14 de novembro de 2018

CAMPUS: FAZER E COMUNICAR, HACER Y COMUNICAR! A POLÍTICA EM NÍVEL LOCAL! 

Colônia do Sacramento, Uruguai. Promovido pela Fundação Konrad Adenauer do Uruguai. Representante do Democratas Antônio Mariano, presidente Juventude do Rio, 9 e 10 / 11.

1. Estratégias para o desenvolvimento sustentável dos municípios (Philipp Lerch, diretor da Academia Comunal da Fundação Konrad Adenauer, Alemanha)

–       Konrad Adenauer dizia que a política municipal é a arte da verdadeira política e da democracia.

–       Dos 80 milhões de habitantes na Alemanha, calcula-se que 100 mil tem mandato, mas 15 milhões trabalham, de alguma forma, na política municipal, principalmente como voluntários.

–       As comunas, os municípios, devem funcionar como famílias. Pensamento da CDU no pós guerra.

–       Político consegue ser pior do que um vendedor de seguros: ninguém gosta e ninguém confia nele.

–       Quanto maior o nível de governo, menor o contato com a população, por isso é de suma importância o contato diário com o cidadão.

–       Comunidade é conectividade, identidade, cultura de um local, o que une a todos.

–       Quanto menos entendemos o mundo e quanto mais rápido muda a política, mais as pessoas não se sentirão em casa e rejeitarão as mudanças.

–       Mozart: escutar, copiar, emular, criar boas notas. Igual deve ser na política, devemos observar as boas práticas de outros lugares e não ficar tentando inventar a roda.

–       Sustentabilidade se transformou em um conceito transversal, saindo apenas do conceito de meio ambiente e da ecologia, passando para todos os setores. Devemos fazer uma política sustentável.

–       Um desafio atual, em todo o mundo, é conseguir encontrar bons quadros que queiram trabalhar para além da sua profissão e da sua família e que se dediquem à política local, a mais importante e mais esquecida.

2.  Eficiência local e participação cidadã (Philipp Lerch, diretor da Academia Comunal da Fundação Konrad Adenauer, Alemanha)

–       “Quando alguém tem de construir um barco, você não deve ensinar a conseguir madeira, ou a fazer os planos unicamente para a construção, mas sim a entender e a amar o mar.”

–       Nenhum administrador poderá cumprir suas promessas, se não tiver total consciência de quais são seus recursos humanos.

–       É preciso criar diversas redes que nunca trabalharam em conjunto antes. Pq não juntar a equipe de meio ambiente com a equipe de jovens? Constante aprendizado, onde todos aprendem com todos.

–       Apesar dos compromissos de uma administração municipal, é de suma importância a criação de um núcleo de servidores que estejam dedicados a novos projetos para a cidade.

–       O governo só vai dar certo, se houve um canal de diálogo constantemente aberto com a sociedade.

3. Eficiência local e participação cidadã (Christoph Jansen, vereador em Bonn, Alemanha)

–       “Aqui vocês tem uma língua comum para ajudar na integração, então aproveitem! Quem dera ter uma língua única para toda a Europa…”

–       Há muito mais transparência do que há 20 anos e isso é uma tendência contínua. Assim sendo, temos uma cidadão cada vez mais responsável e que deve ser incluído nas tomadas de decisões do Estado.

–       Precisamos de mais participação cidadã, afim de evitar o avanço do populismo, seja de esquerda ou de direita. Os partidos de extremos estão conseguindo mobilizar mais os eleitores que antes optavam pelo centro, por conta da desilusão com a política.

–       Modernizar o conceito do humanismo e buscar o consenso em temas conflitantes.

–       É imperativo que todos os estratos sociais participem o máximo possível e da maneira mais igualitária possível. A equidade de gênero é algo urgente e necessário, por exemplo. Jovens também devem ser incentivados, são o futuro – ideal se pudessem participar diretamente nos partidos.

4. Estratégias para uma gestão municipal pró ativa (Andrés Abt, prefeito do Município CH, Montevidéu, Uruguai)

–       Montevidéu é dividida em 7 municípios menores (A, B, CH, D, E, F, G) e o Partido Nacional utiliza o governo no CH como laboratório para tentar se eleger em Montevidéu. Em 183 anos, governou a capital apenas uma vez.

–       Equipe multidisciplinar composta por técnicos, vizinhos e militantes do partido, para montar um plano de governo possível de ser aplicado.

–       A gestão aponta para mudanças de filosofia, com a inclusão e participação da população. Mudança na relação da sociedade com o governo.

–       Convênios para capacitação de voluntários que trabalham em atividades sociais do município.

–       Saúde e educação não são de responsabilidade dos municípios. Logo, sobra mais orçamento para outras áreas.

5. Desafios atuais das agendas de governos municipais na América Latina (Doménica Tabacchi, vice prefeita, Guayaquil, Equador)

–       O modelo de governo de Guayaquil busca a parceria com a iniciativa privada.

–       Apenas 15% do orçamento é para gastos administrativos, inclusive salários, ou seja, 85% volta para a população em investimentos e serviços.

6. Desafios da nova gestão local e municipais em contexto de centralismo autoritário (Elías Sayegh, prefeito, El Hatillo, Venezuela)

–       Há quatro anos o orçamento do município era de 7 milhões de dólares ao ano. Agora mal chega a 80 mil dólares anuais. Na Venezuela os municípios são responsáveis pela saúde primária e pela polícia.

–       O governo central não tem emitido os títulos de propriedade para os imóveis, logo, o município vem assumindo essa função.

–       A descentralização promovida pela prefeitura, vem procurando gerar o mínimo de motor na economia e, por incrível que pareça, existem investidores abrindo empresas. Para gerar mão de obra, a prefeitura promove cursos de capacitação técnica e arranja emprego para estas pessoas.

–       Envio de relatório semanal para a população do município com todas as ações e fatos da Prefeitura naquele período. Dividido em seis áreas, inclusive segurança, mostrando quais delitos foram cometidos, onde, por quem, etc.

7. Desafios da nova gestão urbana e política local (Diego Valenzuela, prefeito, 3 de fevereiro, Argentina)

–       A descentralização de poder e de dinheiro é uma tendência global.

–       O governo nacional procurar fazer trabalhos na ponta, sem diálogo com a comunidade local. Resultado: conflitos e dinheiro mal investido.

–       Um projeto pode ser lindo, mas irá realmente causar impacto para melhorar a qualidade de vida da população? Essa é a pergunta que sempre deve ser feita, para não jogarmos dinheiro fora.

–       Planejamento urbano de modo a fortalecer a convivência e o consumo dentro do próprio bairro.

–       No mínimo 50% da agenda é feita na rua e sempre procurando equilibrar regiões da cidade e setores da sociedade.

–       Urbanismo também é direito: importante ter um advogado que entenda do assunto, para o planejamento não esbarrar em questões legais.

–       Como é do mesmo partido de Macri, procura estar na rua o máximo possível, conversando com os vizinhos, de modo a mostrar o seu trabalho e não vincular a crise nacional ao seu governo.

8. As redes sociais no governo municipal (Martín Yeza, prefeito, Pinamar, Argentina)

–       Um governo democrático requer uma comunicação democrática.

–       Não há tema na comunicação política que não haja sustentação, desde que a matéria-prima seja de qualidade.

–       Durante a transição, passou a contar curiosidades por meio das redes sociais e com isso conseguiu mídia gratuita nacional e até internacional.

–       Apesar das profundas mudanças realizadas na gestão (inclusive cortando o salário em mais da metade), a aprovação era a mesma da rejeição. Pinamar tem um histórico de prefeitos que não terminam o mandato e, por isso, a população tinha o receio de que fosse acontecer o mesmo com ele.

–       O principal problema do político é o ego, o que faz com que respondamos ao adversário. Não é a ele que devemos satisfação, mas sim ao eleitor. Somente a eles devemos responder.

–       Não aceitem as regras dos outros, o líder é você e neste momento, uma pequena dose de soberba é necessária e saudável. Caso contrário, você ficará eternamente refém de quem não lhe apoia.

–       Liderar significa saber bancar e aceitar os insultos. Mas também é representar a melhor visão de futuro possível para uma sociedade.

–       Não é possível liderar sem saber qual é o conteúdo da mensagem que você quer transmitir. Além de tudo, seja breve.

–       A Prefeitura quintuplicou a frota de veículos e mesmo assim, consegue gastar 20% menos de gasolina, comparado ao início do mandato. Se bem comunicado, a população vai entender que antes havia corrupção, não é algo que precisa ser dito explicitamente, de modo não a gerar desgaste para a sua imagem.

9. O bom governo local: a cooperação a nível municipal (Christoph Jansen, vereador em Bonn, Alemanha)

–       Bonn é um exemplo de como foi feita a transição no início dos anos 1990. Deixou de ser a capital, mas passou a congregar organismos internacionais, como a ONU.

–      O fator internacional é um grande atrativo para a cidade, que leva o desenvolvimento, não só com o turismo, mas também a trabalho. Intenso trabalho de cooperação internacional.

–       Parcerias nas áreas de energia e reciclagem, prevenção a enchentes e intercâmbio cultural com La Paz, no Peru e intercâmbio entre temas de juventude e culturais e turismo sustentável com Buchara, no Uzbequistão, por exemplo. Parcerias parecidas com cidades na África, China, Mongólia, Ucrânia, etc.

–       Cooperações multilaterais, além das bilaterais.

–       Para alcançar as metas globais de desenvolvimento sustentável, propostas pela ONU, é indispensável a participação das Prefeituras, do poder local.

13 de novembro de 2018

LATINOBARÔMETRO INDICA 2018 COMO UM PÉSSIMO ANO PARA A DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA!

(JANAÍNA FIGUEIREDO – Buenos Aires – Globo, 10) 1. A pesquisa anual do Latinobarômetro, feita em 18 países da América Latina, mostrou que 2018 foi o pior ano para a democracia na região desde o início da medição, em 1995. Dois países do continente deixaram de ser democráticos (Venezuela e Nicarágua), e todos os indicadores de confiança na democracia regrediram. Desde que a Latinobarômetro começou a realizar pesquisas em todos os países do continente, há 23 anos, o respaldo à democracia teve momentos de auge, como em 1997, quando chegou a 63%. Hoje, o percentual caiu para 48%, o ponto mais baixo desde 20

2. No Brasil, a satisfação com a democracia é a menor na região,9%, e o percentual de brasileiros que a poiam o regime democrático também encontras e entre os menores—apenas 34% dizem apoiara democracia, e o país só fica à frente dos centro-americanos Honduras, Guatemala e El Salvador. Quando a pergunta feita foi se o país em que vive o cidadão está progredindo ou regredindo, outra vez os brasileiros mostraram-se desapontados, e o Brasil figurou no final do ranking, empatado em último lugar coma Venezuela. Só 6% dos brasileiros acreditam que o país está progredindo. A má percepção da economia afeta a avaliação do sistema político, registra o relatório.

3. O levantamento também perguntou se as pessoas acreditam que vivem em países democráticos. Neste tópico, 17% dos brasileiros responderam que o Brasil não é uma democracia, contra 37% na Venezuela e 35% na Nicarágua. A maioria dos brasileiros (52%) acredita que o país é uma democracia com “grandes problemas”, enquanto em Chile, Costa Rica e Uruguai mais de 40% veem uma democracia com “pequenos problemas”.

4. Para a pesquisa deste ano, a entidade entrevistou 20.204 pessoas entre 15 de junho e 2 de agosto, o que considera “uma amostra representativa da população total dos 18 países, que chega a 650 milhões de habitantes”. Ante os números, a diretora do Latinobarômetro, Marta Lagos, definiu 2018 como um “annus horribilis” para a região. Poucas vezes, segundo ela, o continente viveu um período tão convulsionado em sua História desde o início da transição para a democracia, nos anos 1980.

5. Em entrevista ao GLOBO, Lagos fez um alerta para a falta de consciência sobre o que chamou de “diabetes democrática” que se espalha pelo continente, e afirmou que é necessário “saber declarar e entender onde estamos posicionados”: — No caso do Brasil, por exemplo, a eleição de Jair Bolsonaro é consequência e não causa de uma situação. Mas o Brasil não está sozinho, a confiança e a credibilidade da democracia estão sendo questionadas em todos os países da região.

6. Para ela, “a eleição de Bolsonaro explica-se pelo desejo dos brasileiros de elegerem alguém que tire o país do buraco e alguém que é visto como alheio ao sistema político tradicional e suas mazelas”. — No Brasil, a confiança interpessoal é de 4%. Isso significa que os brasileiros praticamente não confiam em ninguém, muitos menos nas instituições e partidos políticos. A crise da democracia é consequência disso —frisou. Somente em nove países, de acordo com o levantamento deste ano, o apoio ao sistema democrático supera 50%, e o percentual mais elevado foi registrado na Venezuela (75%), onde se impôs, nas palavras de Marta, “um autoritarismo eleitoral”, mesmo caso da Nicarágua. Na Argentina, o apoio à democracia alcança 59%; no Uruguai, 61%; e no Brasil, apenas 34%.

7. No outro extremo, o autoritarismo é visto como um modelo positivo por 27% dos paraguaios, 23% dos chilenos e 20% dos guatemaltecos. “Os povos da América Latina querem prosperidade e desenvolvimento, não há evidências de uma demanda por autoritarismo, mas por ordem e ausência de violência”, diz Lagos em texto que acompanha o relatório.

8. Na visão da professora Maria Regina Soares de Lima, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj e coordenadora do Observatório Político Sulamericano (Opsa), nos casos de países como Venezuela e Nicarágua o grande problema atualmente é “que não existem governos dispostos a negociar”. —São democracias que estão por um fio, mas elas não podem ser excluídas nem ignoradas.

9. Tampouco pode-se pensar numa intervenção — enfatizou a professora. No caso do Brasil, sustentou Maria Regina, “a eleição de Bolsonaro explica-se pela demanda de liberalismo econômico e segurança e, ao mesmo tempo, rejeição à corrupção”. —O presidente eleito foi visto como uma novidade, mas rapidamente ficará claro que não é —disse a professora. A Latinobarômetro analisa a eleição brasileira e afirma não entender a surpresa do mundo com a vitória de Bolsonaro. “Essa surpresa não deveria ser tal se levarmos em consideração que 65% dos brasileiros dizem que a democracia tem problemas (grandes e pequenos) e 17% asseguram que não existe democracia no país. O Brasil é simplesmente um país onde a crítica à democracia teve consequências eleitorais. E não é uma exceção. Em outros países, como o Chile, por exemplo, 84% dos cidadãos se queixam do sistema democrático atual”, diz o relatório.

10. No Brasil, a satisfação com a democracia é a menor na região: apenas 9% se dizem satisfeitos.

12 de novembro de 2018

50 ANOS DEPOIS, LIVRO RECONTA INVASÃO DA POLÍCIA A CONGRESSO DA UNE EM 1968!

No auge das manifestações contra o regime militar, quase 800 jovens foram presos; leia trecho da obra.

Cesar Maia já tomara o seu café e aguardava o início da reunião dentro da tenda, sentado num dos degraus forrados com plástico. (…) O único na tenda que parecia sem nenhuma pressa era Cesar Maia. Sentado num degrau, sabia que não adiantaria tentar fugir, seria fatalmente preso, mais uma vez.

( Jason Tércio – Iliustrissima – Folha de S.Paulo, 11) Em outubro de 1968, o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes acontecia num sítio em Ibiúna, a 74 km de São Paulo, quando foi descoberto pela polícia. Quase 800 jovens foram presos. A história é recontada em “Sitiados – A História do Congresso Estudantil de Ibiúna em 1968”, com lançamento previsto para este mês; leia trecho.

“Divalte Figueira saiu da tenda enrolado no cobertor, a caminho do córrego, onde um grupo lavava o rosto e escovava os dentes. Os que haviam dormido no primeiro turno já estavam na fila do café. Entre eles o cearense José Genoino, o paranaense Deslandi Torres, o paulista Luiz Merlino e o carioca Luiz Rodolfo, descalço, por não ter encontrado seus sapatos.  Vladimir bebia café com Travassos, conversando sobre a plenária na qual informariam que a polícia estava a caminho e discutiriam o que fazer.

César Maia já tomara o seu café e aguardava o início da reunião dentro da tenda, sentado num dos degraus forrados com plástico. A maioria do pessoal do segundo turno ainda dormia ou estava se levantando.

Sem vontade de enfrentar a fila, Divalte voltou para a tenda e se sentou num degrau, na expectativa da eleição. Pretendia votar em Dirceu, apesar da inevitável sensação de desencanto.

Viera com uma grande esperança no congresso como sendo o apogeu das lutas do movimento estudantil, mas o resultado até aquele momento o tinha decepcionado. Ele mal sabia que o pior estava prestes a acontecer. Merlino bebeu mais um gole de café. No alto do morro, o coronel Barsotti puxou seu revólver da cintura e deu um tiro para o ar. Era o sinal. Merlino ouviu o estampido repentino ecoando no ar e, antes que pudesse pensar qualquer coisa, ouviu outros tiros e viu surgirem os soldados e agentes que entravam porteira adentro disparando fuzis e metralhadoras e pistolas, gritando palavras que ninguém entendia.

Na fila, todos olharam surpresos para os incontáveis soldados correndo em todas as direções, atirando e jogando bombas de efeito moral. O segurança Gradel jogou fora seu revólver, correu para a cozinha.  Outro segurança saiu da sua barraca perto da porteira e, quando viu os soldados, disparou a carabina para o alto, avisando o pessoal. Os soldados responderam com rajadas de metralhadoras para o alto, um deles deu uma coronhada na cabeça do segurança e apreendeu a arma.

Roberto Menkes acordou na barraca dos seguranças pensando que estivesse sonhando. Saiu meio zonzo e viu os soldados correndo na sua direção. Na cozinha, as garotas largaram tudo o que estavam fazendo e correram, Gradel viu um outro segurança, ajoelhado atrás da mureta apontando uma Beretta na direção da tropa, e gritou “joga fora!”, para evitar a morte do colega. Confirmou-se na prática que as armas dos seguranças tinham efeito apenas simbólico e não significavam nenhum projeto de iniciação guerrilheira.

Merlino tentou saltar a cerca do sítio. Parou imediatamente ao ouvir um tiro e voltou com os braços para cima. Um agente do Dops apontou-lhe o revolver gritando: — Corre, seu vagabundo, se quer levar um tiro! O rapaz cruzou as mãos atrás da cabeça e se juntou aos demais. O coronel Divo Barsotti e o delegado Paulo Bonchristiano corriam de um lado para o outro, vociferando nos megafones. Teresa Sales voltava do banheiro para a casa com passos titubeantes, se desviando da lama.

Ao escutar os tiros, tentou se apressar, escorregou e caiu, pensando ter sido atingida por um tiro, mas se ergueu e continuou andando. Perto da fila do café, um grupo de garotas pensou em correr, mas a indecisão as impediu.  Vilma Amaro tinha nas mãos uns panfletos que pretendia guardar na sacola como material de pesquisa para escrever a reportagem sobre o congresso, e jogou os papéis no chão ao ser empurrada.

Dentro da tenda, os que estavam acordados se entreolharam intrigados e assustados. Gradel entrou correndo e bradou: — Pessoal, a polícia tá aí!  Houve sorrisos de dúvida: seria um trote? Uma brincadeira de mau gosto a esta hora da manhã? A maioria levou a sério e se levantou depressa com intenção de fugir. Como tinham dormido com a roupa do corpo, foram apanhar apenas os sapatos e a sacola. Difícil era encontrá-los. Gradel quis evitar pânico: — Calma, calma! A ordem é não resistir, não adianta.

Caterina Koltai dormia ao lado de sua grande amiga Leda Gitahy e por isso se sentiu segura. Ana Bursztyn estava acordando e demorou uns segundos para entender o que acontecia. Devancyr ficou paralisado, sem saber se saía correndo ou continuava deitado.

O único na tenda que parecia sem nenhuma pressa era César Maia. Sentado num degrau, sabia que não adiantaria tentar fugir, seria fatalmente preso, mais uma vez. Demonstrou tranquilidade escutando os ratatata tata pam, bang, ratatata pam bang pam! Bonchristiano entrou na tenda com megafone na mão esquerda e uma pistola na direita:  — Estão cercados! Todo mundo com as mãos na cabeça ou vamos atirar!

Com ele entraram soldados apontando fuzis e pistolas. Os estudantes ainda deitados se levantaram aturdidos, procuraram seus calçados, e foram saindo com bagagens, olhos arregalados, cabelos desgrenhados. Os soldados se movimentavam com rapidez, encurralando e empurrando os estudantes para o centro do terreno. O delegado Bonchristiano gritava sem parar: — Fiquem parados onde estão! Mãos na cabeça! Joguem tudo no chão!

Com braços levantados, Pedro de Albuquerque saiu da casa e, enquanto caminhava para se juntar aos outros, um colega perguntou o que iria acontecer. Naquele momento ninguém sabia. O coronel Barsotti mandou os soldados colocarem os estudantes em fila indiana, para serem revistados. O caseiro ficou junto deles. Bonchristiano, pistola em punho, continuava a gritar: — Não resistam! Temos ordem de atirar pra matar! Estão todos presos!

09 de novembro de 2018

PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DE DEPUTADOS, DEPUTADO RODRIGO MAIA, NA SOLENIDADE COMEMORATIVA DOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA!

É com grande satisfação que me junto a todos neste Plenário para comemorar as três décadas da Constituição de 1988. Comemorar é mais que celebrar: É rememorar. E, em conjunto, trazer o passado a memória. E, hoje, gostaria de começar lembrando que nossa tradição constitucional republicana, em seus quase 130 anos, nos legou Constituições que duraram pouco.

Nesta nossa história de Constituições breves, não é trivial que propostas que acenaram para a substituição da Constituição em vigor tenham sido repudiadas pela opinião pública durante o último processo eleitoral. Em um contexto de forte polarização política, houve quem pensasse que as pessoas se deixariam seduzir pela ideia fácil de que basta trocar de constituição para resolver os problemas do país. A sociedade brasileira, contudo, surpreendeu seus intérpretes mais desatentos e reafirmou que tem na Constituição de 1988 a sua bússola.

A nossa Constituição é extensa e detalhada. Como todo produto do trabalho humano, tem imperfeições. Dr. Ulysses já o admitia no próprio discurso de promulgação: “Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora”, disse ele. Ela tem se mostrado, ao longo desses trinta anos, mais forte do que os críticos de primeira hora ousariam imaginar. Seu núcleo repousa em princípios muito gerais, como a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Princípios que nos irmanam e, ao mesmo tempo, nos separam. Sua interpretação desperta controvérsias profundas e é legítimo que seja assim, como tem sido em todas as grandes democracias do mundo.

O sentido da Constituição está em permanente disputa. Ele é definido em uma troca constante entre a opinião pública, notadamente a imprensa e a sociedade organizada, e as instituições do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. As democracias constitucionais não são forjadas apenas a partir do que de antemão compartilhamos, mas a partir daquilo que somos capazes de construir em comum, a despeito – e, por vezes, exatamente em razão – das nossas diferenças.

Mas o fato de não querermos uma nova Constituição não é o mesmo que negar a necessidade de reformas. Pelo contrário. Constituições longevas passam por processos profundos de mudança para que possam continuar dialogando com o mundo. Mudam para permanecer. Alteram o seu texto para fortalecer suas fundações. Temos, nesse sentido, agendas que são prementes. Algumas envolvem ajustes no próprio texto constitucional, outras a adoção de medidas legislativas que garantam a sua eficácia.

A reforma da previdência é uma delas. E preciso controlar o déficit e construir um sistema previdenciário mais justo, que não seja concentrador de riqueza, ainda que tenhamos que enfrentar críticas e incompreensões no processo.

No campo da segurança pública, precisamos de uma resposta coordenada e inteligente à violência. Combater o crime organizado e o tráfico de armas e drogas de forma efetiva exige um Sistema Único de Segurança Pública em pleno funcionamento. A Câmara dos Deputados tem feito sua parte até o momento e fará mais. Há diversas pautas em construção no âmbito do Congresso para reforçar a segurança da população. Cito, entre outras, os anteprojetos de lei apresentados  pela Comissão de Juristas presidida pelo Ministro Alexandre de Moraes, em tramitação nessa Casa desde junho, com o patrocínio de diversos líderes.

Também oferecemos ao debate do Congresso anteprojeto de reforma de lei de improbidade administrativa, coordenado pelo Ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, que traz contribuições importantes ao combate à corrupção.

Precisamos, enfim, aumentar o dinamismo da economia brasileira e do setor público. Deflagramos iniciativas importantes que podem ajudar a construir medidas concretas nesse rumo, como a reforma tributária, em debate na Comissão Especial, e os grupos de trabalho sobre tributação da renda corporativa, sobre o mercado de debêntures e sobre a legislação social brasileira. Ao mesmo tempo, uma comissão de juristas coordenada pelo Ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, se debruça sobre temas ligados a gestão e ao controle da administração pública.

Essas iniciativas buscam reforçar e atualizar o compromisso constitucional com a justiça social e com o desenvolvimento econômico. Não é possível combater a desigualdade com baixo crescimento econômico, mas, ao mesmo tempo, não é admissível que apenas alguns poucos se beneficiem desse crescimento. O Congresso Nacional é o espaço por excelência para realizar esse debate e para conceber medidas que possam nos conduzir aos objetivos fundamentais de nossa República. Nossa Constituição é sábia. Seu arranjo institucional prevê um Poder Executivo com grandes responsabilidades e amplos poderes. E, ao seu lado, um Congresso Bicameral, complexo e plural, composto pelo princípio proporcional e majoritário, que equilibra as perspectivas políticas presentes na sociedade e os interesses dos entes da Federação. As decisões que moldam o futuro do Brasil passam necessariamente por essas mediações institucionais e delas retiram sua legitimidade democrática, observados, sempre, os princípios que estruturam a Constituição. Dr. Ulysses nos lembrou, há pouco mais de trinta anos, aqui mesmo neste Plenário: “a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.

Termino reforçando que o fracasso ou o sucesso de um empreendimento constitucional não está selado com o ato de promulgação de uma Constituição. A propósito, uma lição mais antiga e igualmente sábia, vem de Benjamin Franklin. Ao ser questionado sobre o que resultara da Convenção da Filadélfia, em 1787, ele teria respondido: “Uma República, se vocês forem capazes de mantê-la”. A sociedade e as suas instituições têm a responsabilidade diuturna e indelegável de promover e aprofundar o projeto constitucional. Sem seu compromisso e sua lealdade, mesmo o texto mais engenhoso não resiste às intempéries da política.

Parabéns à nossa Constituição por seus trinta anos. Há vitórias que merecem ser lembradas. Mas há mais a fazer do que a celebrar. O melhor tributo que podemos prestar é nosso trabalho incessante e nosso compromisso penhorado com o que significa a Constituição Cidadã. Que não nos falte força e nem sabedoria para cumprir os seus desígnios.

Muito obrigado.

08 de novembro de 2018

SEPARAÇÃO DE PODERES!

(MERVAL PEREIRA – GLOBO, 04) 1. O debate sobre a nomeação do juiz Sérgio Moro para o ministério da Justiça com superpoderes no governo Bolsonaro levantou pontos relevantes sobre a relação entre os Poderes da República, e o exercício da política para além do jogo partidário.  Moro sempre declarou que nunca faria carreira política, obviamente se referindo à politica partidária. Mesmo porque já era um “agente político” na sua atuação como magistrado, de acordo com a definição da Corregedoria Geral da União (CGU): “agente político é aquele investido em seu cargo por meio de eleição, nomeação ou designação, cuja competência advém da própria Constituição, como os Chefes de Poder Executivo e membros do Poder Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, além de cargos de Diplomatas, Ministros de Estado e de Secretários nas Unidades da Federação, os quais não se sujeitam ao processo administrativo disciplinar”.

2. Separação dos poderes não é intrínseca à democracia, mas ao presidencialismo, criada na Constituição americana em 1789. Já existia na teoria, pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e outras, e incipientemente na Inglaterra, à época uma monarquia constitucional que ainda não separava claramente o Poder Judiciário do Executivo.

3. Os EUA formaram a primeira república constitucional do mundo moderno. O verdadeiro fundo filosófico é que nos EUA, quem governa, dá os rumos, é o Congresso. Um congressista faz parte de um poder verdadeiro. O Legislativo é um poder que não tem chefe. Um deputado, um senador, não é subordinado a nenhum chefe. Não pode ser demitido por chefe nenhum. Muito menos pode ser subordinado ao simples chefe de outro poder, o Executivo.

4. A independência de poderes legítima impede que um deputado ou senador americano seja ministro. Se quiser ser ministro, tem de renunciar ao seu mandato de legislador e virar auxiliar do presidente. Nos EUA, a senadora Hillary Clinton teve de renunciar ao seu mandato para ser Secretária de Estado de Barack Obama.

5. Norberto Bobbio, um dos maiores filósofos políticos do século XX, escreveu a “Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos Clássicos”, onde dá a sua definição sobre política. Para ele, falar em política leva ao conceito de poder, que é a capacidade de se obter os meios para fazer prevalecer suas ideias em uma sociedade.

6. Os poderes políticos são legitimados, dependendo das circunstâncias, pela tradição, pelo despotismo ou pelo consenso, uma característica da democracia. Na Grécia Antiga, Aristóteles, em “A Política”, tratava dela como inerente à atividade humana, pelo interesse pelas coisas das cidades (pólis). “Fazer política” não é, portanto, apenas uma prática partidária e eleitoral, mas refere-se às atividades do Estado, e como a sociedade se relaciona com ele. Os políticos que criticam Moro por ter aceitado participar de um ministério, o fazem como consequência de uma luta política que só demonstra como estão dissociados das mudanças que o país está vivendo.

7. Se quiséssemos mesmo exercer um presidencialismo na sua essência, deveríamos seguir o exemplo dos Estados Unidos, e exigir que os membros do Congresso renunciassem a seus mandatos se quisessem ir para o ministério, assim como é exigido dos membros de outros Poderes, como o Judiciário. Moro teve que renunciar à carreira para exercer um cargo em outro Poder. Acabaríamos com o toma-lá-dá-cá radicalmente.

8. Na véspera de seu encontro com o presidente eleito Bolsonaro, Moro releu trechos do livro “Excellent cadavers”, de Alexander Stille, sobre a atuação do juiz Giovanni Falcone, o líder do combate à Máfia que gerou a Operação Mãos Limpas da Itália, que também foi para o governo. No livro, Moro marcou o seguinte trecho: “em poucos meses em Roma, Falcone mudou o papel do Executivo na guerra contra a máfia”, segundo Ignazzio De Francisci, membro do grupo anti-máfia anterior à chegada de Falcone ao governo italiano.

07 de novembro de 2018

BOLSONARO E MORO! 

(Lucas Mafaldo, filósofo, professor e pesquisador no Canadá) 1. Uma coisa importante sobre essa nomeação de Moro é que ela revela uma qualidade enorme do próprio Bolsonaro que está passando desapercebida.

2. Cesar Maia alertou para o risco de indicar alguém que você não possa demitir — uma observação tão certeira quanto reveladora de uma cultura problemática. Cesar Maia está certo no seguinte sentido: Moro, tanto por sua história como por vir de fora da política, tem uma reputação ainda mais forte do que o próprio Bolsonaro em termos de respeito às instituições e luta contra a corrupção.

3. Portanto, embora Bolsonaro seja o chefe, Moro tem tanto capital social que não pode ser demitido facilmente. Por isso, ao nomeá-lo, Bolsonaro diminuiu o próprio poder: ele colocou deliberadamente no governo alguém que ele não pode controlar.

4. Em termos de pura estratégia pessoal, seria uma decisão equivocada. Porém, em termos do que é melhor para o país, é algo certíssimo: é como se Bolsonaro estivesse amarrando o próprio governo ao combate a corrução. Ele está se diminuindo para que sua equipe possa subir mais alto.

5. E aí volto ao problema da cultura brasileira que, infelizmente, incentiva exatamente o contrário: o rapaz estudioso é objetivo de piada, a moça competente não é contratada porque a vaga vai para um puxa-saco. Como se comentou mais cedo, há uma dose imensa de pose na cultura brasileira: as pessoas “importantes” mostram sua importância no modo de se vestir, na linguagem utilizada, na repetição das opiniões chiques e nas frases de efeito — e raramente por meio de alguma competência específica.

6. Essa falta de competência gera líderes fracos, inseguros, que precisam sempre recrutar pessoas que estejam abaixo de si próprios. Elas não percebem que o bom líder é justamente quem sabe escolher e motivar pessoas com talentos complementares: o bom líder é o centro de aglutinação de pessoas de alto nível, capazes de superar o próprio líder nos seus respectivos campos de atuação.

7. E é exatamente isso que estou começando a enxergar em Bolsonaro. Ele fez algo muito parecido ao convidar o General Heleno e Paulo Guedes. O primeiro tem muito mais experiência militar e administrativa do que ele, enquanto o segundo tem muito mais conhecimento de economia. Em vez de ficar intimidado, ele adicionou outro peso-pesado à sua equipe: um cara com uma excelente reputação e ampla experiência no combate à corrupção.

8. Se esse padrão continuar, o país irá recuperar muito do terreno que foi perdido nos últimos anos.”

06 de novembro de 2018

CENTRO-RADICAL!

(Fernando Henrique Cardoso – O Estado de S.Paulo, 04) 1. Com a eleição de Bolsonaro e a hecatombe que se abateu sobre o sistema partidário, o melhor é manter a “paciência histórica”. Com a idade, algo se aprende. A principal lição talvez possa ser resumida em antigo ditado popular: “Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe”. Como em todo slogan, nesse há muita coisa indefinida: o que alguns qualificam como “bem” para outros pode ser o “mal”. A despeito de opiniões distintas, penso que a onda conservadora que se prenuncia não será boa, como não seria a da arrogância petista, que está na raiz do atual estado de coisas, com a polarização do “nós” contra “eles”.

2. Democrata, curvo-me à decisão da maioria. Mas não me amoldo, como não me amoldaria se fosse vencedor o polo oposto. Pertenço à família espiritual dos que pretendem ser razoáveis, aceitam o diálogo, podem mudar de opinião e quando o fazem dizem o porquê. E não querem ficar espremidos num “centro amorfo”. Essa família sabe que a emoção existe, deixa-se envolver por ela de vez em quando, mas tenta apegar-se a algum grau de razoabilidade.

3. Nas circunstâncias, há que esperar. Como será o governo Bolsonaro? Como enfrentará os desafios de reduzir a desigualdade social, como retomará o crescimento econômico para criar empregos; porá ordem nas finanças públicas, assegurará a tranquilidade às pessoas assustadas com tanta violência nas ruas e no campo, será capaz de combater o crime organizado? Sem falar na hercúlea tarefa, que é de todas as forças políticas, sobretudo das que tenham maior convicção democrática, de recolocar nos trilhos o sistema eleitoral e partidário, que afundou na corrupção, na fragmentação e na perda de conteúdo programático.

4. Não se trata de esperar sem fazer nada, nem de assumir a posição fácil de criticar tudo o que o governo faça. A possibilidade de se criar um “centro” não amorfo implica tomar partido com base em valores e na razão. Li outro dia uma expressão de que gostei: um “centro radical”. Radical em não aceitar o arbítrio e, portanto, em respeitar a Constituição. Ah, dirão, ela está obsoleta. Então que se mude o que pereceu, mas por meio de emendas que o Congresso aprove, mantidas as cláusulas pétreas. Ser radical de centro implica ser firme na preservação dos direitos civis e políticos e propor uma sociedade não excludente e justa. Sem conservadorismo.

5. A onda conservadora concentra-se principalmente nos costumes, na cultura. O centro radical prega o respeito à diversidade e sua valorização, que é constitutiva da democracia, embora se recuse a transformar a diferença em expressão única do que é positivo. Opõe-se à violência contra os que têm preferências, sexual ou sobre o que seja, divergentes do padrão e sustenta os direitos das minorias. O mesmo vale para a preferência religiosa: há que respeitá-la integralmente, mesmo quando diversa da crença dominante ou quando composta de fragmentos de várias crenças ou quando for nenhuma. O que vale para as crenças vale com a mesma força para as ideologias, desde que elas aceitem não ser a expressão única da verdade e da moralidade.

6. A radicalidade de um centro progressista não se limita, contudo, aos aspectos comportamentais. Propor soluções econômicas antiquadas, a exemplo do controle estatal dos setores produtivos e do desprezo pelo equilíbrio fiscal, como setores da esquerda fazem, não somente é anacrônico, como também contraria os interesses do povo. Como oferecer emprego e melhorar a renda dos mais pobres propondo uma política econômica que leva à estagnação e ao desemprego, como se viu recentemente com a “nova matriz econômica”?

7. Sem fundamentalismos desnecessários e mesmo contraproducentes, o “centro progressista e radicalmente democrático” deve incorporar ao seu credo uma visão mais liberal, sem medo de ser tachado de “elitista” ou “direitista”. Sem cair, por outro lado, na apologia do “individualismo possessivo”, porque o mercado não é a única dimensão da vida nas sociedades contemporâneas. A ideia de que se pode comandá-lo ou regulá-lo com mão de ferro é irrealista. E o realismo não é de direita nem de esquerda, é um requisito para o bom governo. Este, por sua vez, não se resume à adequação eficiente entre meios e fins. É preciso crer numa “utopia, viável”: a da busca de uma sociedade aberta, decente e, portanto, mais igualitária. A sociedade civil, em sua pluralidade de opiniões, tem um papel crítico na construção de tal tipo de utopia.

8. Num artigo de jornal não cabem demasiadas considerações sobre os valores que poderão dar arrimo a um centro que não se confunda com a fisiologia de “centrões”, nem se perca na vacuidade das indefinições. Mas é preciso deixar no ar a pergunta: que movimentos e partidos poderão materializar o radicalismo de centro?

9. Comecemos com a autocrítica. Também o PSDB, ainda que vitorioso em Estados expressivos, se desfigurou nas últimas eleições. Será capaz de se remontar? Francamente, não sei. E os demais partidos e movimentos de renovação, que rumos eles tomarão para sobreviver?

10. Se for o da adesão oportunista ou o da crítica indiscriminada a tudo o que o novo governo fizer, de pouco servirão para a retomada do rumo democrático e progressista. É cedo para apostar. A paciência histórica é boa conselheira e não se confunde com inação. A consolidação de um novo movimento requer desde já a pavimentação de alianças, não só no círculo político, mas principalmente na sociedade, para formar um polo aglutinador da construção de um futuro melhor. E como as eleições de outubro mostraram, não basta ter boas ideias, é preciso que elas circulem nas redes que conectam as pessoas e mobilizam corações e mentes.

05 de novembro de 2018

CONSOLIDAÇÃO DA EXTREMA DIREITA!

(Vladimir Safatle é professor de filosofia da USP – Ilustríssima – Folha de S.Paulo, 04) 1. A consolidação da extrema direita brasileira é um fato recente e merece ser debatido de forma mais analítica.  Por mais que o país tivesse parcelas significativas de sua sociedade imersas na defesa tácita da ditadura militar, em práticas marcadas pela ausência de qualquer solidariedade social com grupos vulneráveis, além do culto à violência como resposta ao medo generalizado próprio a um país que se constituiu através da opressão e da guerra a índios, negros e pobres, a Nova República impediu que tais parcelas se constituíssem em atores políticos relevantes.

2. Uma conjunção de fatores internacionais e nacionais permitiu o despertar dessas células dormentes. Na verdade, uma comparação entre a extrema direita europeia e brasileira pode nos ajudar a compreender o que ocorre conosco neste momento. Comecemos por lembrar como duas datas são fundamentais para a consolidação da extrema direita no eixo Europa-EUA. São elas: 2001 e 2008. A primeira está relacionada ao uso global do terrorismo como princípio de coesão social; já a segunda à mais séria crise econômica do capitalismo desde 1929. A partir dos ataques de 11 de setembro de 2001, ficou claro que a legitimidade da força soberana do Estado nas sociedades de capitalismo avançado regrediria ao seu solo original, a saber, ao uso da insegurança e do medo como afetos políticos centrais.

3. Não foram poucos aqueles que insistiram em como as ações direcionadas à “guerra contra o terror” não eram, em larga medida, pautadas exatamente pelo cálculo do combate às causas e da consolidação global de alianças. Logo saltou à vista a desproporcionalidade entre ações como a invasão do Afeganistão, do Iraque e os resultados efetivos referentes à segurança dos cidadãos e cidadãs das democracias liberais de Primeiro Mundo.  Mas isto não poderia ser diferente, já que tais ações estavam ligadas, principalmente, às lógicas de produção de adesão social a partir do impacto da generalização do medo.

4. No entanto, era claro que neste horizonte a extrema direita seria a grande beneficiária política da nova situação. Seu ideário sempre fora resultado de uma noção paranoica de Estado-nação, na qual as temáticas da fronteira, do limite, da invasão, da imunização necessária e do contágio eram os elementos centrais.  Agora, seu discurso estava caminhando em direção ao centro do debate político. Bastava forçar o amálgama entre imigrantes e terroristas, uma operação relativamente simples se levarmos em conta como o significante “árabe” e “turco” (os grupos mais relevantes de imigrantes) estava ligado no imaginário europeu às guerras coloniais com seus estereótipos primários.

5. Mas faltava um elemento a mais para a consolidação da extrema direita europeia, e ele veio com 2008. A crise econômica demonstrou a inanidade da política hegemônica baseada na balança social-democracia/liberais. As mesmas políticas de “austeridade” foram aplicadas tanto por governos à esquerda quanto à direita.  Do ponto de vista de suas políticas econômicas, Schroeder e Merkel na Alemanha, Sarkozy e Hollande na França, Zapatero e Aznar na Espanha, Blair e Cameron no Reino Unido não significaram mudança alguma e isto ficou claro para a população empobrecida e submetida a regimes cada vez mais brutais de insegurança social.

6. A extrema direita compreendeu isso e posicionou-se com um discurso antiliberal marcado pela crítica ao livre-comércio, pelo retorno a práticas protecionistas, pela crítica ao mercado financeiro global e por propostas de seguridade e garantia social partilhadas com a esquerda. A diferença era que tais propostas conjugavam-se em uma gramática nacional e xenófoba. O tópico da solidariedade internacional e da indiferença à nação em nome de uma universalidade concreta, tão caro à esquerda, estava fora.  Nesse sentido, a extrema direita europeia recuperou suas raízes fascistas e nacional-socialistas, ou seja, assumiu sua matriz de discurso nacionalista e antiliberal. Esse antiliberalismo mostrou o que podia produzir com o Brexit britânico e com a ameaça da volta das moedas nacionais e do controle de alfândegas.

7. Isso obrigou o neoliberalismo europeu a se deslocar para outras regiões da política, criando um “neoliberalismo com rosto humano” cujo laboratório é a França de Emmanuel Macron: um governo que aplica as mais brutais políticas de desmonte de direitos sociais, a mais explícita violência policial contra toda forma de manifestação enquanto cultiva falas baseadas na tolerância, no cosmopolitismo e em remixes da filosofia de Paul Ricoeur. No entanto, ficou claro que este modelo não poderia ser aplicado ao Brasil. Nem o combate ao terrorismo era um tópico relevante em um país completamente fora do eixo colonial, nem a crise de 2008 foi espaço para a aplicação de políticas de “austeridade” nos moldes europeus. A princípio, o horizonte que permitiu a ascensão da extrema direita na Europa parecia longe.

8. Assim, todas as tentativas de vencer eleições presidenciais no Brasil com pautas neoliberais naufragaram e continuariam naufragando. Não poderia ser diferente. Pesquisa feita pela Ipsos e divulgada em agosto mostrava que 68% da população brasileira era contra privatizações, 71% era contra a reforma da Previdência (Datafolha, maio de 2017) e 85% era contra a reforma trabalhista (Vox Populi, maio de 2017).  Isso não era o resultado de alguma forma de “herança ibérica”, mas de uma constatação pragmática simples. As relações de trabalho no Brasil são marcadas pela espoliação brutal, haja vista as diferenças salariais entre os mais ricos e os mais pobres.

9. Segundo dados do IBGE, a parcela mais rica da população brasileira ganha salários (sem contar bonificações e stock-options) 36 vezes maiores do que a parcela mais pobre. Nesse contexto, a parcela mais pobre vê o Estado como alguma forma de anteparo contra as relações brutalizadas do mercado de trabalho.  Ou seja, no Brasil a pauta neoliberal só poderia ser aplicada em condições de governo autoritário ou através de um processo eleitoral totalmente alterado.  Para tanto, seria necessário inicialmente recriar uma aliança em torno de atores políticos fora do eixo de governabilidade da Nova República, a saber o PT e o PSDB. Pois os dois partidos se comprometeram, cada um a sua maneira e seguindo inflexões distintas, com um certo regime de conciliações e pactos próprios do período pós-ditadura. Isso significaria tentar um modelo que fora inicialmente testado no Chile de Pinochet ao aliar neoliberalismo e extrema direita autoritária.

10. No Brasil, significaria apoiar-se nas células dormentes intactas desde o fim da ditadura militar. Em um país que produziu uma transição democrática infinita, feita para nunca terminar, que nunca aplicou princípios elementares de Justiça de transição e dever de memória, esta operação era possível, contrariamente a outros países latino-americanos como Argentina, Chile e Uruguai.  Seria necessário reeditar a aliança de 1964 entre empresariado, agronegócio, igrejas e imprensa conservadora, além das Forças Armadas, o que foi feito enfim nesta eleição através do eixo de apoio de Jair Bolsonaro.

11. Mas não seria possível apresentar diretamente a verdadeira matriz da pauta econômica com seus discursos de “privatizar tudo” (algo que não foi feito em nenhum, repito, em nenhum país do mundo) para o pagamento de dívida pública, seu respeito sagrado ao teto de investimentos do Estado com o consequente desmantelamento final dos serviços públicos, sua autonomia para o Banco Central.  Seria necessário que tais discussões saíssem de cena para dar lugar a um eixo no qual a “desordem”, a “corrupção” e a “violência” fossem os elementos maiores do embate político. E, neste ponto, as manifestações de 2013 foram decisivas.

12. De certa forma, para a extrema direita brasileira, 2013 foi nosso 2001, pois foi o momento no qual o medo pôde se consolidar como afeto político central. Há de se lembrar como a imagem paradigmática de 2013 foi a destruição de um símbolo do Estado e da ordem: a massa de manifestantes em Brasília ateando fogo no Palácio do Itamaraty, já que tinha sido impedida pela polícia de fazer o mesmo com o Congresso Nacional.  Nunca na história do Brasil houve a expressão mais evidente da desidentificação entre a população e as instâncias da ordem estatal.

13. Junto disso, a população brasileira viu, durante meses, séries ininterruptas de manifestações nas quais a visibilidade dos invisíveis ganhou corpo. Grupos vulneráveis (como mulheres, LGBTs, negros) exigiram visibilidade e garantias jurídicas, mostrando como o perfil dos padrões de existência no interior da sociedade brasileira tendia a mudar. Não é por acaso que foi a partir de então que discursos exigindo “ordem” ganharam relevância. Toda movimentação real de revoltas sociais tem sempre como contraponto a produção de sujeitos reativos que procurarão negar a força emancipadora dos acontecimentos.

14. Diante de uma Brasília em chamas, não é de impressionar que vários começaram a pedir “seu país de volta” envoltos na bandeira nacional e sonhando com “intervenção militar”. Tratava-se então de consolidar uma operação de basteamento significante. “Violência” e “corrupção” poderiam ser portas de entrada para a hegemonia de um discurso de esquerda no Brasil. Bastava que “violência” fosse associada à desigualdade obscena da sociedade brasileira e “corrupção” a um sistema político distante da deliberação popular e da participação direta.

15. Mas o significante “ordem” produziu outra hegemonia, na qual a falta de um governo forte, de cunho militar, aparecia como a causa da degradação da República, mesmo que a tirania fosse a forma fundamental da corrupção, haja vista a própria história corrupta da ditadura brasileira. Na verdade, aliada ao antiestatismo neoliberal, a luta contra a “corrupção” foi apenas a senha para as classes média e alta legitimarem seu desejo inconfesso de eliminar toda solidariedade social através de sistemas de tributação. Foi desta forma que a extrema direita brasileira foi criada com seu neoliberalismo de rosto inumano.

01 de novembro de 2018

POLÍTICA EXTERNA SEM PEDALADAS DIPLOMÁTICAS!

(Embaixador Hélio Ramos e Marcelo Dantas – Correio Brasiliense 30) Alguns aspectos do novo governo já estão delineados: a ênfase na agenda da segurança pública; a defesa da propriedade privada e dos valores familiares; o fomento ao empreendedorismo e à inovação; o apoio ao agronegócio e à exploração responsável das riquezas naturais; e a retomada de projeto de desenvolvimento abrangente, despojado de viés ideológico. Mas a diplomacia nacional e internacional, empresários, enfim, muitos se perguntam sobre a política externa.

O que, de fato, podemos esperar? A resposta ainda não é clara. Muito vai depender das escolhas que o presidente venha a fazer. Se quiser obter sucesso no front internacional, precisará cercar-se de equipe coesa e fiel. Não apenas nos cargos de chefia do Itamaraty, mas também na assessoria diplomática do Palácio do Planalto e no comando das principais missões do Brasil no exterior. A tarefa anuncia-se trabalhosa.

Sem prejuízo das escolhas a serem feitas, existem elementos indispensáveis para o realinhamento da ação diplomática brasileira, com base no interesse nacional.

O fator estruturante mais imediato é a necessidade de habilitar a economia brasileira a beneficiar-se dos estímulos externos. Compete à diplomacia criar oportunidades, atrair investimentos, negociar acordos comerciais e garantir a abertura de mercados para os produtos nacionais.

A busca desses objetivos precisa ganhar maior protagonismo na agenda externa. Isso implicará, entre outros fatores: fortalecer a Apex e os setores de promoção comercial do MRE; adotar postura mais assertiva nas negociações da OMC; restabelecer a racionalidade econômica do Mercosul; e conferir a nosso país maior liberdade para aproximar-se dos EUA, da União Europeia e das economias asiáticas.

Na área político-diplomática, é fundamental que se volte a enfatizar a diplomacia bilateral. A ação externa deve estar centrada em diretrizes objetivas, que propiciem maior segurança para as fronteiras nacionais, melhores relações com a imediata vizinhança, diversificação de nossas parcerias internacionais, diálogo aprimorado com as principais potências e fortalecimento de uma imagem positiva do Brasil.

No campo da segurança internacional, devemos estar atentos para a crescente articulação entre crime organizado, terrorismo e regimes autoritários. A diplomacia, em coordenação com os órgãos de defesa e inteligência, terá de situar o país entre os protagonistas no combate a essa aliança explosiva.

Nesse esforço, cabe revigorar a atuação regional, construindo iniciativas para o fortalecimento da democracia e o combate ao narcotráfico na América Latina. Também a política para o Oriente Médio precisará de ajustes. Embora devamos seguir atentos aos interesses comerciais do Brasil, será importante adotar postura firme de condenação ao terrorismo e aos que o financiam.

Com respeito aos direitos humanos, ajuste cuidadoso da atuação internacional seria bem-vindo. Desde os anos 90, grupos de orientação liberal-progressista têm dominado esse segmento da política externa. Nesse exercício, aplicam o que poderíamos chamar de “bicicleta multilateral”: aprovam em foros multilaterais textos que contradizem ou vão muito além do disposto na legislação do país; em seguida, buscam internalizar esses textos, tornando-os parte do arcabouço legal brasileiro. Assim, vão contornando obstáculos ao avanço da agenda. É o caso dos grupos favoráveis à legalização do aborto.

Ao coibir a prática de “pedaladas diplomáticas”, o governo não deve incorrer no erro de romper com os mecanismos internacionais de promoção das liberdades civis. Pelo contrário, precisamos atuar com firmeza e serenidade nesses foros, promovendo iniciativas em sintonia com as aspirações da sociedade brasileira. Temos um papel importante a desempenhar na promoção dos direitos de deficientes físicos, idosos e crianças; na defesa da democracia, do pluralismo político e da liberdade de culto; e no combate a toda forma de extremismo.

Outra questão que exige cuidado é o tema da mudança do clima. Nas últimas décadas, o Brasil esforçou-se em assumir posição de destaque na defesa da agenda ambiental. Esse capital de credibilidade não deve ser desperdiçado. Em 2015, no Acordo de Paris, 174 países adotaram “contribuições nacionalmente determinadas” para conter o aquecimento global. As metas brasileiras serão atingidas com relativa tranquilidade em 2025 e 2030 graças à participação dos biocombustíveis e das novas fontes renováveis na matriz energética.

É indispensável, no entanto, que a atuação brasileira nos foros internacionais ambientais esteja alinhada com as prioridades nacionais. Devemos preservar nossa capacidade soberana de explorar o potencial do país em petróleo e gás, mineração, energia elétrica, infraestrutura de transportes e agronegócio. Tais setores serão fundamentais para o crescimento da economia nos próximos decênios e caberá ao Itamaraty proteger-nos de ingerências externas.

Uma diplomacia competente faz-se com constância, sobriedade e ajustes precisos. Como no lema de Rio Branco —– “Ubique Patriae Memor” —, devemos ter sempre presente o amor à pátria e a promoção do interesse nacional. Com a inauguração do novo ciclo político, teremos a oportunidade de trazer a política externa brasileira de volta às raízes lançadas por nosso insuperável barão.

31 de outubro de 2018

O GLOBO (30) ENTREVISTA O PRESIDENTE DA CÂMARA, DEPUTADO RODRIGO MAIA!

O Globo: O senhor estará na base do governo Bolsonaro a partir do ano que vem?

Rodrigo Maia: Votei no Bolsonaro pela agenda econômica dele. Tenho muita convergência com os caminhos que estão sendo propostos pelo Paulo Guedes. Se essa for a agenda do governo no Parlamento, terá sempre o meu apoio.

OG: O que dá para votar este ano?

RM: Depende de como vai ser a articulação do novo governo no Parlamento. A cabeça nesse corpo precisa ser do novo, não do que está saindo.

OG: A flexibilização do Estatuto do Desarmamento é uma agenda do próximo governo…

RM: Há consenso para ampliar as restrições (ao porte de armas) e tirar da Polícia Federal o poder discricionário de liberar ou não a licença, depois de atingidos os pré-requisitos. O que tem de polêmico nesse debate é o porte rural. Hoje, no campo, o fazendeiro pode ter a posse de arma na sua propriedade. Mas ele não pode andar em nenhum ambiente no entorno porque não tem o porte. Isso restringe muito a proteção pessoal do produtor rural em relação até à entrada de animais. Só tem que ter cuidado para não virar uma milícia armada. Mas não é uma agenda para a semana que vem, não tem data marcada.

OG: O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse que a proposta de reforma da Previdência do futuro governo é distinta da do governo Temer. Há clima para votar o tema ainda este ano?

RM: Eu não conheço a proposta do Onyx. Temos duas questões a serem resolvidas: o estoque, que são as pessoas que já estão no sistema, e os novos. Um governo eleito como esse tem sempre força para aprovar suas matérias.

OG: A partir de janeiro ou agora?

RM: Eu não sei como o governo vai atuar. A partir do ano que vem, com certeza terá força para aprovar as reformas que propôs na eleição.

OG: Onyx irá para a Casa Civil, mas é da cota pessoal do Bolsonaro. O DEM vai participar do governo?

RM: Quem tem que avaliar isso é o presidente eleito com o presidente do partido (ACM Neto). Repito: a minha opinião é que a agenda que o Bolsonaro propôs através do Paulo Guedes é 100% convergente com aquilo que a gente pensa. Isso temos que apoiar de qualquer jeito.

OG: Afinal, o senhor vai disputar a Presidência da Câmara de novo?

RM: Não decidi ainda. Ninguém é candidato a presidente da Câmara apenas pela sua vontade. É preciso construir as condições. Agora, se perguntar se gosto de ser presidente da Câmara, se é uma posição que te dá prestígio e poder? Sim.

OG: Bolsonaro já disse que não fará indicações políticas para o seu ministério. Acha que ele conseguirá governabilidade dessa forma?

RM: Existe um mito sobre a necessidade de se dar cargos. A preocupação do deputado, legítima, é muito maior com para suas bases quer que, naquele município onde ele foi o mais votado, o governo coloque dinheiro em saúde e educação.

OG: Na eleição que rejeitou a velha política não passou um recado de que práticas antigas terão que ser revistas?

RM: É claro que tem um recado, uma parte da política já se reinventou. O Jair Bolsonaro, por exemplo, se reinventou. Tem sete mandatos e se elegeu como a mudança na política. Parabéns para ele, enxergou na frente dos outros.

OG: O senhor apoiou Geraldo Alckmin (PSDB), que teve um péssimo desempenho nas urnas. No que que ele errou?

RM: O resultado da eleição mostrou que havia um esgotamento do ciclo de 30 anos da redemocratização. A punição maior, indicavam as pesquisas, era ao PT e ao PSDB. O PT sobrevivia principalmente no Nordeste pela liderança do Lula. O resultado da eleição provou que os partidos que estavam no entorno do PSDB também estavam contaminados pela velha política. O problema do Geraldo (Alckmin) foi muito mais de fim de ciclo do que dele.

OG: O Ciro (Gomes) era um nome melhor para o Centrão apoiar?

RM: Para ganhara eleição, está na cara que era. Mas o partido majoritariamente não queria o Ciro. Eu entendia que ele isolava o PT e a gente passava ater condição deter uma candidatura mais ao centro. Dois seriam fortíssimos e que desistiram eram Luciano Huck e Joaquim Barbosa. Como eles não se colocaram, o Jair conseguiu representar esse sentimento de mudança, que ele já vinha trazendo desde a eleição de 2014.

OG: O que o DEM vai fazer agora?

RM: A relação da política com a sociedade mudou. Todo mundo achava que se você não desse um abraço no eleitor, ele não votava em você. Que a estrutura de TV te fazia conhecido. Não estou dizendo que a TV perdeu a força. Acho, por exemplo, que o episódio de 6 de setembro (facada) deu ao Bolsonaro um nível de exposição na mídia que compensou o pouco tempo de TV. Agora, o WhatsApp ganhou uma importância que não vi ninguém, fora o grupo do Bolsonaro, atento.

OG: Reconhece então que foi pego de surpresa nessas eleições?

RM: Eu sei o que aconteceu, agora, os instrumentos, como ele (Bolsonaro) fez, ele não construiu da noite para o dia. Todos terão que construir. Eles descobriram quais aplicativos e de que forma seriam melhor usados. O aperto de mão é importante, mas hoje o eleitor se sente próximo a você através do celular, o que a gente não imaginava que tivesse tanta confiança.

OG: Na eleição do Rio, Eduardo Paes errou?

RM: Ele fez tudo certo. Tinha era uma onda pró-Bolsonaro que, pelo movimento que o Flávio (Bolsonaro) fez, ficou vinculada ao juiz. E teve o indeferimento da candidatura do Garotinho, que foi decisivo para o Wilson (Witzel). O juiz cresceu mais no voto evangélico. A queda do Garotinho abriu um espaço.

30 de outubro de 2018

ONDE A ARGENTINA ESTAVA E ONDE ESTÁ HOJE! “O HOMEM PEDRA” – CAPÍTULO “O PAÍS DE JÚLIO ROCA”!

(Gustavo Maia Gomes – Revista Inteligência n. 82- setembro 2018) 1. Que país era a Argentina, entre meados do século XIX e a primeira década do século XX? Especialmente, como se comparava ao Brasil? Desde logo, em população, no ano de 1870, nossos vizinhos (1,8 milhão) eram muito menos numerosos do que nós (9,8 milhões); 40 anos depois, a diferença percentual tinha diminuído, mas ainda era muito grande (Maddison).

2. A principal semelhança da Argentina com o Brasil não consistia em terem sido ambas as economias “especializadas” na exportação de produtos primários (carnes, lã, trigo e milho, no caso da Argentina; açúcar, algodão, café e borracha, no caso do Brasil), mesmo porque especializadas elas nunca foram. Com efeito, em torno de 1850, as exportações respondiam por apenas 20% do PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina (10%, do Brasil.) E apesar de que, em 1913, no auge do chamado modelo exportador, a participação das exportações nos PIBs de cada país tivesse se elevado a 30%, mesmo assim, ainda, dois terços do que era produzido se destinavam ao consumo interno. (Bulmer-Thomas)

3. A característica comum mais importante entre as economias da Argentina e do Brasil, nessa época, foi a de que a expansão da demanda internacional representou a principal fonte de crescimento disponível aos dois países. Nisso, os vizinhos se deram melhor do que nós. Conseguiram uma taxa maior de crescimento das exportações (6,1% ao ano, em 1850-1912; contra 3,7% do Brasil) e evitaram a excessiva concentração em um único produto.

4. Como consequência desse duplo êxito, a Argentina experimentou taxas de crescimento do PIB muito maiores que as do Brasil. Partindo, em 1870, de um produto interno bruto que pouco ultrapassava um terço do PIB brasileiro, a economia argentina, em 1900, já era do mesmo tamanho que a brasileira. E, em 1910, passou a ser 50% maior, mesmo sendo o Brasil muito mais populoso e territorialmente extenso. (Bulmer-Thomas)

5. O produto por habitante do país vizinho foi maior que o brasileiro durante todo o tempo em que Julio Roca andou pelo mundo e foi ficando ainda maior, com o passar do tempo, até alcançar níveis surpreendentes. Em 1910, por exemplo, a Argentina tinha um PIB per capita ($3.822) maior do que os da Dinamarca ($3.705), França ($2.965), Alemanha ($3.348) e Itália ($2.332). E não fazia feio diante dos Estados Unidos ($4.964) e do Reino Unido ($4.611) (Maddison).

6. Esse crescimento, e o que ele significava em realizações materiais, impactou positivamente a psicologia dos portenhos, em especial, porque as riquezas convergiam para Buenos Aires. Falando por meio de Félix Luna a respeito do país que entregava aos argentinos ao final de seu primeiro mandato presidencial (1880-86), assim se expressou Julio Roca:

7. Um otimismo irresistível, um frenético entusiasmo contagiava a todos. Aos argentinos, que viam a súbita transformação de nossa modesta República em uma nação rica e opulenta, e também aos estrangeiros, que embarcaram na aventura fascinante do progresso, da riqueza e da transformação mágica de suas vidas. (Luna, pág. 223, edição de bolso). Mudavam os hábitos, alterava-se a arquitetura, instalavam-se bordéis dirigidos por madames francesas. Numa velocidade espantosamente rápida, a Argentina se europeizava.

8. As formas crioulas simples e sóbrias em que todos nós havíamos sido criados foram deixadas para trás, e hábitos europeus foram adotados, que impuseram maneiras de receber e comer, de se vestir e se divertir, de falar e escrever. (Luna, pág. 223) Não apenas realizações econômicas ou mudanças de costumes: a era Roca foi, também, de grandes transformações demográficas devidas, sobretudo, ao afluxo de imigrantes europeus. Seis milhões deles, entre 1870 e 1914, principalmente, espanhóis e italianos, dos quais metade permaneceu no país. Em seu devido tempo, essa gente iria alterar não apenas a demografia, mas também a dinâmica política da Argentina.

29 de outubro de 2018

OS DESTAQUES DOS COMPROMISSOS DE BOLSONARO!

1. Respeito à Constituição Brasileira, à democracia e à liberdade.

2. Respeito ao direito de propriedade.

3. Compromisso de eliminar o déficit fiscal primário.

4. Política externa priorizando os acordos com os países desenvolvidos e destacando os acordos bilaterais.

5. Fortalecer a Federação, realizando as ações e políticas através dos Estados e Municípios.

6. Garantir o direito de ir e vir em todos os lugares, ou seja, priorizar a segurança pública.

7. Que o Brasil voltará a crescer a partir de uma política fiscal responsável.

8. Respeitar os direitos dos povos indígenas.

9. Formar um governo homogêneo com ministros que tenham os mesmos compromissos.

10. Que construiu a garantia de governabilidade conversando nos últimos anos com todas as lideranças políticas convergentes.

11. Que a sua vitória tem também um caráter ideológico pela vitória das ideias liberais e não de esquerda.

Obs.: 1. O discurso do presidente Bolsonaro, apontando para as teses econômicas liberais, deverá ter forte repercussão nos mercados – no câmbio, na bolsa, e nos investimentos.

2. Faltou citar a reforma da previdência.

3. Ele se comprometeu nesta semana se reunir com os presidentes do STF, STJ, Senado e Câmara de Deputados e organizar sua equipe em Brasília.

4. Faltou incluir no discurso o combate à corrupção, que foi uma base de sua campanha.

26 de outubro de 2018

PRIVACIDADE E COMUNICAÇÃO EM MASSA!

(Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, doutor em filosofia – Folha de S.Paulo, 23) 1. WhatsApp ficará marcado por seu papel na provável eleição de 2018. O uso do WhatsApp foi um dos temas centrais das eleições. Se sua relevância política já tinha se evidenciado no referendo para a paz na Colômbia em 2016 e nas eleições presidenciais no México, em julho deste ano, foi nas eleições brasileiras que ganhou centralidade.

2. Independente de quão decisiva foi a sua contribuição, o WhatsApp ficará marcado por seu papel na provável eleição de 2018.assim como o Facebook ficou marcado por seu papel na eleição de Donald Trump. Como o WhatsApp permite a constituição de redes privadas criptografadas, ele se mostrou uma ferramenta muito adequada para campanhas de desinformação, na qual grupos políticos disparam mensagens maliciosas para difusão em massa sob um véu de sigilo.

3. Isso é possível porque as fortes proteções de privacidade do WhatsApp, criadas para proteger a comunicação interpessoal, estão sendo utilizadas para a difusão em massa. Dessa maneira, é possível difundir mentiras e distorções para milhões de usuários sem que a comunicação possa ser notada por terceiros e, portanto, sem que haja o contraditório e sem que seja possível identificar os autores.

4. É preciso separar conceitualmente uma ferramenta de mensagens como o WhatsApp de plataformas de mídias sociais como o Facebook. As mídias sociais se caracterizam por oferecer ao usuário uma conta na qual pode produzir conteúdo e compartilhá-lo com uma rede de contatos. Em contrapartida, o usuário pode ler tudo aquilo que foi publicado pelos contatos que selecionou. Ela tem assim o que o sociólogo Manuel Castells definiu como um formato de comunicação “um-muitos-muitos-um”.

5. Segundo Castells, as ferramentas de comunicação interpessoal, como os aplicativos de mensagem, tem uma outra forma, “um-um”. Na forma, não são muito diferentes de um telefone. O WhatsApp, que é originalmente uma ferramenta de comunicação interpessoal, oferece também funções de comunicação de massa, os grupos de conversação.

6. É justamente essa dimensão de comunicação de massa que está sendo explorada pelas campanhas políticas maliciosas. Elas estão se aproveitando dos dispositivos de privacidade para promover campanhas de desinformação secretas, estimulando reencaminhamentos sucessivos de mensagens sujas entre grupos de conversação interligados.

7. A privacidade forte implementada pelo WhatsApp deve ser louvada e foi implementada como reação às denúncias de Edward Snowden, quando se descobriu que o governo dos Estados Unidos monitorava conversas de usuários.  Quando aplicado à difusão em massa, porém, aquilo que era virtude se converte em vício.

25 de outubro de 2018

ELEIÇÕES 2014 CONTRARIAM PROJEÇÕES DE PROTESTOS 2013! APONTAM UMA POLÍTICA MAIS CONSERVADORA! SERVE PARA 2018 TAMBÉM!

Ex-Blog de 16/10/2014.

1. Os protestos, passeatas, manifestações, quebra-quebra, black blocs…, ocorridos em 2013, desde junho, projetaram cenários convergentes nas eleições de 2014. As projeções indicavam que as ruas estariam aquecidas com protestos, que a proporção de abstenção, votos brancos e nulos cresceria.

2. Imaginava-se que as portas do Congresso seriam abertas para os candidatos com o perfil dos protestos e que seriam alavancados pelas redes sociais. E que as redes sociais estariam mais ativas do que nunca, agitando temas e perfis da antipolítica engajada, como o MV5, na Itália.

3. Mas nada disso aconteceu. As ruas estavam frias e continuam ainda mais frias neste segundo turno sem candidatos a deputados. E as eleições exaltaram, com grande quantidade de votos, parlamentares conservadores ou de antipolítica recreativa.

4. As 3 “capitais” brasileiras, Rio, SP e Brasília, foram exemplos. Eleitos, liderando as votações, Bolsonaro e Romário no Rio, Russomano e Tiririca em SP, e o coronel (r) Fraga em Brasília. No caderno ALIÁS, do Estado de SP (12), o DIAP afirma que esse é o Congresso mais conservador desde 1964. Nessa mesma matéria, o sociólogo Wagner Romão, da Unicamp, diz que “podemos esperar para os próximos quatro anos um legislativo mais refratário a mudanças na ampliação dos direitos humanos, na questão da homofobia ou do aborto, a favor de modificações quanto à maioridade penal”.

5. Romão afirma que esta é uma tendência que já havia ocorrido no Congresso, resultante das eleições de 2010 e acentuado agora em 2014.

6. Paradoxalmente, na eleição presidencial de 2010 venceu o PT. Paradoxalmente? Ou os “estímulos” mensaleiros e petroleiros para “pacificar” parlamentares produziram candidatos financeiramente mais competitivos? Os excessos publicitários e de mídia em relação à opção sexual e comissão da verdade construíram o polo conservador oposto? Provavelmente ambos.

7. E a crise econômica? Quem sabe os ares e sabores europeus ajudem a explicar que a resposta à crise econômica atual no imaginário popular não passa pela esquerda?

8. Esses aparentes paradoxos –executivo/legislativo- precisam ser analisados com calma pelos pesquisadores. Incluindo o segundo turno e as eleições para governadores Brasil afora, poderemos apontar outro subproduto do ciclo lulo-dilma-petista: o caminho político conservador, em direção à direita.

24 de outubro de 2018

CESAR MAIA: ENTREVISTA AO ESTADO DE S.PAULO SOBRE AS ELEIÇÕES 2018!

1. Estado de SP: Como o senhor explica a derrota de sua candidatura ao Senado? O senhor esteve à frente nas pesquisas de intenção de voto praticamente durante toda a campanha… Alguns analistas dizem que o apoio de Bolsonaro a Arolde de Oliveira teria sido a principal razão desta derrota. Várias outras lideranças tradicionais da política brasileira também acabaram sendo derrotadas. Como o senhor analisa esse quadro?

Cesar Maia: A regionalização do voto no Rio é assim há muitas décadas. Perdi na Baixada e São Gonçalo. Nas pesquisas anteriores Lindbergh vencia aí e a diferença era pela margem de erro. Arolde venceu aí e por uma diferença global inferior a 1%. Em cada Estado há uma explicação. Aqui no Rio para o Senado a impulsão presidencial não explica a diferença entre segundo e terceiro. A evangélica sim para aquelas regiões.

2. ESP: O apoio da família Bolsonaro nos últimos dias da campanha também foi considerado crucial para o crescimento vertiginoso do candidato Wilson Witzel – que surpreendeu todo mundo, inclusive os institutos de pesquisa — e acabou chegando em primeiro lugar, à frente do candidato do DEM, Eduardo Paes, que, até a véspera das eleições, aparecia dez pontos à frente do segundo colocado (que nem era Witzel!). O senhor atribui essa vitória ao apoio de Bolsonaro?

CM: Os sinais que ele se aproximaria e poderia ultrapassar Paes eram nítidos nos últimos dias ou até um pouco antes. As pesquisas medem opinião pública. Na Inglaterra nos anos 30 se diferenciava sentimento popular de opinião pública. Sentimento Popular é uma reação mais ou menos difusa das pessoas aos fatos. Na Universidade de Sussex (Mass Observation – MO), Madge e Harrison desenvolveram este sistema e em 1938 para a política e para a guerra. Churchill tomou suas primeiras decisões assim. Veja o filme O destino de uma nação que disputou o último Oscar.

ESP: Já na terça-feira, em campanha, Eduardo Paes se declarou neutro em relação à corrida presidencial para, em seguida, tecer vários elogios a Jair Bolsonaro. Disputar os eleitores de Bolsonaro é a estratégia para virar o jogo e conseguir uma vitória?

CM: Só conhecendo as pesquisas nas quais ele se baseou.

4. ESP: Qual o peso real dos evangélicos nessa disputa eleitoral?

CM: As Igrejas evangélicas tiveram pela primeira vez um peso maior que a católica nessas eleições no Rio. Seu ativismo e adaptação às regras do TRE, as diferenciou é muito. O vice de Witzel é vereador católico militante, mas isso nunca foi usado, pelos fatos e cenários.

5. ESP: Como o senhor avalia o impacto das Fake News na vitória de Bolsonaro? Muitos especialistas em comunicação dizem que as redes de WhatsApp da família e a disseminação de notícias falsas em progressão geométrica teriam sido cruciais para a vitória. Mais do que nenhum outro candidato, ele (que tinha pouquíssimo tempo na TV) dominou a nova mídia, usando-a a seu favor.

CM: Não creio. Essa é uma visão ingênua das redes sociais. Escrevi na terça feira que os analistas estavam se esquecendo da Lava Jato na mesma dinâmica da operação Mãos Limpas e com o mesmo impacto no parlamento. A tentativa de assassinato alterou a exposição dele na mídia que ficou muito maior que o tempo de TV eleitoral que ele não tinha, mudou o quadro das pesquisas. A vitimização sempre foi um significativo fator na decisão de voto.

6. ESP: Como o DEM se posiciona na disputa presidencial? E o senhor, pessoalmente?

CM: O DEM abriu para seus militantes e diretórios essa decisão. Aguardo a posição de nosso candidato a governador.

7. ESP: O senhor considera que a eleição de Bolsonaro pode ser um risco real à democracia?

CM: De forma alguma. Isso é uma besteira enorme ou completo desconhecimento das instituições pós constituinte já testadas em vários momentos.

8. ESP: Em análise publicada em seu blog, o senhor compara o que está acontecendo no Brasil hoje ao que ocorreu na Itália alguns anos atrás, durante a operação Mãos Limpas, e a subsequente eleição de Berlusconi. Qual a relação entre tais operações contra a corrupção e o surgimento de lideranças da extrema-direita?

CM: A relação não é ideológica. O impacto percebido nas ruas pelo “sentimento popular” atingiu todos o espectro político. Mas favoreceu mais aos que estavam incólumes a fatos contaminadores.

9. ESP: No caso da Itália, no entanto, o regime é parlamentarista. Como fica essa situação no caso do Brasil, que é presidencialista, diante de uma possível eleição de Bolsonaro?

CM: Na operação Mãos Limpas no parlamentarismo mudaram os personagens e a nominata dos partidos, mas a estabilidade parlamentar se manteve mesmo que oscilando as maiorias. Num presidencialismo vertical como o nosso o efeito da Operação Lava Jato se não for entendido pelos vencedores atribuindo-se causas, pode gerar um impasse legislativo. Isso vai depender -se for o caso- do entendimento do presidente.

10. ESP: O senhor acredita ser possível a criação de uma grande frente democrática ligada à candidatura de Fernando Haddad? Com Fernando Henrique, Ciro Gomes, Henrique Meirelles, entre outros? O senhor participaria? Quais seriam as chances de essa aliança ser bem sucedida?

CM: Não acredito. A pulverização político-parlamentar nessa eleição mostra que -digamos- os blocos serão reconstruídos no parlamento e não na campanha presidencial. As “mensagens” das campanhas é que serão fundamentais. Por exemplo. No Rio todos pensavam que o tema era a segurança pública e desemprego, e não foi.

23 de outubro de 2018

SETORES DA ESQUERDA NÃO ENTENDEM A DINÂMICA DAS REDES SOCIAIS E ACUSAM MANIFESTAÇÕES DE FASCISTAS!

Ex-Blog de 21/10/2013.

1. Em artigo (Primavera Brasileira ou Outono Democrático?) na revista “Inteligência” (terceiro trimestre-2013), o importante cientista político e professor do IESP/UERJ, Fabiano Santos, sublinha a ideia que vem circulando pelas esquerdas, que as manifestações de rua no Rio estariam perigosamente influenciadas por um fascismo militante. Ele diz:

2. “Mas se a ativação do tema da corrupção não foi surpreendente, os ensaios de aproximação das ruas com o fascismo, sim, acabaram assustando bastante… Boa parte dos manifestantes principalmente aqueles vinculados a partidos políticos, em geral de orientação esquerdista, sofreram duro revés… No dia 20 de junho, militantes de partidos políticos e sindicatos tentaram participar de manifestações. Tiveram suas bandeiras e cartazes destruídos… Percebido o problema pelo núcleo inicial de manifestantes, tratar-se-ia agora de uma questão de “disputar o significado das ruas”. A palavra de ordem dos entusiastas das manifestações tornou-se então não permitir que os fascistas dominassem a cena, não permitir que a direita política prevalecesse na tradução do sentimento difuso de insatisfação e inconformismo e canalização da nova energia societal brasileira. A equação fascista, antes apenas recôndita nas mentes de segmentos da elite, leitores de diários cariocas e paulistas, agora é clara e despudoradamente verbalizada em nossa ‘common parlance’.

3. Não se trata apenas da reflexão de um intelectual de porte, mas do que líderes de partidos de esquerda –com ou sem poder- vêm repetindo nos últimos dias. Independente de numa massa difusa se ter de tudo, além de fascistas, anarquistas, punchistas e insurreicionista utópicos de esquerda, a questão não está nesses grupos, certamente marginais, e maximizados agora por estas verbalizações desde setores da esquerda.

4. O ponto está neles terem sido formados em estruturas organizacionais –políticas e sociais- hierarquizadas, onde os líderes são vocalizadores e interlocutores. Quando entram as redes sociais, horizontais e desierarquizadas, a formação deles entra em pânico: como explicar isso? Massa sem líderes? Não há interlocutores? Os manuais leninistas onde se formaram não contém essa hipótese. Nem poderia no final do século 19 e início do 20 onde os únicos meios de comunicação eram a presença física, o papel e o grafite.

5. O que precisam entender é que está mudando o conceito de democracia direta, da associativa, sindicalista, para outra –em redes individualizadoras, onde os interlocutores são… todos. Como estamos no início desse processo, e não se pode ainda projetar de que forma a democracia direta das redes vai se cristalizar, melhor seria que mergulhassem nas pesquisas que hoje se desenvolvem, desde a leitura de Manuel Castels, até os modelos simulados de formação de opinião pública em Columbia ou nos Provedores.

6. Em vez de uma reação psicótica ao risco de “meu mundo caiu”, melhor seria ajudar a construir esse outro mundo de participação popular, dando a ele uma nova organicidade.

22 de outubro de 2018

“A MORTE DA LIVRARIA”!

Nota: Em 2007, como prefeito, tombei o prédio do Cine Vitória. Agora, como vereador, apresentei Projeto de Lei tombando o uso do prédio apenas para fins culturais.

(Ruy Castro, jornalista e escritor – Folha de S.Paulo, 21) A megafilial carioca da Livraria Cultura fechou as portas. Ficava na Cinelândia e ocupava o prédio do antigo Cinema Vitória, uma das maravilhas do art déco no Rio, inaugurado em 1942 com “O Grande Ditador”, de Chaplin. Assisti a grandes filmes no Vitória. Nos anos 80, com a decadência dos cinemas de rua, o proprietário dedicou-se a degradá-lo, reduzindo-o a filmes pornô, até finalmente fechá-lo. Sua transformação na Cultura em 2012, mantidos muitos traços originais do prédio, era a esperança de sua conservação.

As livrarias sempre foram pontos de encontro entre os escritores e seus leitores, para benefício de ambos. No Rio, a primeira foi a do editor e tipógrafo Paula Brito, na hoje praça Tiradentes, pouso em 1860 de Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida e Machado de Assis. Sucedeu-a, rumo a 1900, o longo reinado da Garnier, na rua do Ouvidor, também com Machado, mas já na companhia da turma de Coelho Netto e Olavo Bilac.

Veio então a Leite Ribeiro, no largo da Carioca, com suas vitrines iluminadas e onde Théo-Filho e Gilka Machado davam as ordens em 1922. Nos anos 30 e 40, a José Olympio, também na Ouvidor, era o território de Zé Lins do Rego e Graciliano Ramos. Em seguida, a querida São José, na rua idem, onde Drummond batia o ponto todos os dias. E a Leonardo da Vinci, reduto em 1968 dos cientistas sociais, dos estruturalistas e dos leitores do Cahiers du Cinéma.

De 1990 para cá, diversas livrarias foram palco de encontros: a Timbre, até hoje no Shopping da Gávea; sua pranteada vizinha, a Bookmakers; a Dantes, no Leblon, também morta; e as várias Travessas, cada vez mais acolhedoras e, graças, firmes.

A crise e outros problemas não deram tempo à Cultura para criar aquele ambiente mágico em que autores e leitores se espelham —estes, sonhando escrever, e, aqueles, ansiando pelo dia em que poderão se dedicar simplesmente a ler.

19 de outubro de 2018

O CAOS NO TRANSPORTE URBANO!

(Luiz Antonio Cosenza, Presidente do CREA-RJ e Miguel Bahury, Conselheiro do CREA-RJ, Ex-Secretário Municipal de Transportes, ex-Presidente do Metrô e da CET-RIO –  JB, 18) O sistema de transportes no Rio de Janeiro atingiu o caos. A mobilidade urbana está à beira do colapso. A falta de planejamento, a desorganização tarifária, a ausência de controle e de fiscalização deixam os usuários entregues à própria sorte. Veículos com idade média superior a quatro anos circulam em condições precárias, muitos com chassis inadequados e com degraus altos, dificultando o acesso. Frequentes interrupções de linhas de ônibus, empresas de ônibus fechando as portas, desempregando mais de dois mil rodoviários, BRTs depredados por atos de vandalismo, plano de ampliação do BRS paralisado, vans liberadas, evasões frequentes e diminuição da oferta do transporte regular estão causando enormes prejuízos à população.

A leniência do Poder Público no município do Rio e no governo estadual, o impasse entre a Prefeitura e as empresas do setor, a suspensão do processo de racionalização das linhas, a falta de integração e a demora na climatização total da frota contribuem ainda mais para agravar esse quadro danoso, e a população, que já sofre com a crise do desemprego e da segurança, não vislumbra perspectiva de melhora.

Além de tudo, a Prefeitura, nas linhas municipais, e o governo estadual, nas linhas intermunicipais, não têm nenhum controle sobre o sistema tarifário, que é totalmente controlado pela Fetranspor, responsável pela administração do RioCard e pela emissão, comercialização e distribuição do vale- transporte.

Deve-se estabelecer um plano de reorganização tarifária. As planilhas tarifárias devem ser transparentes e refletir o custo real do transporte, contemplando, além do Custo/Km, a relação Passageiros/Km, linha por linha, objetivando um conhecimento global do problema tarifário, com vistas ao estabelecimento real do Custo/Passageiro.

O controle e gerenciamento pela Prefeitura e pelo governo estadual do sistema tarifário possibilitariam o domínio total do número de passageiros transportados e do total arrecadado, hoje inexistente, e maior racionalização dos valores das tarifas. Há que se chegar a um preço justo que não penalize a população, mas que, por outro lado, possibilite aos empresários cobrir seus custos e manter a margem legal de lucros para evitar a degradação do sistema, como ocorre hoje.

É imperativo que o Poder Público exerça sua primazia na condução da mobilidade urbana, no controle tarifário e na proteção sagrada dos direitos dos usuários, evitando-se o estado de anomia existente.

A dependência dos ônibus atingiu o paroxismo. Em consequência desse sistema equivocado, que contraria a política de transporte urbano adotada pelas principais cidades do mundo, os deslocamentos de toda a nossa região metropolitana passaram a ser completamente dominados por ônibus, que têm capacidade de transportar apenas 12 mil pass./hora, em detrimento dos transportes de massa, trem e metrô, que têm capacidade de absorver 40 a 60 mil pass./hora, com custos de manutenção substancialmente menores e que possibilitam um deslocamento mais rápido, seguro, confortável e sem poluição.

Na Região Metropolitana do Rio ocorrem 22,1 milhões viagens/dia, das quais 11 milhões por transporte coletivo, 4,4 milhões por transporte individual e 6,7 milhões de viagens/dia a pé, conforme o Plano Diretor de Transportes da Região Metropolitana.

Das 11 milhões de viagens/dia por transporte coletivo, os ônibus, que deveriam ser transporte complementar, respondem por 77% delas e, pasmem, o metrô e os trens, juntos, por apenas 11%, transportando, respectivamente, apenas 700 mil pass./dia e 560 mil pass./dia, enquanto as barcas transportam apenas 1%. Enquanto isso, à guisa de ilustração, os Metrôs de SP, Seul e Cidade do México, que iniciaram a construção na mesma época do Rio, já transportam, respectivamente, 4,6 milhões, 8 milhões e 3,9 milhões de pass./dia.

Essa herança perversa há que ser corrigida, priorizando-se o transporte de massa, tem e metrô, e restabelecendo-se a autoridade pública na gestão do transporte de passageiros.

18 de outubro de 2018

A SITUAÇÃO DA SAÚDE NA PREFEITURA DO RIO!

(Vereador Paulo Pinheiro – DO, 17/10) 1. Estamos  começando mais uma edição da discussão sobre o orçamento. A Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira da Casa começará a discutir o orçamento, a proposta de lei orçamentária para 2019 em audiências públicas. Começará com uma audiência pública importante.

2. Vai-se discutir com a Casa Civil, vai-se discutir a questão da previdência municipal, o Previ-Rio, a Comlurb, uma série de questões importantes. Na terça-feira que vem, dia 23, teremos a Audiência Pública da Saúde, o que está causando um grande mal-estar. Quem não participou da reunião, semana passada, não participou de uma das reuniões com maior mal-estar de que já participei na minha vida, aqui, na Câmara. O chefe da casa civil tentou dominar a reunião, falar antes dos secretários – estavam presentes o Secretário de Fazenda e a Secretária de Saúde.

3. O assunto eram os cortes no Orçamento da Saúde.  Nós vimos o que a Secretária de Saúde deixou muito claro, através dos técnicos da saúde, profissionais corretíssimos. Quando eu perguntei a um desses profissionais: “Você, colega, profissional de qualidade, tem condição de defender a proposta de enxugamento da atenção primária no Orçamento da Saúde, baseado não em necessidade da população, mas baseado em tamanho de arrecadação?”, ele disse uma frase lapidar: “Nós recebemos uma encomenda. Vamos ter que entregar a encomenda que recebemos”.

4. A encomenda, é cortar um pedaço do pé da saúde.  Então, é importante que a gente possa discutir isso, porque o Secretário Chefe da Casa Civil, já entendeu que vai ter dificuldade de passar essa proposta para a opinião pública.  Portanto, ele está armando a seguinte confusão: existem dois cortes. Existe um corte, que é o que eles estão fazendo para o orçamento do ano que vem. O corte do Orçamento da Saúde para o ano que vem é 5,4%. O Orçamento da Saúde deste ano, 2018, é 6,0%. Por que 6,0%? Porque a Câmara colocou R$ 700 milhões em emendas, fazendo com que o orçamento fosse para sua necessidade.

5. Quando eles dizem que só podem gastar R$ 5 bilhões na saúde, eles estão errados, pois vão ficar devendo R$ 800 milhões. E os senhores têm que entender a situação. Com essa confusão da eleição, estão se esquecendo  do sofrimento que está havendo na área da saúde. Eu vou só ler uma lista para vocês sobre pagamentos de profissionais de saúde ligados a organizações sociais.

6. A cidade é dividida em áreas de planejamento. A coordenação da AP-1, que é São Cristóvão e Centro, os profissionais que são contratados por OS trabalham em Clínicas da Família, UPAs, hospitais terceirizados etc. Nessa área, todos receberam 32% do salário. Entendam bem: a Prefeitura, através das OSs que ele contratou, na AP-1 da cidade, na área do Centro, só pagou 32%  do salário das pessoas, que continuam trabalhando. Na AP-2.1, que é a Zona Sul, o pagamento foi integral para quem recebe até R$ 2.700. A partir daí, ninguém recebeu mais nada; quem ganha mais de R$ 2.700,00, zero de salário. Na área da Tijuca, privilegiada, pagamento integral.

7. Na área 3.1 bairros da Leopoldina, Ilha do Governador, pagamento integral para quem recebe até R$ 4.000,00; quem ganha acima disso recebeu 36% do seu salário. Área do Grande Méier, 3.2 nenhum pagamento, todo mundo trabalhando de graça. Área 3.3 Madureira, Irajá, Pavuna e adjacências, pagamento integral até R$ 4.000,00; quem ganha acima disso recebeu só 32%. Barra da Tijuca, pagamento integral. Área de Bangu, 5.1  todos receberam 62% do salário. Área 5.2 Campo Grande, todos receberam 5% do salário. Funcionários das OSs que trabalham na zona de Campo Grande e adjacências, 5% de salário.  Na área de Santa Cruz, zero de pagamento, ninguém recebeu nada.

8. Para os senhores terem ideia de qual é a situação hoje. Tudo isso é dinheiro que eles não pagaram. E o mais grave é a informação que deram ontem na reunião com os profissionais de saúde, presentes a Secretária e os Subsecretários, de que não há dinheiro para pagar. Que a regularização desses pagamentos só ocorrerá em fevereiro do ano que vem! Então todos vão se preparar para comer o “pão que o diabo amassou” até fevereiro, porque não tem dinheiro, segundo eles.

9. Esse é o quadro geral. E o que significa isso? Significa, por exemplo, que, nas UPAs, a comida, o atraso com os fornecedores de algumas OSs é de quatro meses, com os remédios, e insumos básicos. Como eles estão fazendo? A alimentação para o sujeito poder continuar ir trabalhar e receber algum alimento foi reduzida para feijão, arroz e macarrão. Não tem proteína – frango, peixe ou carne, zero. O dinheiro não dá segundo eles. Só dá para fazer um feijãozinho, uma sopa de macarrão à noite, para ficar mais ou menos cheinho e poder aguentar o plantão.

10. Esse é o quadro da saúde que nós temos nesse exato momento sob os argumentos de que a Prefeitura do Rio só tem até R$ 5 bilhões para gastar com saúde. Mais do que isso não tem. Caso precise de mais, só falando com o bispo. Esse quadro é o que nós temos hoje. Isto tem repercussões diretas no atendimento. Evidente que daquelas centenas de pessoas que encontramos nos corredores dos hospitais, boa parte morre. Nós nem conseguimos ver que morreram por falta de atendimento, por má qualidade no atendimento, por má qualidade dos serviços.

11. Eu não estou falando nem da administração direta. Estou falando do discurso que nós ouvimos, que dizia que, para poder expandir a rede de saúde, tinha que terceirizar. Que era a melhor maneira de se tratar, do profissional não faltar, era terceirizando, entregando a terceiros, tentando fazer com que a saúde do Município do Rio ficasse parecida com a saúde privada. Seria alguma privatização. Portanto, senhores, para encerrar, nós temos a oportunidade, aqui na Casa, de conversar, cobrar, arguir o governo desse genocídio que ele está dominando, comandando, na Cidade do Rio de Janeiro.

12. Eu não tenho dúvidas que nós, nunca, em momento algum, atravessamos uma situação tão constrangedora. Nem na época da falência da Prefeitura, em 1989, nós tivemos um problema tão grave quanto temos agora. E isto tem responsável com o nome e sobrenome.

17 de setembro de 2018

FUTUROLOGIA NA CAMPANHA!

Simulações de 2º turno não têm correlação com resultado das eleições!

(Lucas de Abreu Maia – Revista Piauí) A máxima dinamarquesa, erroneamente atribuída ao físico Niels Bohr, declara: “É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro.” Ainda assim, serão elas as protagonistas das últimas três semanas de campanha presidencial até o 1º turno das eleições.

O sucesso de duas candidaturas depende de que o eleitor acredite em futurologia. Geraldo Alckmin tenta argumentar que o voto nele será a única forma de derrotar o PT. Ciro Gomes, por sua vez, quer convencer a esquerda de que só ele pode impor uma derrota retumbante a Jair Bolsonaro. Como evidência, ambos apresentam as pesquisas de intenção de voto. Tanto no Datafolha quanto no Ibope, Ciro tem ampla vantagem ante ao ex-capitão do Exército. Bolsonaro e o candidato petista, Fernando Haddad, estão em empate técnico.

Acontece que pesquisas eleitorais não passam de previsão. Se qualquer previsão é falha, as simulações de 2º turno, então, são um fiasco. É que, no Brasil, não há correlação entre elas e o resultado final do pleito. A essa altura em 2014 Dilma Rousseff perderia para Marina Silva, de acordo com os levantamentos antecipados de 2º turno. Em 2006, Geraldo Alckmin conseguiu a façanha de receber menos votos no 2º que no 1º turno – fenômeno que pesquisa nenhuma conseguiria prever.

Há três motivos para o descasamento entre o que o eleitor diz que fará no 2º turno, antes mesmo de que tenha votado no 1º, e o que ele de fato faz na ida final às urnas. A primeira explicação tem a ver com uma mudança no cenário político; a segunda é uma questão metodológica e a terceira é lógica, mesmo.

Em primeiro lugar, o fato político: a campanha de 2º turno é qualitativamente diferente da que é feita no 1º. Na fase final da eleição, ambas as campanhas têm o mesmo tempo de tevê, os debates acontecem apenas entre dois candidatos (diferentemente da balbúrdia dos debates de 1º turno) e os discursos tendem a mover-se para o centro, a fim de conquistar os votos dos candidatos que ficaram de fora da segunda etapa do pleito. Ninguém consegue dizer, antecipadamente, como essas três variáveis impactam o eleitor.

Para entendermos a explicação metodológica, é preciso primeiro entendermos como funcionam as pesquisas de intenção de voto. O eleitor é parado de repente na rua e questionado sobre suas preferências eleitorais – coisa sobre a qual a maioria da população, diferentemente de mim e você, quase não pensa. Já é difícil o bastante ter de decidir em quem votará no 1º turno, mas o entrevistador ainda pede ao pobre eleitor que crie uma contigência hipotética e escolha um candidato para cada um dos vários possíveis cenários de 2º turno. Naturalmente, as estimativas hão de ser falhas.

Por fim, a lógica: o sociólogo Maurice Duverger desvendou, nas décadas de 50 e 60, os incentivos que afetam o voto em cada sistema eleitoral. A matemática por trás do argumento foi desenvolvida pelo cientista político Gary Cox, mas a lógica pode ser entendida só com palavras. No 1º turno, a tendência do eleitor é escolher seu candidato favorito, independentemente de quem seja. No 2º, o voto acaba indo para o pleiteante menos ruim. A não ser que os dois candidatos sejam absolutamente iguais (o que, claro, é impossível), sempre haverá um menos ruim. Acontece que, no 1º turno, quando ainda voltamos a atenção para o nosso candidato favorito, temos dificuldade de ver com clareza quem escolheríamos num cenário em que o predileto esteja ausente.

Numa eleição tão complexa quanto a de 2018, as simulações valem ainda menos que o usual. Embora pareça certo que Bolsonaro estará no 2º turno, tudo indica que não terá condições de participar de debates. Mas, como será sua presença no horário eleitoral? Supondo que Haddad siga mesmo para a fase seguinte da disputa, tentará – e, se tentar, conseguirá – mover-se para o centro do espectro político? Vai convencer eleitores de Ciro e de Marina Silva a votarem nele? O PSDB terá coragem de declarar apoio ao PT num 2º turno contra Bolsonaro?

Sem respostas claras a essas perguntas, qualquer aposta é temerária. É difícil prever, sobretudo o futuro. Por isso mesmo, o eleitor não deve preocupar-se com futurologia na hora de decidir o voto.