato que diz hoje uma coisa e amanhã “desdiz” aquilo. Como, à essa altura do campeonato, um candidato a presidente faz isso? E tem ainda a facada, um tipo de atentado que nunca aconteceu antes no Brasil, agora em um momento com meios de difusão extraordinariamente poderosos.

O que esses candidatos significam?

No fundo, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro são dois retornos. É votar numa eleição para a frente com duas possibilidades de retorno ao passado. Gostamos de celebridades, precisamos de heróis intocáveis, de pessoas que fazem sempre tudo dar certo. Mas só com boas intenções não se faz um governo. No Brasil, acho que temos uma certa alergia ao igualitarismo. Para perceber isso, basta ver como se reage em situações em que somos obrigados a sermos igualitários: “Você sabe com quem está falando?”, dizemos. Essa é a chave da campanha de Fernando Haddad: o Lula livre. É como se ele não pudesse ser preso, como o Getúlio Vargas, que também não podia.

04 de outubro de 2018

GABRIEL TARDE!

Artigo de Cesar Maia de 15/101/2010.

GABRIEL TARDE (1843-1904), sociólogo francês, pai da microssociologia (e da micropolítica), viu suas ideias serem atropeladas pelas escolas estruturalistas, como as de Marx, Durkheim, Weber etc., que prevaleceram no século 20. Sua obra capital foi “Les Lois de l’Imitation” (1890), texto fundamental para entender a lógica da internet 110 anos depois.

Em “Leis da Imitação”, Tarde analisa o processo de formação de opinião a partir das relações entre os indivíduos. Nos termos de hoje: os meios de comunicação, sistemas de publicidade, vocalizadores etc… distribuem informações, que são filtradas pelos indivíduos. Para assumi-las como opinião sua, o indivíduo as testa com alguém em cuja opinião confia.

Na medida em que haja coincidência, ele afirma a informação como opinião e a repassa. Esse processo ocorre em pontos infinitos, que vão formando fluxos de opinamento. Alguns são linhas tênues, que desfalecem. Outros fluxos se ampliam e vão avançando com diversas intensidades viróticas.

Para Tarde, há três tipos de indivíduos: os “loucos”, que iniciam fluxos de opinamento; os “tímidos” ou “sonâmbulos”, que são repassadores de fluxos, ou imitadores, na expressão de Tarde; os “tolos”, ou “descrentes”, que pouco repassam os fluxos recebidos.

Para Tarde, a imitação difunde-se em ondas concêntricas. Por esse processo se formam as instituições e a opinião pública. Se um grupo social afirma ideias, outros podem repassá-las por “imitação”. Olhando para os meios de comunicação de hoje, que são os mais importantes distribuidores de informação, estes obedecem à lógica da audiência, pois esta define suas rentabilidade e competitividade.

Estrito senso, os meios de comunicação não formam opinião, mas reforçam opinião formada. Mas, como estão inseridos socialmente, por sensibilidade, estudos ou pesquisas, dão conta de fluxos de opinamento em formação sustentada.

Quando propagam esses fluxos, aceleram enormemente a velocidade de transformação deles em opinião pública. Fluxos que constituiriam opinião pública em, por exemplo, dois anos, podem ser acelerados pela TV e formar opinião em duas horas, como ocorre algumas vezes.

A lógica da internet e de suas redes é essa, agregada à diversidade informacional de hoje. “Louco” é quem cria um fluxo e vê sua repetição às centenas e aos milhares nas redes, no YouTube…

“Tímidos” são os mais importantes para os iniciadores e estimuladores de fluxos (políticos entre estes).

São os “tímidos” que garantirão aos fluxos os múltiplos acessos e a aceleração na formação de opinião -e o voto. Um processo muito mais complexo e difícil que na TV dos anos 70/80.

03 de outubro de 2018

COLUNA DE O DIA ENTREVISTA CESAR MAIA! 29/09/2018!

A Coluna Informe do Dia, entrevista o vereador Cesar Maia, candidato do DEM ao Senado.

O DIAHá um ano, o senhor disse, em entrevista à Coluna, que não se candidataria ao Senado. Afirmou que, se fosse para ficar no Poder Legislativo, permaneceria vereador. O que o fez mudar de ideia?

Cesar Maia: Uma decisão que teve como base a necessidade de formar uma equipe com os quadros mais experientes para enfrentar a crise múltipla do Rio.

OD: Na mesma entrevista, o senhor avaliou a administração de Eduardo Paes (DEM) na Prefeitura do Rio. Disse que ele “quis surfar na onda dos grandes eventos, e a onda o derrubou.” Agora, vocês estão dividindo palanque. Não teme que possam surgir novas ondas durante eventual gestão no governo do estado? Considera Paes o melhor candidato?

CM: Isso só reforça a ideia de contarmos com os quadros mais experientes e testados.

OD: Mas quando o senhor disse que “a onda derrubou” Eduardo Paes, deu a entender que a administração dele na prefeitura não passou no teste…

CM: Essa foi uma experiência importante para todos os níveis de governo ao imaginarem que um grande evento era suficiente para o desenvolvimento sustentável.

OD: Entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que lideram as pesquisas, quem seria melhor presidente, na sua opinião. E com qual deles acredita que o seu filho Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados, teria melhor relação?

CM: Os resultados de hoje das pesquisas mostram que é um quadro em afunilamento e portanto um segundo turno em aberto.

OD: Mas entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad?

CM: Só vou me debruçar no segundo após o término do primeiro.

OD: Por que o senhor quer trocar a Câmara Municipal pelo Senado?

CM: A função precípua do senador é representar seu estado. Com a experiência de ex-secretário de Fazenda, deputado constituinte, deputado federal, prefeito do Rio por três vezes e vereador, seria natural propor meu nome ao Senado.

OD: Quais as pautas que o senhor pretende levantar em Brasília?

CM: Nos primeiros três meses, o estudo dos orçamentos aprovados da União e do Estado do Rio. Quero ajudar o acordo de continuidade das atuais ações de Segurança Pública sob a liderança do governador Eduardo Paes. Lutar por recursos para a recuperação da rede hospitalar, para a rede universitária, para obras estruturais como a ligação ferroviária do Porto do Açu à malha ferroviária do leste.

02 de outubro de 2018

NO PAÍS DAS MEIAS-CIDADES!

(Sergio Magalhães, urbanista – Globo, 29) Acostumamo-nos a momentos de grande angústia quanto aos caminhos do Brasil. Somos tentados por soluções redentoras, mas a volta do relógio mostra que não há mágica.

Também apostamos que a grandeza do país impede a queda no abismo. Contudo, já perdemos muita energia. Questões fundamentais permanecem sem equacionamento, para o qual precisamos de convergência democrática.

A habitação é uma dessas questões fundamentais. Nas políticas ditas habitacionais, as más respostas vieram indistintamente de todos os espectros políticos, desde os anos 1930 — quando se identificou o problema da moradia popular entre nós.

Tais políticas confundem moradia com habitação. A moradia é o domicílio de uma família. A habitação é a moradia, as redes de infraestrutura, o transporte, os equipamentos sociais e os serviços públicos. Simplificando: a moradia é individual, a habitação é social.

Uma família pode prover sua moradia, ainda que com precariedade (e muita dificuldade). Mas a habitação, não; só a ação do coletivo. Se quisermos uma boa cidade, precisamos produzir habitação. Se não nos importarmos com a cidade e a cidadania, poderemos produzir apenas moradias.

Todos os governos, desde meados do século passado, promoveram moradias. Não trataram de política de habitação. Sob esse rótulo, fizeram política econômica para cuidar da indústria de materiais, das empreiteiras e do sistema financeiro, dizendo gerar empregos. Assim foi com o BNH, extinto nos anos 1980, até chegarmos ao Minha Casa Minha Vida (MCMV), igual em propósito e em desastre.

Em quase um século, os recursos públicos e a poupança coletiva, somados, financiaram 20% dos domicílios construídos. Os demais 80%, quem financiou foi a própria família, na poupança tijolo a tijolo.

Assim, hoje, nossas cidades têm metade de suas moradias na precariedade, grande parte insalubre. Falta saneamento adequado para metade do Brasil urbano. Para se deslocar, metade da população sofre em transporte inaceitável. Nas grandes cidades, como o Rio, talvez metade de seu território esteja controlado por bandidos. Nosso esforço precisa ser para incluir essas metades do país nas exigências do século XXI.

A questão é complexa, não há solução única. Mas há experiências exitosas, aqui e ali, que sinalizam possibilidades — havendo interesse, continuidade e competência.

Vale elencar algumas delas.

1 — Para superar a precariedade e a insalubridade de 30 milhões de moradias existentes, gigantesco patrimônio das famílias pobres, uma resposta é a “assistência técnica”. Com pequeno crédito à família e assessoria profissional, reformam-se as moradias, como faz hoje, de modo exemplar, o Governo do Distrito Federal.

2 — Para enfrentar o déficit urbanístico de loteamentos populares e favelas consolidadas, há os bons exemplos do programa Favela-Bairro, no Rio, e Guarapiranga, em São Paulo. Depois, em Medellín, Colômbia. Eles mostram a potencialidade em criação de empregos, inserção social e redução da violência urbana.

3 — O Brasil construirá, necessariamente, 40 milhões de domicílios nesta geração. Sem nova política, serão irregulares e precários. Uma resposta adequada é o crédito desburocratizado para a família, conforme suas condições. Ela decide: constrói em lugar legalizado ou compra no mercado imobiliário. No Rio, o PreviRio teve ótimo programa de financiamento para funcionários da prefeitura. A Caixa teve incipiente programa no final dos anos 1990.

4 — O financiamento para as empresas empreenderem é essencial. Porém, não pode ser “financiamento” com demanda garantida, como é regra no MCMV para as rendas baixas. Assim, não é empreender, mas negócio entre governo e empreiteira, sem a decisão do interessado final, com resultados funestos.

Quem será o novo presidente? E os novos congressistas? E os novos governadores? Sejam eles quem forem, o desafio permanece. Não há mágica. Incluir a metade da cidade à cidade brasileira é o caminho democrático e do desenvolvimento.

01 de outubro de 2018

GLOBO ENTREVISTA CESAR MAIA!

Três vezes ex-prefeito do Rio e atual vereador, Cesar Maia, candidato do DEM ao Senado, faz campanha com Eduardo Paes, seu pupilo nos anos 90 e recente desafeto. “Combinamos de olhar para frente”, diz ele. Leia a entrevista:

Globo: O senhor foi prefeito do Rio por três mandatos. E saiu do último governo (2008) muito desgastado. Exerce seu segundo mandato seguido de vereador da capital e tentou se eleger por duas vezes senador. O que o motiva ainda a disputar uma vaga no Senado?

Cesar Maia: Desgaste e aprovação fazem parte da circularidade da política. Hoje, a rua é muito confortável. Não tenho nenhuma dificuldade em qualquer lugar do estado. O tempo terminou eliminando as questões que levaram ao desgaste e maximizando as questões que levaram a me aplaudirem em minhas gestões. Em 2010 tinha, por exemplo, temas críticos como a construção da Cidade da Música (atual Cidade das Artes). A rua está me dando conforto. Isto é fundamental. Em 2016, a campanha para vereador foi prazerosa: tive 80 mil votos: o dobro de 2012 e fui o quarto mais votado. A motivação desta eleição é que que me empenhei muito nas campanhas anteriores e fui conhecer as funções do senador. O eleitor e os candidatos a senador não conhecem. E tenho experiência como deputado duas vezes, uma delas constituinte; e ex-prefeito.

G: O senhor lançou Eduardo Paes na política. E estavam rompidos há alguns anos. Agora se reaproximaram num acordo costurado por Rodrigo Maia, seu filho. Constrange fazer campanha com Paes?

CM: Isso foi bem discutido, antes do Eduardo entrar para o Democratas. O Rodrigo foi intermediário. Ele colocou como preliminar que, se não desse para fazer uma campanha para frente, sem olhar para trás, não daria para trazer o Eduardo Paes. Pediu para pensar se poderíamos fazer campanha sem qualquer tipo de problema. Eu e o Eduardo conversamos inclusive sobre a campanha para prefeito de 2016. Na campanha do deputado Pedro Paulo (candidato apoiado por Paes, derrotado pelo prefeito Marcelo Crivella), ele não teve habilidade para me esquecer. Falamos: então vamos olhar para a frente. Eduardo foi um bom prefeito. Juntos temos 20 anos de prefeitura. Isso permite que troquemos experiências.

G: Mas é uma relação bem pessoal, como no passado, ou apenas politica?

CM: A campanha tem o compromisso político de só tratarmos do futuro. A gente passa a conviver no automóvel, percursos longo, conversando… Eu diria que a gente vive uma situação de tranquilidade, normal. Por sua vez, o Eduardo é padrinho de uma filha do Rodrigo. Eles nunca brigaram.

G: Mas eu perguntei se a atual relação com o Eduardo Paes é a mesma do passado…

CM: No passado ele era meu filho (no sentido político). Saiu do meu útero, ele deixou de ser meu filho: até prefeito se elegeu, duas vezes. Subiu de patamar. Hoje levamos as campanhas juntos. Ele conhece minhas qualidades e eu as dele.

G: Qual deve ser o papel de um senador que representa o Rio num momento em que o estado enfrenta uma crise e dificuldades financeiras?

CM: Em momentos de crise, o senador tem um papel ainda mais importante como representante do estado e de seus municípios. Veja o que aconteceu na negociação para o Congresso aprovar o Regime de Recuperação. Na Câmara, o processo tramitou com a coordenação do Rodrigo. No Senado, os representantes do Rio ou ficaram contra ou omissos. Outro caso: há dias, o prefeito Marcelo Crivella pediu para que o Rodrigo o acompanhasse ao BNDES para discutir a renegociação da dívida da prefeitura do Rio. O Crivella não pediu a um senador do Rio para fazer esse contato. Eu quero que o próximo governador, que espero ser o Eduardo, encontre em mim uma figura de peso ao marcar uma audiência com alguma autoridade, para poder enfrentar os problemas do Estado. Que ainda continuam a ser graves.

G: Quais seriam suas propostas para colaborar para que o Rio saia da crise?

CM: Uma das primeiras preocupações é com a segurança. O senador tem o poder de influenciar o presidente da República para que os recursos materiais e humanos dessa intervenção que termina no fim do ano permaneçam no estado com o novo governo. Sem resolver a segurança Pública, o estado vai continuar a patinar. Veja os problemas enfrentados em segurança entre os usuários do Arco Metropolitano: aquilo é uma insegurança completa. Outra questão é implantar uma ligação ferroviária do Porto de Açu para ajudar no escoamento de carga e no desenvolvimento da Região Norte Fluminense. É preciso acompanhar também o desenvolvimento das obras do Polo Petroquímico de Itaboraí que estão sendo retomadas. E garantir a conclusão das obras do BRT Transbrasil, sem contar o fortalecimento do turismo.

G: Há necessidade de renegociar as bases do Regime de Recuperação Fiscal?

CM: Não há um problema financeiro premente. O próximo governador terá é de fazer contas. Existe a óbvia possibilidade que a economia brasileira vai voltar a crescer. E com isso, a economia do Rio vai junto. Mas claro que o primeiro ano vai ser difícil. A situação deverá melhorar a partir da metade do segundo ano. O governador Pezão está preparando uma transição muito favorável para o próximo governador. Iniciou um programa gigantesco de saneamento na Baixada.

28 de setembro de 2018

A CORTE DOS ANJOS!

“Governar é fazer crer”, dizia Maquiavel. As lideranças míticas, sejam políticas, sociais ou religiosas, se afirmam por dois caminhos distintos.

De um lado, os líderes cuja autoridade se afirma como guias de seus povos. São os detentores da legitimidade pelas ideias que conduzirão seus povos ao paraíso. Perón e Vargas são exemplos.

Outras lideranças legitimam a sua autoridade pela ausência. Representam divindades. O que os legitima está ausente deles, está em outro plano. padre Cícero, no Ceará, e Santa Dica, em Goiás, são exemplos. Maria de Araújo, beata de padre Cícero, em transe, ao meio de milagres, conversava com os anjos.

Santa Dica, em transe, ia até a “corte dos anjos” e voltava com as orientações a serem seguidas. Padre Cícero elegia e elegeu-se. Santa Dica elegeu seu companheiro. O monopólio da legitimação pela ausência trouxe e traz conflitos interreligiosos.

A autoridade legitimada pela ausência não é restrita à esfera religiosa. Líderes políticos, em diversas épocas, ao se incluir no universo dos deuses, assim se legitimavam.

Ramsés 2º, Júlio Cesar e Hirohito são exemplos. Em outros, a própria nação é uma divindade. Agitam com símbolos milenares, cenografia e coreografia relativas. Representam essa divindade-nação ausente. Hitler (a raça germânica superior) é um caso.
Outras vezes, essa divindade é um autor cujas ideias são estruturadas como dogmas. A legitimação pela ausência se refere a eles e a suas ideias. O líder é quem representa essas ideias da forma mais autêntica. Marx foi usado assim. Depois vieram as suplementações de legitimação derivada: leninismo, stalinismo…

Outro tipo de legitimação da autoridade se dá pela contra-ausência. Ou seja uma ausência que coloca em risco o país e exige a delegação de todos ao líder. O “perigo vermelho” foi usado assim, legitimando líderes e ditadores. “O imperialismo ianque”, idem.

Mas há um tipo de liderança mítica que se parece com a do tipo guia dos povos. Apenas se parece. Na verdade, legitima-se também pela ausência. O povo, em abstrato, passa a ser uma divindade. Um povo amalgamado que incorpora todos os valores de fé, justiça e de esperança. E de dentro desse amálgama surge o líder, que é ele, o próprio povo, encarnado em sua pessoa, como redentor. As lideranças míticas são desintegráveis pelo fracasso, pela desmistificação (falsos profetas), pela força ou por outros tipos de líderes míticos. Num regime democrático, a força se exclui. Quando a alternância acontece em uma conjuntura de sucesso, a desmistificação não é tarefa simples. Nessas condições, um líder racional alternativo precisaria de alguma dose de legitimação de sua autoridade pela ausência.

Quaisquer delas.

27 de setembro de 2018

VIOLÊNCIA COBRA ENVOLVIMENTO DO GOVERNO FEDERAL!

(Editorial – Globo, 23) Urnas precisam levar a Federação a se integrar no combate ao crime organizado.

O tema da violência já frequentava campanhas eleitorais, quando, em 2002, o candidato petista Lula, que seria vitorioso naquela corrida presidencial, propôs um programa de segurança pública coma participação do governo federal. A proposta do candidato Lula, apoiada até por adversários, terminou engavetada no próprio governo do PT, por resistência política de assessores diretos do presidente. Achavam grande risco político o Planalto trazer para si o problema. Como era possível prever, a criminalidade não estancou, ao contrário. Por meio do tráfico, quadrilhas ultrapassaram fronteiras estaduais e internacionais. E há tempos passou a haver no tráfico o combo de drogas e armas. O Brasil, além de mercado consumidor, tornou-se rota estratégica para a remessa de drogas latino-americanas (Colômbia, Bolívia, Peru) para o mundo. Confirmou-se, de maneira dramática e dolorosa, que o enfrentamento deste crime, há algum tempo fortalecido e ampliado territorialmente, só tem chance de êxito se for conduzido de forma integrada pela Federação.

No rastro deste avanço da criminalidade há a conversão do Brasil em um dos países mais violentos do planeta — Brasil, Venezuela, Colômbia e México respondem por 25% dos assassinatos no mundo. Levantamento do Ministério da Saúde, usado pelo Atlas da Violência de 2018, calcula em 62.517 os homicídios cometidos em 2016, ou 30,3 assassinatos por cada grupo de 100 mil habitantes. É a primeira vez que o Brasil ultrapassa o patamar de 30 homicídios/100 mil. Três vezes o limite, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), acima do qual a violência passa a ser endêmica.

O conjunto de dados mostra a migração da criminalidade do Sudeste/Sul para o Norte e Nordeste. Organizações de São Paulo (PCC) e Rio (CV) têm seus franqueados distribuídos pelo país, também no controle de presídios, em que patrocinam barbáries em violentos conflitos. O sistema penitenciário virou de vez escritório do crime. Há casos emblemáticos. Um deles, o do R iode Janeiro, em que grave crise fiscal, política e ética imobilizou o estado, a violência voltou a aumentar, mas seus índices ainda estão longe dos níveis pré UPP. Mas isto não é consolo, nem dá tranquilidade. A intervenção federal, no entanto, é um laboratório do apoio que as Forças Armadas podem dar no combate ao crime. São Paulo ostenta indicador baixo (10,9), um assunto polêmico. Fala-se em artifícios contábeis, não comprovados, e de um hipotético entendimento como PCC: aquadrilha agiria a partir dos presídios sem repressão, e em troca manteria a tranquilidade nas ruas. Também sem provas.

Só não se discute que o quadro é de séria crise na segurança, à esperado novo presidente, dos novos governadores e parlamentares. Está sob ameaça o estado democrático de direito. Há algum consenso em torno da integração, inclusive entre governadores e autoridades de um governo fraco que se prepara para sair. É imperioso retomar esta agenda, e logo, assim que novas autoridades assinarem o termo de posse. Já se perderam muito tempo e muitas vidas.

26 de setembro de 2018

EMPREENDEDORISMO: PROPOSTAS PARA IMPLEMENTAÇÃO A PARTIR DE INICIATIVAS NO SENADO FEDERAL!

Empreender no Brasil é tarefa hercúlea. As dificuldades impostas pelo Estado a quem deseja produzir e gerar empregos são âncoras que puxam o país para trás. Custo Brasil elevado, burocracia descomunal, sistema tributário caro e complexo e insegurança jurídica absurda.

Hoje, falta emprego para 27,6 milhões de brasileiros. É importante que o empreendedorismo, uma porta de entrada para o mercado de trabalho, encontre facilidades para se expandir no país. Trata-se de política garantidora de equidade social, de promoção de oportunidades para quem mais precisa. Facilitar a vida das empresas, dos cidadãos e dos trabalhadores é nossa bandeira.

PROPOSTAS
1) Alterar a legislação para disponibilizar um portal único na internet com vistas a unificar e agilizar os procedimentos de abertura e fechamento de empresas.
— Segundo o Banco Mundial, abrir uma empresa no Brasil demora, em média, 80 dias e são necessárias 11 etapas. Na Nova Zelândia é preciso apenas um dia e um procedimento.
– No Rio de Janeiro, são 91 dias de espera para formalizar um novo negócio. É muita papelada, obrigações acessórias e burocracia desnecessária.

2) Apoio ao ecossistema inovador – startups, investimento anjo, aceleradoras, coworkings e incubadoras – com redução de burocracia e diminuição de impostos.
— 67% das startups brasileiras – empresas nascentes de alto potencial inovador – encerram suas atividades entre dois a cinco anos de funcionamento devido aos altos tributos e empecilhos burocráticos.
— O tempo médio que um empreendedor brasileiro precisa para preparar, apresentar e pagar impostos é de 2,6 mil horas por ano, enquanto a média na América Latina é de 361 horas por ano. É preciso simplificar urgentemente o nosso sistema tributário.

3) Incentivo à implantação de parques tecnológicos em diferentes regiões do país e apoio robusto à pesquisa e inovação.
— Favorecer a instalação de parques tecnológicos no país vai estimular o empreendedorismo inovador de forma considerável.
— Hoje, o Brasil investe apenas 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I). Já os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) investem, em média, 2,4%.
– A instabilidade de recursos torna impossível para o Brasil alcançar a fronteira mundial do conhecimento científico e tecnológico.

4) Criação de Política Nacional voltada ao Primeiro Emprego, com oferta de cursos de capacitação empreendedora a jovens e acesso facilitado ao crédito.
— Dois em cada três jovens brasileiros querem se tornar empreendedores, segundo levantamento da Firjan. Porém, falta capacitação e oportunidades.
— A criação de uma política específica voltada para o Primeiro Emprego vai garantir um futuro mais promissor para a juventude brasileira. Hoje, segundo o IBGE, a taxa de desemprego entre os jovens chega a 27% – mais que o dobro da taxa da população em geral.

5) Expansão do Simples nacional, com a ampliação do limite de faturamento para enquadramento de micro e pequenas empresas no regime.
— As micro e pequenas empresas representam 98,5% do total de empreendedores do Brasil, gerando mais de 70% dos empregos no país e representando mais de 27% do PIB.
— A ampliação do Simples nacional favorecerá os investimentos nos pequenos empreendedores e a criação de empregos no país.

25 de setembro de 2018

A PERTINÊNCIA DE HANNAH ARENDT!

(Marcos Guterman, jornalista e historiador – Estado de S. Paulo, 23) A pensadora alemã Hannah Arendt (1906-1975) é considerada uma das maiores intérpretes do século 20, mas suas ideias ainda conservam enorme pertinência ante o desafio de compreender o século 21. Em meio à ruína da tradição e à emergência da fragmentação política global, com a consequente desmoralização da democracia, Arendt vem em socorro dos que ainda acreditam na possibilidade de alcançar consensos por meio da negociação e do diálogo.

Nesse sentido, ao lidar com o terrível processo que levou uma parte do mundo civilizado a rejeitar a razão e a experimentar o totalitarismo, Arendt revela-se, em essência, uma pensadora “generosa” – termo com o qual a qualifica um de seus grandes discípulos e propagadores de suas ideias no Brasil, Celso Lafer.

Ex-chanceler, jurista e membro da Academia Brasileira de Letras, Lafer é conhecido por sua profunda familiaridade com a obra de Arendt, de quem foi aluno na Universidade Cornell em 1965, e produziu inúmeros textos a respeito da temática arendtiana. Uma seleção de alguns dos melhores momentos dessa produção está reunida no livro Hannah Arendt: Pensamento, Persuasão e Poder (Editora Paz e Terra), que chega agora à terceira edição, atualizando uma compilação iniciada em 1979. Nesse trabalho, Lafer ciceroneia o leitor pelos meandros das ideias de Arendt, e o faz de tal maneira que a sensação é de estar na mesma sala de aula onde o autor fruiu do conhecimento daquela extraordinária intelectual pública.

Mas o livro de Lafer, ao contrário do que pode sugerir, não é apenas um bom guia para os que pretendem se iniciar no pensamento de Arendt. Trata-se de trabalho relevante também para os que já estão embrenhados nos estudos arendtianos, pois oferece a esses leitores o olhar precioso de quem viveu a experiência de ser aluno de Arendt e de quem posteriormente, em sua rica vida pública, pôde aplicar na prática os ensinamentos daquela notável professora, ajudando a decifrar uma obra “polêmica, excepcionalmente criativa, não convencional, de difícil classificação”, como a descreveu Lafer.

Essas características da obra arendtiana são fruto da própria vida da pensadora, que não se enquadrava em nenhum rótulo, nem como mulher, nem como intelectual, nem como judia. Ela não aceitava ser vista como uma mulher excepcional, que estava a ocupar posições geralmente reservadas a homens. Quando se tornou a primeira mulher professora em Princeton, em 1959, conforme conta Lafer, gerou curiosidade sobre o que sentia a esse respeito – ao que ela respondeu, com sua habitual franqueza: “Não me perturba ser uma mulher professora porque estou bem acostumada a ser mulher”. Arendt tampouco se sentia à vontade em ser chamada de filósofa – preferia ser vista como cientista política. Por fim, sua condição de judia – não religiosa, enfatize-se – moldou sua independência intelectual, que para Arendt, conforme Lafer, era o melhor subproduto da marginalidade política dos judeus europeus. Tendo sido obrigada, por ser judia, a sair de sua Alemanha natal em razão do nazismo e refugiar-se na França e depois nos Estados Unidos, Arendt passou tempo considerável como apátrida, sentindo-se, portanto, livre para exercer o seu “pensar político” desvinculado de qualquer compromisso nacional.

Era entusiasta do selbst denken, o “pensar pela própria cabeça”, e talvez por esse motivo tenha sido tão mal compreendida por alguns de seus contemporâneos, que desprezavam quem não se submetesse ao formalismo acadêmico. No fundo, tratava-se de uma homenagem à autêntica liberdade humana, que só se manifesta em sua integralidade na esfera pública – o que, na visão de Arendt, é o cerne da política.

Talvez seja esse o aspecto da obra de Arendt que a torna tão pertinente nestes tempos de negação da política. Para Arendt, só é possível construir algo no mundo por meio da ação em conjunto, depois de alcançado o consenso entre os cidadãos num ambiente de total liberdade de informação – sem a qual não se pode tomar decisões nem fazer julgamentos. Esse consenso nunca pode ser definitivo. Tem validade apenas para o fim a que se propõe e nas circunstâncias em que foi articulado, tendo que ser reiteradamente negociado – o que garante a oposição. Quanto mais a sociedade dá a conhecer suas diferenças, menos as opiniões serão absolutas ou excludentes. Essa é a beleza da política.

Seu contrário é o espírito totalitário, que exclui quem representa o contraditório e impede que se faça o bom juízo sobre o Outro. Aquele considerado diferente é desde logo indesejável, sendo descartado não pelo que faz, mas pelo que é. O campo de concentração, no qual por definição não vigoravam os direitos humanos, pois aos prisioneiros era negada a condição humana, tornou-se o símbolo dessa ruptura – ali não há solidariedade de nenhuma espécie, apenas desolação, e tudo se torna possível, inclusive o genocídio.

Chega-se a esse ponto depois de um longo percurso de destruição da diversidade, processo que ganha impulso quando se renuncia à capacidade de imaginar o mundo de um ponto de vista alheio. Nada disso, enfatiza Arendt, tem que ver com poder político. Como mostra Celso Lafer, Arendt argumenta que o real poder político reside na capacidade de convencimento, que mobiliza a sociedade para determinados fins convidando-a a tomar decisões em conjunto, e não por meio da força e da coerção. Para Arendt, se é preciso violência, então não há poder. Por isso ela considera que a categoria central da política é o nascimento, isto é, a esperança da construção coletiva e democrática do novo, e não a perspectiva da morte, que gera medo e invoca o estado de natureza hobbesiano. Uma mensagem com esse espírito conciliador – e com a generosidade de que falou Lafer a respeito de Arendt – é vital nos tensos e polarizados dias que correm.

Nestes dias polarizados, ela vem em socorro dos que ainda acreditam em consensos pelo diálogo.

21 de setembro de 2018

A QUEBRA DO LEHMAN BROTHERS E SUAS LIÇÕES!

Política de incentivo monetário do Fed deu origem à expansão que já dura 105 meses

(Matthew A. Winkler MUNIZ – O Estado de S. Paulo, 15) Quem tentar entender o estrago do Lehman Brothers deve começar pelas duas expressões que resumiram o maior estouro bancário da história dos Estados Unidos. A mais famosa das duas é “grande demais para quebrar” (em inglês, too big to fail), mas a mais importante é “afrouxamento quantitativo” (quantitative easing, na expressão em inglês – quando a economia recebe uma injeção de dinheiro para ser estimulada ou aquecida).

Na década que transcorreu desde o colapso do Lehman, a primeira expressão apareceu em 2.241 artigos na agência

Bloomberg e foi nome de um best-seller e de um filme. Já o afrouxamento quantitativo apareceu no dobro de notícias e artigos. A grande diferença numérica mostra algumas lições aprendidas com o fim do Lehman.

Antes de 15 de setembro de 2008, quando a empresa de 158 anos quebrou, poucos acreditavam que as autoridades americanas permitiriam que um gigante como o Lehman viesse a deflagrar uma onda de insolvência que paralisaria grande parte do sistema financeiro global.

Em poucos meses, o mercado de ações perdeu quase US$ 10 trilhões. Quando o quarto maior banco de investimentos – depois do Goldman Sachs, do Morgan Stanley e do Merrill Lynch – afundou, o crédito evaporou e não havia nada que impedisse seus similares maiores de seguir o mesmo caminho.

Então, no último trimestre daquele ano, o Federal Reserve Bank de Nova York, atuando como agente do Tesouro dos Estados Unidos, deu início à mais controversa e sem precedentes política monetária de sua história.

Sua política de regularização financeira, com a criação de “dinheiro novo”, envolvendo a compra de imensas quantidades de ações, não apenas reverteu a maior queda já vista do PIB dos EUA como lançou as bases da expansão de 105 meses que se seguiu e dá indícios de se tornar a mais duradoura da história dos EUA. O resultado imediato foram juros e inflação bem abaixo do nível que precedeu todas as retrações econômicas desde 1955.

As empresas americanas, medidas por seu índice de endividamento em relação ao patrimônio líquido, tornaram-se as mais saudáveis desde que tal índice começou a ser levantado pela Bloomberg, em 1955.

Pela primeira vez desde sua fundação, em 1913, o Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, adquiriu todo tipo de ativos financeiros que estavam congelados com a quebra do Lehman. Ele manteve empréstimos a custo zero e permitiu ao Goldman Sachs e ao Morgan Stanley que se tornassem bancos comerciais, beneficiando-se de tal liquidez.

O Fed encerrou o programa de afrouxamento quantitativo em 2014, aumentou as taxas de juros sete vezes desde 2015 e começou no último ano a reduzir seu balanço patrimonial de US$ 4 trilhões. Dez anos após seu colapso, o Lehman continua sendo o maior pesadelo financeiro mundial porque era grande demais e quebrou. Se não fosse pela afrouxamento quantitativo, ainda estaríamos vivendo esse pesadelo.

20 de setembro de 2018

FORMADORES DE OPINIÃO!

Artigo escrito por Cesar Maia em 07/11/2009.

1. LUKACS, EM “Cinco Dias em Londres” (Zahar), analisando a designação de Churchill para primeiro-ministro, em maio de 1940, e a queda de Chamberlain (e sua política de apaziguamento com a Alemanha), avalia a dinâmica da percepção dos ingleses.  A impopularidade de Churchill vai até a ocupação de Praga, em março de 1939. Os fatos legitimaram sua radicalidade.

2. Lukacs fala de um binômio -opinião pública/ sentimento popular-, válido até os dias de hoje. “Opinião pública” seria um processo de convergência entre as pessoas a partir da informação sistematizada, difundida pela imprensa e por líderes de opinião.   “Sentimento popular” seria a reação das pessoas aos fatos, produzindo uma sensação mais ou menos difusa. Essa reação pode ser uma onda que vai chegando à emoção das pessoas.

3. Como tomar decisões que requerem apoio de massa num quadro de transição desses? A decisão, em si, poderá ser mobilizadora? Churchill vai ao Parlamento e às rádios e propõe um jogo da verdade: “Sangue, suor e lágrimas”. Mas como acompanhar o processo e saber com que velocidade vai cristalizando consciência na população?

4. As pesquisas de opinião, da forma como as conhecemos, eram um instrumento embrionário (EUA, Universidade Colúmbia, início dos anos 30). Mas não eram suficientes, porque captariam, no início, uma reação ainda superficial. Lukacs usa os arquivos da Universidade de Sussex (GB) sobre “mass observation” (MO). Em 1937, dois ingleses (Madge e Harrison) criam um sistema de observações diretas nas ruas. “Em 1938, estenderam suas atividades aos campos da política e da guerra”, diz Lukacs.

5. Não são pesquisas de opinião, mas “relatos de primeira mão por observadores de senso comum”. “Não há um ponto de vista que se possa rotular como opinião pública, ela varia muito e não está ainda formada; a única coisa que resta é a crença de que a Inglaterra no fim acabará triunfando”, anota um observador.

6. Não é simples separar, numa pesquisa de opinião, “opinião pública” de “sentimento popular”. A TV estimula o “sentimento popular”, que, depois, aparece em pesquisas como “opinião pública”. O que muitas vezes não é ainda -ou nunca. A TV, na lógica da audiência, é muito mais indutora de sentimentos ou sua aceleradora do que formadora de opinião. Os líderes de opinião, intelectuais e políticos, ainda são formadores de opinião, mas não como antes.

7. O processo, hoje, se dá horizontalmente, por fluxos de “opinamento”, onde os líderes de opinião estão no meio da massa, e não “por cima” dela. Mas não são menos importantes. Os fluxos em que intervêm podem ser filtros formadores de opinião, o que exige suor. Não falam mais desde um “altar”.

19 de setembro de 2018

INTERVENÇÃO NA SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO DEVE CONTINUAR!

(Angela Costa, presidente da Associação Comercial RJ – Folha de S.Paulo, 15) 1. O agravamento e colapso na segurança pública no estado do Rio de Janeiro atingiu proporções inaceitáveis nos últimos tempos. A constatação de uma escalada desenfreada da violência urbana, a incapacidade dos órgãos de segurança pública (OSP) estaduais, um número enorme de policiais sendo mortos por criminosos e a seríssima crise moral e ética.

2. Esses foram os motivos que levaram o governo a recorrer de forma mais enfática a uma ajuda da União. Desse modo, o presidente Michel Temer, em 16 de fevereiro, decretou a intervenção para “pôr termo ao grave comprometimento à ordem pública” e restabelecer a segurança à população, que não podia mais conviver com esse clima de total desordem.

3. Uma vez decretada a intervenção, o governo federal se volta às Forças Armadas brasileiras e nomeia um oficial de alto comando para que assuma o controle das forças de segurança pública do estado. O general de Exército Walter Braga Netto, então comandante militar do Leste, é nomeado interventor federal do Rio de Janeiro e, tendo sob seu comando tropas especializadas, realiza levantamentos de inteligência e ações estratégicas para integração dos OSPs e da administração pública federal. Tudo isso para otimizar os recursos materiais e de pessoal no combate ao crime organizado.

4. A gravidade da situação parece tornar o período até aqui insuficiente, uma vez que foi necessário vencer entraves jurídicos para dar legalidade e sustentabilidade às ações operacionais da tropa. Era preciso também ter tempo necessário para vencer os trâmites burocráticos na aquisição de equipamentos de investigação criminal, veículos blindados, armamentos e munição para os OSPs.

5. A mudança, então, foi no modelo de gestão da segurança pública. Nesse ponto do processo, é necessário entender a complexidade dessa grande estrutura para compreender o potencial pleno das mudanças à frente. É como tentar resolver uma complicada equação matemática para a qual ainda não há todos os números colocados.

6. Ainda vejo que é preciso reduzir os índices de crimes como homicídios, delitos contra o patrimônio, roubos de carga, de rua e de veículos e autos de resistência. É essencial que a população tenha liberdade de ir e vir sem medo, nosso povo merece essa tranquilidade que há tempos parece um sonho intangível. Por isso, acreditamos que ainda haja muito a ser feito.

7. Na agenda positiva elaborada pela Associação Comercial do Rio de Janeiro para os candidatos a presidente e a governador do Rio, apontamos como prioridade a manutenção da intervenção até que se possa colher mais frutos desta iniciativa.

8. Porém, cabe ressaltar que a intervenção tem seus efeitos colaterais, pois impede, por exemplo, a tramitação de propostas de emenda à Constituição (PECs).

9. É preciso, portanto, muita cautela na hora de avaliar esse período, que não deve ser julgado pelo legado imediato, mas, sim, por resultados de médio e longo prazos, que ainda estão por vir.

10. Certamente, ninguém tem o plano perfeito, mas confiamos que as medidas aplicadas pela intervenção poderão vir a nortear modelos de atuação e gestão para a segurança em todo o Brasil.

18 de setembro de 2018

A AGONIA DE UM SISTEMA

(Caio Sartori – O Estado de S. Paulo, 16) 1. As leis e o texto constitucional não bastam para a saúde de uma democracia. Para além de regras oficiais, ela precisa de normas informais. A tolerância mútua – entender que o adversário é legítimo e não deve ser aniquilado – é uma delas. A outra é uma espécie de ‘reserva institucional’, ou seja, evitar o uso desenfreado de instrumentos legais que possam desgastar a estabilidade democrática.

2. A análise feita pelos professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as Democracias Morrem, recém-lançado pela editora Zahar, é o ponto do texto que suscita maior reflexão no (e)leitor brasileiro.

3. Aqui, onde balas e facas foram direcionadas a presidenciáveis, a tolerância está em baixa. E como falar em reserva institucional quando dois presidentes sofreram impeachment em menos de 30 anos? Não se trata, explica o livro, de concordar ou não com os impedimentos constitucionais, mas de entender que afastar mandatários, mesmo com prerrogativa legal, desgasta a convivência democrática.

4. Diagnóstico preciso do atual modo de corrosão das democracias, o livro, sucesso nos EUA, joga luz sobre como os autocratas destes tempos chegam ao poder: não por meio de tanques, mas pelo voto. “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”, escrevem. Em contextos de crise, esses outsiders se apresentam como solução. Seu sucesso depende, na visão dos autores, de um endosso do establishment. Evitá-los, portanto, passa pelo oposto: a existência de partidos fortes e, se possível, unidos, capazes de freá-los.

5. Orbán, na Hungria; Putin, na Rússia; e Erdogan, na Turquia, são exemplos atuais citados pelos analistas. Com ares de legitimidade, os três autocratas estabeleceram uma série de medidas antidemocráticas, mas com maquiagens que disfarçam a real faceta. Aprovadas num Legislativo submisso ou referendadas por um Judiciário aparelhado, sua arbitrariedade é quase imperceptível ao cidadão comum, para quem o governo direciona um discurso de aperfeiçoamento da democracia. Eis o perigo: as próprias instituições são usadas para erodir o sistema.

6. Levitsky e Ziblatt listam quatro pontos para identificar autoritarismo: rejeição das regras democráticas; negação da legitimidade dos oponentes; tolerância ou encorajamento da violência; e propensão a restringir liberdades civis, inclusive da mídia. Motivo maior da existência do livro, Donald Trump se encaixaria em todas elas. Apesar de se debruçarem sobre exemplos do mundo todo – incluindo os de Fujimori e Chávez no lado de cá da América –, os autores não poderiam ter outro foco senão o presidente americano. Como foi que um empresário com posicionamentos autoritários chegou ao poder na maior democracia do mundo?

7. Considerados por Levitsky e Ziblatt “guardiões da democracia”, os partidos americanos operaram por séculos nas “salas enfumaçadas”, reuniões fechadas das quais participavam os profissionais do jogo. Políticos de carteirinha, os dirigentes evitavam a ascensão de demagogos. Assim foi com Henry Ford, em 1924, inviabilizado na disputa do Partido Democrata apesar de desfrutar de imensa popularidade. O processo que culminou com Trump como presidente teria começado em 1972, quando as primárias dos partidos passaram a contar com maior participação de outros atores, numa busca por aumentar a interação popular nas nomeações. Desde então, o número de outsiders nas primárias aumentou. No entanto, eles costumavam ficar pelo caminho. Até que veio Trump.

8. A escalada do atual mandatário pode ser entendida, entre outros fatores, como uma história de “guarda ineficaz dos portões” republicanos. Em meio a novas regras de financiamento e com a transformação midiática, o hoje presidente passou como azarão pela “primária invisível”, etapa de consolidação de apoios, cresceu nas primárias e chegou, enfim, à disputa contra Hillary Clinton.

9. Foi na eleição principal, na visão dos autores, que os republicanos falharam em um ponto essencial: a união em torno da candidatura democrática, apesar de discordâncias. Com a maioria dos quadros de peso do partido neutros ou endossando Trump, a disputa não aparentou ser uma crise, e sim uma “disputa bipartidária padrão.”

10. Testada a todo momento por Trump, a democracia americana tem sobrevivido pelas instituições fortes e a cultura de freios e contrapesos: regras não escritas que complementam a Constituição. Basta ver a resistência dos democratas em apoiar seu afastamento, mesmo com todos os escândalos, e dos próprios republicanos em apoiar medidas extremas, como aparelhar o FBI. A Hungria, Rússia e Turquia dos autocratas não têm essa capacidade de sobrevivência institucional.

11. Primordial para os nossos tempos, Como as Democracias Morrem é, em muitos momentos, uma ode aos partidos e às normas informais de convívio democrático, capazes de evitar “um combate institucional cujo objetivo é derrotar permanentemente os rivais partidários.” O Brasil não está entre os países analisados a fundo no livro – bom sinal, imaginemos. Cabe ao leitor, a partir da riqueza das informações oferecidas por Levitsky e Ziblatt, avaliar o que há de parecido e de diferente com as nações que estão em alerta.

12. Em novo livro, professores de Harvard veem padrões entre as democracias acossadas por autoritários, como a Hungria, Turquia, Rússia e Estados Unidos.

14 de setembro de 2018

DEBATES NA TV!

1. Criou-se uma certa mitologia sobre os debates na TV entre candidatos a presidente. Os fatos e os estudos realizados não comprovam a importância eleitoral deles.

2. O primeiro debate na TV, que passou a ser uma referencia como ponto de partida, foi o debate entre Kennedy e Nixon em 1960. Nele, a equipe de Kennedy inaugurou os cuidados visuais com o debate, desde o melhor contraste entre o cenário e a roupa do candidato, a cor do terno e da gravata, até o sorriso leve de quem está seguro no que diz. No final até as pesquisas escorregaram e Kennedy venceu por uma diferença mínima de 120 mil votos. Explicou-se pela “maioria silenciosa”, o que seria o mesmo que dizer que não houve influência do debate no resultado final.

3. Várias análises mostram que, a menos que ocorra um total desastre num debate, no máximo três dias depois o efeito do debate já está dissolvido. Por isso, nos EUA, o último debate nunca ocorre em intervalo menor que 10 dias das eleições. Esta também é a praxe na Europa. Na América Latina -e o Brasil não é exceção- esse prazo de mais de 3 dias não é observado.

4. O debate é apresentado como um grande espetáculo pelas emissoras de TV. Os candidatos são estressados com técnicas e táticas, caras e bocas, planejamento de perguntas e respostas, imersão para testar como reagem sob pressão. Equipes vão aos estúdios conhecer o cenário, de forma a definir o figurino dos candidatos. Discute-se com as emissoras de TV o posicionamento das câmeras, que não podem flutuar pela reação de um candidato enquanto o outro fala. A audiência cresce, o que em si já é uma excelente consequência para a emissora de TV que o promove.

5. Quando termina o debate, são feitas pesquisas sobre vitorioso e derrotado. A menos que a eleição esteja muito apertada, o resultado é sempre o mesmo: venceu o debate o que vinha como favorito nas pesquisas eleitorais. Mas nem por isso tudo o debate na TV é inócuo. Curiosamente é mais importante pela repercussão que lhe dá a imprensa nos dias seguintes que pelo debate em si. Imagens do debate são editadas na TV. Fotos nos jornais, áudio nas rádios. Analistas comentam. Publicitários são entrevistados.

6. Os eleitores, em função disso, discutem performances. Os militantes se entusiasmam e destacam os melhores momentos de seus candidatos e os piores de seus adversários. Gafes são exaltadas. Todo um processo desencadeado pelo debate na TV e que ganha vida independente do debate.

7. Se fosse possível fazer o debate e nada mais, os debates seriam rigorosamente inócuos. Mas seus desdobramentos não são. Nesse sentido cabe preparar os “exércitos” para os dias seguintes ao debate. Esses podem ser relevantes.