14 de fevereiro de 2019

“NÃO EXISTE MAIS UM RISCO À INTEGRIDADE TERRITORIAL DAS NAÇÕES ONDE O EI SE INSTALOU E GANHOU CORPO”!

(Editorial – Folha de SP, 13) Geram justificada celebração os relatos de que o último bastião do Estado Islâmico está prestes a capitular. Aproxima-se do fim um regime que impôs de forma brutal sua visão distorcida de islamismo após os insurgentes derrotarem forças sírias e iraquianas e autoproclamarem um califado, em 2014.

Segundo reportagem do jornal The New York Times, os combatentes restantes da facção terrorista concentram-se em uma pequena faixa de terra, equivalente a um bairro, no povoado sírio de Baghuz, na fronteira com o Iraque. Estão encurralados por tropas dos dois países e por uma milícia curda e árabe apoiada pelos EUA.

Não existe mais, portanto, um risco à integridade territorial das nações onde o EI se instalou e ganhou corpo. No auge de sua sinistra expansão, uma área do tamanho do estado de São Paulo ficou sob comando da organização, incluindo importantes cidades como Mossul, a segunda maior do Iraque.

A aniquilação em termos militares do infame califado traz alívio a milhares de pessoas forçadas a viver em um reino de terror, mas não elimina os tentáculos criados pela facção em várias partes do mundo. Não se pode desprezar seu poder de influência sobre muçulmanos radicais dispostos a praticar atentados no Ocidente.

Uma prova dessa capacidade de atração são as diversas nacionalidades de cidadãos que aderiram à milícia e agora fogem do cerco para tentar se salvar. Há alemães, franceses, britânicos, suecos, entre outros. Estima-se que no ápice até 40 mil homens, de cerca de cem países, juntaram-se ao EI.

Outro desafio é garantir a estabilidade local, uma vez consumada a rendição por completo dos militantes. Isso dependerá, em boa medida, de quando o governo americano vai retirar suas tropas da Síria, uma promessa de campanha de Donald Trump reforçada por ele no fim do ano passado.

A desmobilização está em suspenso, porém, por causa do conflito histórico entre as milícias curdas —aliadas dos americanos em solo sírio— e a vizinha Turquia, que as vê como grupo terrorista. A Casa Branca quer garantias de que os turcos não atacarão os curdos.

Como se nota, o Estado Islâmico, a despeito da iminente queda no front, ainda representa um considerável potencial de ameaça.

13 de fevereiro de 2019

ROMPEU-SE O ELO ENTRE GOVERNANTES E GOVERNADOS!

(The WorldPost, uma parceria entre o Instituto Berggruen e o Washington Post, 9 de fevereiro, 2019, por Nathan Gardels, Editor-Chefe)

Na semana passada o Instituto Berggruen recebeu o sociólogo espanhol Manuel Castells para um debate sobre o seu novo livro Ruptura: A Crise da Democracia Liberal. Castells argumenta que aquilo que testemunhamos hoje no mundo ocidental não é uma mudança normal de ciclos políticos, mas uma ruptura histórica da relação institucional entre governantes e governados. Por ora ele não consegue vislumbrar no horizonte nenhuma relação que possa substituir as antigas formas de representação, apenas fragmentos dos antigos partidos convencionais e populistas emergentes que lutam para colocar seu time no poder através do exaurido mecanismo de disputas eleitorais, cada vez mais desacreditado.

“Onde estão as novas instituições merecedoras de nossa confiança?”, perguntou o famoso acadêmico da sociedade em rede. Em vez disso, ele constata que os cidadãos estão agindo de maneira autônoma por meio das novas tecnologias. “Eles estão usando a capacidade de comunicação entre si, de deliberação e tomada de decisão em conjunto que hoje está à nossa disposição graças à ‘Galáxia da Internet’ e colocando a enorme riqueza de informações e conhecimento em práticas que auxiliam a gerir os nossos problemas”.

No entanto, como o neurocientista Antonio Damásio mencionou em uma pergunta, essas mesmas redes de participação social que desempenharam um papel fundamental na superação da antiga ordem e são agora a plataforma-padrão de autogovernança não são conduzidas primariamente pelo discurso racional, mas pelos mesmos impulsos emocionais que atuam nas redes neurais da mente, às quais elas estão agora conectadas. Elas são, de fato, extensões protéticas e amplificadoras da natureza humana. Onde reinam as emoções sem a mediação da razão, proliferam o medo, o preconceito, o ódio, a desinformação e o pensamento mágico.

Essa observação levou, por sua vez, a perguntas sobre bots e sobre se a interferência russa por meio das redes sociais teve realmente impacto nas eleições americanas de 2016. Castells considera que não. Se a antenna do receptor já estivesse aberta e fosse simpática à mensagem que se transmitia – quer fosse verdadeira, quer falsa – essas intervenções teriam impacto. Mas, se não, elas não teriam efeito. Poucas cabeças teriam mudado de ideia de um jeito ou de outro.

A influência sobre corações e mentes não vem tanto do conteúdo da informação, mas daquilo em que as pessoas estão dispostas a acreditar com base em seu aspecto meta-informacional. Sem o ressentimento acumulado contra as elites, as quais percebiam como afrontosas à sua dignidade, aqueles a quem Hillary Clinton chamou de “deploráveis” não teriam sido, logo de início, receptivos às mensagens negativas.

Por essa razão, Castells vê a histeria quanto à intromissão russa como distração em relação ao âmago da questão, como pode ser o caso com as próprias fake news. Nenhuma quantidade de policiamento da internet pode reparar o problema fundamental. Não são os fatos, mas a imagem que as pessoas têm do mundo e do lugar que nele ocupam que determina aquilo em que estão dispostas a acreditar. Não são ideias superiores ou informações melhores que irão sobrepujar os trolls. A disputa que interessa se dá em torno do poder das metáforas e das imagens, que são fortes o suficiente para manter as comunidades unidas – ou dilacerá-las.

Muitas pessoas tendem a apreender a realidade pelo que nos afeta metaforicamente. Compramos uma narrativa não tanto por contrabalançar argumentos, mas pela conexão emocional à imagem com a qual queremos ser associados, que confere prestígio, dignidade e identidade às nossas vidas e faz reluzir algum prestígio em nossa história. Como escreveu o filósofo Régis Debray: “É o simbólico que cria o vínculo social, não o inverso”.

O poder da associação metafórica através dos símbolos é óbvio na vida cotidiana: da loucura por iPhones na China (até recentemente) aos modismos dos adolescentes e às tatuagens. É evidente na maneira como os automóveis são comercializados. O Subaru é para famílias amáveis e calorosas ou para casais em contato com a natureza. O Tesla é para o “double green” – o rico com consciência ambiental. Uma picape “robusta” da Ford é para pessoas austeras, que não pertencem à elite e têm de trabalhar com suas próprias mãos.

As guerras culturais pela custódia das percepções na América contemporânea estão sendo travadas no nível da metáfora.

Numa época anterior, a visão vaga de Barack Obama sobre a “esperança” capturou a imagem de uma América diversificada que finalmente reconciliava-se consigo mesma. Mas isso serviu para consolidar um eleitorado de oposição que se sentia excluído dessa repactuação e alienado de sua narrativa. Como símbolo, o “muro” de Donald Trump, erguendo-se acima do turbilhão dos fatos, aponta para uma série de associações, de racismo e xenofobia, passando por incertezas físicas e econômicas até uma profunda aversão à classe cosmopolita que cultiva sentimentos liberais. Essa é a razão por que grande parte da oposição ao “muro” que fala razoavelmente sobre túneis, drones e procedimentos de asilo, embora esteja substancialmente correta, não toca no ponto principal.

É claro que, ao fim e ao cabo, as associações simbólicas só podem continuar a unir as comunidades se sua promessa não se desviar excessivamente da realidade. Se a lacuna for muito grande, o elo se rompe. Para conseguir entregar algo do que prometeu, uma governança sólida deve estar por trás do vínculo simbólico. Essa é a razão por que os fatos fidedignos e as instituições imparciais exigidos pelo discurso público racional são, em última instância, essenciais para alcançar o consenso de governo e evitar o suicídio de repúblicas.

Castells duvida que possamos retornar a essa possibilidade de consenso, pois o elo institucional entre governante e governado está terminantemente rompido. Somente a vasta estrutura de transmissão emocional das redes sociais permanece como espaço público relevante.

Ao final do seu livro, Castells sugere que abandonemos a tentativa de construir uma nova ordem e, em vez disso, nos dediquemos a “configurar um caos criativo em que aprendemos a fluir conforme a corrente da vida em vez de forçá-la a se moldar às burocracias e programá-la em algoritmos”. Em sua última linha: “Talvez aprender a viver no caos seja menos prejudicial do que se conformar à disciplina de mais uma ordem”.

Ruptura: a crise da democracia liberal

Manuel Castells, professor e catedrático de Tecnologia e Sociedade da Informação da Universidade da Carolina do Sul, professor emérito de sociologia na Universidade da Califórnia, Berkeley, e membro do St. John’s College, Cambridge – novembro de 2018, Polity, 176 páginas.

Descrição

A maioria dos cidadãos no mundo de hoje não confia em seus representantes políticos, nos partidos políticos tradicionais, nas instituições políticas estabelecidas nem em seus governos. Essa crise generalizada de legitimidade está por trás de uma série de mudanças dramáticas que ocorreram nos últimos tempos no cenário político global, como a inesperada eleição de Donald Trump, o Brexit, a extinção de partidos políticos tradicionais e a eleição de um outsider político na França, a transformação do sistema político na Espanha (incluindo o movimento de secessão na Catalunha), a ascensão da extrema direita na Europa e os desafios nacionalistas que ameaçam a União Europeia.

Neste livro curto, mas abrangente, Manuel Castells analisa cada um desses processos e examina algumas das causas potenciais da insatisfação das pessoas em relação às instituições da democracia liberal, incluindo os efeitos da globalização, o impacto da política midiática e da internet, o aumento da corrupção de políticos, o isolamento da classe política profissional em relação à sociedade civil e a crítica da ordem existente por novos movimentos sociais.

Também examina o impacto do terrorismo global e da guerra sobre a xenofobia e o racismo, que estimulam a irrupção de extremismo numa proporção crescente da população. O fato de que muitas dessas tendências estão presentes em contextos muito diferentes sugere que estamos testemunhando uma crise profunda do modelo de democracia que foi a pedra fundamental de estabilidade e civilidade no último meio século.

12 de fevereiro de 2019

PROSPERIDADE DE CIDADES ALEMÃS COM MENOS DE 50 MIL HABITANTES IMPEDE SURGIMENTO DE MOVIMENTOS POPULISTAS E RADICAIS, COMO OCORRE NA FRANÇA COM OS “COLETES AMARELOS”!

(The Economist/Estado de S.Paulo, 10) “É importante entender a mente de porcos e galinhas”, diz Bernd Meerpohl, enquanto exibe os produtos da sua empresa. A Big Dutchman projeta máquinas, software e equipamentos com nomes como EggFlorMaster e BigFarmNet para auxiliar os fazendeiros a extrair mais de seus animais. Essas inovações aumentaram suas vendas 27 vezes desde 1985 em valores reais, que chegaram a US$ 1,1 bilhão no ano passado.

O sucesso sugere que os moradores de Vechta, pequena cidade no noroeste da Alemanha, sede da empresa, encontram satisfação profissional sem sair de casa. Na vizinha Lohne, Tanja Sprehe, diretora de vendas digitais na Pöppelman, manufatura de plásticos, achava que não voltaria mais à região depois de construir uma carreira em Hamburgo. Mas as demandas da família a trouxeram de volta. Agora, ela tem um bom emprego em uma cidade pequena.

Enquanto as democracias no Ocidente se inquietam com áreas decadentes, queda da população e políticos radicais, Vechta, com 33 mil habitantes, oferece uma lição diferente. “Nosso problema é que não temos problemas”, diz o prefeito Helmut Gels.

A taxa de nascimento é alta para os padrões alemães e a cidade vem crescendo há décadas. Empresas familiares bem sucedidas, como a Big Dutchman e a Pöppelman, empregam gerações de moradores, formam centenas de aprendizes e outros milhares de trabalhadores são contratados por fornecedores.

A Pöppelman, com 2.100 empregados, e a Big Dutchman, com 900, são duas das “campeãs ocultas” da Alemanha, termo cunhado na década de 90 pelo acadêmico Hermann Simon para as várias e minúsculas empresas bem sucedidas.

Ao contrário de companhias de serviços de primeira linha, que se beneficiam da rede e dos talentos encontrados nas grandes cidades, as empresas de manufatura especializadas com frequência são encontradas em lugares dos quais jamais alguém ouviu falar: pelo menos dois terços delas estão em localidades com menos de 50 mil habitantes espalhadas pela Alemanha.

Seu sucesso explica o número alto e o lento declínio da mão de obra no setor de manufatura alemão. A Alemanha também é um país politicamente descentralizado, o que mantém a desigualdade regional sob controle, segundo Philip McCann, da Universidade de Sheffield. E, embora as pessoas criativas se aglomerem nas cidades, cientistas e engenheiros mantêm vivas as pequenas cidades em áreas ricas. “Posso ficar aqui minha vida toda”, diz Michael Fabich, jovem que trabalha em um supermercado.

A descentralização ameniza o descontentamento que tem perturbado alguns países vizinhos. Na França, a revolta dos “coletes amarelos” tem a ver com queixas das pequenas cidades contra as grandes, onde as oportunidades econômicas ficaram mais concentradas. Os coletes amarelos se sentem desprezados pelos vitoriosos da globalização, representados pela figura altiva e distante do presidente Emmanuel Macron.

A Alemanha ganhou mais do que perdeu com a globalização. Isso pode ser observado no espaço de logística da Big Dutchman, repleto de embalagens para serem enviadas para Senegal ou Chile. No entanto, regiões especializadas em produtos como cerâmica ou têxteis foram engolidas pelas importações baratas nos anos 90.

Em geral, é difícil fazer um paralelo da Alemanha com a França. Campeões ocultos criam empregos longe das cidades, limitando a fuga de cérebros. Os políticos locais se comprometem mais a responder às demandas dos eleitores do que presidentes “jupiterianos” (alcunha dada a Macron) em capitais distantes. Em áreas com dificuldade, o sistema contemplado na Constituição alemã, de transferências fiscais para os Estados, abranda os aspectos mais severos da globalização.

Jens Südekum, economista da Universidade Heinrich Heine, de Dusseldorf, calcula que, em 2010, tais pagamentos foram equivalentes a 12,4% da receita fiscal agregada da Alemanha. Cidades como Duisburg e Essen, no Vale do Ruhr, foram poupadas dos estragos que a desindustrialização causou em regiões do Meio-Oeste, nos EUA ou Pas-de-Calais, na França, hoje reduto do partido extremista de Marine Le Pen.

Áreas comparáveis da Alemanha não tiveram essa virada populista. Na verdade, os pesquisadores não encontram nenhuma correlação clara entre o apoio ao partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) e dificuldades econômicas.

O problema maior está na antiga Alemanha Oriental. Apesar do sucesso em setores isolados, como o de ótica, somente uma fração das chamadas “campeãs ocultas” se encontra no leste alemão. Depois da reunificação, a liquidação de indústrias, na maior parte para investidores ocidentais, deixou os alemães orientais com a sensação de que foram saqueados, sentimento que persiste até hoje. Por isso, partidos extremistas se saem melhor nos cinco Estados da parte oriental da Alemanha. Em Dresden e Chemnitz, por exemplo, ocorreram protestos violentos recentemente.

Além disso, as tendências que distinguem a Alemanha de outros países industrializados não são imutáveis. A automação vai produzir uma redução da mão de obra no setor de manufatura e as poderosas montadoras alemãs estão mal preparadas para a ruptura provocada pelos veículos elétricos e autônomos.

Apesar do sucesso das campeãs ocultas, a urbanização continua em ritmo acelerado, como indicam os preços altíssimos dos imóveis nas grandes cidades. Por isto, Vechta está mantendo sua população nativa, mas atrair novos talentos fica difícil quando sua concorrente é Berlim.

11 de fevereiro de 2019

ENTREVISTA DO PRESIDENTE DA CÂMARA, DEPUTADO RODRIGO MAIA, AO ESTADO DE S.PAULO, 10!

ESP: A saúde do presidente Jair Bolsonaro pode atrasar a reforma da Previdência?
RM: Não acho, porque, pelo prazo do encaminhamento da reforma, pelas previsões, o presidente já não vai estar mais no hospital. Então, ele pode tomar a decisão final sobre qual texto ele vai querer encaminhar.

ESP: A articulação política para aprovar a reforma fica prejudicada?
RM: Ninguém vai votar nada de Previdência daqui a duas semanas. Então, é importante que o Onyx (Lorenzoni, ministro da Casa Civil) vá organizando a base e, quando o presidente tiver condições, pelo menos dê o sinal de que aquilo que o Onyx organizou está “ok” para ele. Claro que a presença do presidente ajuda, mas não atrapalha nem atrasa.

ESP: Os líderes estão reclamando da falta de diálogo com os ministros.
RM: Não acho que a política esteja sendo surpreendida pela forma como o presidente organizou o primeiro escalão do governo. Não era isso que ele falava na campanha? Ele dizia que ia escolher quadros técnicos. Ninguém se surpreendeu com isso.

ESP: Na sua primeira entrevista, após a sua eleição, o senhor colocou em dúvida a capacidade do governo de reunir 308 votos para aprovar emenda constitucional com essa nova postura.
RM: Sempre me perguntavam se eu achava que ia ter voto ou não. Falei que eu não sei porque é uma forma nova de governar. Não quer dizer que não vai dar certo. Agora, tem de organizar. Até porque o presidente foi eleito, mas o Parlamento também foi eleito.

ESP: Até agora não deu certo…
RM: Não sei, ainda não teve nenhuma votação.

ESP: Mas tentaram influenciar na eleição para o comando da Câmara e não conseguiram…
RM: É. De alguma forma, o Onyx tentou influenciar. Criar uma candidatura que tivesse um alinhamento maior com a questão dos costumes, com ele. Não conseguiu. Mas nunca vi digital do presidente nesse processo. Só dos filhos dele (Bolsonaro) e publicamente.

ESP: O senhor vai ignorar Onyx como interlocutor do governo?
RM: Quem escolhe o interlocutor é o governo, e é o Onyx. Não quer dizer que eu não possa dialogar com o (Gustavo) Bebianno (ministro da SecretariaGeral da Presidência), com quem tenho uma relação hoje de muita confiança. Eu não vou ficar trabalhando da presidência da Câmara para derrubar ninguém. Agora, (eu e Onyx) vamos ter de reconstruir nossa relação de amizade de muitos anos.

ESP: O governo escolheu mal o líder na Câmara Major Vitor Hugo (PSL-GO)? Ele está sendo boicotado pelos partidos.
RM: “Sempre me perguntavam se eu achava que ia ter voto ou não (para aprovar uma emenda constitucional). Não sei, porque é uma forma nova de governar. Não quer dizer que não vai dar certo. Agora, tem de organizar.” “Acho que tem um quadro montado para 2022 em que eu não tenho espaço (para concorrer à Presidência). O próprio presidente da República, governadores (…) Então, cada um tem de saber o seu espaço.” Eu ouvi muita reclamação dos líderes sobre a forma como eles foram convidados para uma reunião (pelo WhatsApp). Porque a política não é uma relação de comando. Quando você convida líderes para uma reunião, você está convidando iguais. Eu só vi o convite, me pareceu minimamente polêmico.

ESP: Quando as comissões temáticas estarão instaladas?
RM: Em duas semanas. Não tem como atrasar. A Comissão de Constituição e Justiça já está consolidada que é do PSL. A Comissão de Finanças e Tributação, o PSL e o MDB querem. Tudo o que tem conflito tem de ser negociado. Tem 25 comissões, não é possível que a gente não consiga atender a todo mundo.

ESP: O ex-deputado Carlos Manato (PSL-ES), da equipe de Onyx, pediu ao senhor uma sala para despachar da Câmara.
RM: O Executivo fica no Executivo e o Legislativo fica no Legislativo. Já disse a ele que não vou dar. Eu vou ligar agora para o Onyx e falar: ‘Põe uma sala aí para o Parlamento que a gente quer ir comandar daí de dentro, discutindo com vocês suas decisões’. É uma coisa boba, não faz sentido isso.

ESP: O ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o senhor vai ser o articulador político da reforma da Previdência. Como o senhor vê essa declaração?
RM: Acho que eu posso ajudar. Já tenho uma certa experiência no comando da Câmara, que me faz ter condições de ajudar, não estou preocupado com o título. Paulo Guedes é nosso líder na área econômica.

ESP: O senhor tem procurado governadores em busca de votos?
RM: Não é só arregimentar votos, você precisa organizar com os governadores qual é a pauta deles. Porque nenhum governador vai votar a Previdência só porque ela é importante. Quando você cria uma pauta de cinco itens, incluindo a Previdência, você vai dando condições para que esses governadores comecem a ajudar para a votação da reforma.

ESP: A Lei Kandir é um assunto de interesse dos Estados e o Tribunal de Contas da União pode dizer que o governo não precisa mais ressarcir os Estados.
RM: Se o TCU legislar, vai entrar em guerra com o Congresso. Vamos acabar com o poder do TCU, se eles fizerem uma lambança dessas. Isso não será aceito de forma alguma pelo Legislativo. Eles vão levar um troco grande. A gente tira o orçamento deles. Vão ficar sem orçamento até 2020. Vai ser coisa pesada, não tem brincadeira com esse negócio, não.

ESP: Que projeto o senhor vai colocar para votar para testar o tamanho da base do governo? O pacote do ministro Sérgio Moro pode ser esse termômetro?
RM: O próprio Moro já me disse que sabe que a Previdência é prioridade. O dele vai andar, e vamos votar a Previdência antes. O pacote anticrime do Moro não é econômico e não dá para testar com ele.

ESP: O senhor acha que as redes sociais vão influenciar as votações na Câmara?
RM: Os movimentos têm força quando eles têm apelo na sociedade. Acho que a questão do Renan (Calheiros) tinha esse apelo (o movimento Fora, Renan influenciou a derrota do emedebista na eleição para a presidência do Senado). Depende do tema.

ESP: Mas os deputados youtubers vão estar no plenário…
RM: Quando o youtuber vira deputado, ele começa a ser cobrado daqui a algum tempo sobre soluções. O seguidor dele vai querer saber como é que ele ajudou o Brasil a sair da crise e como fez para que esses temas fossem resolvidos.

ESP: Quando o senhor se emocionou ali no fim da eleição, foi exatamente por qual motivo?
RM: Essa pareceu a eleição mais fácil, mas foi a mais difícil. Foi uma construção que precisou ser feita com muito cuidado. Havia um movimento de mudança. Podia ter havido um movimento dos novos de não votar em quem estava renovando mandato. Não sabíamos.

ESP: Muita gente se sentiu traída pelo senhor neste processo, o PT, o PSB…
RM: O PT fez o acordo comigo de que eu traria primeiro o PSL e, depois, o PT. Na verdade, se alguém ali foi traído, fui eu. Eles vieram aqui em casa. Mas eu disse que eu ia trazer o PSL antes, porque não podia ser candidato de oposição. Eles falaram que não tinha problema nenhum. ‘Você traz o PSL e depois a gente vem.’ Então, se alguém traiu ali, foi o PT.

ESP: O senhor vai concorrer ao Planalto em 2022?
RM: Acho que tem um quadro montado para 2022 em que não tenho espaço para isso. O próprio presidente, governadores que são candidatos naturais e alguns dos meus aliados. Cada um tem de saber o seu espaço.

08 de fevereiro de 2019

E O DAY AFTER NA VENEZUELA? 

(Matias Spektor, professor de Relações Internacionais na FGV – Folha de S. Paulo, 07) Avança exitosa a coalizão internacional para isolar o chavismo e acelerar a mudança de regime na Venezuela, condição necessária para reverter a crise humanitária que consome o país.

Tal sucesso, entretanto, cria seus próprios problemas: no afã justificado de livrar o país da tirania, voltam à superfície velhos instintos intervencionistas.

Não me refiro a uma intervenção militar, hoje improvável. Antes, trata-se de algo mais sutil, mas não menos perverso.

É a ilusão segundo a qual, sem Nicolás Maduro, ficará desimpedido o caminho da restauração democrática. Essa fantasia mantém a ideia de que, trocando o grupo que comanda o Estado, se resolve a questão, de que, montando um pacote possante de ajuda externa, a população convergirá para um consenso nacional com celeridade.

Esse tipo de raciocínio desconta os problemas do “day after” e, por isso, deixa de planejar direito a sequência que se aproxima.

Ocorre que a população venezuelana rechaçará qualquer processo transitório bem-intencionado que seja ou pareça ser corrupto, manipulado ou imposto de fora. E é importante não se enganar: no dia que Maduro deixar o cargo não faltarão atores nacionais e estrangeiros querendo corromper, manipular e impor as suas preferências.

Por isso, planejar o “day after” é urgente, mesmo que seja impossível prever com precisão os desdobramentos da queda de Maduro.

O Brasil pode e deve contribuir com essa “ética da prudência”. Foi o que fizemos há 20 anos, quando forçamos a mão para preservar a democracia no Paraguai.

É o que defendemos há poucos anos quando a intervenção humanitária virou moda e alertamos para a necessidade de mitigar os danos embutidos em qualquer processo de ingerência externa na vida de um país.

Além disso, temos na Venezuela responsabilidades especiais. Não só o Estado brasileiro ajudou a consolidar a força da máfia chavista no poder mas também a crise venezuelana afeta a paz e a estabilidade de nosso entorno e dá vazão ao crime organizado que opera para criar um narcoestado em nossa fronteira.

A melhor maneira de honrar essa responsabilidade especial é zelar pelo bom planejamento do que acontecerá no dia após a queda.

A participação brasileira em qualquer mudança de regime somente será justa se contribuir para ajudar a população afetada e, no processo, conseguir evitar um novo ciclo de violência. Apostar todas as fichas em derrubar Maduro sem pensar no passo seguinte pode deixar um rastro de destruição.

Se vamos embarcar na empreitada valiosa de restaurar a Venezuela, temos de imaginar a sequência às claras, com os pés bem plantados no chão.

07 de fevereiro de 2019

A PRESENÇA AFIRMATIVA DO PAÍS NÃO DEVE E NÃO PODE SE COMPROMETER POR POLÍTICAS DE OCASIÃO!

(Luiz Werneck Vianna – O Estado de S.Paulo, 03) Tempos sombrios os que vivemos, as portas do inferno se abrem diante do nosso olhar descuidado para os perigos a que estamos expostos com uma guerra civil rondando nossa vizinha Venezuela. A dualidade de poder, como registram os clássicos da teoria política, dificilmente suporta situações de equilíbrio e tende a desatar conflitos em que um dos polos envolvidos procura eliminar o seu rival, ou por uma solução de guerra civil, ou induzindo a erosão completa das suas bases de sustentação, favorecendo, no melhor dos casos, a intervenção da política em favor dos setores sociais que se demonstrarem hegemônicos.

O caso venezuelano, em que um grupo opositor ao governo consagrou nas ruas um presidente da República, negando legitimidade ao que está no exercício do poder, conhece a particularidade de que o poder rejeitado de Nicolás Maduro por movimentos sociais e vários partidos políticos em grandes manifestações conta com o apoio de instituições estatais, fundamentalmente do aparato militar, até então coeso na defesa do atual governo. Das duas, uma: ou a oposição – hoje amparada por governos poderosos da região, como, entre outros, o americano, o brasileiro, o argentino, e até de países poderosos europeus, num revival dos tempos coloniais – tem sucesso em abalar de tal forma o governo Maduro que o leve à renúncia; ou, alternativamente, apela ao recurso de uma intervenção armada dos seus aliados internacionais, entre os quais o Brasil, a fim de resolver suas questões internas.

Na hipótese de o governo brasileiro optar pela via tresloucada da intervenção militar, diante de uma cerrada defesa militar da Venezuela do seu governo e seu território, vai para a lata do lixo uma tradição centenária da nossa política externa, inaugurada pelo barão do Rio Branco – não por acaso, nome de avenidas urbanas nas principais capitais do País –, de conduzir as relações internacionais em paz, por meio de soluções negociadas, empenhada historicamente, nas palavras de Rubens Ricupero em seu monumental A Diplomacia na Construção do Brasil, em ver nosso país “reconhecido como força construtiva de moderação e equilíbrio a serviço da criação de um sistema internacional mais democrático e igualitário, mais equilibrado e pacífico” (Versal, 2017, página 31).

Tradições nacionais enraizadas como as da nossa política externa não se deixam cancelar por atos de vontade, elas conformam a nossa segunda pele, embora estejam em risco sob a condução do atual chanceler, que pretende conduzi-la com o espírito de cruzada do que entende, por questões metafísicas, ser uma luta do bem contra o mal. Não se pode afastar a possibilidade de que nuestra America, este extremo Ocidente, nas palavras do cientista político francês Alain Rouquié, seja arrastada, à falta da presença de paz e de uma política de negociação nos conflitos da região que o Brasil sempre representou, seja deslocada para o Oriente político por políticas desastradas que nos conduzam à guerra.

Nesse caso infeliz, a ressurgência da guerra fria dos anos 1950, já em curso, encontraria seu novo ponto quente na América Latina, como se faz indicar na forte contraposição entre Estados Unidos, Rússia e China e seus aliados sobre a questão da Venezuela.

A entrada em cena de países europeus, como Espanha, Alemanha, Reino Unido, França e Portugal, ao apresentarem um ultimato ao governo de Maduro para que convoque novas eleições presidenciais no prazo de oito dias, sob pena de reconhecerem o governo do seu opositor Juan Guaidó, dramatiza ainda mais o conflito venezuelano, que assim escala definitivamente da dimensão regional para a mundial. Ignorado esse ultimato, uma guerra civil com participação de forças externas pode escapar de cálculos de gabinete para se tornar possível.

Uma vez que ainda estamos no terreno das especulações, digamos que Nicolás Maduro queira emular – e tenha estofo pessoal para tanto – o destino trágico de Salvador Allende, e, se for o caso, defender seu governo de armas na mão, vindo a ser eliminado fisicamente. Sua remoção do governo, distante de uma operação de precisão cirúrgica, pode precipitar uma guerra civil com evidente potencial para se expandir ao longo das suas fronteiras nacionais, entre as quais a brasileira.

Essa possibilidade terrificante, que não é de laboratório, ainda pode ser afastada com o pronto retorno da política externa brasileira ao seu leito historicamente comprovado pela experiência acumulada dos seus estadistas. Se as palavras ainda valem, o fato de a advertência de que devemos ser fiéis às nossas tradições de não intervenção na política dos países vizinhos ter vindo do vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, e não dos próceres da nossa política externa, acende um ponto de luz a ser estimulado.

Quando vista comparativamente no cenário do subcontinente, a formação do nosso Estado e da sua política é a mais robusta confirmação do gênio político dos próceres que estabeleceram seus fundamentos. O caudilhismo, tão presente na política dos nossos vizinhos, não encontrou aqui lugar propício e, sobretudo, realizamos a obra-prima da unidade territorial, ao contrário da balcanização dos países hispano-americanos. Soubemos ainda preservar as instituições políticas comprometidas com os ideais civilizatórios declarados pela nossa primeira Constituição, sob inspiração do estadista José Bonifácio.

Com essas credenciais fomos reconhecidos como capazes de mediação nos conflitos regionais, com ênfase nas negociações políticas em favor de soluções pacíficas. A presença afirmativa do Brasil, garante de equilíbrio no subcontinente, não deve e não pode se comprometer por políticas de ocasião que transfiram sua soberania a potências externas a nós, sejam quais forem, em suas disputas geopolíticas e econômicas. Para ficar com palavras da moda, o Brasil acima de tudo.

 

06 de fevereiro de 2019

A ASCENSÃO IMPREVISÍVEL DA CHINA!

(Artigo de Daniel Blumenthal, diretor de Estudos Asiáticos no American Enterprise Institute. Entre 2001 e 2004 foi o diretor sênior para China, Taiwan e Mongólia do Departamento de Estado Americano)

Desde o fim da Guerra Fria, Pequim vê os Estados Unidos como seu principal rival geopolítico, mas o governo de Washington só recentemente despertou para essa competição estratégica. Mas à medida que os observadores americanos começam a ver as ambições da China com mais clareza, eles também começaram a diagnosticar erroneamente os desafios que representam. Cientistas políticos estão discutindo a “teoria da transição de poder” e a “armadilha de Tucídides”, como se a China estivesse prestes a eclipsar os Estados Unidos em riqueza e poder, deslocando-os no cenário mundial. Existem dois problemas contraditórios com essa visão.

A primeira é que não é assim que os próprios chineses entendem sua ascensão. Quando o presidente chinês, Xi Jinping, pede que os chineses realizem o “sonho chinês de rejuvenescimento nacional”, ele está articulando a crença de que a China está simplesmente reivindicando sua importância política e cultural natural. A China não está, como já foi dito da Alemanha Imperial depois de sua unificação, “buscando seu lugar ao sol”. Em vez disso, está retomando seu lugar de direito como o sol.

A segunda é que é a questão em aberto se a China alcançará o rejuvenescimento diante de uma economia aparentemente estagnando e de um facciosismo partidário. Xi é mais poderoso que seus antecessores, mas seu domínio também é mais frágil. O Partido Comunista Chinês (PCC) enfrenta há tempos uma crise de legitimidade, mas a transformação da China em um estado policial de alta tecnologia pode acelerar essa crise. Esses fatores se combinam para tornar a China mais perigosa no curto prazo, mas também menos competitiva a longo prazo. Isso significa que a República Popular da China percebe uma oportunidade de “grande renovação”, mesmo que seja menos poderosa do que se esperava.

Xi pode desacelerar ainda mais o crescimento da China. Ele acelerou uma mudança política na China que focou mais na “Manutenção da Estabilidade” (“WeiWen”) e menos no crescimento. A mudança de “reforma e abertura” para “manutenção da estabilidade” é anterior a Xi. Tudo começou quando Jiang Zemin e Zhu Rongji, sucessores de Deng Xiaoping, terminaram o trabalho de reformar a economia e garantir a adesão da China à Organização Mundial do Comércio em 2001. Seus sucessores, Hu Jintao e Wen Jiabao, não suportaram os ataques à reforma e à abertura da Nova Esquerda – uma coalizão de marxistas não reconstruídos e conservadores do PCC – e Hu começou a reverter reformas econômicas chave. Isso permitiu que o setor estatal reafirmasse seu domínio sobre a economia chinesa.

O boom no início dos anos 2000 fez parecer que a China estava inexoravelmente ascendente. Ela contava com uma força de trabalho massiva, um substancial investimento de capital e grandes empresas estatais vasculhando a terra em busca de recursos e inundando os mercados ocidentais com produtos chineses. O que muitos observadores não perceberam na época, no entanto, foi o acúmulo substancial de dívidas da China, em grande parte devido a empréstimos ruins e investimentos não lucrativos. Isso tornou a economia mais dependente do crédito interno para financiar o investimento e o consumo estrangeiro para comprar os bens produzidos pelo investimento excessivo e mal alocado.

O novo modelo econômico da China de superinvestimento financiado pela dívida foi agravado pela crise financeira de 2008. Na época, a maioria dos analistas americanos acreditava que a China estava pronta para ultrapassar os EUA. Mas esses não perceberam quão em pânico a China estava durante a crise: seus mercados externos secaram, então se voltaram para o crédito interno para estimular o crescimento. A China acumulou ainda mais dívidas através de um pacote de estímulo massivo. A experiência parece ter convencido os líderes chineses de que o tempo não estava mais do lado deles e de que eles precisavam obter ganhos rápidos. A partir da crise financeira, a assertividade da China refletiu não uma confiança em seu destino, mas sim uma insegurança básica. A vigorosa afirmação da China das reivindicações territoriais cresceu a partir de seus problemas econômicos, da desintegração política e da implementação do amplo regime de manutenção da estabilidade.

Xi não apenas herdou uma economia enfraquecida, mas também uma elite política fragmentada. Enquanto a sucessão de Hu Jintao estava se desdobrando em 2012, o PCC enfrentou uma de suas maiores crises políticas. A resposta de Xi à dupla crise econômica e política foi uma feroz campanha anticorrupção destinada a expulsar os quadros de maneira invisível desde Mao Tse-Tung. A organização desta campanha fortalece o WeiWen. Ele transformou sua campanha anticorrupção em uma ferramenta adicional de controle social e político. Ele foi muito além de apenas mirar em quadros e empresários corruptos e pediu a “limpeza completa de três estilos de trabalho indesejáveis – formalismo, burocratismo e extravagância”.

Os novos arranjos políticos e institucionais tornam muito difícil para a China retornar às reformas através do mercado. Reformas exigem menos controle sobre o fluxo de informações, ideias, pessoas e capital. Mudanças no sistema de avaliação de quadros também são fundamentais; se os quadros são avaliados com base na manutenção da estabilidade, em detrimento das metas de alto crescimento, há menos incentivos para a reforma do mercado.

Essas políticas não são o trabalho de um florescente Partido Comunista Chinês. Muito pelo contrário. O partido parece se sentir mais sitiado e ameaçado do que em qualquer outro momento desde o episódia da Praça Tiananmen. Xi efetivamente assumiu os tribunais, a polícia e todos os para-militares internos e secretos e outras agências de controle interno. Não há dúvida de que ele fez inimigos poderosos entre as elites que estão prontos para derrubá-lo caso a oportunidade apareça.

Apesar do enfraquecimento da economia chinesa e dos crescentes problemas políticos, em 2012 Xi afirmou que o país estava entrando em um “novo horizonte para a grande renovação da nação chinesa”. O discurso de Xi colocou o PCC firmemente na história da civilização chinesa de 5.000 anos e estabeleceu seu objetivo é continuar a luta pela grande renovação da China após a queda do Império Qing. O PCC sempre teve problemas para lidar com o passado imperial da China, que geralmente era governado por uma ordem ética e política confucionista. Mao, por exemplo, liderou uma revolução em parte contra o feudalismo dessa ordem passada. Enquanto Xi não abandonou as táticas maoístas, ele descartou essa interpretação da história. Em vez disso, ele apresentou o PCC não como revolucionário, mas sim como parte da longa e contínua história de uma China que fez “contribuições indeléveis para o progresso da civilização humana”. Xi está, portanto, mais disposto do que seus antecessores a destacar a centralidade geopolítica natural da China.

A aspiração principal de Xi a esse respeito é a Iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota (ICR). O principal objetivo do ICR é expandir as redes políticas e econômicas globais chinesas e assegurar uma posição mais ativa na “governança global” sem esperar que o Ocidente dê à China mais papéis e responsabilidades nas instituições existentes.

Como parte de seu esforço para vender a renovação, Xi tem se esforçado para recuperar as posses anteriores da dinastia Qing e expandir suas reivindicações marítimas para garantir as principais linhas de fornecimento. Xi construiu ilhotas, militarizou o Mar do Sul da China e manteve a pressão sobre o Japão no Mar da China Oriental.

O grande legado geopolítico de Xi e Hu será o de que eles dirigiram a China, um império continental, cujos mapas atuais parecem muito semelhantes aos dos Qing, para se voltarem para o mar. A China tem uma área de 3.700.000 milhas quadradas e tem 14 fronteiras terrestres – mais do que qualquer outro país – inclusive com a Rússia, Índia, Vietnã e Coréia, todos inimigos militares no século XX. Dada a manutenção de seus problemas no oeste, a virada da China para o mar pode vir a ser tão devastadora para o mundo quanto a decisão da Alemanha imperial de entrar em uma competição naval com a Inglaterra. Uma China decadente poderia apressar este processo por várias razões, incluindo seu desejo de reconstruir a legitimidade nacional.

À medida que a economia da China desacelera e suas políticas se consolidam em torno de um novo estado policial de alta tecnologia, o partido não pode sustentar todas essas ambições. Os esforços do WeiWen e do combate à corrupção esgotarão a burocracia à medida que o partido faz o mesmo. E Washington pode tornar muito difícil para um império continental ter sucesso no mar. Além disso, embora a abordagem política de Xi possa ter lidado com a crise de curto prazo, ela agravou os riscos políticos da China no longo prazo. Xi eliminou as reformas institucionais de Deng, que mantiveram alguma estabilidade no sistema de governança do PCC.

Enquanto legisladores e acadêmicos ficam impressionados com o que a China realizou desde 1978, eles também devem continuar a examinar o funcionamento interno do sistema em busca de sinais de problemas à frente.

A China hoje compensa a ausência de princípios ou ideologias políticas atraentes criando um novo império do medo, e mostrando apelos cada vez mais estridentes a um nacionalismo imperialista. Isso não quer dizer que a China entrará em colapso, mas Xi mudou a dinâmica interna da nação. O resultado é um curso muito menos previsível para o Império do Centro do que as teorias materialistas da ciência política poderiam prever.

 

05 de fevereiro de 2019

DEPUTADO RODRIGO MAIA, PRESIDENTE DA CÂMARA, AVALIA O QUADRO POLÍTICO PARLAMENTAR! ENTREVISTA À FOLHA DE S. PAULO – 04/02/2019!

FSP: O DEM ficou com o comando de Câmara e Senado, mesmo não tendo as maiores bancadas. O que significa isso para o partido?
RM: O DEM já tinha a presidência da Câmara, então ficou mais fácil de organizar essa eleição. No Senado, é mais fácil de falar, o que aconteceu é que um sentimento de que não era o melhor momento para o Renan [Calheiros (MDB-AL)] somado a erros de alguns candidatos que tinham potencial em tese maior que o Davi [Alcolumbre (DEM-AP)], acabaram concentrando os votos nele. O Davi construiu isso com apoio do governo e com as próprias energias, porque de fato o DEM não podia trabalhar para duas candidaturas.

FSP: O DEM à frente das duas Casas impõe um ritmo do partido independente do governo ou faz a sigla ser um alicerce do Planalto?
RM: Não somos linha auxiliar do governo nem do partido do governo. O grande desafio do DEM vai ser a capacidade de compreender que a construção da presidência de um partido que não é o majoritário é sempre coletiva. Você não é o presidente que vai defender os interesses do DEM, tem que defender a agenda de todos os partidos. É um momento de mudança, um quadro pulverizado, e ninguém consegue ter a hegemonia que o MDB teve no passado no Senado.

FSP: Com a derrota, o sr. acha que o Renan Calheiros atuará para atrapalhar a votação da reforma da Previdência?
RM: Eu não acredito que um político com a experiência e história do Renan vá fazer algum movimento no curto prazo que sinalize uma revanche, não acho que é do estilo dele… Mas o governo vai ter que saber construir pontes com ele.

FSP: O sr. defendeu o voto secreto nas eleições do Senado. Acha que o fato de os senadores terem aberto o voto cria precedente perigoso?
RM: A gente tem que tomar muito cuidado, porque o voto secreto é a garantia do eleitor. O voto secreto não defende o conchavo, como muitos acham.

FSP: O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), articulou contra o sr., mas a favor do Davi. O governo venceu ou perdeu na eleição do Congresso?
RM: Eu acho que o Onyx tinha uma outra formatação, eu de fato não apoiei o Bolsonaro e acho que no primeiro momento o governo queria a construção de um nome que tivesse apoiado. Era legítimo isso, mas o governo não interveio como poderia porque senão tinha viabilizado a candidatura do João Campos [PRB-GO], do Alceu [Moreira (MDB-RS)] ou do Capitão Augusto [PR-SP].

FSP: Não interveio porque não quis ou por inabilidade da articulação do Onyx?
RM: O Bolsonaro não quis dar os instrumentos [a ele] para isso. Quando o Bolsonaro pega um ministério e entrega a chave para o ministro nomear os auxiliares, ele tira as condições de construir uma maioria no formato antigo.

FSP: Mas dado que o chefe da Casa Civil atuou contra o sr., como fica a relação com o Planalto?
RM: Não tem problema nenhum a relação com o Planalto, nem com o Onyx nem com ninguém.

FSP: O sr. não tem boa relação com o Onyx.
RM: Tive a vida inteira. Tive um conflito que eu nem considero conflito nas [votação das] 10 Medidas [Contra a Corrupção, em 2016], em que o relatório dele acabou sendo derrotado, não por um comando meu para derrotá-lo, porque eu não tinha 310 votos. Fora isso, sempre tive relação boa, sempre foi meu amigo.

FSP: Mas quem será o seu canal de diálogo?
RM: Quem escolhe o canal de dialogo é o presidente da República, não eu.

FSP: É possível votar a reforma da Previdência nas duas Casas até julho, como o governo quer?
RM: É, até julho é. Assim, tem que construir [a maioria]… eu não conheço ainda o ambiente do plenário.

FSP: O sr. fala em construção coletiva para o texto da reforma. Onyx diz que já está pronto. Vai haver muita mudança da proposta original para a que chegar ao plenário?
RM: Isso é matemática, não deve ter muita equação diferente do que os governadores estão pensando. Mas, se você não incluí-los nesse debate, vai ter mais dificuldade para aprovar. Eles estão vivendo o mesmo drama que o governo federal, até pior.

FSP: O governo pensava na possibilidade de fazer uma emenda e colocar o texto para votação direto no plenário. Como o sr. enxerga isso?
RM: Eu acho que uma PEC ser apensada sem passar pela CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] me parece próximo do impossível. Depois, ou a gente vai construir coisa pactuada com governadores ou não será uma votação fácil, ter os 308 votos. Estamos em um momento que todos compreenderam que vai ter uma ruptura definitiva da política se esse país não voltar a crescer. Então não dá para errar o tiro da Previdência.

FSP: O sr. foi eleito com apoio de parte da esquerda —PDT e PC do B. Como vai tratar a agenda conservadora de costumes do governo?
RM: Depois que superarmos a agenda econômica, vamos discutir o que fazer com essa agenda de costumes. Tem deputados que foram eleitos para essa agenda de costumes [conservadora], como alguns deputados de esquerda também foram eleitos para uma agenda mais liberal nos costumes, mas acho que a Câmara não deve ser um ambiente de radicalismo, a gente tem que tentar ter uma pauta que construa com equilíbrio as agendas prioritárias do Brasil e eu enxergo, a curto prazo, que a agenda prioritária é a reforma do Estado.

FSP: O sr. vai barrar o projeto da Escola sem Partido?
RM: Quem vai barrar é o STF [Supremo Tribunal Federal], não eu. Quem é a favor da Escola sem Partido tem que tomar cuidado porque, na hora que começar a tramitar no Congresso, o Supremo vai derrubar, vai declarar a inconstitucionalidade.

FSP: O sr. vai evitar que essas votações polêmicas cheguem ao plenário?
RM: Não sou contra que a Câmara faça debate. Uma coisa é o debate em comissão, outra é plenário. Não sei se jogar esses temas dentro do plenário ajuda um país que precisa, com urgência, ser reformado. Você acaba gerando relações de atrito entre base e oposição que vai dificultar votar as matérias econômicas no plenário. Você não pode ficar gerando um ambiente de campo de guerra no plenário porque precisa de um ambiente mais distensionado para que tenha as condições de trazer governadores do Nordeste, de oposição, para ajudar nesse diálogo [das pautas econômicas]. Se ficar estressando o plenário antes da Previdência, o ambiente para votá-la vai ser muito precário.

FSP: O sr. acha que polarização da política e sociedade que vimos na eleição continua ainda hoje?
RM: Hoje, antes de o Congresso começar a trabalhar, está mais calmo. Mas a gente não sabe como será o plenário.

FSP: Técnicos da Câmara dizem que os deputados novos da base devem usar mais tempo de fala do que as anteriores, o que poderia atrasar as votações.
RM: É como se fosse um jogo de futebol, né? Se o Flamengo vai jogar contra o meu time, eu vou jogar também. Alguns como são pessoas que vêm desses movimentos de redes sociais e precisam estar lá sempre vão ter o embate com a Maria do Rosário [PT-RS], com a [Erika] Kokay [PT-DF], ou o Jean Wyllys [PSOL-RJ] —que agora saiu.

FSP: Como o sr. viu a renúncia do deputado Jean Wyllys?
RM: Momento ruim da política, né? O Jean Wyllys representava uma parte da sociedade que precisa de voz no Parlamento. E a partir do momento que ele considera que o Estado não tem condição de garantir a preservação da vida dele e da família, eu acho que é uma sinalização perigosa para a democracia brasileira.

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04 de fevereiro de 2019

“O RIO ENTRE A BELEZA E O CAOS”!

(Luiz Fernando Janot – Globo, 02) As cidades costumam refletir em seu território as sociedades estratificadas ao longo da sua história. A qualidade do espaço urbano está intimamente ligada aos interesses do poder público e da sociedade. Na verdade, nas cidades brasileiras essa relação nunca foi harmoniosa. Ainda hoje se vê presente em nossas cidades o estigma da “casagrande e senzala”.

As favelas que se espalham pelos morros e outras áreas devolutas revelam o abismo que distingue e separa as nossas classes sociais. Os barracões de madeira com tetos de zinco, conhecidos como tradição do nosso país, não passavam de uma visão romantizada da perversa divisão social e da falta de recursos de uma parte significativa da população.

Há que se reconhecer que os espaços urbanos são extensões naturais da moradia, e, como tal, acolhem formas diversificadas de expressão cultural. Quando a habitação não oferece, de fato, condições adequadas para abrigar com dignidade os seus moradores, certamente, o conjunto delas formará um quadro de pobreza no contexto urbano.

É verdade que algumas políticas habitacionais foram criadas ao longo do tempo para atender às camadas mais pobres da população. No entanto, os conjuntos habitacionais correspondentes, em sua grande maioria, foram construídos em áreas periféricas desprovidas de infraestrutura urbana. Em decorrência, os moradores se viram obrigados a enfrentar, diariamente e por horas a fio, longos trajetos até os seus locais de trabalho. Para muitos, esse sacrifício deixou de valer a pena e, aos poucos, uma parte deles voltou a ocupar os morros e outras áreas disponíveis. O Rio é paradigma neste tipo de ocupação informal do solo. O desinteresse do poder público em atuar urbanisticamente nas favelas e dotá-las de equipamentos sociais e de infraestrutura vem facilitando o domínio desses territórios pelas facções do tráfico de drogas e pelas poderosas milícias. Aos poucos, essas forças paramilitares passaram a controlar o comércio ilegal de gás, água, luz, internet, mototáxis, vans piratas e outros serviços comunitários. Hoje, os seus negócios se expandem através da construção irregular de prédios nas próprias comunidades e em terrenos grilados nas áreas de expansão da cidade. Enquanto isso, o poder público permanece impassível frente ao crescimento das favelas e da expansão informal do tecido urbano. Diante desse quadro preocupante, indaga-se por que nenhum projeto de urbanização foi apresentado pela prefeitura para minimizar o sacrifício dessa população espoliada por bandidos? E o que levou o novo governador a não incluir entre as suas metas um plano para impedir a atuação dessas milícias? Felizmente, o Ministério Público tomou a iniciativa de investigar a ação criminosa dos milicianos. Vamos acompanhar os desdobramentos para ver o alcance desse processo.

De qualquer forma, cabe um alerta: a permanecer do jeito que está, teremos em breve uma cidade sitiada pela violência, pela miséria e por guetos de pobreza. O poder público não pode continuar indiferente à vida nas favelas e muito menos ao crescimento e ocupação descontrolada da cidade. Estejam certos de que, para o Rio continuar sendo admirado por todos, será preciso recuperar a urbanidade perdida. Entre a beleza e o caos, não há como fazer a escolha errada. Como os mais ricos podem se mudar para o exterior e parte da classe média já se enclausura em condomínio fechados, chegou a hora de o conjunto da população rejeitar a demagogia, a incompetência e a prevaricação das nossas autoridades.

Se não houver melhores condições de vida, dificilmente veremos a harmonia voltar a prevalecer na cidade. Ainda há tempo para o Rio enfrentar os seus complexos desafios e cobrar soluções de curto, médio e longo prazo para reverter essa situação desabonadora da imagem da cidade. Não dá mais para protelar uma ação efetiva que reverta a anomia que predomina no cotidiano da cidade. É agora ou nunca.

01 de fevereiro de 2019

“VENEZUELA NÃO SERÁ A NOVA SÍRIA”!

(Guga Chacra – Globo, 31) A chance de uma transição democrática na Venezuela é mais fácil do que na Síria porque existe uma oposição forte e popular em Caracas e um histórico de democracia no passado, interrompido com Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Em Damasco, embora haja, sim, figuras pró-democracia, os principais grupos opositores são jihadistas e não democráticos. Querem substituir uma ditadura laica por uma ditadura extremista religiosa e intolerante.

Vale o teste que sempre faço — cite o nome de um líder opositor democrático da Síria. Consigo citar opositores pró-democracia, como Michel Kilo. Ele e outras figuras democráticas, no entanto, não são as maiores forças da oposição. O grupo mais poderoso anti-Assad é o Hayet Tahrir al-Sham, antiga Frente Nusra, que vem a ser o braço da al-Qaeda na Síria.

No caso da Venezuela, podemos citar uma série de opositores democráticos e civis. Primeiro, claro, Juan Guaidó. Temos também Henrique Capriles, Leopoldo López, Maria Corina e diferentes figuras do espectro político da direita à esquerda.

A Síria nunca teve uma democracia sólida. O regime dos Assad dura quase cinco décadas. Não há instituições democráticas no país. Uma transição para o fim da ditadura seria bem mais complicada inclusive do que na Tunísia, único caso de sucesso da Primavera Árabe. Embora também vivessem em uma ditadura nos tempos de Ben Ali, os tunisianos tinham instituições mais sólidas do que os sírios. A Venezuela, apesar de problemas similares a outros países da América Latina, tem um histórico democrático incomparavelmente superior ao sírio, apesar de hoje ter se distanciado da democracia.

Um dos motivos de apoio a Assad foi o temor do jihadismo da oposição, controlada por sunitas. Minorias religiosas sírias, como os cristãos, os alauitas e os drusos, embora em muitos casos discordassem do regime, temiam que a queda do líder sírio levasse à chegada da al-Qaeda ou do Estado Islâmico ao poder em Damasco e risco de genocídio contra seguidores daquelas religiões.

Vários sunitas pró-Assad compartilham do mesmo medo. Na Venezuela, não existe este sectarismo. Há homogeneidade religiosa e não há conflitos étnicos. Guaidó ou outro líder opositor não perseguirá ninguém que siga determinada religião. São democratas.

O regime de Assad também contou com apoio militar da Rússia, segunda maior potência militar do planeta; do Irã, uma das potências do Oriente Médio; e do Hezbollah, um grupo que já travou guerra contra Israel. Moscou até apoia Maduro, mas não há a menor possibilidade de levar adiante uma ofensiva similar à que realizou na Síria. Cuba apoia o regime de Caracas, mas a força militar de Havana não chega aos pés da de Teerã.

Existe, portanto, muito mais chance de transição para a democracia na Venezuela do que havia na Síria. Há risco de guerra civil, mas em um modelo similar aos da América Central nos anos 1980, não aos do Oriente Médio. Os outros cenários, além de guerra civil, possíveis, conforme escrevi aqui, são: 1) transição para a democracia; 2) militares no poder; 3) Maduro sobrevive; e 4) governos paralelos, que é o atual, mas insustentável.

Existe, portanto, muito mais chance de transição para a democracia na Venezuela do que havia na Síria. 

31 de janeiro de 2019

A GIGANTESCA ‘CATEDRAL’ SUBTERRÂNEA QUE PROTEGE TÓQUIO DE INUNDAÇÕES!

(Diego Arguedas Ortiz – BBC Future, 25/01/2019) Cecilia Tortajada se lembra de descer uma longa escadaria até se deparar com uma das maravilhas da engenharia do Japão, um enorme tanque de água que faz parte do sistema de defesa de Tóquio contra inundações.

Quando finalmente chegou ao fundo do reservatório, se viu entre dezenas de pilastras de 500 toneladas que sustentam o teto. Na cisterna que mais parece um templo, ela conta que se sentiu “insignificante”.

“Você se vê apenas como uma pequena parte diante desse sistema gigantesco”, recorda Tortajada, especialista em gerenciamento de água da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew, em Cingapura.

Se o Japão é um destino de peregrinação para especialistas em desastres e gestão de risco, como ela, este é um de seus principais templos.

A chamada “catedral”, escondida a 22 metros de profundidade, faz parte do Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana, um sistema de 6,3 quilômetros de túneis e câmaras cilíndricas imponentes que protegem o norte de Tóquio de inundações.

Nas últimas décadas, a capital japonesa aperfeiçoou a arte de lidar com tempestades, tufões e enchentes em rios de águas turbulentas, o que fez com que seu intrincado sistema de defesa contra inundações se transformasse numa maravilha global. Mas o futuro parece incerto diante das mudanças climáticas e da alteração nos padrões de chuva.

A luta de Tóquio contra enchentes remonta à sua história. A cidade está localizada em uma planície cortada por cinco sistemas fluviais turbulentos e dezenas de rios individuais que aumentam naturalmente de volume a cada ano.

A urbanização intensa, a rápida industrialização e extração de água imprudente, que levaram algumas regiões a afundar, acentuaram a vulnerabilidade da cidade.

“Eu não sei quem decidiu construir Tóquio naquele lugar”, brinca Tortajada, que trabalha na área de gestão hídrica há mais de duas décadas.

Mesmo que o Japão tenha lidado com enchentes durante séculos, o sistema anti-inundação atual de Tóquio começou realmente a ganhar forma no pós-guerra.

O tufão Kathleen atingiu a capital japonesa em 1947, destruindo cerca de 31 mil casas e matando 1,1 mil pessoas; uma década depois, o tufão Kanogawa (também conhecido como Ida) devastou a cidade com 400mm de chuva em uma semana. Ruas, casas e empresas foram inundadas.

Em meio às consequências catastróficas, o governo japonês intensificou os investimentos nesta área.

“Mesmo nos anos 1950 e 1960, quando os japoneses estavam se recuperando da guerra, o governo estava investindo de 6% a 7% do orçamento nacional em desastres naturais e redução de riscos”, explica Miki Inaoka, especialista em desastres da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA, na sigla em inglês).

Os planejadores urbanos precisam estar atentos aos diferentes tipos de inundação em Tóquio. Se chover forte na nascente de um rio, talvez ele transborde e alague comunidades mais abaixo. Um temporal pode desafiar o sistema de drenagem da região. A maré alta ou um tsunami podem ameaçar o litoral. E se um terremoto destruir uma represa ou um dique?

Após décadas de planejamento para os cenários acima e obras ininterruptas, Tóquio possui hoje dezenas de barragens, reservatórios e diques. Se cortarmos a superfície da capital japonesa, como fazemos com um bolo de aniversário, você vai encontrar um labirinto subterrâneo de túneis junto a linhas de metrô e gasodutos que cruzam a cidade.

Avaliado em US$ 2 bilhões, o Canal Subterrâneo de Escoamento da Área Metropolitana, com sua “catedral”, é um dos feitos de engenharia mais impressionantes da capital. Concluído em 2006 após 13 anos de obras, é a maior instalação para controle de fluxo de água do mundo, resultado das ações contínuas para modernização de Tóquio.

“O Japão é um país que acredita no aprendizado”, diz Tortajada, que visitou o canal em 2017.

“Isso torna a cidade um caso muito interessante para estudo.”

O canal drena a água de rios de pequeno e médio porte no norte de Tóquio e bombeia para o Rio Edo, que aguenta o volume com mais facilidade.

Quando um desses rios transborda, a água vai para um dos cinco tanques cilíndricos de 70 metros de altura espalhados ao longo do canal.

Cada reservatório é grande o suficiente para abrigar um ônibus espacial ou até mesmo a Estátua da Liberdade. Eles estão interligados por meio de uma rede de 6,3 quilômetros de túneis subterrâneos.

À medida que a água se aproxima do Rio Edo, a “catedral” que Tortajada visitou reduz seu fluxo, para que o sistema possa bombeá-la para o rio.

Um exercício mental pode explicar a força do Canal Subterrâneo de Escoamento. Imagine uma piscina padrão de 25 metros, cheia até a borda, conectada às bombas de 13 mil cavalos de potência que liberam a água do canal. Se as bombas forem acionadas, seriam necessários apenas dois ou três segundos para esvaziar a piscina, já que elas são capazes de bombear 200 toneladas de água por segundo.

“É como um cenário de ficção científica”, diz Inaoka, da JICA, cujo trabalho envolve a colaboração de especialistas de países em desenvolvimento para compartilhar os conhecimentos do Japão.

Ela reconhece, no entanto, que as alterações nos padrões das chuvas vão desafiar a infraestrutura de Tóquio. A mudança climática torna muito difícil planejar com antecedência, diz ela.

Com base nos registros históricos de chuvas, as autoridades de planejamento urbano projetaram os sistemas de defesa de Tóquio para resistir a até 50 milímetros de chuva por hora, especialmente em áreas onde há concentração de moradores e propriedades. Mas o que era considerado normal há 50 anos, não é mais.

30 de janeiro de 2019

REUNIÃO DA REDE LATINO-AMERICANA DE JOVENS PELA DEMOCRACIA EM SANTIAGO E VALPARAÍSO NO CHILE!

(Bruno Kazuhiro, presidente J-DEM) 1. Rede Latino-Americana de Jovens pela Democracia no Chile.  Essa Rede surgiu há pouco tempo e atualmente tem patrocínio de algumas instituições, entre elas a Fundação Adenauer.

2. Convite de Jatzel, do PRSC dominicano e é Secretário Geral desta Rede.

3.  Foram dois dias, um saindo de Santiago para bate-volta em Valparaíso e outro em Santiago mesmo.

4.  No segundo dia tivemos em visita guiada pelo Palácio La Moneda, fomos saudados pelo presidente Piñera.

RELATÓRIO : Evento de abertura do ano da Rede Latino-Americana de Jovens pela Democracia
Chile, 23 a 25 de Janeiro

1º dia (23/1)

– Abertura com boas-vindas da diretoria da Rede no auditório da Fundação Libertad y Desarrollo.

– Palestra do Prof. Roberto Sánchez:

Em parceria com a Rede e a Universidade San Sebastián, a Fundação Libertad y Desarrollo criou a Academia de Líderes Jovens, focada em jovens venezuelanos que possam ser preparados para a futura transição democrática do país, que em algum momento virá

Jovens entre 18 e 35 anos receberam aulas de Democracia, Direitos Humanos, Economia, Instituições Internacionais, Sistemas Eleitorais, etc.

Alunos eram todos da oposição a Maduro, mas havia entre eles divergências doutrinárias claras. A oposição abrange diversas correntes.

Alguns alunos eram venezuelanos exilados em outros países da região. Esse tipo de curso oferece a eles não só o conteúdo mas um lugar de encontro social, de novas amizades, em momento onde estão deslocados da sua realidade.

– Apresentação de cueca, dança típica chilena

– Painel com jovens que hoje ocupam funções de governo em seus países (Frank Alley, Honduras e Yadive Ascimani, Bolívia)

— Frank Alley
assistente do Ministro da Secretaria Geral da Presidência de Honduras oriundo da juventude do Partido Nacional. É complicado sair do partido, da juventude e ir para o governo, pois na gestão se precisa aprender a ter posições sempre sensatas, modestas, falar o que sabe com dados e não o que se acha ou sente.

O governante é de todos, não só dos seus. Até dos que insultam. Temos que deixar de lado a militância.

Quando o governo assume passa dois anos só decidindo o que irá manter e o que irá encerrar do governo anterior. Quer implementar as medidas de sua agenda ao mesmo tempo. E a burocracia na América Latina é enorme e atrapalha mais ainda.

Ser jovem e atuar na gestão é difícil. O tempo todo temos que provar que somos capazes e vencer a desconfiança dos mais velhos, tanto no governo como no próprio partido.

Entrar na política hoje, para os honestos, é uma luta. Pagamento ruim, muitas horas de trabalho, descrédito social constante, família contra. Além de julgamentos públicos sem prova alguma, muitas vezes injustos.

A população não se sacia com um político na cadeia. Quer todos. Sobrará quem?

— Yadive Ascimani oriunda do movimento estudantil e atualmente Porta-Voz da plataforma cidadã “Bolívia Disse Não”, do Partido Democratas, que reforça que Evo Morales perdeu o referendo e não deveria poder ser candidato novamente. Atua no governo regional de Santa Cruz de la Sierra. Temos candidato a presidente, Oscar Ortiz.

Criamos em Santa Cruz o estatuto e o conselho da juventude que não existiam antes. Jovens são 40% dos eleitores na Bolívia. Foi graças aos jovens que o Não ganhou no referendo.

Os líderes jovens enfrentam desconfiança e falta de incentivo dentro do partido e na sociedade.

Será necessária maturidade dos líderes na Bolívia. Eles precisam abrir espaço aos jovens e precisam entender que nem todos poderão ser cabeças de chapa. A população não quer ver os mesmos de sempre.

– Jantar com presença do deputado Miguel Angel Calisto (DC, Chile) e de jovens que estão exilados por perseguição na Venezuela e na Nicarágua.

— Dep Calisto

O autoritarismo pode estar na esquerda ou na direita. Está principalmente no populismo. Autoritarismo e populismo atacam a essência do ser humano.

A democracia cristã não é materialista e nem liberal. Somos comunitaristas, somos o centro humanista.

Fui preso em Cuba por viajar ao país e tentar me reunir com líderes da oposição. Vivi na pele o que ocorre. “Me tiraram do quarto de hotel e me interrogaram. Passei por coisas que prefiro não falar. No avião voltando pro Chile chorei de raiva, de medo e de indignação. Nasci praticamente na democracia chilena, sou jovem, não vivi isso em meu país, não sabia como era o que os nossos vizinhos vivem”.

— Victor Cuadras, Nicarágua

Há 9 meses atrás era um simples trabalhador na indústria química. Por questões políticas, pela oposição dos cidadãos contra medidas do governo Ortega, me envolvi em passeatas e junto com amigos criei grupo de universitários. Fiquei preso 4 meses.

Para muitos a Nicarágua não importa. Somos apenas 7 milhões de habitantes entre os países mais pobres da região.

Fomos apáticos com relação a Cuba e Venezuela. Achamos que não chegaria aqui. Chegou. A democracia precisa ser protegida diariamente.

— Lorent Saleh, Venezuela

“É miserável existir sem liberdade. É mais que uma condição jurídica. É uma condição espiritual. A luta por ela é a coisa mais importante que alguém pode fazer. Traz sacrifícios. É difícil. Mas nada que vale a pena é fácil. Enquanto durmo cômodo hoje ainda há irmãos que dormem em celas em Cuba, na Venezuela, na Síria, na Criméia, na Arábia”

Lutei contra a ditadura de Chávez e Maduro e liderei manifestações. Denunciei nas redes sociais e na imprensa. Fui preso algumas vezes, mas consegui ser libertado. Me exilei na Colômbia mas o governo colombiano me devolveu. A partir do dia de minha entrega ao governo venezuelano fiquei 4 anos preso.

A ajuda de países irmãos é fundamental pois sem solidariedade não há liberdade.

A Venezuela tinha uma democracia antes de Chávez. Não podemos achar que está garantido.

2º dia (24/1)

– Viagem a Valparaíso

– Visita ao Parlamento chileno com boas-vindas da deputada Catalina Del Real (RN), da comissão de relações exteriores

– Visita ao plenário

– Debate na biblioteca do parlamento.

Jatzel Román, secretário geral da Rede, fala sobre o trabalho da instituição, que reúne jovens da América Latina que vão do centro à centro direita, lutam contra o bolivarianismo e defendem a democracia. A Rede tem patrocínio da Fundação Adenauer e de órgãos americanos, realizando eventos, observações eleitorais e participações em encontros da OEA.

Victor Cuadras, Nicarágua, conta sobre mortes de jovens em seu país e aprofundamento do autoritarismo.

Lorent Saleh apresenta vídeo contando sua história e mostrando a luta de sua mãe por sua libertação.

– Almoço em Valparaíso

– Debate sobre cenário político da América Latina no auditório do museu Baburizza

Bruno Kazuhiro, do Brasil, fala sobre cenário de seu país, com antipolítica forte nas eleições, protagonismo da operação lava jato, moderação do discurso de Bolsonaro após a vitória e expectativa positiva com relação a Guedes e Moro

Julieta Altieri, Argentina, ressalta que o país terá eleições gerais em 2019. Macri retirou a maquiagem da economia mas a recessão foi a consequência. Sergio Massa busca o apoio de parte do Partido Justicialista e Cristina Kirchner poderia sair candidata por uma sublegenda mais personalista, Unidad Ciudadana.

Yadive Ascimani, Bolívia, afirma que a oposição está fragmentada e isso ajuda Evo Morales. Há suspeita de que Carlos Mesa pode estar mantendo sua candidatura a pedido de Evo, para dividir a oposição, tendo um acordo nos bastidores com o presidente.

– Retorno a Santiago

– Visita à sede da Fundação para o Progresso (FPP) com palestra do Diretor de Conteúdo, Jorge Gómez

— Jorge Gómez, Diretor de Conteúdo da FPP Chile

A FPP surge em 2012 quando jovens vão às ruas para exigir novo modelo de educação e mais participação política. Defendemos a liberdade e promovemos a conscientização política. Formamos jovens sobre instituições, democracia, debate público, opinião pública. Temos cursos de formação ao redor do país e 4 escritórios.

Existe uma pobreza intelectual na direita, sejamos francos. A agenda foi tomada pela esquerda, estabelecendo paradigmas na sociedade. A direita precisa propor e mostrar que não é uma só. Há liberais, conservadores, nacionalistas, sociais cristãos, etc.

A sociedade chilena avançou muito a partir dos anos 70 com grandes momentos de estabilidade política e com a liberdade econômica, embora um período tenha sido com autoritarismo.

O jovem hoje quer sua identidade e seus direitos individuais. Quer bens e serviços. São valores de direita. Temos que mostrar isso. Ao mesmo tempo as pessoas hoje não querer as incertezas do futuro que só aumentam e a esquerda culpa o capitalismo. O debate precisa ser traduzido à sociedade e com nossas ideias sendo colocadas.

A defesa que a esquerda faz de Maduro, por exemplo, permite mostrar à sociedade quem defende o quê. A sociedade é contra Maduro por uma questão simples: A miséria.

A condição mental natural do chileno é pensar no seu país apenas. Estamos longe dos vizinhos, isolados por cordilheira, mar, deserto e geleira.

Os países que estão bem não podem cair na opulência. Precisamos da ética do trabalho. Com a arrogância caiu Roma. Com a ostentação a elite venezuelana gerou Chávez. O populismo e assistencialismo destroem a ética do trabalho. Os privilégios do neto que herda a empresa do avô sem esforço e dos rentistas revoltam. E o clientelismo gera sensação de direito adquirido. Como uma sociedade com esses vícios prospera?

Só há autonomia real com autonomia financeira. Hoje filhos precisam ser expulsos das casas dos pais aos 40 anos. Preferem o conforto do que a independência.

Quem está errado? O populista que oferece ou o cidadão que aceita?

Quando duas vontades se enfrentam sem regras, vence o mais forte. Ao mais fraco resta o risco da morte ou submeter-se, como diria Hegel. Quando um governo alimenta, ele mata de fome os seus adversários políticos. Esse tipo de sistema precisa da ética do cidadão para ser rompido, da vontade de ser dono de si mesmo. Por outro lado, é verdade que fazer o certo quando todos erram é muito custoso. Transmitir os valores que acreditamos serem os melhores para a sociedade é a missão da FPP.

Os líderes da América Latina das décadas anteriores estabeleceram a paz social da forma que puderam, com os vícios que conhecemos. Era o que se podia fazer. Eles sucederam os regimes autoritários. Agora precisamos de novos líderes, com novos valores, para avançar. Onde estão estes líderes novos?

3º dia (25/1)

– Visita guiada no Palácio La Moneda

– Encontro rápido com presidente Sebastián Piñera e ministros, no pátio do Palácio

– Almoço

– Debate sobre cenário político da América Latina no auditório do hotel

Anibal Samaoya, Guatemala, diz que o país vive hoje casos de corrupção constantes. Presidente Morales traiu a confiança do povo que o elegeu justamente para combater isso e o via como honesto. Há atualmente 36 partidos registrados. 12 pré-candidatos a presidente. Falta institucionalidade no país.

Ricardo MK, México, afirma que Obrador saiu das urnas muito forte, legitimado. Seu foco é na política interna, não gosta de política externa. Não acredita que o México possa caminhar para se tornar Venezuela, mas será governo simpático ao bolivarianismo. PAN tem problemas internos. Calderón e sua esposa estão criando movimento novo chamado Libre.

Neftali Zamora, Panamá, fala que seu país não tem Banco Central ou Forças Armadas, o que limita o possível uso autoritário da moeda e da força, embora já tenha havido regime autoritário no país. O Poder Judiciário é extremamente submisso à elite.

Lucia Macchi, Uruguai, o país não tem tantos problemas como os vizinhos. Está em 15º do mundo em nível democrático. Mas a polêmica do momento no país é a “Ley de Medios”. Esquerda tenta aprovar lei de imprensa com certos contornos de censura. Uma vergonha o Uruguai não ter se posicionado contra Maduro.

– Almoço com presença de Mariana Aylwin, ex-deputada, ex-ministra da educação do Chile e filha do ex-presidente Patricio Aylwin.

— Mariana Aylwin

Somos todos irmãos na América Latina. E sofremos com o mesmo problema: a desigualdade.

Nossa história é de fragilidade institucional e econômica. Nosso maior desafio é fortalecer nossa institucionalidade.

Nosso problema não é esquerda ou direita. É democracia x populismo. É diálogo x trincheira.

Como ministra estive em evento em Santa Cruz de la Sierra. O hotel estava cheio de venezuelanos. Perguntei o que faziam lá e me disseram que iam assistir a posse de Evo Morales. Eles se ajudam. E nós?

Me dói hoje ver jovens mais totalitários do que seus pais. Precisamos conscientizar dos valores democráticos.

Na Venezuela hoje apenas a Assembleia é democrática. As outras instituições são fantoches do ditador. Ao final do século XX a Venezuela tinha trajetória democrática e bons índices econômicos. Hoje tem uma catástrofe. Já o Chile, que era sempre intermediário nos rankings, trocou as trincheiras pelo diálogo e tem hoje os melhores indicadores, graças a políticas públicas e democracia.

O mundo teve onda de otimismo após queda do muro de Berlim. Havia espírito de união e progresso. Agora há uma onda inversa, de pessimismo, de isolamento, de radicalização.

Não creio que o Exército venezuelano seguirá de costas para seu povo. Em algum momento irão deixar o apoio total a Maduro.

– Presença de ex-magistrados venezuelanos exilados em Santiago

“A Assembleia Constituinte atual de Maduro, que rivaliza com a Assembleia, é totalmente ilegal. A constituição atual prevê plebiscito para que ela possa ser instalada. Ele tinha direito de convocar o plebiscito mas não de instalar a constituinte sem ele. Além disso, o oficialismo escolheu os membros, eles não foram eleitos”

– Encerramento com mesas de trabalho que dividiram os participantes para debate dos seguintes temas: Combate à corrupção, Pressão pela liberdade de presos políticos, Observação Eleitoral, Comunicação e Novas Ideias para a própria Rede.

29 de janeiro de 2019

COMUNICADO DA INTERNACIONAL DEMOCRATA DE CENTRO (IDC-CDI) SOBRE OS FATOS QUE OCORREM ATUALMENTE NA VENEZUELA.

A Internacional Democrata de Centro, em vista dos acontecimentos que estão ocorrendo na Venezuela, e em cumprimento de seu dever estatutário de defender a liberdade, a democracia e os direitos humanos no mundo, expressa seu apoio irrestrito ao deputado JUAN GUAIDÓ que, como determinado pela Constituição em vigor no seu país, a Venezuela, e ante a vacância na Presidência da República produzida por um governo espúrio e ilegítimo, tomou posse como presidente interino da República da Venezuela.

O IDC-CDI apoia e parabeniza os governos democráticos que reconheceram o deputado GUAIDÓ como o presidente legítimo da Venezuela e convida os países que ainda não o fizeram, bem como a União Europeia, a expressar seu apoio à formação de um governo que exige eleições livres e conduza essa grande nação no caminho da democracia.

Bruxelas, 24 de janeiro de 2019

APOIO IRRESTRITO DA IDC-CDI A JUAN GUAIDÓ COMO LEGÍTIMO PRESIDENTE DA VENEZUELA

Bruxelas, 24 de janeiro de 2019. Diante dos últimos acontecimentos na Venezuela, a Internacional Democrata de Centro (IDC-CDI) expressa seu apoio irrestrito a Juan Guaidó como Presidente da República da Venezuela e apela a todos os governos democráticos, bem como a União Europeia, para apoiar a formação de um governo de transição que convoque eleições livres.

O presidente do IDC-CDI e ex-presidente da Colômbia, Andrés Pastrana, declarou que “A IDC-CDI apoia unanimemente Juan Guaidó como Presidente da República da Venezuela. Agora, mais do que nunca, temos que estar com o povo da Venezuela em sua luta para restaurar a democracia e a liberdade. O regime de Maduro só trouxe fome, violência, perseguição e miséria”.

Por sua vez, o Secretário Geral do IDC-CDI, Antonio López-Istúriz, insistiu que o apoio de governos, instituições e organizações internacionais a Juan Guaidó como Presidente da Venezuela é essencial para acabar com anos de tirania e ditadura no país. Os venezuelanos merecem viver em paz, com liberdade e prosperidade. Trabalhamos para que a União Europeia oficialize seu respaldo e reconhecimento a Juan Guaidó. O povo da Venezuela tem o nosso apoio incondicional”.

28 de janeiro de 2019

“O ESPECTRO DE TROTSKY!”

(Cristovão Tezza, crítico literário – Ilustríssima – Folha de S.Paulo, 27) 1. Assisti ao seriado russo “Trótski” (Netflix), sobre o líder que teve uma participação crucial na Revolução de 1917. Em oito capítulos, a série sintetiza a vida de Leon Trótski (1879-1940), numa moldura narrativa que dá a Ramón Mercader (o assassino que, a mando de Stálin, aproximou-se dele no exílio no México para matá-lo) o peso ficcional de uma “voz da consciência”. Estimulado pela discussão imaginária entre eles, e já reduzido a uma sombra do que foi, Trótski revê seus fantasmas e nêmesis existenciais em flashbacks.

2. Filho de um judeu iletrado que enriqueceu como fazendeiro, ele surgiu no panorama russo como um livre atirador da abundante e explosiva esquerda revolucionária que proliferou na virada do século 20. Retórico irresistível, e maior orador da Rússia no seu tempo, quando escrever panfletos e convocar diretamente as massas tinha o poder eletrizante que lembra nossas redes de internet, Trótski só se tornou bolchevista de fato na reta de chegada do movimento liderado por Lênin.

3. Em seguida, comandante do Exército Vermelho, tornou-se o chefe militar implacável que conseguiu derrotar os “brancos” na brutal guerra civil que se seguiu. Quando Lênin morreu, em 1924, Trótski assomava como a mais popular liderança dos soviéticos, mas Stálin já controlava os cordões do poder. Em poucos anos, Trótski entra em desgraça e é exilado; no seu martírio político, passa pela Turquia, França, Noruega e finalmente México, quando é assassinado por Mercader.

4. Adaptações da vida real são recriações de risco; o realismo implícito da imagem cinematográfica é quase sempre empático, rápido e seletivo demais para permitir uma margem de reflexão enquanto nos envolvemos, mas isso está no DNA da linguagem do cinema. Eu gostei do seriado; tirante algumas figuras que me pareceram demasiado esquemáticas, e principalmente o onirismo fulgurante da conversa com Mercader (na realidade, uma figura anódina e intelectualmente medíocre), os fatos estão ali, mas em estado bruto e sintético, por assim dizer.

5. Para separar o joio dos fatos do trigo da ficção, mergulhei num calhamaço maravilhoso: “Trótski – uma biografia”, de Robert Service (Editora Record; tradução de Vera Ribeiro), um fino historiador britânico, também autor de uma biografia de Lênin e uma história do comunismo.

6. A complexa figura que emerge da obra coincide em boa medida com o retrato quase sempre frio (ou “mefistofélico”, como às vezes se dizia dele) que transparece no seriado. É surpreendente que o intelectual sofisticado e estilista de gênio (no seu tempo, diz Service, “apenas Churchill se equiparava a ele”) tenha sido também o militar que não hesitava em ordenar fuzilamentos sumários.

7. Dono de uma coragem pessoal que beirava a loucura, ao mesmo tempo tinha uma incrível vaidade aristocrática; era um posudo de pince-nez, sempre bem vestido em meio ao povo, que gostava de manter distância do mínimo traço de afeto. Perdia o amigo mas não o sarcasmo; polemista obsessivo, movia-se com um sentimento invencível de superioridade em meio aos grupos sectários de teóricos, brancaleones, líderes sérios e delinquentes políticos.

8. Por uma sequência caótica de acasos (a estupidez carola de Nicolau 2º, o massacre da Primeira Guerra, a incompetência de Kerenski, a eclosão de revoltas populares, o espírito do tempo e mais as pulsões da inefável alma russa afogada em seus demônios), súbito venceram-se as indecisões, deu-se um golpe no frágil Parlamento e tomou-se o poder, contrariando todas as teses clássicas do milenarismo marxista.

9. Naquele instante, o poder na mão era apenas um fio roto — e o improvável Trótski, que fazia inimigos por onde passava, teve um papel fundamental para torná-lo definitivo e consolidar a URSS.

10. O curioso é que o comando supremo da Revolução passou encilhado diante dele, duas ou três vezes, e ele recusou-o, já satisfeito com a grandeza ingênua de seu verbo infalível. Vendo daqui, é fácil dizer que Trótski morreu em 1940 sem entender nada; em meio à barbárie nazista de Hitler e o Terror de Stálin, ainda sonhava com uma revolução totalitária, permanente e sem fronteiras.

11. Morria o último herói político do século 19, tornando-se ídolo de uma pletora rebelde, difusa e fragmentada de esquerda. O “espectro” que rondava a Europa, que abre o célebre manifesto de Marx e Engels, talvez não fosse exatamente o comunismo, mas o Romantismo, esta hipnótica caixa de Pandora que formatou o mundo moderno. O que é outra longa história.

25 de janeiro de 2019

QUEM É JUAN GUAIDÓ, QUE SE AUTODECLAROU PRESIDENTE INTERINO DA VENEZUELA

(G1, 24) A oposição na Venezuela retoma seus protestos em 2019 impulsionada por uma nova figura. Jovem, determinada e conciliadora, com as reivindicações já conhecidas: transição democrática e eleições livres.

Em menos de um mês, Juan Guaidó passou de um rosto pouco conhecido do público à maior ameaça para o regime de Nicolás Maduro. Foi empossado presidente da Assembleia Nacional e, nesta quarta, ganhou o respaldo internacional de países como os EUA e o Brasil, depois de se autodeclarar o presidente interino do país.

Guaidó vem de uma família de pouco dinheiro. “Sei o que é passar fome”, afirma. Hoje, aos 35 anos, é formado em engenharia e tem mestrado em administração pública. É casado e tem uma filha de pouco mais de um ano.

Em 1999, quando tinha 15 anos e Hugo Chávez cimentava a sua revolução depois de somente 10 meses na presidência, Guaidó sobreviveu a uma das piores tragédias naturais da Venezuela. Inundações e enormes deslizamentos de terra no estado costeiro de Vargas mataram milhares de pessoas. Na época, Guaidó vivia com sua mãe e seus cinco irmãos mais novos.

Em 2009, Guaidó foi membro fundador do partido Vontade Popular (VP), do líder opositor Leopoldo López.

O jovem foi eleito deputado suplente em 2010 e legislador titular em 2015 pelo estado de Vargas, depois de participar de uma greve de fome para exigir que se fixasse a data das eleições parlamentares.

Assentou seu caminho com denúncias de corrupção na estatal petroleira Pdvsa, enquanto a produção de petróleo colapsava e a crise no país se agravava, com a hiperinflação e escassez de alimentos básicos e remédios.

Não era um homem de grandes discursos, mas resolveu assumir a liderança de uma oposição dividida, com seus principais dirigentes presos, exilados ou inabilitados.

“Guaidó é uma cara nova, considerado um homem de consenso pelos moderados e respeitado também pelos radicais”, disse à agência France Presse (AFP) o analista Diego Moya-Ocampos.

É um “jogo complicado”, disse Mejía. A Venezuela, acrescenta, “é um país acostumado com o personalismo e o caudilhismo, e estão colocando uma carga pesada sobre Juan. A mudança não depende só dele, depende de todos”.

Depois do triunfo eleitoral da oposição nas eleições parlamentares de 2015, que lhe permitiu ter a maioria da Assembleia Nacional, os principais partidos opositores decidiram se revezar na presidência da Casa a cada ano.
2019 era a vez do VP, mas seus principais líderes não podiam assumir o cargo: López está em prisão domiciliar pelos protestos contra Maduro em 2014; Carlos Vecchio, o número 2 do partido, está exilado nos EUA; e Freddy Guevara se refugiou na embaixada do Chile em Caracas, acusado pelas violentas manifestações de 2017.

Em 5 de janeiro, Guaidó foi empossado presidente da Assembleia Nacional, se comprometendo a liderar um governo de transição que convoque eleições. Em diversas declarações, convida os militares a romper com Maduro, a quem chama de “ditador” e cuja reeleição diz ser uma fraude.

Maduro, por sua vez, define Guaidó como “um menino brincando com a política” no Legislativo.

Apenas uma semana depois, foi detido durante uma hora por agentes do serviço de inteligência bolivariano, o que foi condenado pelo próprio governo chavista. A ação teria acontecido por uma interpretação de que Guaidó teria se autoproclamado presidente da Venezuela em um discurso confuso.

Sob sua direção, o Congresso declarou Maduro um ‘usurpador’ da presidência da Venezuela e aprovou uma “anistia” a militares que não reconheçam o chavista.

A oposição política venezuelana e diversos países – entre eles, os EUA, o Canadá e os membros do Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte – não reconheceram a legitimidade do novo mandato que Maduro assumiu no dia 10 de janeiro. Ele foi reeleito com quase 70% dos votos, uma eleição fortemente boicotada pela oposição e acusada de irregularidades.

Guaidó admite, entretanto, que desafiar um governo que controla a Força Armada lhe trará problemas. “Isso vai ter consequências”, admitiu. Contudo, todas as decisões do Legislativo são consideradas nulas pela Justiça, de linha governista.

24 de janeiro de 2019

ARQUITETURA: OS ESPAÇOS CONSTRUÍDOS INFLUENCIAM A VIDA SOCIAL!

(Sergio Magalhães – Globo, 19) 1. Os espaços construídos influenciam a vida social ou são irrelevantes? A noção de Cidade Maravilhosa tem relação com as obras de Pereira Passos? Terá o ambiente de Copacabana algo a ver com a bossa nova? As civilizações têm seus marcos intangíveis, como os acordos sociais, que as qualificam, e suas expressões materiais, como a arquitetura, que conformam a identidade coletiva. Assim, a França, por exemplo, por valorar o papel da arquitetura na construção de sua identidade cultural, rejeitou o regime comum de obras públicas proposto pela União Europeia.

2. A arquitetura é o abrigo e o espaço coletivo, a casa e a cidade, a produção autoral e a anônima, a complexa obra de arte e a simples construção. É expressão da cultura e agente em seu processo evolutivo. Nessa compreensão, pelo rico patrimônio produzido em séculos bem como pelos enormes desafios da cidade contemporânea, é que o Rio será sede do 27º Congresso Mundial de Arquitetos, em 2020. E “Capital Mundial da Arquitetura”, designada pela Unesco. A primeira cidade no mundo a receber este título.

3. Congresso Mundial e Capital Mundial são eventos entrelaçados com potência para valorizar, ainda mais, nosso patrimônio arquitetônico, urbano e paisagístico. Em especial, para promover uma reflexão ampla sobre o espaço que temos e como desejamos acolher a vida social em nosso futuro. O Congresso Mundial é promovido sob chancela da União Internacional de Arquitetos (UIA) e organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil em sintonia com todas as instituições nacionais da arquitetura, do urbanismo e da pesquisa nesse campo. A programação da Capital Mundial, sob chancela da Unesco e da UIA, cabe à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro em cogestão com o IAB.

4. Sendo eventos mundiais, seu horizonte ultrapassa o país. Serão lugares de interesse para os muitos milhares de arquitetos e urbanistas, acadêmicos, estudiosos, produtores de cultura que virão ao Brasil em 2020. Serão também importantes para colocarem as questões urbanas com visibilidade para a sociedade e os governos, e, igualmente, para ajudarem a produzir uma agenda positiva para as nossas cidades.

5. Quais as boas experiências mundiais quanto à construção, à mobilidade, à tecnologia, ao planejamento e à gestão de cidades e metrópoles? Como urbanizar e integrar as áreas populares? Como reduzir a desigualdade intraurbana? Como superar a segregação urbana? Quais os compromissos da cidade com o ambiente e o clima? Como as diversas expressões da cultura constroem o espaço social?

6. A arquitetura e a boa cidade são essenciais para o bem-estar e para o desenvolvimento nacional; não são só decorrentes, são também produtoras de progresso. A economia nacional se desenvolve não apenas com grandes negócios, mas também com micros e médios empreendimentos que prosperam quando as condições urbanas são favoráveis, e minguam quando são degradadas. Vale recordar.

7. As obras do Rio, ao tempo de Pereira Passos, reformaram o Centro e fizeram a praia acessível e pública; é quando se cunha a expressão Cidade Maravilhosa. Décadas depois, Copacabana emerge cosmopolita, à beira-mar, densa; são os Anos Dourados da bossa nova. Que o Rio possa compartilhar sua rica experiência com todos os brasileiros e estrangeiros que aqui vierem para celebrar a vida, expressa na arte de construir.

8. Que o Brasil saiba corresponder à confiança que as instituições internacionais da cultura lhe conferem e possa realizar o mais participativo Congresso Mundial; que tenha o ano de 2020 como a Capital Mundial que sabe reconhecer suas vitórias, seus desafios e consiga propor horizontes mais belos, mais iluminados, mais inclusivos, mais solidários para as cidades.

9. Justamente por seu caráter eminentemente social, a arquitetura não é afeta somente aos arquitetos. Arte e técnica são necessariamente de todos. Arquitetura é pedra sobre pedra, mas sobretudo alma, amor, aconchego, memória e esperança.

23 de janeiro de 2019

“URBANIZAÇÃO DÁ FÔLEGO PARA A CHINA CRESCER POR 30 ANOS”!

(Folha de S.Paulo, 20) 1. O início de 2019 promete ser turbulento para a economia chinesa. Mas a grande esperança é que 2016 não se repita. Nesse ano, a preocupação com o colapso da segunda maior economia do mundo levou as Bolsas mundiais a desabar, o petróleo a cair a menos de US$ 30 e à desvalorização cambial na maioria dos países emergentes.

2. Um fato é inegável: a economia chinesa está desacelerando, embora ainda cresça muito acima da média mundial.  O alvo do governo é para que cresça 6% em 2019, abaixo dos 6,5% esperados para 2018. O PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado será divulgado nesta segunda (21). Analistas temem que o crescimento seja na casa dos 5%
—taxa que pode parecer muito alta para nós, já que a economia brasileira tem crescido a menos de 3% ao ano desde o início do Plano Real, mas é a menor desde 1990.

3. A economia chinesa é dezenas de vezes maior do que na última vez em que o crescimento foi abaixo de 6%, mas 560 milhões do 1,4 bilhão de chineses vivem no campo, e o crescimento é básico para que a renda dos mais pobres cresça. No momento em que um chinês migra da área rural para a cidade, sua produtividade triplica. Isso, por si só, garante um crescimento econômico de 2% a 3% ao ano. Cerca de 250 milhões de pessoas —mais que a população do Brasil— devem deixar o campo nos próximos 15 a 20 anos.

4. A economia chinesa já cresceu muito, mas ainda tem muito espaço para avançar. Hoje, o PIB por pessoa empregada na China é de menos de US$ 30 mil, enquanto nos EUA é de US$ 115 mil. Isso significa que um trabalhador chinês é, grosso modo, 25% tão produtivo quanto um americano. Com todos os avanços tecnológicos na China, podemos imaginar que um trabalhador chinês possa ter 60% da produtividade americana antes de o país bater nos limites de produtividade.

5. Se fizermos hipóteses conservadoras, com a economia chinesa crescendo a 5,5% ao ano e a americana a 2,5%, a produtividade chinesa chegará à barreira de 60% em 2048.  Ou seja, a economia chinesa pode crescer 30 anos sem crises —e não será estranho. Mas o fato de a economia ainda estar longe de bater no limite de produtividade não quer dizer que não haja riscos. Em dezembro de 2018, pela primeira vez desde o susto de 2016, indicadores de confiança de investimentos da indústria foram abaixo de 50 —o que indica possível contração.

6. O único índice que se mantém acima desse nível é o de produção esperada e atividade de negócios. Ou seja, as empresas esperam aumentar a produção, mas pode ser que não aumentem o investimento —um sinal de cautela.  Embora a indústria possa desacelerar, o país passa por uma grande transformação, deixando de ser somente a grande fábrica do mundo para se tornar cada vez mais uma economia de serviços.

7. Em 2016, pela primeira vez desde o início do processo de industrialização, o setor de serviços passou a responder por mais da metade do PIB do país (além de 40% do emprego e 80% dos lucros corporativos). Com o aumento da urbanização, algo visto com bons olhos por políticos chineses, a tendência deve continuar.  A título de comparação, serviços respondem por 63% do PIB no Brasil, 66% na União Europeia e 77% nos EUA.

8. As vendas ao consumidor crescem por volta de 8% ao ano, acima do crescimento do PIB (embora a venda de carros caia). Ademais, a queda dos indicadores de confiança da indústria é, em parte, contrabalançada pelo setor de serviços, que continua a mostrar robusta expansão. Os imóveis, não obstante a incerteza da economia, dão sinais de recuperação, com preços nas cidades de porte médio crescendo acima dos das maiores cidades, onde os valores já são bem altos. O preço por metro quadrado em Xangai é comparável ao de Nova York.  No ano passado, os imóveis ficaram mais caros em 63 das 70 maiores cidades e em 11 das 15 principais capitais.

9. No campo das finanças públicas, o déficit público chinês está sob controle e foi de cerca de 2,5% do PIB em 2018. Como há um medo de desaceleração, o governo deve aumentar seus gastos, com o déficit primário subindo para algo entre 2,6% e 3% em 2019. Mas a dívida pública é de menos de 50% do PIB e o país tem US$ 3 trilhões em reservas internacionais.

10. O país conta com controles de capitais para conter a volatilidade cambial. No passado, o país tinha câmbio fixo, mas hoje o regime é de bandas cambiais, com a entrada líquida de moeda estrangeira afetando a taxa de câmbio. As autoridades monetárias, em 2015, tiveram que ceder a um ataque especulativo. Chegaram a vender quase US$ 1 trilhão em reservas antes de ceder, desvalorizando o câmbio. Hoje, mesmo com a guerra comercial, ainda mantém elevados saldos comerciais, embora no primeiro trimestre de 2018 o saldo tenha ficado negativo pela primeira vez desde 2013 —efeito, em parte, do Ano-Novo Chinês, quando as fábricas fecham e dão férias.

11. O fato é que, nos últimos 40 anos, desde o início das reformas, a China saltou de um país pobre, com 88% da população em extrema pobreza, para classe média alta. Há obstáculos, como o endividamento das empresas estatais, a guerra comercial com os EUA, a queda nas expectativas da indústria e outros. Mas nunca na história da humanidade uma sociedade conseguiu tanto em tão pouco tempo, tirando da pobreza mais de 1 bilhão de pessoas (e contando).

12. O lema de Deng Xiaoping, pai das reformas de mercado e que morreu em 1997, ainda é o grande motor da economia: “Enriquecer é glorioso”. Ainda temos na cabeça a ideia do trabalhador chinês ganhando muito pouco, quase como um escravo que trabalharia até a exaustão por salários minúsculos. Essa visão está errada, por dois motivos. Em primeiro lugar, o país atingiu o pico do número de trabalhadores. A população chinesa não deve passar muito de 1,4 bilhão de pessoas. Em 20 anos, deve ser menor do que hoje.

13. O importante: a população, já com idade mediana de 37 anos (ou seja, 700 milhões de pessoas têm mais idade que isso), vai envelhecer sobremaneira. A idade mediana deve ir para 47, com redução de 90 milhões de trabalhadores nas próximas duas décadas, segundo o Banco Mundial. Em segundo lugar, o salário mínimo tem aumentado bem acima da inflação —que é bem baixa, de cerca de 2% ao ano.  Na China não há salário mínimo nacional, e em 2018 mais da metade das 31 províncias aumentou o salário.

14. A variação regional é grande. Em Pequim, o salário mínimo é de 2.120 yuans (cerca de R$ 1.100), enquanto em Anhui, uma província pobre, ele é de 1.150 yuans (R$ 632).  Em Xangai, vi de perto o processo de melhoria de vida ao longo dos dez anos que vou ao país. Em 2009, um corte de cabelos custava 15 yuans (R$ 8). Hoje, não sai por menos de 42 yuans (R$ 23).  Grande parte do aumento foi direto para a conta dos trabalhadores —assim como no Brasil, é comum que patrões chineses reclamem dos aumentos constantes de salário.

15. Claro que ganhar salário mínimo, como em qualquer lugar, não faz de ninguém na China classe média, e quem ganha pouco corta um dobrado, mas também não dá para dizer que as pessoas são semiescravas. Em outra frente, o país tem avançado tecnologicamente. O processo de industrialização é como uma escada, na qual cada degrau significa produzir menos produtos pouco sofisticados e mais bens tecnologicamente superiores.

16. A China já investe quase 50% do montante investido nos EUA em pesquisa e desenvolvimento. O plano do governo é de aumentar esse investimento dos atuais 2,2% do PIB para mais de 2,5% já em 2020. O país já é colíder mundial em inteligência artificial e no chamado machine learning —aprendizado de máquinas, uma forma de aplicar a inteligência artificial. Muito da produção de bens de baixa qualidade já se mudou para Bangladesh, Camboja e outros países.

17. Outra característica importante: o trabalhador chinês é bastante sofisticado, tendo acesso a uma gama de produtos com os quais a maioria dos brasileiros nem sonharia. O Taobao, da Alibaba, por exemplo, tem cerca de 800 milhões de produtos a venda. A Alibaba, em 2018, vendeu produtos para mais de 600 milhões de chineses. As vendas são de mais de US$ 1 trilhão por ano e cresceram 20% em 2018. A cada 10 compras online no mundo, 4 são na China. Isso permite que muitas pessoas se tornem microempreendedoras e consumidores busquem o melhor preço em qualquer lugar do país. Assim, o salário vai mais longe.

22 de janeiro de 2019

“A POLARIZAÇÃO É GLOBAL”!

(Moisés Naim) 1. O governo da superpotência está parado. O de uma antiga superpotência, o Reino Unido, também está paralisado, depois de sofrer uma série de gols contra. Angela Merkel, que até pouco tempo era a líder europeia mais influente, se aposenta. Seu colega francês enfrenta uma convulsão social protagonizada pelos agora famosos “coletes amarelos”.

2. A Itália, sétima maior economia do mundo, é governada por uma coalizão cujos líderes têm ideologias diametralmente opostos e cujas declarações nos deixam perplexos e sem saber se rimos ou choramos. Os italianos decidiram provar como se vive quando o desgoverno é levado aos seus limites mais extremos.

3. O chefe do governo espanhol ocupa o cargo não porque seu partido desfruta de uma maioria parlamentar, mas chegou ali graças a um tortuoso procedimento legislativo. O primeiro-ministro de Israel, a única democracia do Oriente Médio, é acusado de corrupção, fraude e outros crimes. Nos próximos meses Binyamin Netanyahu poderá ou ser reeleito ou ir para a cadeia.

4. Em todos esses países, a sociedade sofre de uma enfermidade política autoimune – uma parte do seu ser está em guerra contra o resto do corpo social. A polarização da sociedade, e por consequência da política, é um fator comum e um sinal destes tempos. Isto não quer dizer que antes não havia polarização. Mas agora as situações excepcionais de paralisia e caos governamental que ela provoca se tornaram norma. A paralisação do governo dos EUA é apenas o mais recente e mais revelador exemplo desta tendência.

5. Antes, os governos democráticos conseguiam chegar a acordos com seus oponentes ou armar coalizões que permitiam a tomada de decisões. Agora, os rivais políticos com frequência se tornam inimigos irreconciliáveis, impossibilitando qualquer acordo, compromisso ou coalizões com seus adversários. A polarização é uma pandemia que se globalizou: suas manifestações são evidentes na maioria das democracias do mundo.

6. A que se deve a tendência de fragmentação das sociedades em partes que não se toleram? O aumento da desigualdade, a precariedade econômica e a sensação de injustiça social são, sem dúvida, algumas das causas da polarização política. A propagação das redes sociais e a crise do jornalismo e dos meios de comunicação tradicionais também contribuem para estimulá-la.

7. Redes sociais como o Twitter ou Instagram só permitem mensagens curtas. Essa brevidade privilegia o extremismo, uma vez que, quanto mais curta a mensagem, mais radical ela deve ser para circular bastante. Nas redes sociais não há espaço, tempo e nem paciência para meios termos, ambivalências, sutilezas ou a possibilidade de visões contrárias encontrarem pontos em comum. Tudo é ou muito branco ou muito negro. E, naturalmente, isto favorece os sectários e dificulta a realização de acordos.

8. Mas há mais. A polarização não resulta somente dos ressentimentos causados pela desigualdade ou a beligerância estimulada pelas redes sociais. A antipolítica, o repúdio total à política e aos políticos tradicionais é outra fonte importante de polarização. Os partidos políticos têm hoje de enfrentar uma profusão de novos concorrentes (movimentos, coletivos, marés cidadãs, facções, ONGs) que os forçam a adotar posições mais radicais e intransigentes. Ironicamente, para manter seus seguidores e serem competitivos nas urnas, os partidos políticos tradicionais também precisam adotar posições moldadas pela antipolítica.

9. Muitos dos novos concorrentes agrupam seguidores atraídos pela ideia de pertencer a organizações políticas em que militam pessoas com as quais compartilham uma determinada identidade. Esta identidade pode ser de natureza religiosa, étnica, regional, linguística, sexual, geracional, urbana, rural. A suposição é a de que a identidade que une os participantes de um grupo político cria interesses e preferências similares.

10. Como a identidade com frequência é mais permanente e menos fluida que as posições políticas “normais”, isto torna mais difícil para este tipo de grupo político fazer concessões em assuntos que dizem respeito à identidade de seus membros. O que naturalmente faz com que esses agrupamentos se tornem mais inflexíveis. Como sabemos, a rigidez e a polarização andam juntas.

11. A polarização política não vai abrandar tão cedo. Muitas de suas causas são poderosas e incontroláveis. A esperança é que, da mesma maneira que a polarização causa a paralisia dos governos ou um clima político tóxico, ela também pode produzir mudanças e rupturas em países com sistemas políticos corruptos, medíocres ou inoperantes. Como o colesterol, que comporta o bom e o ruim, há casos nos quais a polarização política pode ter efeitos positivos. Tomara que sejam muitos.

21 de janeiro de 2019

120 ANOS DA REPÚBLICA! “A LAICIDADE DO ESTADO”! 

(Celso Lafer – Estado de S. Paulo, 20) 1. A Re­pú­bli­ca em nos­so país da­ta de 1889. As­si­na­lou-se por re­pre­sen­tar uma con­tra­po­si­ção às ins­ti­tui­ções do Bra­sil im­pé­rio. Nes­te ano, que mar­ca os 120 anos da exis­tên­cia e vi­gên­cia das ins­ti­tui­ções re­pu­bli­ca­nas, re­to­mo, pa­ra des­ta­car, uma mu­dan­ça de mai­or sig­ni­fi­ca­do e du­ra­dou­ra im­por­tân­cia pa­ra o País, que já dis­cu­ti em mais de uma opor­tu­ni­da­de nes­te es­pa­ço – em 20/5/2007 e 15/7/2016.

2. Re­firo-­me à im­plan­ta­ção da lai­ci­da­de do Es­ta­do, que tem co­mo uma de su­as ca­rac­te­rís­ti­cas es­sen­ci­ais a se­pa­ra­ção da Igre­ja e do Es­ta­do, va­le di­zer, uma ní­ti­da dis­tin­ção en­tre, de um la­do, ins­ti­tui­ções, mo­ti­va­ções e au­to­ri­da­des re­li­gi­o­sas e, de ou­tro, ins­ti­tui­ções es­ta­tais e au­to­ri­da­des po­lí­ti­cas, de tal for­ma que não ha­ja pre­do­mí­nio da re­li­gião so­bre a po­lí­ti­ca.

3. Um Es­ta­do lai­co di­fe­ren­ci­a­-se de um Es­ta­do te­o­crá­ti­co, no âm­bi­to do qual o po­der re­li­gi­o­so e o po­lí­ti­co se fun­dem. É o ca­so da Ará­bia Sau­di­ta e do Irã. Di­fe­ren­cia-se igual­men­te de um Es­ta­do con­fes­si­o­nal, no âm­bi­to do qual exis­tem vín­cu­los en­tre o po­der po­lí­ti­co e uma re­li­gião. Foi o ca­so do Bra­sil im­pé­rio, que afir­mou o ca­to­li­cis­mo co­mo a re­li­gião ofi­ci­al, mas as­se­gu­rou a li­ber­da­de de opi­nião e de cul­to de ou­tras re­li­giões.

4. A lai­ci­da­de não se cir­cuns­cre­ve ao re­co­nhe­ci­men­to da li­ber­da­de de cons­ci­ên­cia, re­li­gião e cul­to, que con­fe­re à li­vre e autô­no­ma cons­ci­ên­cia do in­di­ví­duo a ade­são, ou não, a uma re­li­gião. Sig­ni­fi­ca que o Es­ta­do se des­so­li­da­ri­za e se afas­ta de to­da e qual­quer re­li­gião, em fun­ção de um mu­ro de se­pa­ra­ção en­tre Es­ta­do e Igre­ja, co­mo ins­ti­tu­ci­o­nal­men­te con­subs­tan­ci­a­do pe­la Pri­mei­ra Emen­da da Cons­ti­tui­ção nor­te-ame­ri­ca­na, na lei­tu­ra de Tho­mas Jef­fer­son.

5. Ruy Bar­bo­sa as­si­mi­lou a vi­são nor­te-ame­ri­ca­na. Nes­sa li­nha é de sua au­to­ria, ain­da na vi­gên­cia do go­ver­no pro­vi­só­rio de De­o­do­ro, o De­cre­to n.º 119A, que im­plan­tou a se­pa­ra­ção da Igre­ja e do Es­ta­do em nos­so país. Es­sa se­pa­ra­ção ad­qui­riu sua ins­ti­tu­ci­o­na­li­da­de pró­pria no ar­ti­go 72 da Cons­ti­tui­ção de 1891, a pri­mei­ra Cons­ti­tui­ção re­pu­bli­ca­na do Bra­sil.

6. Nos ter­mos do ar­ti­go 72, passaram a in­te­grar a mol­du­ra da lai­ci­da­de no Bra­sil: 1) a se­cu­la­ri­za­ção do re­gis­tro ci­vil, do ca­sa­men­to, da ad­mi­nis­tra­ção dos ce­mi­té­ri­os, des­vin­cu­lan­do do âm­bi­to da Igre­ja o re­co­nhe­ci­men­to ju­rí­di­co dos mo­men­tos de vi­da do ci­da­dão – do seu nas­ci­men­to à sua mor­te; 2) a obri­ga­ção de ser lei­go o en­si­no mi­nis­tra­do nos es­ta­be­le­ci­men­tos pú­bli­cos; e 3) a de­ter­mi­na­ção de que “ne­nhum cul­to ou igre­ja go­za­rá de sub­ven­ção ofi­ci­al, nem te­rá re­la­ções de de­pen­dên­cia ou ali­an­ça com o go­ver­no da União ou dos Es­ta­dos”.

7. O ar­ti­go 72 in­te­gra a De­cla­ra­ção de Di­rei­tos da Cons­ti­tui­ção de 1891. Daí o vín­cu­lo en­tre lai­ci­da­de e di­rei­tos hu­ma­nos. Es­tes tu­te­lam, sem in­ter­fe­rên­cia es­ta­tal, a ple­ni­tu­de da li­ber­da­de in­di­vi­du­al de cren­ças, opi­niões e re­li­giões, no âm­bi­to de uma so­ci­e­da­de con­ce­bi­da co­mo plu­ra­lis­ta.

8. Na ex­pe­ri­ên­cia cons­ti­tu­ci­o­nal bra­si­lei­ra, que re­to­ma a li­nha inau­gu­ra­da pe­la Cons­ti­tui­ção de 1891, a lai­ci­da­de diz res­pei­to ao Es­ta­do, que é neu­tro em ma­té­ria de re­li­gião e não exer­ce ati­vi­da­des re­li­gi­o­sas. Es­se é o sig­ni­fi­ca­do da in­ser­ção do ar­ti­go 19, que dis­põe so­bre a lai­ci­da­de na Cons­ti­tui­ção de 1988, no âm­bi­to do seu Tí­tu­lo III, que tra­ta da or­ga­ni­za­ção do Es­ta­do.

9. Um Es­ta­do lai­co não im­pli­ca a lai­ci­da­de da so­ci­e­da­de ci­vil. Es­ta se ca­rac­te­ri­za co­mo uma es­fe­ra autô­no­ma e pró­pria pa­ra o exer­cí­cio, sem in­ter­fe­rên­cia do Es­ta­do, da li­ber­da­de re­li­gi­o­sa e de cons­ci­ên­cia, tu­te­la­da pe­las ga­ran­ti­as in­di­vi­du­ais dos di­rei­tos hu­ma­nos. Tra­ta-se de ex­pres­são da sabedoria li­be­ral da ar­te da se­pa­ra­ção de es­fe­ras, que en­con­tra uma pri­mei­ra for­mu­la­ção na li­ção evan­gé­li­ca “a Cé­sar o que é de Cé­sar, a Deus o que é de Deus”.

10. A lai­ci­da­de vin­cu­la-se à des­con­cen­tra­ção do po­der ide­o­ló­gi­co num mun­do mais se­cu­la­ri­za­do. Po­li­ti­ca­men­te é uma for­ma de res­pon­der aos ím­pe­tos in­tran­si­ti­vos da in­to­le­rân­cia, cri­an­do no es­pa­ço pú­bli­co uma lin­gua­gem com­par­ti­lhá­vel. É nes­se con­tex­to que Ra­wls su­ge­re sub­trair da agen­da pú­bli­ca as ver­da­des da re­li­gião. A lai­ci­da­de con­tri­bui pa­ra con­ter a in­to­le­rân­cia ao pro­pi­ci­ar a con­vi­vên­cia de­mo­crá­ti­ca de ver­da­des con­tra­pos­tas, re­li­gi­o­sas e po­lí­ti­cas.

11. En­se­ja a acei­ta­ção do “di­fe­ren­te”, di­luin­do os pre­con­cei­tos que ge­ra. Fa­vo­re­ce a di­men­são éti­ca do res­pei­to pe­la dig­ni­da­de do Ou­tro. Es­cla­re­ce a di­men­são epis­te­mo­ló­gi­ca de que a ver­da­de não é, on­to­lo­gi­ca­men­te, una, mas múl­ti­pla, e tem vá­ri­as fa­ces.

12. Des­ta­co es­ses as­pec­tos pa­ra ob­ser­var que na vi­da da so­ci­e­da­de bra­si­lei­ra exis­tem mui­tas ma­té­ri­as em que tan­to o Es­ta­do quan­to as re­li­giões têm nor­mas e prin­cí­pi­os pró­pri­os. São exem­plos des­sas res mix­tae as po­lí­ti­cas de vi­da, o di­vór­cio, o abor­to, a na­tu­re­za e o pa­pel do en­si­no, o con­tro­le da na­ta­li­da­de, o sig­ni­fi­ca­do da fa­mí­lia, a abran­gên­cia do es­co­po da pes­qui­sa ci­en­tí­fi­ca.

13. Num Es­ta­do lai­co não ca­be, por obra de de­pen­dên­cia ou ali­an­ça com qual­quer re­li­gião, im­por e san­ci­o­nar ju­ri­di­ca­men­te nor­mas éti­co-re­li­gi­o­sas pró­pri­as à fé de uma con­fis­são. Com efei­to, num Es­ta­do lai­co, as nor­mas re­li­gi­o­sas das di­ver­sas con­fis­sões são con­se­lhos e ori­en­ta­ções di­ri­gi­dos aos fiéis, e não co­man­dos pa­ra to­da a so­ci­e­da­de.

14. A li­ção de lai­ci­da­de po­si­ti­va­da em nos­so país pe­la Re­pú­bli­ca tem co­mo fi­na­li­da­de ga­ran­tir ao ci­da­dão, co­mo in­di­ví­duo, no âm­bi­to da so­ci­e­da­de ci­vil, a li­ber­da­de de re­li­gião e de pen­sa­men­to, pos­si­bi­li­tan­do a di­fe­ren­ci­a­ção em ma­té­ria de ide­o­lo­gi­as re­li­gi­o­sas e cul­tu­rais. Tra­ta-se do cam­po das li­ber­da­des in­di­vi­du­ais a se­rem tu­te­la­das, sem ar­bí­tri­os e dis­cri­mi­na­ções, de acor­do com as dis­po­si­ções do or­de­na­men­to ju­rí­di­co. A fi­na­li­da­de pú­bli­ca da lai­ci­da­de é cri­ar pa­ra to­dos os ci­da­dãos, não obs­tan­te sua di­ver­si­da­de e os con­fli­tos po­lí­ti­coi­de­o­ló­gi­cos, uma pla­ta­for­ma co­mum na qual pos­sam en­con­tear-se en­quan­to in­te­gran­tes de uma co­mu­ni­da­de po­lí­ti­ca de­mo­crá­ti­ca.

15. É es­sa fi­na­li­da­de que ca­be res­guar­dar em nos­so país pa­ra con­ter o in­de­vi­do ris­co de trans­bor­da­men­to da re­li­gião pa­ra o es­pa­ço pú­bli­co.

18 de janeiro de 2019

VEM AÍ O FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL DE DAVOS!

(Tássia Kastner – Folha de S.Paulo, 17) Disputas econômicas e políticas entre países e mudanças em regras de acordos comerciais são citadas como os principais riscos globais para 2019, em relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial nesta quarta-feira.

Não à toa, investidores seguem preocupados com o andamento de um acordo que possa colocar fim à guerra comercial travada entre Estados Unidos e China há quase um ano, ao mesmo tempo em que o Reino Unido luta para chegar uma solução para o Brexit –a saída da União Europeia.

Segundo o relatório, o multilateralismo está em risco, com líderes políticos priorizando o discurso nacionalista. “O multilateralismo pode ser enfraquecido de inúmeras maneiras. Estados podem se retirar de acordos e instituições, eles podem intervir para evitar consensos e podem criar regras seletivas para futuras normas e regras”, escreveu o órgão.

Sobre a deterioração das relações comerciais, o documento lembra como a disputa entre Estados Unidos e China se deteriorou rapidamente ao longo de 2018 e destacou como a piora na tensão entre os dois países levou a revisões para o PIB global.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) reduziu em outubro do ano passado a projeção de crescimento do Estados Unidos de 2,9%, em 2018, para 2,4% em 2019. Já a economia chinesa deve perder força de 6,6% para 6,2%.

“Qualquer desaceleração global irá adicionar turbulência para países em desenvolvimento, que já estão enfrentando altas em taxas de juros e, em alguns casos, estresses na política doméstica”, destaca o documento.

O relatório destacou ainda riscos para o investimento direto estrangeiro nos países, com barreiras à compra de empresas na Europa e nos Estados Unidos, especialmente por parte de grupos chineses.