14 de dezembro de 2018

PAUL KRUGMAN: “BRASIL TEVE CRISE DE PRIMEIRO MUNDO, MAS REAGIU COMO SUBDESENVOLVIDO”! 

(Folha de S.Paulo, 13) 1. O Brasil teve uma crise econômica de primeiro mundo, mas reagiu a ela como um país subdesenvolvido, o que não foi acertado, disse nesta quarta-feira (12), Paul Krugman, um dos economistas mais influentes do mundo, professor de Princeton e Nobel de Economia. Em evento organizado pelo Experience Club, empresa de eventos corporativos, em São Paulo, Krugman criticou duramente a forma como o país reagiu à recessão que se iniciou em 2014.

2. Segundo Krugman, o Brasil enfrentou deteriorações importantes no ambiente externo, como a forte queda dos preços das commodities e deterioração dos termos de troca —grandes choques que estavam fora do controle do país. Países como Canadá e Austrália passaram por problemas semelhantes, lembrou ele, mas se saíram melhor porque lidaram com os entraves de forma diferente.

3. Para ele, o problema clássico dos mercados emergentes é o endividamento em moeda estrangeira, algo que causou da crise argentina de 2001 à crise asiática ou mexicana na metade dos anos 1990. “Mas esse não foi o problema aqui.”  O Brasil, disse o economista, teve uma “crise de primeiro mundo”, com forte alta do consumo e posterior endividamento das famílias. Mas, no lugar de deixar a moeda depreciar, como outros países fariam, o Banco Central brasileiro optou por aumentar a taxa de juros fortemente com medo da inflação.

4. “As pessoas achavam que estavam nos anos 1990 por aqui, não estavam”, disse.Além do forte aperto monetário, afirmou Krugman, o país começou a cortar gastos, o que deve ser feito em períodos de boom, não de queda da economia, disse ele, ao ressaltar que não ignora que o país enfrenta um forte problema fiscal.

5. Para Krugman, as políticas monetária e fiscal foram uma “má ideia” e resultaram em desemprego elevado.  O Brasil, disse ele, tem um quadro de desequilíbrio fiscal que deve ser enfrentado no longo prazo.

6. Com relação à guerra comercial global, o economista disse que o Brasil pode se beneficiar dela, ao exportar mais commodities, em especial a soja, para o mercado chinês.  Segundo Krugman, há uma preocupação real com o cenário de guerra comercial, pois o presidente dos EUA, Donald Trump, “é um homem que pode fazer as coisas acontecerem”, mas afirmou que seu palpite é que o imbróglio não vai acabar mal.

7. “Não acredito que a guerra comercial será o gatilho para a próxima crise”, disse. Ele ressaltou que a próxima crise pode ser uma combinação de algumas coisas, como alavancagem das empresas, altos riscos tomados por parte do sistema financeiro, problemas vindos de emergentes e uma bolha tecnológica — nada na magnitude dos anos passados.

8. Segundo ele, não há grandes problemas nos fundamentos econômicos na economia global, o que dá espaço para um “otimismo moderado”, misturado a certa cautela.

13 de dezembro de 2018

ESCOLA DE LÍDERES POLÍTICOS: A CARA NOVA DA POLÍTICA!

Relatório de Antônio Mariano, presidente da Juventude-DEM-RIO: Campus “Escola de líderes políticos: a cara da nova política”, realizado e financiado pela Fundação Adenauer (KAS), CDU- no Uruguai, na cidade de Colônia do Sacramento – 7/8 dezembro de 2018!

O objetivo deste encontro foi apresentar o projeto de formação política tocado pelo Cambiemos, na Argentina e trocar experiências nesta área com as demais juventudes partidárias –

1.  Juan Gowland (Coordenador do movimento “Modernización Argentina” e criador da Escola de Líderes Políticos)

–  Antes muitos de nós ocupávamos postos no governo da Cidade de Buenos Aires e muito rapidamente, tivemos de aprender a lidar também com a província e com o governo nacional.

–  A partir disso surgiu a ideia da Escola de Líderes, para formar novos quadros partidários, em âmbito de Cambiemos.

2. Experiência da Escola de Líderes Políticos (Maria Emilia Rey & Cristian Negri)

– Proposta do grupo: contribuir com o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades dos futuros quadros políticos da Argentina em distintos pontos do país, fomentar e envolver jovens talentos com vocação para o público que estão no âmbito político, mantendo e difundindo os valores de “La Generación”.

–       O projeto não deve ser “Buenos Aires cêntrico”, por isso estimula a criação de lideranças no interior.

–       Valores: empatia, equidade de gênero, federalismo, vocação pelo publico e fazer o que se diz.

–       Processo de seleção para participar da escola de líderes: formulário de inscrição + entrevistas.

3. Formar jovens no território (Juan Esteban Maldonado & Facundo Pérez Carletti)

–       A escola é um projeto que deveria ser copiado em outros países. Ferramenta única para a formação de futuros líderes.

–       Não há liderança sem formação.

–       Na província de Corrientes, Cambiemos já estava há muitos anos no governo. Como ser algo novo? A Escola de Líderes criou este fato.

–       A formação atende um perfil transversal de jovens, não há apenas economistas, sociólogos e afins. Há médicos, engenheiros, veterinários, químicos… São atendidos todos os jovens que atendem aos valores da Escola.

–       Os alunos das escolas anteriores, são formados para replicarem o conhecimento adquirido nas edições seguintes.

4.  Mesa Redonda (apresentação dos trabalhos de formação política das juventudes partidárias parceiras da KAS Uruguai)

–       Eleição para a executiva do Partido Nacional ocorre a cada 5 anos, com participação de qualquer jovem uruguaio. Não é preciso ter filiação partidária. Na última foram mais de 70 mil eleitores entre 14 e 29 anos.

–       Apenas no ano de 2018, foram mais de 900 jovens formados por todo o Uruguai.

–       É unânime as reuniões de jovens com lideranças políticas e eventos próprios de formação. Mas praticamente nenhuma juventude partidária tem orçamento próprio. Em geral dependem ou do partido, ou de parcerias com outras instituições, como a KAS.

–       Juventude do Partido Pátria Querida, do Paraguai, realiza churrascos, para juntar seus jovens e conversarem sobre política de maneira mais descontraída.

–       Apresentação dos trabalhos da JDEM Nacional na área de formação política. Desde 2014 já foram realizados mais de 50 eventos, com a formação de centenas de jovens militantes por todo o país. Além disso, parceria com a KAS não somente no Brasil, mas no continente e na Alemanha, com envio de delegação ao país.

5.  Mesa Redonda: Idéias para gerar espaços de formação política para jovens a nível nacional

–       Não adianta acreditarmos que as pessoas vão militar conosco apenas porque a política é importante. Devemos criar projetos em comum que os motivem a sair de casa.

–       Devemos, juntos, sermos os protagonistas da mudança do sistema político que está sendo destruído pouco a pouco.

6. O desafio dos jovens na defesa e no fortalecimento da democracia na América Latina (Juan Gowland)

–       Partidos na América latina se converteram em meio e fim para fazer política e para tentar manter a democracia viva.

–       O Estado tem o monopólio da força, mas quem controla esse monopólio? E quando ele sai do controle, como em governos autoritários?

–       Nada ocorre sem as pessoas, mas nada perdura sem as instituições.

–       Um caminho para a institucionalidade democrática é pensar mais em políticas de Estado e menos em políticas de governo.

–       Democracia é algo novo no nosso continente, não sabemos lidar direito com este sistema.

12 de dezembro de 2018

QUE TIPO DE DESINTERMEDIAÇÃO AS REDES SOCIAIS PRODUZEM?

Ex-Blog de 21/10/2013.

1. Em artigo (Primavera Brasileira ou Outono Democrático?) na revista “Inteligência” (terceiro trimestre-2013), o importante cientista político e professor do IESP/UERJ, Fabiano Santos, sublinha a ideia que vem circulando pelas esquerdas, que as manifestações de rua no Rio estariam perigosamente influenciadas por um fascismo militante. Ele diz:

2. “Mas se a ativação do tema da corrupção não foi surpreendente, os ensaios de aproximação das ruas com o fascismo, sim, acabaram assustando bastante… Boa parte dos manifestantes principalmente aqueles vinculados a partidos políticos, em geral de orientação esquerdista, sofreram duro revés… No dia 20 de junho, militantes de partidos políticos e sindicatos tentaram participar de manifestações. Tiveram suas bandeiras e cartazes destruídos… Percebido o problema pelo núcleo inicial de manifestantes, tratar-se-ia agora de uma questão de “disputar o significado das ruas”. A palavra de ordem dos entusiastas das manifestações tornou-se então não permitir que os fascistas dominassem a cena, não permitir que a direita política prevalecesse na tradução do sentimento difuso de insatisfação e inconformismo e canalização da nova energia societal brasileira. A equação fascista, antes apenas recôndita nas mentes de segmentos da elite, leitores de diários cariocas e paulistas, agora é clara e despudoradamente verbalizada em nossa ‘common parlance’.

3. Não se trata apenas da reflexão de um intelectual de porte, mas do que líderes de partidos de esquerda –com ou sem poder- vêm repetindo nos últimos dias. Independente de numa massa difusa se ter de tudo, além de fascistas, anarquistas, punchistas e insurreicionista utópicos de esquerda, a questão não está nesses grupos, certamente marginais, e maximizados agora por estas verbalizações desde setores da esquerda.

4. O ponto está neles terem sido formados em estruturas organizacionais –políticas e sociais- hierarquizadas, onde os líderes são vocalizadores e interlocutores. Quando entram as redes sociais, horizontais e desierarquizadas, a formação deles entra em pânico: como explicar isso? Massa sem líderes? Não há interlocutores? Os manuais leninistas onde se formaram não contém essa hipótese. Nem poderia no final do século 19 e início do 20 onde os únicos meios de comunicação eram a presença física, o papel e o grafite.

5. O que precisam entender é que está mudando o conceito de democracia direta, da associativa, sindicalista, para outra –em redes individualizadoras, onde os interlocutores são… todos. Como estamos no início desse processo, e não se pode ainda projetar de que forma a democracia direta das redes vai se cristalizar, melhor seria que mergulhassem nas pesquisas que hoje se desenvolvem, desde a leitura de Manuel Castels, até os modelos simulados de formação de opinião pública em Columbia ou nos Provedores.

6. Em vez de uma reação psicótica ao risco de “meu mundo caiu”, melhor seria ajudar a construir esse outro mundo de participação popular, dando a ele uma nova organicidade.

11 de dezembro de 2018

A FALSA DICOTOMIA!

(Monica Bolle, professora da Johns Hopkins – Estado de S. Paulo, 05) 1. Entre acadêmicos e não acadêmicos, economistas e não economistas, jornalistas e não jornalistas, esquerda e direita, prevalece a ideia de que Estado e mercado são entidades separáveis, por vezes opostas.

2. A ideia de separação tão entranhada está que há quem diga que tudo o que não é Estado é mercado, como se houvesse uma linha concreta a partir da qual ambos fossem claramente definíveis.

3. Na América Latina, região que sempre oscilou entre a mão pesada do Estado e as tentativas de reduzir sua influência na economia, a dicotomia parece fato incontestável.

4. No Brasil, onde alguns resolveram enxergar uma “revolução das ideias” com a ascensão de Bolsonaro e da ortodoxia de Paulo Guedes, a divisão entre Estado e mercado é muitas vezes tida como uma certeza.

5. Dicotomias são muitas vezes simplificações da realidade, e simplificações da realidade costumam gerar muita confusão mental, sobretudo nas inexatas ciências sociais.

6. Como tantas outras coisas, o segredo para se pensar o papel do Estado está no reconhecimento de que é preciso haver um equilíbrio na relação Estado-mercado. Se o Estado é capaz de sufocar, o mercado é capaz de destruir. Pensem na crise financeira de 2008 cujas ramificações ainda não desapareceram por completo.

7. Há muitas explicações para as causas da crise, mas poucos especialistas discordam de que a política de laissez-faire em relação aos mercados financeiros defendida por Alan Greenspan, presidente do banco central norte-americano, o Fed, entre 1987 e 2006, tenha sido fator propulsor fundamental. A crença pueril de que os mercados seriam capazes de se autorregular na busca por “prosperidade”, controlando seus próprios devaneios e ímpetos, provou-se profundamente equivocada.

8. Às vésperas da quebra do banco Lehman Brothers, o mercado estava em situação de extrema fragilidade – e a descrença e desconhecimento dos investidores e dos gestores de política econômica acerca dessa situação era brutal. Não fosse a atuação do Estado na absorção das perdas e redistribuição dos recursos por meio da política econômica, talvez tivéssemos testemunhado o absoluto colapso dos mercados de crédito e da economia mundial que deles depende.

9. Ou seja, Estados falham quando se deixam tomar pela corrupção, quando permitem que seus pilares sejam cupinizados, como ocorre hoje na Venezuela, na Nicarágua, só para citar exemplos latino americanos. Mas, se Estados falham, mercados também falham. E, muitas vezes mercados falham por falta da presença do Estado – por falta de regulação adequada – assim como Estados podem falhar, ou falir, após terem engolido os pesos e contrapesos do mercado.

10. Como disse o poeta francês Paul Valéry, “se o Estado for forte, seremos esmagados; mas se for fraco, padeceremos”.  Estado e mercado não são, portanto, separáveis, mas simbióticos. Encontrar a relação perfeita em que ambos se beneficiem ainda que em proporções desiguais é o desafio dos economistas e dos bons gestores da política econômica. Essa relação não é estática, mas dinâmica e evolutiva. O equilíbrio entre o mercado e o Estado se altera de acordo com a ecologia do mercado e as necessidades da economia. A ascensão das empresas de fintech nos países emergentes, por exemplo, necessita de modificações nas estruturas regulatórias, como pôs em prática recentemente o México. Desigualdades profundas capazes de causar graves abalos políticos e institucionais precisam ser atenuadas por um

11. O mercado, como bem sabem os estudiosos do tema, não tem o alcance de reduzir desigualdadesEstado que redistribua adequadamente sem causar grandes distorções que prejudiquem o crescimento econômico. O mercado, como bem sabem os estudiosos do tema, não tem o alcance, tampouco o objetivo, de reduzir desigualdades. Assim como também não têm o propósito, necessariamente, de avaliar o impacto, no longo prazo, de algumas de suas decisões. Dia desses lia artigo de Mario Sergio Conti em que o autor falava de entrevista nos anos 70 com o madeireiro que derrubou boa parte da floresta do Espírito Santo. Perguntado pelo jornalista se ele pensava na consequência do que fazia, respondeu o madeireiro: “A consequência é o lucro”.

12. No Brasil de hoje, na América Latina de hoje, temos grandes igrejas, grandes negócios que estão se apoderando do Estado por meio da participação crescente nos poderes legislativo e executivo – esse é o tema de pesquisa com coautores aqui na Universidade de Johns Hopkins. Qual tipo de relação entre Estado e mercado disso resultará é ainda grande dúvida. Entre dúvidas e falsas dicotomias, é possível apenas afirmar uma coisa: o Estado tem letra maiúscula pois é soberano.

10 de dezembro de 2018

VIDA PARLAMENTAR DE MACRON NÃO SERÁ FÁCIL! EX-BLOG DE 20/06/2017!

Em 20 de junho de 2017, EX-BLOG antecipava as dificuldades de Macron para governar!

1. Macron emergiu para a presidência da França como uma vertente da antipolítica, na medida em que seu partido foi criado menos de um ano antes das eleições presidenciais.

2. O candidato favorito para um segundo turno contra Marine Le Pen, candidata da extrema direita, era François Fillon, dos Republicanos de Sarkozy.  No início da campanha, eles apareciam empatados e com o dobro das intenções de voto de Macron, ex-ministro dissidente liberal do governo socialista de Hollande.

3. Fillon foi surpreendido por furos da imprensa, que mostravam que sua esposa era funcionária fantasma de seu gabinete. Com isso, Fillon começou a perder a batalha da ética. E mesmo sendo candidato do partido mais sólido da França naquele momento -Os Republicanos do ex-primeiro ministro Sarkozy- em poucas semanas deslizou para o terceiro posto.

4. A diferença a favor de Macron abriu e, com isso, as pesquisas, já próximas às eleições, apontavam um segundo turno entre Macron e Le Pen, o que implicava em uma fácil vitória para Macron, como aliás aconteceu.

5. As eleições parlamentares que decidiriam a composição do parlamento viriam um mês depois, como aconteceu nos dois últimos domingos. As pesquisas e a imprensa mostraram uma ampla vitória dos candidatos a deputado da base de Macron.

6. Abertas as urnas no domingo passado, a base de Macron obteve 62% das cadeiras. Uma ampla vitória como se prognosticava. Mas muito menos ampla do que o que  as pesquisas que falavam: 80% dos deputados.

7. Mesmo assim, esses 62% devem ser melhor avaliados. 55% foram dos candidatos do En Marche, partido criado um ano atrás por Macron. E 7% do MoDem, de François Bayrou, um partido de centro, que participou de eleições anteriores. Bayrou renunciou à sua candidatura que andava pelos mesmos 7% que seu partido teve. Passou a apoiar Macron.

8. Os 55% obtidos pelos deputados do En Marche serão progressivamente mais e mais heterogêneos. Uma boa parte deles estreou em eleições sem experiência partidária e muito menos parlamentar.

9. Reunidos sob a bandeira da renovação e de um liberalismo difuso, eleitos pelo voto distrital uninominal em 577 circunscrições, a primeira e grande tarefa da equipe de Macron será construir unidade programática.

10. O arrastão da vitória de Macron e, em seguida, de “seus” parlamentares, produz, de partida, uma unidade na vitória, desdobrando as linhas gerais dos discursos de Macron.

11. Mas num quadro de crise econômica na França, de crise na União Europeia, com a emergência de movimentos nacionalistas anti-imigrantes, anti-muçulmanos, a unidade na vitória terá que ser reconstruída no cotidiano do debate político e das polêmicas medidas de corte liberal num quadro de forte sindicalismo e tradição dos movimentos universitários -estudantes e professores.

12. A costura político-parlamentar de Macron não será simples, especialmente porque o maestro entra sem experiência nessas coisas da política. Acompanhemos os desdobramentos. Com muita atenção.

07 de dezembro de 2018

“REVOLTA NA FRANÇA É DIFERENTE DE OUTROS PROTESTOS ANTISSISTEMA”!

(Adam Nassiter – New York Times/Estado de SP, 06) 1. Foi pouco, e tarde demais. Essa foi a reação dos manifestantes franceses ao repentino recuo do governo. Os “coletes amarelos”, que levaram a França ao tumulto com violentos protestos querem mais – impostos mais baixos, salários mais altos. Essas demandas profundas conectam levantes populistas no Ocidente, incluindo Reino Unido, Itália, EUA e a Europa Central.

2. O que une essas insurreições, além das exigências, é a rejeição aos partidos, sindicatos e instituições governamentais. Mas o que torna a revolta da França diferente é que ela não seguiu o costumeiro manual populista. Não está ligada a um partido político. Não se concentra em raça ou migração e essas questões não aparecem na lista de reclamações. Não é liderada por um único líder raivoso e de retórica incendiária. O nacionalismo não está na agenda.

3. A revolta é essencialmente orgânica, espontânea e autodeterminada. É sobre classe econômica. É sobre a falta de condições de pagar as contas. Nesse sentido, é mais parecida com os protestos contra Wall Street dirigidos pelos trabalhadores pobres no “Occupy” dos EUA do que com o líder da Hungria, Viktor Orbán.

4. Os “coletes amarelos” afastam os políticos e rejeitam os socialistas, a extrema direita, o movimento político do presidente Emmanuel Macron e tudo mais que estiver no meio. Permanece relativamente desestruturado e ainda não foi sequestrado pela nacionalista de extrema direita Marine Le Pen, ou pelo líder de extrema esquerda Jean-Luc Mélenchon, por mais que esses tentem.

5. “É o mesmo medo, raiva e ansiedade na França, na Itália e no Reino Unido”, disse Enrico Letta, ex-primeiro-ministro da Itália, que leciona na Universidade Sciences Po, em Paris. “Esses três países têm o mais elevado nível de defasagem de classe”, disse ele. Nos 30 anos após a 2ª Guerra, “eles estavam no topo do mundo, viviam com um nível muito elevado de bem-estar médio”, disse ele. “Agora, há um grande medo de ver tudo isso escapar.”

6. Esse medo transcende todos os outros. Na França, há um paradoxo no atual impasse, já que a ascensão de Macron se baseava em varrer os partidos políticos existentes e na rejeição de intermediários tradicionais, como os sindicatos trabalhistas. Seu livro de campanha era chamado Revolução e expressava uma espécie de desprezo pelas partes que entregaram poder umas às outras por 50 anos. Macron, ao personalizar o poder e rejeitar o que viera antes, ajudou a criar o mundo da fraqueza institucional em que os “coletes amarelos” agora florescem.

7. Mas sua base, na época e agora, era extremamente pequena, pressagiando a sua atual rejeição. Ele ganhou apenas 24% dos votos no primeiro turno no ano passado – enquanto seus adversários na extrema direita e extrema esquerda, juntos, levaram mais de 40% dos votos. Esses números agora retornam para assombrá-lo.

8. Macron tenta promover reformas para tornar a França mais favorável aos negócios, como a Grã-Bretanha fez na década de 80 e a Alemanha na década de 90. Enquanto isso, a reação global já está em alta, alimentada pelas disparidades de renda que essas mudanças introduziram.

9. A combinação de descontentamento e desconfiança tornou os “coletes amarelos” uma força em expansão. O protesto já mudou de uma revolta por um pequeno aumento do imposto sobre a gasolina para demandas por salários mais altos.

10. A resposta do governo é especialmente preocupante. De uma parte, autoridades manifestam simpatia, sem ousadias, pois há amplo apoio ao movimento. De outra, as mesmas autoridades estão zangadas com o violento desafio à estrutura institucional da França. O resultado é uma espécie de paralisia, revendo ajustes, o que provavelmente só convidará a mais desafios.

06 de dezembro de 2018

“PROTESTOS NA FRANÇA SINALIZAM CRISE MAIS AMPLA DA DEMOCRACIA OCIDENTAL”!

(Ishaan Tharoor – Estado de S.Paulo, 05) 1. O presidente da França, Emmanuel Macron, gosta de se apresentar como um político moderado que consegue se manter firme diante da pressão popular. No entanto, agora ele corre o risco de ser arrebatado por uma rebelião. Pela terceira semana seguida, protestos tomaram conta do país.

2. Os distúrbios estão ligados ao movimento dos coletes amarelos. A irritação é com o aumento dos preços dos combustíveis, determinado por Macron como parte dos compromissos com o acordo sobre o clima. Mas os protestos também têm a ver com frustrações mais profundas de um segmento da sociedade francesa, que deseja uma rede de proteção social mais ampla no momento em que o país ainda registra um crescimento moroso e um alto índice de desemprego.

3. As raízes dos protestos também estão fora dos abastados centros urbanos, pequenas cidades e povoados dominados pela estagnação e pelo desespero pós-industrial que vem engolindo a classe média. Essas fissuras são familiares a britânicos, americanos e outras democracias ocidentais – assim como a incapacidade dos políticos de sanar as desigualdades.

4. Além do imposto sobre a gasolina, Macron quis impor um ambicioso programa de reformas. No entanto, há um ressentimento generalizado com seu estilo arrogante de administrar e má impressão de que ele governa para uma elite metropolitana.

5. Os inimigos de Macron têm se aproveitado dos distúrbios. Jean-Luc Mélenchon, líder da extrema esquerda, comparou o clima na França ao auge dos protestos da esquerda em 1968. A líder da extrema direita, Marine Le Pen, pediu a dissolução da Assembleia Nacional e novas eleições. Outro radical de direita ligado ao movimento de protesto, a título de provocação, exigiu que Macron renuncie em favor de um governo provisório liderado por um ex-general.

6. A república não está prestes a cair, mas os protestos mostram como Macron vem sendo tragado pelas mesmas frustrações contra o establishment que o levaram à presidência como um outsider da política. Para os seus defensores, o momento é preocupante. Muitos esperavam que sua vitória, no ano passado, fosse uma resposta aos populistas dos dois lados do Atlântico. Só que ele não conseguiu desbancar a direita radical nem convencer a esquerda, que o considera um agente dos ricos.

05 de dezembro de 2018

REUNIÃO DE FIM DE ANO 2018 DA JUVENTUDE DEMOCRATAS! 

29/30-12-2018- Relatório de Bruno Kazuhiro, presidente RJ.

– Ocorrida no plenário 6 da Ala Nilo Coelho do Senado Federal

– Presentes aproximadamente 40 participantes de 10 estados da federação

– Destaque para visita da JDEM no Palácio do Planalto com Presidente em exercício Rodrigo Maia-

– No primeiro dia tivemos a abertura oficial, apresentação de todos os participantes, palestra do vice-presidente da JDEM e cientista político Murilo Medeiros sobre os resultados do Democratas nas eleições 2018 em todos os estados.

– Posteriormente comentários sobre o cenário político do presidente Bruno Kazuhiro.

– Por fim, cada delegação apresentou como foi o cenário das eleições em seu estado e qual a situação corrente do DEM e da JDEM na região.

– Também neste dia se reuniu a Comissão Executiva Nacional da JDEM, onde decidiu realizar um Censo das juventudes estaduais, permitindo atualização total dos dados de diretoria, contato e trabalho de cada estado.

– No segundo dia os jovens tiveram a oportunidade de visitar o presidente em exercício Rodrigo Maia no Palácio do Planalto, oportunidade histórica para nossa instituição, onde pudemos fazer perguntas ao presidente sobre economia, política e legislação.

– Pela tarde foram debatidos o balanço dos eventos de 2018, a atuação internacional da JDEM, a avaliação do trabalho das comissões temáticas em 2018, a definição dos eventos de 2019, sugestões de novas iniciativas nas redes sociais e na interiorização da Juventude e escolha de pautas prioritárias para 2019.

– Além disso tivemos uma palestra muito positiva do deputado eleito Luís Miranda do DF, que falou aos jovens sobre estratégias de redes sociais, ideologia partidária e trabalho político.

– Foram tomadas na reunião as seguintes decisões a serem implementadas em 2019:

a) Encontro Nacional em Goiânia no 2o semestre

b) Eventos regionais nos estados que possuem juventudes mais atuantes

c) Apoio a reuniões locais nos estados onde a juventude é menos ativa atualmente

d) Censo Nacional para obter informações atualizadas e completas sobre diretorias, trabalhos e contatos das juventudes estaduais.

e) As bandeiras principais para o ano de 2019 serão a defesa do Empreendedorismo, o Combate à Corrupção com Transparência e a Segurança Pública. Isso não exclui a atuação em outras pautas.

f) Reabertura de inscrições para comissões temáticas e reformulação das comissões que não atuaram.

Todas as decisões foram tomadas com o quórum estatutário e com maioria do voto dos presentes.

04 de dezembro de 2018

“A DESCONSTRUÇÃO DO CENTRO POLÍTICO”!

(Luiz Werneck Vianna, sociólogo PUC-RJ – Estado de S.Paulo, 02) 1. A desconstrução do centro político contou com a ação de outros personagens, como setores das elites originárias da dimensão do mercado, desde sempre, tal como no caso da sua acirrada oposição, nos anos 1930, à legislação social, refratária à regulação pelo direito da vida social e ao embrião de social-democracia admitido pela Carta de 88. E mais recentemente, pela ação do Ministério Público, que interpretou em chave salvacionista a luta justa e necessária contra a corrupção sem atentar para as suas consequências e sem discriminar alhos de bugalhos, comportando-se como um macaco solto numa loja de louças, com o que levou à lona a sua representação política.

2. Estamos em pleno mar, navegando com mapas incertos e pilotagem inexperiente, ela própria sem saber para onde nos quer levar.  A bússola deve estar apontada para qual destino: o da globalização ou o da denúncia do globalismo? Ruma-se para qual direção, a da autarquia e a do nacionalismo?

3. Logo nós, que não viemos da matriz anglo-saxônica, mas da ibérica, e somos da família dos bandeirantes, e não da dos pioneiros, para lembrar as antigas lições de Viana Moog; nós, que seguimos a estrada universal em direito do sistema da civil law, esta, sim, entranhada na História do Ocidente, ao contrário do sistema da common law, que Hegel, por exemplo, não reconhecia como filho da razão, e sim do casuísmo de uma cultura singular, sem protagonismo, portanto, na marcha do espírito com que a criatura buscava seu encontro com seu Criador.

4. O Ocidente é uma criação europeia e é aí que nós, os americanos, como reconheceram os fundadores da grande República do Norte, cultores dos autores do Iluminismo nos Federalist Papers, estamos instalados, não se podendo omitir, no caso brasileiro, a criação do seu Estado pelo herdeiro de uma dinastia europeia.

5. A metafísica rústica dos ideólogos do trumpismo, como o célebre personagem de Voltaire, ignora a sociologia do risco, tão bem estudada pelo sociólogo Ulrich Beck, na crença ingênua de que tudo no mundo se encaminha no sentido da sua melhor solução. Nosso planeta não conheceria uma crise ambiental, em que pesem os alarmes emitidos pela comunidade dos cientistas, inclusive da Nasa, uma agência americana de indiscutida legitimidade científica, acerca dos dados que se acumulam sobre os perigos do aquecimento global.

6. A crer no que enuncia uma parte dos nossos futuros governantes, o desmatamento da Amazônia em nome de uma política expansiva das fronteiras do nosso capitalismo para o agronegócio e a mineração não importaria em riscos e sua denúncia não passaria de fabulações de intelectuais desavisados.

7. Não se deve chorar o leite derramado. O lado vencedor na sucessão presidencial foi esse que aí está. A oposição a ele não tem por que se precipitar. O mundo gira e a Lusitana roda. Por quanto tempo ainda haverá Donald Trump? E os militares, mais uma vez no proscênio, terão perdido a memória de suas grandes personalidades do passado, dos que lutaram em torno da bandeira do petróleo é nosso, do marechal Rondon, dos pracinhas que em campos de guerra na Itália enfrentaram com bravura o fascismo, das virtudes sem mácula do marechal Lott? E os seres subalternos, até quando suportarão o capitalismo sans phrase, em bruto e sem amortecedores, que ameaça vir por aí?

8. Os brasileiros não vão se despedir de si, apenas dizem um até breve.

03 de dezembro de 2018

“O CENTRO RADICAL COMEÇA POR UMA MENSAGEM QUE ENVOLVA INTERESSES E SENTIMENTOS DAS PESSOAS”! 

(Fernando Henrique Cardoso – Estado de S.Paulo, 02) 1. As mudanças pelas quais passamos, aqui e no mundo, são inúmeras e profundas. Pode-se mesmo falar numa nova “era”, a da conectividade. Se houve quem escrevesse “cogito ergo sum” (penso, logo existo), como fez Descartes, se depois houve quem dissesse que o importante é saber que “sinto, logo existo”, em nossa época, sem que essas duas afirmativas desapareçam, é preciso adicionar: “Estou conectado, logo existo”.

2. Vivemos a era da informática, das comunicações e da inteligência artificial, que sustentam o processo produtivo e formam redes entre as pessoas.

3. As novas tecnologias permitem formas inovadoras de enfrentar os desafios coletivos, assim como acarretam alguns inconvenientes, como a dificuldade de gerar empregos, a propagação instantânea das fake news, a formação de ondas de opinião que mais repetem um sentimento ocasional do que expressam um compromisso com políticas a serem sustentadas em longo prazo. Elas dependem de instituições, partidos, parlamentos e burocracias para serem efetivas.

4. As questões centrais da vida política não se resumem, no mundo atual, à luta entre esquerda e direita. No passado o espectro político correspondia a situações de classe, interpretadas por ideologias claras, assumidas por partidos. Na sociedade contemporânea, com a facilidade de relacionamento e comunicação entre as pessoas, os valores e a palavra voltaram a ter peso para mobilizar politicamente.

5. Isso abre brechas para um novo populismo e uma exacerbação do personalismo. O desafio está em recriar a democracia. O que chamo de um centro radical começa por uma mensagem que envolva os interesses e sentimentos das pessoas. E essa mensagem, para ser contemporânea, não deve estancar num palavreado “de direita” nem “de esquerda”. Deve, a despeito das divergências de classe que persistem, buscar o interesse comum capaz de cimentar a sociedade. O País não se unirá com o ódio e a intransigência cultural existentes em alguns setores do futuro governo.

6. Há espaço para propostas que juntem a modernidade ao realismo e, sem extremismos, abram um caminho para o que é novo na era atual. Esse percurso deve incorporar a liberdade, especialmente a de as pessoas participarem da deliberação dos assuntos públicos, e a igualdade de oportunidades que reduzam a pobreza. E há de ver na solidariedade um valor. Só juntos poderemos mais.

30 de novembro de 2018

“O SIMBOLISMO DE UM ACORDO”! BRASIL-CHILE!

(Editorial do Estado de S.Paulo, 23) 1. O valor simbólico do novo acordo de livre comércio entre Brasil e Chile vai muito além dos benefícios materiais esperados para os dois países. Do lado brasileiro, é a reafirmação de um novo rumo para a diplomacia comercial, agora voltada, segundo o presidente Michel Temer, para uma ampla integração nas cadeias globais de negócios. Mais abertura e menos protecionismo devem ser marcas dessa nova orientação, ressaltou o presidente.

2. Do lado chileno, é mais um passo de uma estratégia há muitos anos convertida em política permanente, como declarou o ministro de Relações Exteriores do Chile, Roberto Ampuero, segundo o jornal Valor. Essa política, mantida no Chile por governos ideologicamente distintos, tem sido, de acordo com o ministro, um eficiente mecanismo para o desenvolvimento e a redução da pobreza. Estará o presidente eleito, Jair Bolsonaro, disposto a sustentar a diplomacia econômica de seu antecessor?

3. O candidato Bolsonaro defendeu na campanha a multiplicação de parcerias comerciais, sem as limitações diplomáticas da fase petista. Falta saber se haverá restrições ideológicas de outra cor. Para avaliar a questão, vale a pena lembrar a coincidência de dois eventos da quarta-feira passada. Enquanto se reuniam em Santiago presidentes e ministros do Chile e do Brasil, exibia-se em Genebra, na Organização Mundial do Comércio (OMC), um novo capítulo da briga iniciada pelo presidente Donald Trump ao impor barreiras a importações de aço e alumínio.

4. Atendendo a demandas apresentadas por China, União Europeia, Canadá, México, Rússia, Turquia e Noruega, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC ordenou investigações para determinar se são legais as barreiras impostas pelo governo Trump sob alegação de interesse da segurança nacional. A delegação americana classificou como inaceitável a investigação e ameaçou a entidade. Segundo os americanos, a iniciativa pode “minar a legitimidade do mecanismo de disputa da OMC e até a viabilidade da OMC como um todo”.

5. Rejeitar regras e até ameaçar os organismos internacionais têm sido uma das marcas de Donald Trump. Bolsonaro já deixou clara sua admiração pelo presidente americano, afirmada também pelo diplomata escolhido para ser chanceler do próximo governo.

6. Se dominar a diplomacia brasileira, essa afinidade negará a política de abertura e de integração do presidente Michel Temer. Mais do que trocar concessões e participar de cadeias produtivas, integração envolve a disposição de agir segundo regras aplicáveis a todos os membros e elaboradas com a mais ampla participação. As da OMC são o melhor exemplo. Aderir a um sistema desse tipo é também um compromisso com a civilização.

7. O Brasil nunca renegou a ordem regulada pela OMC, a mais adequada, até hoje, a um sistema razoavelmente disciplinado, eficiente e equitativo. A diplomacia brasileira falhou, sim, no período petista, principalmente ao limitar a participação do País nos muitos acordos de alcance regional, inter-regional e bilateral negociados enquanto a Rodada Doha permanecia emperrada.

8. O presidente Michel Temer está tentando repor o País no caminho adequado e assim ampliar e diversificar suas parcerias. Para isso foi necessário, com a cooperação argentina, reconduzir o Mercosul à vocação de bloco voltado para a inserção global.

9. Conversações preliminares foram abertas com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano, Marrocos, Tunísia e Associação Europeia de Livre Comércio, formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. As negociações com a União Europeia prosseguem.

10. O novo acordo com o Chile, bem mais ambicioso que o já estabelecido pelo Mercosul, vai além das questões tarifárias e envolve, entre outros temas, serviços, comércio eletrônico, oportunidades para microempresas e facilitação de comércio. É um passo para um acordo com a Aliança para o Pacífico, formado por Chile, Peru, Colômbia e México. É um pragmatismo comprometido com a civilização e a globalização. Sua manutenção a partir de 1.º de janeiro é incerta.

29 de novembro de 2018

“O ESTRANGULAMENTO DAS LIVRARIAS”!

(Ruy Castro – Folha de S.Paulo) 1. Há 20 anos, as lojas de discos, centenário ramo de comércio dirigido às pessoas que gostavam de música, começaram a sofrer vários ataques. Um deles, ainda remoto, era a possibilidade de se capturar no ar um hit das paradas dispensando o disco físico —o streaming. Outro, já mais do que real, era o do comércio eletrônico. A ideia de encomendar pela internet um lançamento em CD a preço muito menor que o da praça, menor até do que o preço de custo, e ele ser entregue na sua porta era irresistível.

2. Por que a Amazon, líder desse gênero, faria isto? Porque, para ela, os discos eram uma isca para atrair clientela e levá-la aos outros 200 mil artigos da sua verdadeira base, que vai de celulares e ear phones até tratores e caminhões. As pequenas lojas de discos não tinham como competir e fecharam. E a implantação do streaming foi a pá de cal nas megalojas, como as internacionais Tower, Virgin e HMV e a nossa Modern Sound.

3. Certo, o mercado dita as regras e dane-se o avião, mas quem ganhou com isso? A música é que não foi. Milhões de pessoas não se adaptaram à nova tecnologia e deixaram de ter CDs para comprar. Com isso, ou se contentam em ouvir os discos que já têm ou vão para a praça jogar damas com os amigos.

4. O mesmo se dá hoje com o mercado de livros. O comércio eletrônico oferece os lançamentos com descontos de tal ordem, 50 ou 60 por cento, que aslivrarias físicas não têm como competir. Não que esse comércio queira perder dinheiro —ao contrário, os best-sellers que ele vende a preço abaixo do custo permitem-lhe conquistar clientes para o que realmente lhes interessa vender. Como fizeram com os CDs.

5. Mais uma vez, quem ganha com isso? Agora sabemos: por onde a Amazon passa, só a grama dela cresce. E, com a omissão oficial e o estrangulamento das livrarias —as pequenas já estão deixando de existir—, algo muito maior vai perder. Começa com B, de Brasil.

28 de novembro de 2018

INTERNACIONAL DEMOCRATA DE CENTRO (IDC): REUNIÃO DO COMITÊ EXECUTIVO – 26 e 27 de novembro de 2018.

Cabo Verde. Ilha do Sal. Hotel Meliá Dunas. 80 delegados de 35 países.

Relatório de Cesar Maia – Democratas. Brasil. Vice-Presidente IDC.

1. Primeiro Ministro Ulysses. Cabo Verde não tem recursos naturais. Mas se destaca por sua estabilidade institucional. Tem uma ampla diáspora sem nenhum conflito. Integrada à União Europeia, com quem faz 80% de seu comércio. Afirma os mesmos princípios da União Europeia. 1/3 de turistas do Reino Unido. Diáspora nos EUA desde século 16 em função da pesca de baleias e não de escravidão. Mantém segurança, o que é fundamental. Não é passagem de drogas. É uma plataforma do Atlântico Médio. Mantém um regime democrático exemplar. África terá 2,4 bilhões de pessoas em 2050. Boom das commodities parou. Grave problema do narcotráfico. Economia informal muito alta. Cabo Verde: cresceu grau de confiança na democracia. Cooperação África-Europa fundamental, em tecnologia, etc. Parlamentares da IDC África para aumentar influência no Parlamento Africano. Importância dos fatores internos de boa governança.

2. Secretário Geral Lopes. Brexit: Vitoria dos extremismos. Divisão interna do Partido Conservador. Laboristas liderados pelo setor mais à esquerda. União Europeia unida flexibilizou o acordo para aceitar Brexit. Agora teremos 2 votações: no Parlamento Britânico em 29/03. Sim se avança. Não será um desastre interno no Reino Unido. Depois virá a votação na União Europeia que será tranquila, pois não se quer aplicar castigo no Reino Unido. Problemas pontuais como Gibraltar e Irlanda foram resolvidos. Após aprovar Brexit, RU terá que fazer 180 acordos bilaterais. No plebiscito do Brexit, britânicos moradores fora não puderam votar. Só na Espanha 280 mil. Prioridade da UE são as pessoas. Depois o dinheiro e a fronteira da Irlanda. Não haverá mais concessão.

3. IDC-Ásia-Pacífico. Segurança, guerra fria, China-Taiwan, finalmente julgamento dos líderes do Khmer Vermelho. Ásia-Pacifico entre grandes atores.

4. América Latina: Colômbia, paz sem pagamentos. Venezuela e Nicarágua com situações se agravando. Nicarágua com 500 presos políticos, repressão aos meios de comunicação.

5. Eslovénia: crise institucional, “partido judicial”, governo federal contra a igreja. \ Guiné Bissau: autoritarismo / Explosão demográfica na África. Necessário apoio financeiro a países democráticos. Atenção ao cyber espaço e fake news. Cuba: ter observadores ao referendum de 24/02 da nova constituição. Visita do primeiro ministro da Espanha a Cuba vai legitimar governo. Situação de Bangladesh muito complicada.

6. Novas adesões a IDC: partidos da Bulgária e Indonésia (PKD, muçulmano).

7. Distribuído regimento e estatura da Juventude da IDC. Só Juventude Democrata do Brasil propôs emendas. Candidaturas para a presidência do Movimento de Mulheres IDC se encerra 31/12.

8. ASSEMBLEIA: Lopes: IDC agregou nos últimos anos 25 novos partidos. Socialismo caindo não é mais resposta às demandas dos trabalhadores. Populismo latino-americano agora se espalha na Europa. Brexit é produto do populismo. / Transformar desafios em oportunidades.

9. Ulysses: África cresce economicamente, mas precisa ser mais e melhor. Fatores de progresso e desenvolvimento. Intangíveis: estabilidade e segurança. Novas alianças: desafios a partir de 2020. Reforço das instituições sustentam o crescimento e não são exportáveis. Imigrações: busca de melhorias. Fatores globais como climáticos, em que não se controla os efeitos para os vizinhos. Segurança: responsabilidade compartilhada.

10. Relatório Camboja. Novos ambientes de insegurança. Fatores geopolíticos. Segurança regional. Segurança marítima no Mar da China. Programa Nuclear da Coreia do Norte.

11. Pastrana: grandes mudanças políticas na região. Eleições recentes na Colômbia, Paraguai e Brasil. Esquerda corrupta aumentou a pobreza. Foro de S.Paulo é exemplo. Maduro é um narcoditador. Caravanas imigratórias para EUA. Novo aeroporto no México: plebiscito para não assumir responsabilidades. 4,5 milhões de venezuelanos migraram. Só em 2018 foram 1,5 milhão. Problema sanitário, vacina…, custo para atender US$ 7,5 bilhões. Corte constitucional no exílio condenou Maduro a 18 anos de prisão. FARC e Eln ainda ocupam boa parte do território da Colômbia. Cuba mantém a perseguição política.

12. Brasil: novo Presidente. Derrota da esquerda. Também da centro-direita. 3 eixos: Trump-Brexit, segurança e combate à corrupção, e proposta econômica liberal. Deve-se aguardar posse e primeiros passos. Bolsonaro agregou antipetismo no primeiro turno. Partidos de centro-direita e centro caíram. No palácio presidencial haverá 4 ministros: 3 são generais.

13. La Torre, ODCA. Nos últimos 2 anos ODCA se fortaleceu. Combate o populismo e a corrupção. Fluxos migratórios afetam a América Latina também. Chile recebeu 700 mil venezuelanos nos últimos anos. Comportamento dos EUA não ajudar é controverso.

14. Wergue. CDU-Alemanha. Merkel não concorrerá mais. Serão mil delegados que escolherão substituto. Três grandes debates regionais. Pesquisas mostram que haverá segundo turno entre os 4 pré-candidatos.

15. PARTIDOS IDC DEVEM INDICAR CONTATO PARA REDES SOCIAIS.

27 de novembro de 2018

REUNIÃO ANUAL DO CONSELHO DA JUVENTUDE DA UNIÃO DEMOCRATA INTERNACIONAL (IYDU COUNCIL MEETING) 2018!

Helsinki, Finlândia, 8 a 11 de novembro!

(Bruno Kazuhiro – Juventude Democratas – Presidente Nacional)

Primeiro dia – 08/11

1. Jantar de abertura patrocinado pela Finnish Energy, empresa de consultoria do setor energético da Finlândia, com palestra sobre o cenário do país e da região:

2.  Atualmente Finlândia tem 25% de sua energia de matriz nuclear, 24% importados dos vizinhos, 17% hidroelétrica, 13% biomassa, 7% carvão e 6% éolica. Previsão é reduzir combustíveis fósseis, dependência dos vizinhos e também matrizes instáveis e chegar a 2030 com 45% nuclear, 45% somando hidrelétrica, éolica e solar e apenas 10% fósseis.

3.  A emissão de CO2 no país caiu significativamente na produção de energia mas quase não diminuiu no setor de aquecimento de residências, fábricas e comércios.

4.  Os vizinhos têm situação diferente. Noruega é privilegiada com grandes reservas de petróleo mas ao mesmo tempo 97% da energia sendo hidroelétrica. Lucra muito vendendo excedente para Dinamarca que tem 44% de energia éolica o que é positivo para não poluir mas gera instabilidade no sistema por ser variável. Suécia tem 40% nuclear e 40% hidroelétrica. Estônia tem 86% combustíveis fósseis mostrando seu passado soviético. A geração de energia varia muito de país a país ao contrário do que se poderia pensar.

5.  Mesmo com tantos esforços, no mundo todo os combustíveis fósseis eram 93% da produção de energia em 1965 e hoje são ainda 85%. Que toda a queda foi por conta da energia nuclear. Devemos incentivar essa energia e mostrar que pode ser totalmente segura. Combinando a estabilidade da geração de energia nuclear com energia limpa hidroelétrica, éolica e solar, eliminamos CO2.

6.  França reduziu muito mais seu CO2 com matriz nuclear do que Alemanha com éolica e solar desde que decidiu abandonar nuclear após acidente em Fukushima

7.  Finlândia desenvolveu com a Suécia a melhor tecnologia de estoque do lixo nuclear e será operacional em 2020. Tubos de cobre com lixo nuclear são enterrados a 500 metros de profundidade com concreto até a superfície.

8.  Hoje a opinião pública na Finlândia é 41% favorável à energia nuclear e 22% contrária.

9.  Maior problema do CO2 no mundo será pela necessidade de aquecimento e não de energia. Aquecimento é difícil de transmitir e hoje 85% é baseado na queima de combustíveis fósseis, Hoje na Europa os partidos verdes já votam a favor da energia nuclear pois entenderam que é única proposta realista conta o CO2.

Segundo Dia – 09/11

A) Visita ao Parlamento finlandês com tour nas galerias do plenário:  Parlamento tem 200 membros. 1 se torna presidente e não pode votar nas matérias, ficando neutro. A praxe política é o maior partido no parlamento indicar o primeiro ministro e o segundo maior indicar o presidente da Câmara.

B). Presidente da República só pode entrar com convite formal. Ministros que não sejam parlamentares não podem sentar no plenário, apenas na mesa.
Sociais democratas sentam à esquerda, moderados no centro e conservadores à direita, reproduzindo suas doutrinas.

C) Existe o partido nacional sueco na Finlândia, representando a minoria sueca e elege alguns deputados.  Debate do orçamento anual é longo e muito detalhado com projeto enorme. Livro com o texto fica em cada cadeira do plenário.

D) – Palestra do Leadership Institute (EUA), em sala de reunião do Parlamento, sobre redes sociais:

a- Hoje o adulto em país desenvolvido passará em média 5 anos de sua vida navegando nas redes sociais. Rede social é contar histórias visualmente

b- A evolução que gera votos: Fã (gosta de você) > Seguidor (consome seu conteúdo) > Doador (ajuda sua causa) > Defensor (divulga e defende você).   No Facebook e Youtube estão todos. No Instagram estão os jovens. No Pinterest estão as mulheres.

c-  Ideal é escrever até 80 caracteres em postagem do Twitter. O que você posta hoje volta contra você amanhã. Faça limpeza periódica das redes.
Diferencie a mensagem em diferentes redes.

d- Pedidos de doação em rede social funcionam muito mais do que em e-mails. Fake News: denunciar imediatamente, conhecer os executivos do Facebook em cada país, conte uma narrativa clara para os seguidores que evite que fake news sejam verossímeis.

e- Lauri Skon, chefe de redes sociais do Partido da Coalizão Nacional Finlandês (Kokoomus), partido anfitrião do evento. Lauri fez sucesso no Facebook falando de política e foi recrutado pelo partido para cuidar das redes

f-  Candidatos são treinados ao redor do país e devem saber explicar em 20 segundos o porquê de serem candidatos
Candidato deve contar sua história, seu passado, de onde vem e falar de sua personalidade, de sua família, se humanizar e mostrar situações cotidianas

g- Rede social precisa ser mais sincera do que perfeita.
Partido tem ônibus de campanha que roda o país e redes sociais mostram onde o ônibus está

h- Mostrar amizade com membro de outro partido pode suavizar imagem

I- Usar cores alegres nas redes

10- Visita à Confederação das Indústrias da Finlândia com palestras no auditório:

10.1- Mika Kussmanen, economista chefe.  Somos a favor do mercado e não das empresas. Estimulamos novos empreendedores e competição, regras claras e igualitárias. Grandes empresas fazem acordos sobre salários e não levam em conta a realidade das pequenas empresas.

Defendemos menos taxação direta e compensação com taxação indireta.

Urbanização na Finlândia é uma das mais intensas do mundo atualmente em escala proporcional. Área metropolitana de Helsinki crescendo rapidamente, deve aumentar a produtividade do país.

As licitações exigem certo tamanho das empresas. Somos contra. Entendemos que as grandes empresas dão mais garantia mas não é justo que as pequenas não possam competir.

Setores fortes da Finlândia: Tecnologia (Nokia), Papel/Embalagens/Fibras e Aço. Setor de papel compensa menor demanda por papel com maior demanda por embalagens

10.2- Joonas Mikkila, Analista de Inovação

Atual geração é a mais empreendedora da história. Quer ter o próprio negócio. Uma das razões é a educação empreendedora nas escolas.

Novos empreendedores são mais educados, ambiciosos, inovadores, internacionais e focados no consumidor

Mais de 90% são microempresas na Finlândia. Tendência mundial. 65% destas com microempreendedores individuais. A criação de novas vagas é majoritariamente na pequena e média empresa.

Cada vez mais os empreendedores serão mulheres e imigrantes na Europa

Entre 1988 e 2018 o poder dos computadores aumentou 33000 vezes. Ele dobra a cada 2 anos e a capacidade de armazenar dados também. Isso influencia totalmente o empreendedorismo.

A economia digital permite que o pequeno seja grande e ajuda países como a Finlândia, que tem economia pequena mas sistema ótimo de educação e identifica talento.

10.3-  Jyri Hakamies, Presidente da Confederação

Somos formados por 24 federações que representam 70% das exportações, 2/3 do PIB, 2/3 do emprego e 70% da pesquisa na Finlândia

Escritório em Bruxelas visa acompanhar e influenciar a legislação

Finlândia era um dos países europeus mais pobres após o fim da guerra em 1945. Cresceu pela educação. Temos os melhores professores do mundo. Acadêmicos dão aulas para crianças.

10.4- Simo Pinomaa, economista sênior

Em 1900 éramos 70% agricultura. Em 1945 eram 40% da economia. Hoje 4% e 50% são serviços.

Temos a 4a menor desigualdade de renda da Europa e o 2o maior gasto estatal per capita, com a 5a arrecadação per capita.

Finlândia demorou a se recuperar da crise de 2008. Suécia por exemplo se recuperou muito mais rápido. Alemanha também. Fomos afetados pela crise do Euro, pela menor demanda por papel, pela crise russa que diminui exportações, pelo envelhecimento da população e pelos problemas da Nokia.

Para enfrentar a crise, aumentos de salário foram congelados em 2017, aumentamos a jornada de trabalho anual em 24 horas, reduzimos os salários em 30% durante as férias até 2019, aumentamos a contribuição previdenciária do trabalhador e reduzimos a parcela patronal (2% de um lado para o outro). Custo trabalhista caiu 3,5%. Esperamos 2,8% de crescimento do PIB em 2018.

Ainda temos que fazer mais pois o déficit público é projetado em 100% do PIB para 2030 pelo envelhecimento da população.

Terceiro Dia – 10/11

– Reunião Anual do Conselho da Juventude da União Democrata Internacional 2018:

– Secretário-Geral da IDU, Christian Kattner (CSU Baviera/Alemanha) abre a reunião falando que IDU terá evento na América Latina em 2019 e que instituição está feliz com reunificação bem-sucedida da Juventude IDU.

– Relatórios regionais:

Nepal apresenta relatório local contando que família real foi assassinada, com período de transição complicado posteriormente e convocação de eleições democráticas. Partido maoísta venceu com apoio da China. Direita pede ajuda da IDU para se preparar tecnicamente para próximas eleições.

Bruno Kazuhiro (Brasil) é questionado sobre expectativa quanto a Bolsonaro e apresenta relatório contando sobre como foi o processo eleitoral e citando convite a Guedes e Moro para o ministério, que seriam indicativos da suavização do discurso do presidente eleito, gerando expectativa de moderação. Carlo Romanis (Itália) solicita que Brasil busque extraditar Cesare Battisti.

República Checa celebra o fato de membro de seu partido ter sido eleito o candidato a presidente da comissão européia da Aliança de Conservadores e Reformistas da Europa, partido europeu mais à direita com relação ao PPE. Primeira vez que a ACRE apresenta candidato de país do leste europeu. Conta ainda que Partido Pirata checo é favorito para eleger prefeito de Praga na próxima eleição e diz que verdes e piratas são o novo socialismo.

Australianos contam que juventude do seu Partido Liberal cresceu quando se envolveram mais com movimento estudantil e social. Partido mudou o primeiro-ministro recentemente, substituindo Turnbull por Morrison, que é mais liberal. Foco da mudança foi tentar melhorar desempenho nas eleições que ocorrerão em maio e manter maioria no congresso.

– Fundação Westminster, que atende a todos os partidos britânicos, patrocinará, com o setor que é do Partido Conservador, um programa de mentores onde políticos já estabelecidos de partidos da IDU darão conselhos a jovens de juventudes partidárias da IYDU. Serão reuniões online e trocas de email para que o jovem possa absorver sugestões e pedir dicas. Foco na formação política, bastidores, carreira, etc.

26 de novembro de 2018

ILUSTRÍSSIMA (FOLHA DE S.PAULO, 25) ENTREVISTA LUÍS CLÁUDIO VILLAFAÑE G. SANTOS, HISTORIADOR E BIÓGRAFO DO BARÃO DO RIO BRANCO!

Rio Branco era monarquista, filho de um político importante do Império e ainda reteve o título no nome durante a República. O que a sua trajetória revela sobre a transição de regime e o comportamento da elite política da época?

R- Rio Branco foi um dos protagonistas da consolidação da “República dos Conselheiros”. No plano intelectual, houve uma recuperação de parte dos valores e hábitos do período monárquico. Nos primeiros anos da República, tinha havido um grande empenho em se diferenciar da monarquia e apresentar o 15 de Novembro como uma grande ruptura. Quando o barão virou chanceler, em 1902, isso já tinha esfriado e, pouco a pouco, essa ideia de ruptura radical foi sendo matizada e a colonização portuguesa e o Império passaram a ser revalorizados. Rio Branco pode ser visto como um símbolo dessa reacomodação, inclusive porque —como eu mostro no livro— ele trabalhou ativamente na construção dessa narrativa de continuidade de políticas e valores.

Depois de obter um cargo no exterior por prestígio do pai, a sua ascensão na diplomacia se deu principalmente pelo excelente desempenho na negociação das fronteiras. Por que ele foi tão exitoso?

R- Desde menino, ele se interessou pela história e pela geografia do Brasil e na maturidade se tornou um grande erudito.  Com as duas arbitragens em que atuou como advogado aproveitou esse cabedal, mas também soube agir nas demais dimensões da questão: com argumentos jurídicos sólidos e com uma extraordinária capacidade para promover a causa brasileira em todos os contextos. Na arbitragem sobre o Amapá, por exemplo, ele usou o naturalista Emilio Goeldi como espião para descobrir como os técnicos suíços estavam analisando a questão. Sem que eles soubessem que Goeldi estava sob ordens de Rio Branco, Goeldi forneceu informações que favoreciam o Brasil a seus compatriotas.  No caso das negociações com a Bolívia e o Peru, mais do que conhecer os antecedentes históricos e geográficos da questão, Rio Branco mostrou grande capacidade política, e não só no plano diplomático. A questão do Acre também foi um intricado problema de política interna.

Há muita especulação sobre a compra do Acre, envolvendo desde o suborno ao presidente da Bolívia com um cavalo, versão já mencionada por Evo Morales, até a suposta existência de documentos secretos. Há algo de verídico nesses rumores? Falta esclarecer algo dessa negociação?

R- Seriam dois cavalos, dados de presente ao general Pando, então presidente da Bolívia, depois de assinado o tratado. É possível —até provável— que em alguma circunstância tenha havido esse gesto. Trocas de presentes são comuns na diplomacia até hoje, mas isso, se ocorreu, não tem nada a ver com o resultado da negociação. O Arquivo Histórico do Itamaraty está aberto para os pesquisadores há muitos anos e não há documento que indique uma negociação escusa. O resultado se explica por uma trama intricada de interesses, inclusive das elites bolivianas, que tinham como objetivo crucial exportar os minérios bolivianos. E, naquele momento, as exportações estavam muito prejudicadas com as disputas com o Brasil e o com o Chile, o que dificultava a saída das exportações; daí a ferrovia Madeira-Mamoré e a livre circulação pelos rios brasileiros como moeda de troca.

O seu livro também aborda a tensa e menos conhecida negociação com o Peru. O que estava em jogo?

R- Esse é um ponto importantíssimo. Rio Branco, que se assustou com a possibilidade da não aprovação do Tratado de Petrópolis no Congresso, garantiu publicamente que a questão com o Peru não seria um problema. Mas o Peru queria não só todo o Acre como também grande parte do sul do estado do Amazonas.  A disputa entre a Bolívia e o Peru sobre quem teria a posse do Acre (entre outros territórios) só acabou em 1909. Com o Tratado de Petrópolis, de 1903, o Brasil poderia ter comprado o Acre de quem não era seu verdadeiro dono e ver-se obrigado a negociar tudo de novo, depois de ter dado 2 milhões de libras e partes do Mato Grosso à Bolívia. De fato, o resultado da arbitragem que resolveu a questão entre a Bolívia e o Peru determinou que parte do Acre, que tínhamos adquirido da Bolívia, era peruana. A situação da negociação com o Peru era muito difícil também porque como Rio Branco havia anunciado publicamente que na disputa com o Peru nosso direito era indisputável, qualquer concessão seria uma derrota política terrível. Assim, a negociação durou cinco anos e quase houve uma guerra. O barão chegou a assinar um tratado secreto de aliança militar com o Equador para juntos enfrentarem o Peru, algo que nenhum biógrafo jamais mencionou. Como disse, no limite, se o laudo arbitral que decidiu a questão entre a Bolívia e o Peru e sobre o qual não tínhamos nenhum controle, tivesse dado todo o território do Acre ao Peru o Tratado de Petrópolis teria sido pior do que inútil; teria dado à Bolívia, a troco de nada, 2 milhões de libras, territórios brasileiros e outras concessões… Imagina o desastre.  Para ocultar essa complicação que, de certa forma, ele mesmo, se não criou, agudizou, o próprio Rio Branco inaugurou uma linha de interpretação historiográfica que trata a negociação com o Peru como algo menor, quase burocrático, e desvinculado da questão com a Bolívia.

A negociação do Tratado de Petrópolis ocorreu sob grande polêmica, principalmente pelo Brasil optar pela negociação direta, em vez da arbitragem. Por que o barão preferiu não seguir o caminho do qual havia saído vitorioso duas vezes?

R- Havia um tratado anterior, de 1867, entre o Brasil e a Bolívia. Rio Branco preferiu não tentar a sorte em uma arbitragem, basicamente, porque tinha a convicção de que certamente perderíamos a parte sul do Acre, área sobre a qual não haveria nenhuma maneira de interpretar favoravelmente ao Brasil as disposições do tratado de 1867. Mesmo para o restante do território era muito duvidoso que tivéssemos êxito. A questão está bem desenvolvida no livro. Foi difícil convencer a opinião pública e setores da imprensa e da classe política de que, depois de vencer disputas contra a Argentina pelo território de Palmas, contra a França pelo Amapá, e contra a Inglaterra pela ilha da Trindade, poderíamos perder contra a Bolívia. Como se vê, havia falta de bom senso e mesmo um certo preconceito e pouco caso pela Bolívia.

O período do Barão no comando da diplomacia ocorreu durante a chamada Era dos Impérios e a ascensão norte-americana. Qual era a visão dele sobre o lugar do Brasil no mundo?

R- Rio Branco era um conservador e passou um par de décadas na Europa e um par de anos nos Estados Unidos. Em termos gerais, ele compartia a visão de mundo das elites europeias e estadunidenses. Ele entendia o funcionamento do sistema internacional a partir do domínio das grandes potências que estabelecia uma hierarquia entre as nações —ainda que sujeita a alterações no tempo. A posição de cada país nessa hierarquia determinava o conjunto de regras que seriam aplicados a cada caso.  Assim, a África, por exemplo, foi considerada “terra de ninguém” e foi repartida entre as potências. Os países que não atendiam aos critérios de “civilização” —instáveis politicamente ou que deixavam de pagar suas dívidas— estavam sujeitos a intervenções consideradas legítimas. Os países considerados “civilizados”, ainda que relativamente menos poderosos, estavam a salvo das expressões duras do imperialismo. Nesse contexto, a preocupação extremada com a imagem do Brasil não era somente uma expressão da vaidade de Rio Branco, pois se constituía em um elemento importante nas relações com as potências.

O livro revela que Rio Branco fez rápida fortuna no consulado de Liverpool, de US$ 160 mil a US$ 1,2 milhão em seis anos, em valores corrigidos. Qual é a origem desse dinheiro?

R- O Estado brasileiro era tremendamente patrimonial. Durante o Império, o grosso da renda arrecadada pelos consulados ia para o bolso dos cônsules. O consulado em Liverpool era um dos empregos mais rendosos do Brasil, pois por aquele porto passava a maior parte dos navios que iam ou vinham do Brasil e ele chefiou o consulado por 19 anos.  Mais rendoso do que isso, só a função de ministro em Londres, ocupada por décadas pelo barão de Penedo: ele embolsava —legalmente— uma porcentagem dos empréstimos internacionais tomados pelo Brasil. Quanto mais o país se endividava, mais Penedo enriquecia.

O senhor faz parte do corpo diplomático que o Barão tratou de profissionalizar. Qual é o legado dele para o Itamaraty de hoje?

R- Em termos objetivos, ter concluído com êxito todas as questões de limites (terrestres) foi um aporte inestimável. Esse tema segue central e inconcluso em muitos países e, em alguns casos, absorve uma parcela considerável das energias da diplomacia. Em termos mais amplos, as vitórias do barão e seu carisma se tornaram fonte extraordinária de legitimidade para o Itamaraty perante a sociedade. A ideia de excelência do Itamaraty começou com ele. Até então não havia uma percepção especialmente positiva dos diplomatas ou da diplomacia brasileira.

Rio Branco não conseguiu evitar uma corrida armamentista com a Argentina e teve de lidar com várias situações de tensão entre os dois países. O que explica o recrudescimento da rivalidade naquele período?

R- Não se pode dizer que Rio Branco tenha provocado a corrida armamentista entre o Brasil e a Argentina no início do século 20, mas ele era, sim, partidário de que o Brasil recuperasse a preponderância militar na América do Sul que o país tinha desfrutado no Império. Houve momentos de imensa tensão entre os dois países e chegou a haver um plano na Argentina de fazer uma invasão militar relâmpago do Rio de Janeiro. Uma das poucas críticas que se faz a Rio Branco é que ele poderia ter manejado melhor as relações com Buenos Aires. Eu não só acho que essa crítica procede, como dedico muitas páginas para discutir isso a fundo.

O senhor dedica parte do livro para detalhar a relação do barão com a imprensa. Como ela funcionava na época e de que forma ele usou a seu favor?

R- A trajetória de Rio Branco no jornalismo foi longa. Ainda como estudante, ele atuou como correspondente de um jornal estrangeiro, isso em 1865. Depois, foi sucessivamente um combativo jornalista “de oposição”, cronista social, jornalista “governista”, editor e, na década de 1890, uma das cabeças na fundação do Jornal do Brasil. Ele também cultivou uma relação íntima com o Jornal do Comércio que foi do Império à República. Como chanceler, ele travou uma verdadeira guerra contra o Correio da Manhã e o seu célebre editor Edmundo Bittencourt; e movimentou —contra ou a favor— a imprensa carioca e brasileira no início do século 20, usando de todos os meios: desde seu carisma a pressões sobre jornalistas e editores, favores pessoais e mesmo pagamentos a jornais e jornalistas com recursos públicos. De forma indireta, um dos grandes temas do livro é justamente a relação entre imprensa e poder no jornalismo brasileiro do fim do Império e do início da República.

23 de novembro de 2018

SITUAÇÃO DO EMPREGO COM CARTEIRA ASSINADA!

Miguel Filipe, Vice-Presidente da Juventude Democratas.

Tabelas do CAGED de outubro e acumulado de janeiro a outubro de 2018, assim como os saldos por setores. Tabelas 12 e 3.

Algumas considerações gerais

* Em outubro o Rio de Janeiro voltou a ter saldo negativo de -847 postos segundo o CAGED.

* O Brasil teve saldo positivo de 57.733 postos em outubro de acordo com o CAGED.

* Segundo o CAGED em outubro apenas 4 estados tiveram saldos negativos no emprego formal: Rondônia, Rio de Janeiro, Pernambuco e Goiás.

* De acordo com o CAGED em outubro o setor que teve melhor desempenho no Rio de Janeiro foi o comércio com saldo de 1.491 postos e o que teve pior desempenho foi a agropecuária com saldo de -1.178 postos.

* No acumulado de janeiro a outubro São Paulo e Minas Gerais tem respectivamente o primeiro e o segundo melhor saldo de empregos formais, Espírito Santo tem o décimo segundo saldo e o Rio de Janeiro o vigésimo primeiro.

 

22 de novembro de 2018

GARCIA LINERA – SOCIÓLOGO E MATEMÁTICO, VICE DE MORALES E PRESIDENTE DO SENADO DA BOLÍVIA E O MAIS QUALIFICADO ESTRATEGISTA DA ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA!

(Entrevista à Folha de S. Paulo, 21) 1. A esquerda vem perdendo espaço na região. No Brasil, diz-se que um dos motivos da derrota do PT na última eleição foi a falta de autocrítica. Qual a sua opinião?

– Este é um bom momento para que a esquerda faça um balanço do que se avançou quando esteve no poder e também das dificuldades e dos erros. A perspectiva tem de ser tirar lições para uma nova onda progressista.

2. Como isso ocorreria, quando vários países se voltam para a direita?

–  Temos de nos preparar, pois virá uma nova leva de manifestações populares em resposta às políticas desses governos de direita. Então se abrirá espaço para a expansão de pensamento progressista. Os tempos estão se comprimindo, logo será novamente um momento de lutas, na região e no mundo. A autocrítica é obrigatória em qualquer movimento progressista. Se, no caso da esquerda brasileira, não se fez, foi um equívoco. Não defendo uma autocrítica de bater com uma pedra no peito, mas uma autocrítica positiva, para entender por que tropeçou e não tropeçar de novo.

3. Por que a direita ganha espaço?

–  Todo processo de transformação gera uma reação, é uma lei sociológica. Um estrategista político tem de pensar em como impedir que essa reação de rejeição de um setor chegue a extremos, e que se expresse de modo racista e desagregador. É preciso impedir que isso se apodere do senso comum da sociedade.

4. Como?

-Há duas chaves para evitar que setores reacionários, que se viram invadidos pela plebe, não irradiem uma reação conservadora que atinja um caráter popular, como acaba de acontecer no Brasil. A primeira é a estabilidade econômica. Quando setores populares sobem, precisam ter garantia de que há estabilidade e continuidade na ascensão. Se isso não ocorre, esses setores podem se acoplar ideologicamente ao sentimento conservador que predomina na classe média. Isso só se alcança se as pessoas que saíram da pobreza têm certeza de que não haverá retrocesso. Um governo progressista que logra avanços não pode seguir falando com esse setor na linguagem reivindicativa de antes. O discurso e as decisões políticas têm de apontar um futuro. Só assim essas pessoas continuarão apoiando o governo.
Isso não parece ter ocorrido no Brasil. Além disso, a economia estancou, truncando a mobilidade social. Nesse ambiente, é natural que as novas classes médias, que se beneficiaram do processo progressista, se voltem contra suas próprias decisões.

5. E qual é a segunda chave?

– O sentido comum. Ondas progressistas chegam com uma narrativa, um conjunto de preceitos morais que removem uma parte do sentido comum acumulado por décadas. Se há uma grave crise econômica ou uma frustração coletiva, o sentido comum transformado volta a ser engolido pelo sentido comum de antes. Se um movimento progressista não tem capacidade de seguir irradiando um novo sentido comum —isso se faz criando uma nova cultura, mais solidária e afincada na auto-organização coletiva—, passará a ser ameaçado pelo velho sentido, reacionário. Quando os sociólogos se perguntam por que as classes médias fruto dos processos progressistas agora se voltam contra eles, é por isso.

6. A economia boliviana tem tido bom desempenho. Isso é parte do plano revolucionário?

– Sim, é uma obsessão. Garantir que a economia cresça e que nunca seja interrompida a possibilidade de ascensão social. Isso é o que mantém a esperança nas transformações culturais que por fim podem mudar a sociedade. Tratamos a economia com pragmatismo. Quando chegamos ao poder vivíamos do gás e em parte da mineração. Montamos um sistema em que, se houvesse uma queda no preço das coisas que exportamos, nosso mercado interno nos garantiria. Somos globalistas por conveniência e protecionistas por convicção. Nacionalizamos o gás, a eletricidade, as comunicações. Mas com os bancos, fizemos acordo e os obrigamos a dar-nos parte de seus lucros. Esse dinheiro, que antes saía da Bolívia, vai para a agricultura, para a construção de infraestrutura e moradia, para a criação de empregos. E o resultado é que, em 2005, éramos uma economia de US$ 9 bilhões e hoje somos uma economia de US$ 38 bilhões.

7. Quando entrevistei o presidente Evo Morales em 2014, ele disse que o aborto não era prioridade na Bolívia e que as políticas para a mulher estavam voltadas ao plano familiar. O sr. não acha que o feminismo virou uma bandeira da esquerda e essa visão é ultrapassada?

– Sim, e esse mesmo presidente que te disse isso em 2014 hoje pensa diferente e esteve ativo para convencer nossa bancada a alterar a lei atual, que permite o aborto apenas em duas circunstâncias [risco de morte da mãe e estupro], para oito. Não conseguimos porque os médicos, ou seja, a classe média, ameaçaram fazer colapsar o sistema de saúde. Quem queria aprovar era a nossa bancada, camponesa, a que estaria vinculada a valores tradicionais, mas quem barrou foi a classe média. Essa não era uma bandeira de nossa revolução. Mas, quando se dá espaço para que entrem na política indígenas, pobres, minorias e mulheres, eles vêm com suas pautas. Portanto é nossa obrigação acompanhar as mulheres. Nosso movimento absorveu a agenda despatriarcalizadora.

8. Evo Morales perdeu um referendo em 2016, em que pretendia mudar um artigo da Constituição para poder tentar um quarto mandato. Mas vai se candidatar às eleições de 2019. Qual é a estratégia?

– Há um artigo da Convenção Internacional de Direitos Humanos que diz que postular-se à Presidência é um direito humano, e a Constituição reconhece que os convênios internacionais estão acima dela. Negar que o presidente se candidatasse era atentar contra seu direito humano.

9. O artigo visa garantir que presos políticos possam se candidatar, não que um presidente no cargo há três mandatos o faça.

-É questão de interpretação, nós levamos ao Tribunal Constitucional, que decidiu que se aplica ao presidente.

10. A Bolívia tem dado respaldo ao regime venezuelano. Como resolver, então, a crise humanitária que vive o país?

–  Há um princípio inegociável: ninguém no mundo pode se meter nos problemas de outro país. A Venezuela tem de resolver essa crise sozinha.

21 de novembro de 2018

ALTERNATIVAS PARA O “MAIS MÉDICOS”!

(João Manoel Pedroso, Diretor Geral do INC – Instituto Nacional de Cardiologia)

O programa Mais Médicos foi instituído para resolver um problema crescente e crônico de distribuição da força de trabalho médico, principalmente fora dos grandes centros urbanos. Este problema não é uma “Jabuticaba” própria do país, vez que países continentais como o Canadá também têm sérias dificuldades em alocar profissionais da área de Saúde também distantes e com menor densidade populacional.

Uma solução mais eficaz para o problema subentende compreender a dinâmica do mercado de trabalho dos profissionais de saúde.

Embora o Brasil disponha do Sistema Único de Saúde – SUS, que atende a cerca de 75% da população, sabe-se que a fração de cerca de 9% do PIB investida em saúde está repartida numa razão de cerca de meio a meio entre o serviço público (SUS) e o privado, o que significa que metade dos recursos alocados em saúde está na área privada, não-SUS (planos e seguros saúde), e este montante financeiro está, em geral, concentrado nas regiões com maior renda per capita (regiões metropolitanas e cidades de médio porte).

Essa desigualdade sob o viés do investimento privado não pode ser alterada sob bases artificiais e requer compensação com os serviços públicos.

Por outro lado, a necessidade de profissionais de saúde para a atender ao SUS é enorme e, portanto, torna-se quase impossível, dado o PIB brasileiro e respectivo percentual alocado em Saúde pelo sistema público (Federal, Estadual e Municipal) que sejam definidos, em tão ampla escala, salários compatíveis com a carreira médica embora seja viável a execução de programa federal específico, conhecido como Mais Médicos, considerado estratégico, apesar de necessitar de redefinição, qualificação e melhoria.

No serviço público, com raras exceções, a base remuneratória para médicos que cumprem carga horária entre 20 e 24h semanais, está em torno de 3 a 6 mil reais/mês, enquanto no setor privado pode atingir, em média, o dobro deste valor.

Como então os médicos sobrevivem? Em sua grande maioria, trabalham 60 a 80h por semana com 2 ou 3 empregos e mais alguma complementação salarial como autônomos (ou seja, quem mora em centros urbanos consegue, com certa facilidade, alcançar renda mensal entre 15 e 25 mil reais/mês).

Esse modo de trabalho massacrante tem ampliado problemas para esses profissionais, que sofrem crescentemente com depressão, doenças crônicas, dependência química e síndrome de Burnout (vale ler sobre esta síndrome que foi mais recentemente descrita). Além da questão salarial, a atividade médica também cumpre ciclos curtos devido aos ajustes relacionados aos avanços tecnológicos e por mudanças periódicas nas diretrizes médicas o que implica na necessidade de treinamento continuado e educação permanente. Nesse contexto, o distanciamento dos centros urbanos é quase uma garantia de rápida desatualização, reduzindo-se a perspectiva futura de valorização e empregabilidade.

Nas décadas de 80 e 90, os médicos já viviam problemas dessa ordem e muitos vislumbraram como boa oportunidade a mudança para cidades menores (sobretudo de médio porte) onde poderiam ter uma vida menos estressante, constituir família e propriedade e conseguir cumprir, de forma digna, a missão de suas carreiras, cujo juramento, Hipócrates sacramentou.

Novo estímulo, agora ao contra fluxo ocorreu nos anos que seguiram a essa época: excetuando-se aqueles colegas que migraram para regiões que caminhavam para a prosperidade (associada, por exemplo, ao agronegócio), a maioria das prefeituras não conseguiu sustentar o pagamento de salários vantajosos, muitas vezes até por prometer salários acima do teto legal. O movimento para a interiorização (revelada como sem garantia futura) gerou graves problemas para muitos profissionais que, ao tomarem tal decisão se desligaram de seus empregos públicos e privados para, transcorridos alguns meses, perceberem que a decisão estava equivocada.

A falência do modelo de renovação profissional em cidades de menor porte gerou uma convicção, na classe médica, de que não haveria segurança para novos médicos que ousassem tentar a renovação, por movimento similar, no interior dos estados, ou apenas fora dos grandes e médios centros (cidades de porte maior, regiões metropolitanas e cidades de médio porte).

Outro ponto bem reconhecido é que a grande maioria das queixas sobre o sistema de saúde provém principalmente de contingente de pessoas que não consegue acesso ao sistema. Muitas pesquisas de satisfação do usuário demonstram que aqueles que logram atendimento ou internação sentem-se satisfeitos com o cuidado. Ou seja, a falta de acesso é um fator determinante para a má-avaliação.

O programa Mais Médicos ampliou o acesso ao SUS a contingente de cidadãos então “excluídos” do sistema e, portanto, ressaltou a relevância da simples oferta e presença do cuidado, ainda sob qualquer tipo de crítica ou discussão relativa à qualidade do atendimento, que parece menos importante quando comparada à ameaça de perda do acesso ao profissional de saúde.

Antes de se ensaiar uma solução, parece relevante mencionar que o pagamento de bolsas no valor de 10 mil reais não deva ser atrativa para muitos médicos brasileiros que logram ganhos salariais correspondentes em funções análogas, nas cidades, por meio de complementação salarial com plantões e atividades privadas paralelas, como citado acima.

É natural que uma parcela do contingente dos médicos brasileiros  atualmente inscritos no Mais Médicos esteja relacionada aos profissionais que já viviam nestas regiões e que optaram por cambiar seus vínculos mais desvantajosos, eventualmente nos próprios municípios atendidos pelo programa, assim trocando seus vínculos precários com estas pequenas prefeituras para garantir melhor retribuição, por meio de contrato com o aval do Governo Federal (situação também muito cômoda para as prefeituras que deixaram de gastar com profissionais que já atuavam em seus municípios). Melhor dizendo, o desafio não parece mais a manutenção de quem já estava lá e trocou seu vínculo de trabalho, e sim o estímulo para trazer e interiorizar os médicos que estão em cidades maiores em que há mais e atrativas oportunidades de trabalho.

Qual a vertente de solução em curto e médio prazo que se pensa ser efetiva?

Planejar duas modalidades de contratação, buscando agregar contingente mais expressivo de pessoal sob vinculação mais flexível, porém contando, simultaneamente com equipe permanente (mais reduzida), que se mantenha sob “carreira de Estado”, modalidade tão aguardada e que deveria ser instituída. Essas modalidades são intercambiáveis e mantêm características, regimentos e critérios de seleção específicos.

1. Primeira Modalidade – Vinculação de profissionais autônomos (sem cometimentos funcionais, mas também sem encargos trabalhistas), mediante inscrição voluntária de interessados com vistas à adesão a essa forma de contribuição profissional e  chamamento, de forma descentralizada, nos Municípios, e nas Metrópoles, sendo essa descentralização estendida como conceito também nas áreas regionalizadas (por distritos, regiões administrativas ou áreas de planejamento regionalizadas).

Para viabilizar a ampla contratação de pessoal, haveria um Chamamento Público nacional específico, com normas próprias, para operacionalização de forma descentralizada, mediante divulgação de listagem de Unidades Assistenciais de trabalho a serem voluntariamente escolhidas pelos próprios profissionais, que elegeriam aquelas em que gostariam de colaborar.

Desta forma simplificada, já no ato de inscrição, os profissionais escolheriam 5 (cinco) Unidades em que poderiam colaborar, em ordem decrescente, para serem vinculados mediante seleção simples pela equipe responsável pela seleção para cada Unidade (por meio de Curriculum e Entrevista). Essa base de dados da inscrição seria diretamente utilizada para a seleção e reposição de profissionais (tal como já ocorre com as Organizações Sociais – OS…).

A forma contratual -por adesão- seria simplificada e comum a todos os Estados, com variações salariais regionais e locais. A base salarial em Municipalidades menores e com oferta de profissionais poderia seguir os limites de mercado local, no topo da variação salarial praticada, não se propondo inflacionamento regional artificial. Forma contratual flexível para permitir a eventual realocação, por meio de disponibilidade do profissional que não se adaptou ao trabalho local, mas que poderia ser selecionado para outra localidade ou área.

A atratividade para o interior se faria justamente por essa base salarial maior, porém no limite superior do mercado local, de tal forma a não gerar disparidades. Por tratar de cerca de 15 mil trabalhadores para todo o pais, garantir um nível salarial maior e diferenciado geraria um movimento interessante para o novo governo e, ao mesmo tempo, sem grande impacto orçamentário (com variações entre 7 e 14 mil reais/mês, de acordo com o mercado local, entendendo-se que limites superiores a 10 mil se aplicariam apenas nas metrópoles).

Atualização permanente seria garantida por plataformas de ensino à distância, como disponíveis na ENSP/FIOCRUZ, propondo-se algumas conferências inaugurais regionais, além de oferta de outros Cursos adicionais remotos. Uma premiação regular, a cada ano de trabalho, segundo o desempenho profissional, por regiões seria estimulante para as equipes. O prêmio poderia ser a participação em Congresso Clínico nacional. Novas formas de relacionamento com as equipes, supervisionamento/Matriciamento e construção de equipes locorregionais não apenas contribuem para a qualificação, mas também para fixar os profissionais, assim amparados em seus nichos locais de trabalho.

2. Segunda Modalidade – Equipes “permanentes” vinculadas mediante Carreira “de Estado”:

Esses profissionais disporiam de proteção e encargos trabalhistas, contudo também estariam associados a “cometimentos” e compromissos com o Estado, cumprindo programa de Integridade, obrigações de atualização permanente, tais quais Cursos a serem efetuados para progressão funcional, e estariam associados a eventuais missões (como os militares).

O Plano de Cargos, Carreira e Salários definiria bem essa Contribuição especial, assemelhando-se, quanto ao aspecto das missões, aos contratos com militares. Haveria, assim, a possibilidade de se recrutar, para missões específicas e por tempo limitado, pessoal de “Estado”, em situações de “crise”, epidemias, catástrofes, para a organização das condições de atendimento local, até a assunção das equipes regionalizadas, sob organização e capacitação pelas equipes centrais.

A participação de equipes experientes, e bem formadas, nos “gabinetes de crise” acelera e induz ao mais adequado manejo de “crises”. Essas equipes “centrais”, permanentes, poderiam “circular” periodicamente pelo país, “induzindo”, regionalmente, a soluções, garantindo maior uniformidade a padrões aceitáveis de Atenção em Saúde, contribuindo para reduzir as desigualdades, e aprimorando o Sistema Nacional de Saúde.

O “framework” federal, que sustenta a estruturação do Sistema de Saúde, bem exigente quanto à capacitação e seleção de seus integrantes, trata da estrutura flexível que atenda às necessidades de formulação e definições principais para todo o Sistema Nacional de Saúde híbrido, desde o planejamento do Sistema Nacional Público, e da formulação de Políticas e Práticas que alcancem as diretrizes maiores também para o Sistema Privado, até o atendimento a necessidades pontuais ou emergenciais em cada canto do país, por meio da constituição conjunta de gabinetes integrados interesferas de “crise”, para apoio a soluções adequadas locais, com consultoria de equipe especializada.

As duas modalidades estariam desenvolvidas de tal forma que não haveria um modelo propriamente estanque, rígido e duplo, porém intercambiável, por meio do qual também estariam previstas transferências profissionais de um modelo para outro, mediante dispositivos de transferência, cujos filtros seletivos fossem mais rigorosos do lado do “framework” federal. Também a “Carreira de Estado” está, desta forma sujeita ao cumprimento de requisitos.

A partir de rigorosa a seleção, os profissionais médicos a ingressarem na “Carreira de Estado”, como para a Magistratura se assumem compromissados com o cenário nacional e prontos a atuarem no cenário nacional sempre que necessário, cumprindo e qualificando-se perante programas paralelos de atualização e pontuação.

Similarmente, há que se expor a programação de “bases realistas” para o modelo de interiorização, à semelhança da proposta delimitação do  tempo de trabalho em terapia intensiva e emergências, como “via de saída” ou transferência após período significativo de contribuição, na contratação de profissionais em localidades remotas: a previsão contratual de permanência seria de 5 (anos) prorrogáveis, porém seria facultado ao profissional a mobilidade no âmbito da contratação, após esse período, mediante realocação em localidade mais próxima de centros urbanos.

Ainda para garantir a fixação dos profissionais que aderissem ao programa de autonomia ou interiorização programada (que só funcionaria como interiorização se o profissional migrasse de fato, mas poderia “fixar” nessa modalidade de atenção também os profissionais locais), o Ministério da Saúde planejaria programa de equipamento mínimo para os locais de atendimento, situação a ser melhor desenvolvida adiante; bem como a possibilidade de supervisionamento remoto (Telessaúde ou similar); além de estudar grades salariais adequadas por área.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde estaria construindo bases para prover de forma mais adequada a Atenção em Saúde, no cenário nacional, simultaneamente contribuindo para reduzir as desigualdades, e aprimorando o Sistema Nacional de Saúde.

19 de novembro de 2018

O TECNOPOPULISMO!

(Evgeny Morozov, escritor e pesquisador de tecnologia com passagem pelas universidades de Harvard e Stanford; é autor de “The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom” – Ilustríssima – Folha de S. Paulo, 18)

1. O tecnopopulismo —que envolve fazer promessas vazias por conta do desordenamento digital sísmico— tem uma história longa e nebulosa. Sabemos, no entanto, a data exata em que a ideia começou a circular amplamente: foi em 2006, quando a revista Time escolheu “vocês” —os milhões de pessoa comuns que formavam a web gerada por usuários na década de 2000— como “pessoa do ano”, o que gravou profundamente esse tema no inconsciente coletivo. Os colaboradores efetivos de sites como a Wikipedia e o Flickr eram relativamente poucos. Mas a celebração de sua contribuição postergou ou defletiu o questionamento sobre o poder das grandes empresas e sobre a durabilidade da utopia digital que estava emergindo.

2. Não é surpresa que, apenas alguns anos mais tarde, a utopia tivesse desaparecido: altamente centralizada e dominada por algumas poucas plataformas poderosas, a web se tornou apenas uma sombra de seu excêntrico eu do passado. Em 2018, o usuário criativo onipotente de 2006 se tornou um viciado em conteúdo com algo de zumbi, que não para de girar telas e apertar botões de “like”, aprisionado eternamente nas jaulas invisíveis dos mercadores de dados. De algum modo, um esforço nobre de fazer de cada pessoa um membro honorário do círculo de Bloomsbury (grupo de artistas e intelectuais da primeira metade do século 20) terminou com os nomes de todos nós catalogados permanentemente nos servidores da Cambridge Analytica.

3. O mito do usuário como artista pode ter desaparecido, mas o espírito do tecnopopulismo persiste. Hoje, o que o embasa são os mitos igualmente poderosos do usuário como empreendedor e do usuário como consumidor. Esses dois mitos também prometem muito —mais descentralização, mais eficiência, mais informalidade—, mas desviam a atenção da dinâmica mundial que forma a economia digital.  Como resultado, o futuro digital efetivo que nos aguarda —dominado por centralização, ineficiência, opacidade e controle— torna-se difícil de perceber.

4. Cinco anos atrás, quando Uber, Airbnb e outras plataformas ainda eram novas, era fácil acreditar em uma revolução mundial que estimularia mais atividades econômicas horizontais e informais, distantes das corporações centralizadas e hierárquicas do passado. Os motoristas profissionais, limusines e hotéis desapareceriam; e teríamos amadores, bicicletas e hospedagem em sofás! Era uma visão atraente, enraizada em uma rebelião contracultural que tinha como inimigos as autoridades, a hierarquia e o conhecimento especializado. Por mais atraente que fosse, faltava uma coisa a essa visão: o apoio de partidos políticos convencionais e movimentos sociais. Estes últimos, assim que chegassem ao poder, poderiam ter garantido que as plataformas locais contassem com financiamento público adequado, para que não ficassem sujeitas às leis brutais da competição, e também poderiam usar sua influência política para excluir do mercado a concorrência de empresas com fins lucrativos e dotadas de recursos consideráveis.

5. Afinal, no século anterior, um esforço semelhante e, na verdade, um projeto político exemplar, nos deu o Estado de bem-estar social. Em lugar de abrir a provisão de serviços de educação e saúde a provedores privados, esses domínios foram deliberadamente protegidos contra a lógica do mercado; investimentos públicos substanciais mais que compensaram esse esforço deliberado de não transformar esses serviços em mercadorias. O Estado de bem-estar social que emergiu desse processo tinha alguns traços autoritários e excessos hierárquicos, mas representava provavelmente o melhor compromisso possível, dadas as limitações —tanto políticas quanto tecnológicas— da era.

6. Hoje, por outro lado, pode-se imaginar com facilidade uma provisão mais horizontal desses serviços, com maior respeito à autonomia local, a um processo decisório democrático e às idiossincrasias individuais. Isso se aplica à economia como um todo. As plataformas digitais, como intermediárias da interação entre cidadãos e empresas, mas também entre cidadãos e instituições, têm importância crucial para essa transformação. No entanto, não surgiu nenhum projeto político parecido, com o objetivo de impedir que a democratização do Estado e da economia seja transformada em mercadoria.

7. Como resultado, o único caminho que permitiria atingir objetivos louváveis como o empoderamento, a promoção da autonomia local e o horizontalismo seria a rota seguida para o louvável objetivo de reforçar a expressão artística individual uma década atrás: a sincronização do batimento cardíaco e das necessidades das plataformas digitais aos do capital mundial. E como no caso citado, tudo parecia funcionar, ao menos no começo: carros compartilhados, bicicletas compartilhadas, apartamentos compartilhados; todas essas atividades passaram por crescimento explosivo recentemente, entre outras coisas porque receberam injeções imensas de capital, boa parte dele vindo de fundos nacionais de investimento e empresas de capital para empreendimentos.

8. É muita gentileza da Arábia Saudita —com ajuda de parceiros como o SoftBank do Japão— despejar o dinheiro que o país ganha com o petróleo no financiamento de serviços de transporte individual de passageiros e de entrega de refeições em todo o mundo! O rápido florescimento da economia digital vem sendo um prêmio para aqueles que oferecem bens e serviços em plataformas digitais e para aqueles que os compram ou alugam. Os primeiros encontram uma maneira de monetizar seus recursos ociosos, de apartamentos vazios a tempo livre. Os segundos conseguem grande desconto em transportes, comida e reservas de acomodações, graças ao capital internacional.

9. Muitos governos municipais em crise também decidiram entrar no jogo, recorrendo ao capital privado para bancar a provisão de infraestrutura e para facilitar o turismo, uma das atividades essenciais para as economias pós-industriais. Esse conto de fadas, como o da década passada, não vai durar. 2018 está sendo para a economia do compartilhamento o que 2006 foi para o conteúdo gerado por usuários: as coisas só vão piorar daqui por diante.  Isso não significa que as plataformas vão desaparecer; longe disso. Porém aqueles objetivos iniciais altaneiros que ajudaram a legitimar publicamente suas atividades darão lugar ao imperativo prosaico e ocasionalmente violento imposto pela lei férrea da competição: a busca por lucro.

10. A Uber pode ter conquistado muita simpatia ao prometer que ajudaria os pobres a manter as contas em dia ao lhes oferecer trabalho ocasional como motoristas. A necessidade de gerar lucro, contudo, significa que ela não hesitará em abandonar seus motoristas e adotar veículos completamente automatizados; uma empresa que sofreu com um prejuízo de US$ 4,5 bilhões em 2017, e a quem não faltam concorrentes oferecendo exatamente os mesmos serviços, seria insensata se agisse de outra maneira.

11. O Airbnb pode ter se apresentado como um aliado da classe média contra o lobby dos setores imobiliário e de hotelaria. Mas a busca por lucro já o força a formar parcerias com empresas como a gigante internacional dos imóveis Brookfield Property Partners para desenvolver residências com recursos de hotéis e portando a marca Airbnb, em muitos casos por meio da compra e conversão de blocos residenciais já existentes. Não há muito incômodo a interesses estabelecidos —exceto os dos inquilinos que são despejados porque seus apartamentos se tornarão hotéis operados pelo Airbnb— em casos como esses.

12. Dadas as quantias envolvidas —dezenas e, em breve, centenas de bilhões de dólares— o desfecho mais provável das batalhas em curso atualmente em setores como o de serviço de carros será mais centralização e mais consolidação, com apenas uma ou duas plataformas dominantes sobrevivendo em cada região.  E o capital que emergirá vitorioso das batalhas dos serviços de carros vai pertencer a jogadores estabelecidos, o que explica a recente aquisição da Spin, uma promissora start-up de scooters elétricas, pela Ford.

13. Desdobramentos como esses contradizem a retórica da descentralização e desintermediação associada à economia do compartilhamento. E eles também geram muitos resíduos: as bicicletas abandonadas que hoje proliferam em muitas cidades da Europa e da Ásia são apenas um prenúncio do que está por vir. O aumento do tráfego em ruas congestionadas —que resulta na permissão ao capital privado para que trave sua batalha quanto aos serviços de carros compartilhados, em lugar de investir em serviços de transporte público muito mais eficientes— já é perceptível.

14. Montanhas de resíduos plásticos geradas por startups de entrega de comida tampouco formam a solução sustentável que a economia do compartilhamento prometia. As corridas de serviços de carros e as refeições fortemente subsidiadas, e assim baratas, que resultam de uma concorrência intensa mas temporária, tampouco vão durar; as empresas que saírem vencedoras terão de recuperar seus pesados prejuízos —e o mais provável é que isso aconteça via aumento de preços. Pode ser que demore alguns anos, mas o mito da economia do compartilhamento sem dúvida cairá, da mesma forma que o mito do conteúdo gerado por usuários desabou uma década atrás. Mas o tecnopopulismo sobreviverá, por meio de um novo conjunto de promessas audazes e abrangentes sobre o blockchain, a inteligência artificial, as cidades inteligentes.

15. Todas essas promessas parecerão razoáveis e até mesmo atraentes. Nenhuma delas será cumprida enquanto não forem enquadradas em uma agenda política robusta —uma agenda que não se iluda sobre a capacidade do capital mundial para cumprir suas promessas de emancipação social. Não temos como comprar uma sociedade mais democrática —e muito menos com dinheiro saudita.

16 de novembro de 2018

TUNÍSIA: ENTRE A DEMOCRACIA E O TERROR! 

(FIRMA – Analista de risco político – Diogo Noivo, 10 Novembro) 1. A Tunísia é o único caso de êxito da chamada Primavera Árabe. O país celebrou eleições livres e plurais, promoveu a alternância no poder com base no voto e de forma pacífica, além de conseguir feitos inéditos como eleger uma mulher para o cargo de presidente do município de Tunes, a capital do país. Tão ou mais significativo é o facto de a agora presidente de câmara Souad Abderrahim ter sido eleita nas listas do partido Ennahda, uma formação política conservadora de matriz assumidamente islamista.

2. Desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali, presidente deposto em 2011, o país aferrou-se às instituições democráticas superando vários obstáculos e demonstrando solvência na resolução de crises políticas. O caminho a percorrer não é linear nem isento de perigos, mas a Tunísia está, de facto, a levar a cabo um processo de transição democrática. Também por isso o país é alvo de organizações jihadistas. Na passada segunda-feira, uma mulher fez-se explodir ferindo 15 pessoas. Foi o último episódio de uma estratégia de desgaste promovida pelo jihadismo para ocultar os progressos obtidos pela Tunísia sob o manto da violência e, em última análise, para descarrilar o processo de transição política em curso.

3.  O atentado ocorreu na Avenida Habib Bourguiba, topónimo que homenageia o primeiro presidente tunisino, o homem que proclamou a República em 1957. Não obstante o carácter autoritário do regime instituído por Bourguiba, que redundou numa gerontocracia assente em redes clientelares, o primeiro presidente do país edificou o Estado com base em princípios reformistas cujos efeitos explicam em parte o sucesso no pós-Primavera Árabe. Admirador de Mustafa Kemal Ataturk e entusiasta dos valores da República francesa, Bourguiba separou Estado e religião e fundou sistemas nacionais de educação e de saúde. Mais emblemática do espírito reformista foi a aprovação de um conjunto de medidas de grande calado social no domínio da paridade de género como, por exemplo, a proibição da poligamia, o incentivo à iniciativa empresarial feminina e outorgar às mulheres o direito ao divórcio. Em 1956, Bourguiba fez da Tunísia o primeiro país de maioria muçulmana a legalizar a interrupção voluntária da gravidez. Foi uma modernização conduzida sob batuta de ferro, reprimindo quem a ela se opunha, mas marcou os alicerces do Estado e definiu o tecido social.

4.  Mais importante, a Tunísia criou instituições capazes de garantir a continuidade administrativa do país. Ao contrário do que sucedeu na Líbia, a queda do regime tunisino não provocou o colapso do Estado. Prova disso foi a capacidade de o país prestar serviços públicos essenciais no meio do tumulto resultante da queda de Ben Ali. Os ventos de mudança de 2010-2011 encontraram no país alicerces sociais e institucionais onde assentar um novo regime político, mais aberto e plural. No entanto, o brilho do sucesso tunisino é ofuscado por dois males. Primeiro, a economia tarda em despontar. O crescimento ronda os 2%, mas a taxa de desemprego oficial parece estagnada nos 15%, a inflação atingiu um máximo de 7,8% em junho deste ano e o investimento direto estrangeiro é insuficiente. A dificuldade em obter consensos políticos sobre reformas estruturais não permite antever soluções de fundo no curto prazo.

5. Segundo, a ameaça terrorista. O atentado da passada segunda-feira interrompeu um hiato de ausência de violência iniciado em 2015, ano em que foram assassinadas 21 pessoas no museu nacional do Bardo, em Tunes, e 38 numa estância balnear em Port El Kantaoui – uma das vítimas mortais era cidadã portuguesa. Vale a pena recordar que a Tunísia está sobrerrepresentada no contingente de combatentes terroristas estrangeiros do autodenominado Estado Islâmico (EI). Até 2017, um país com 11 milhões de habitantes teve cerca de 3000 jihadistas a combater no Iraque e na Síria, mais de metade do total de 5300 oriundos do Magrebe. Oitocentos jihadistas tunisinos já terão regressado a casa.

6. A proliferação de jihadismo num país em claro trajeto de democratização e com uma tradição de secularismo com mais de 50 anos parece surpreendente. A explicação não é simples nem se presta a relações de causalidade direta. A abertura da arena política no pós-Primavera Árabe destapou o ressentimento gerado por décadas de repressão de liberdades religiosas às mãos de Bourguiba e de Ben Ali. Levou também à libertação de presos políticos e ao regresso de clérigos exilados, alguns dos quais associados a movimentos jihadistas que souberam explorar a imaturidade política de uma democracia nascente. Exploram a insatisfação de jovens desiludidos com a lentidão da recuperação económica. Capitalizam as reações desproporcionais e arbitrárias por parte das Forças e Serviços de Segurança. Aproveitam as assimetrias regionais entre zonas urbanas e rurais, em particular nas áreas fronteiriças, como foi o caso da tentativa de assalto uma cidade perto de Ben Guerdane, junto à Líbia, em março de 2016.

7. O perfil do jihadismo contemporâneo na Tunísia não indicia radicalização fundada em zelo religioso, mas sim em necessidades mundanas como a procura de garantias de segurança física e de recompensas pecuniárias. Num plano mais transcendental, a adesão a um projeto político que promete transformar o contexto social, tornando-o mais justo, tem um efeito sedutor junto daqueles que se sentem abandonados pelo novo status quo. Tudo isto é exacerbado pela instabilidade vinda da Síria, da Líbia e do Sahel.

8. A política de reintegração na sociedade dos indivíduos com menores níveis de radicalização que não tenham participado em ações violentas sugere que o governo tunisino compreendeu as limitações da estratégia puramente securitária que tinha implementado. No entanto, continua a atribuir a ameaça a influências externas, mostrando relutância em assumir as causas locais de radicalização. Mostra-se igualmente incapaz de reformar o sistema prisional que, por estar sobrelotado e ser palco de práticas nada consentâneas com a natureza democrática do país, é um foco de radicalização a ter em conta.

9. A Tunísia dispõe das condições políticas estruturais para concluir com êxito a sua transição democrática. No plano económico o cenário é menos favorável, mas nem tudo são más notícias: o turismo, setor que representa 8% do produto interno bruto, deve regressar neste ano aos valores anteriores a 2015, superando assim a quebra provocada pelos atentados em Tunes e em Port El Kantaoui. O terrorismo deve ser encarado como um desafio interno e enfrentado com inteligência por parte do governo tunisino, tal como pela da União Europeia, que tem aqui uma oportunidade para, a um só tempo, aumentar a sua segurança a sul, fortalecer um parceiro comercial e demonstrar que, após ter respaldado o ditador Ben Ali, percebeu que autoritarismo não equivale a estabilidade política.