15 de abril de 2019

“HORIZONTE DA ELITE NÃO É UMA SOCIEDADE JUSTA, É ECONOMIA PUJANTE “

(Angela Alonso, professora de Sociologia da USP – Ilustrissima – Folha de S.Paulo, 14) A elite social brasileira é branca, educada e cosmopolita. E assim é desde que o país começou. É também violenta, embora se veja como generosa para com subalternos, todos negros, mas “como se fossem da família.” Não são.

Nem na vida ganham acesso às relações abridoras de portas nem na morte herdam patrimônio. A próxima geração segue onde estava a antecedente, numa estrutura social secular, com os mesmos sobrenomes usufruindo a vista da cobertura, enquanto os sem nome limpam cozinhas e latrinas.

Ao contrário do que pregam a adversários, é raro que membros da elite façam autocrítica de erros políticos, como a eleição de Fernando Collor. Muito menos reconhecem seu papel ativo na reprodução intergeracional da desigualdade. Alguns dos seus, os “bem intencionados”, atuam nas franjas, com iniciativas para premiar o “talento” de alguns humildes, como Carlinhos Brown, que foi da favela ao estrelato.

Esta fresta para o alto não altera os mecanismos de distribuição de recursos e acessos. Mas é o suficiente para os cidadãos de bem, reconfortados pelo argumento liberal de que oportunidades individuais bastam para corrigir problemas estruturais.

É que o horizonte desta elite não é uma sociedade justa, é uma economia pujante. Para obter a segunda, abre mão da primeira. Nunca titubeou em pagar o preço, fosse a escravidão, regimes de trabalho avizinhados ou ditaduras, como a que o presidente comemorou. Tudo aceitável, se a locomotiva seguir acelerada.

Essa gente de bem pensa em si como o vagão que puxa o trem, que carrega o fardo do país e pena o alto custo trabalhista de mão de obra sem qualificação. São empreendedores incansáveis, prejudicados pelo povo caro e ignorante —que reclama de barriga cheia, pois muitos pesam, disse o presidente, várias arrobas.

O raciocínio do “custo Brasil” omite que as mazelas nacionais sucessivas resultaram de decisões políticas tomadas pelos que estão no alto, enquanto o sacrifício é sempre exigido dos de baixo. Assim foi na reforma trabalhista, assim se anuncia na previdenciária e a tributária não avançará imposto sobre grandes fortunas e transmissão intergeracional de riquezas.

E, convenhamos, não se exige de quem adentra essa elite o refinamento da antiga aristocracia. Veja-se o novo ministro da Educação: é branco, tem diploma superior e renda que garantem moradia em andar alto da pirâmide nacional. E, no entanto, emite juízos explicáveis apenas pela ignorância.

Já havia o precedente do “nazismo de esquerda”, mas rotular banqueiros de comunistas compete à altura. Nenhuma destas pérolas ministeriais espanta, considerando a língua presidencial. Mas choca que parcela tão gorda do topo social siga firme no apoio à obscurantista, autoritária e até aqui ineficiente “nova política”.

Apoio registrado no último Datafolha: capaz de os banqueiros que o ministro menciona estarem entre os 36% de homens com diploma superior e os 41% com renda acima de dez salários mínimos que acham “ótima” a administração mitológica.

A aprovação (ótimo/bom) é ampla entre os que vivem bem: 47% dos profissionais liberais, 57% dos empresários e 71% dos rentistas, como se dizia antigamente. Os bem postos na vida estão satisfeitos com o governo.

Mesmo com critério exigente, a alegria não se desmancha: 46% do empresariado e 44% dos que vivem de renda dão nota 8 ou mais para a administração bolsonarista. Parte dos eleitores do mito é impenitente e está infenso a três meses de barbaridades. Mas nem todo votante de conveniência, o antipetista, repudia: 54% dos que se declaram PSDBistas seguem achando tudo ótimo. É que se a reforma da Previdência passar, os tuítes ensandecidos do Palácio do Planalto serão perdoados, porque o país —ou parte dele— usufruirá das bênçãos do mercado.

A maioria destes cidadãos de bem apoia também embalada por outra promessa, a da reforma penal.

É preciso mais que comprar armas para se defender de meliantes. Precisa encarcerá-los antes que atinjam a idade adulta. Claro, alguns escaparão de celas de extermínio precoce, e poucos talentosos serão escolhidos, como Brown, para cantar no Lollapalooza.

Aos remanescentes, resta a prontidão das forças da ordem, a postos para abater suspeitos. Suspeitos naturalmente negros, como muitos dos executores, como negros eram tantos capitães do mato.

Estão a serviço, mas tampouco serão admitidos às fortificações medievais onde a gente de bem dorme tranquila. Não se pode acordá-la com choro de órfãos, mães e viúvas, nem com o ruído de 80 tiros.

12 de abril de 2019

RIO NÃO TERÁ COMO PAGAR A DÍVIDA COM A UNIÃO, DIZ SECRETÁRIO!

(Valor, 08) Mesmo se o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) for renovado até 2023, a dívida do Estado do Rio de Janeiro com a União é “impagável” a menos que haja uma alteração estrutural na economia fluminense, segundo o secretário estadual da Fazenda, Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho.

A declaração do secretário é baseada em projeções feitas por técnicos da pasta: no fim de 2023 o endividamento bruto alcançaria R$ 170 bilhões, o equivalente a 237% da Receita Corrente Líquida (RCL). O teto definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é de 200% da RCL e o Estado teria apenas oito meses para se readequar ao limite.

O prazo seria insuficiente, conforme indicam as projeções da Fazenda fluminense. Ao fim de 2024, o endividamento do Estado equivaleria a 221% da RCL. Na Receita Corrente Líquida são computadas todas as receitas menos as transferências previstas na Constituição para os municípios. “O Rio tem de reestruturar completamente a sua economia. Se não houver crescimento significativo da economia do Estado e, na verdade, da do Brasil inteiro, essa dívida é impagável”, afirmou Carvalho ao Valor.

A dívida consolidada do governo fluminense fechou o ano passado em R$ 153 bilhões, o que correspondia a 265,3% da RCL. “Dado o cenário atual, as finanças do Rio melhoram por causa das medidas que estamos adotando e vamos aprofundar. Só que essas medidas, no escopo atual, na situação atual não são suficientes para que o Estado se reestruture a ponto de, em 2023, passar a honrar o serviço da dívida legada, aquela que se forma depois desses anos todos sem pagamento”, sustentou Carvalho.

O Regime de Recuperação Fiscal, ao qual o Rio de Janeiro aderiu em 2017, tem duração prevista de três anos, podendo ser prorrogado por mais três. Durante o período, ficam suspensos os pagamentos da dívida com a União. Se, por um lado, a interrupção dos pagamentos contribui para aliviar o aperto sobre o caixa estadual, por outro, aumenta o endividamento em termos absolutos, uma vez que os juros e os encargos continuam a incidir sobre o valor principal.

“O problema foi empurrado para 2024”, resumiu o promotor Vinicius Cavalleiro, coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação Fiscal e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária (Gaesf), do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Cavalleiro atribui a crise fiscal enfrentada pelo Estado ao estrangulamento financeiro causado pela escalada do endividamento e pela multiplicação indiscriminada de benefícios fiscais.

Dados compilados pelo MPRJ indicam que entre 2010 e 2015, o governo fluminense contratou R$ 24,7 bilhões em operações de crédito. Desse total, quase um terço (R$ 7,9 bilhões) foi aplicado na implantação de novas linhas de metrô. O segundo maior volume de empréstimos – R$ 5,3 bilhões ou 21,5% das operações de crédito no período – foi destinado à amortização de dívidas.

No período analisado, a dívida consolidada saltou de R$ 59,2 bilhões para R$ 107,6 bilhões, alta de mais de 80%, impulsionada pelo aval do governo federal ao endividamento dos Estados.

A interrupção do fluxo de pagamentos à União, como resultado do RRF, tende a elevar a pressão financeira sobre as contas fluminenses, conforme indicam informações da Secretaria estadual de Fazenda compiladas pelo MPRJ. Entre 2017 e 2023, o Rio teria de desembolsar mais de R$ 8 bilhões por ano para a amortização e o pagamento de encargos da sua dívida consolidada.

“Em 2024, se não tivermos outra musculatura [financeira], não sei o que vai acontecer”, questionou Cavalleiro. “Temos de prestar atenção na receita, e não nas despesas”, argumentou o promotor. Segundo dados informados pela Fazenda estadual ao MPRJ, os benefícios fiscais concedidos pelo governo fluminense resultaram em uma renúncia de receita efetiva de R$ 73,08 bilhões entre 2007 e 2017.

Em 2017, por exemplo, já num cenário agudo de crise fiscal no Estado, a renúncia efetiva de receitas alcançou R$ 10,21 bilhões. Em documento endereçado à 3ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, de 4 de abril, o MPRJ diz que a metodologia usada pela secretaria para contabilizar a renúncia de receita “não reflete números reais”. “A Sefaz [Secretaria de Fazenda] não tem rotina de fiscalização de benefícios.”

O Cavalleiro cita dados da Fazenda fluminense para afirmar que o total de CNPJs ativos que usufruem de benefícios fiscais concedidos pelo Estado do Rio é de aproximadamente 3 mil. Já o universo potencial de empresas que poderiam ser beneficiadas chega a 40 mil. A base restrita cria um desequilíbrio na competição entre empresas, o que estimula a sonegação de impostos entre aquelas que não contam com incentivos, além de restringir a arrecadação.

A saída, para o promotor, seria investir na modernização tecnológica da Fazenda, ampliando o combate à sonegação e verificando os valores apurados de incentivos.

Apesar do quadro desfavorável, o secretário Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho não vê a renegociação da dívida como solução para a crise fiscal. “Não é repactuar a dívida, não. É a União dar condições para que o Estado cresça. Fazendo concessões da infraestrutura que é federal aqui no Estado, criando condições macroeconômicas para o desenvolvimento do país”, disse Carvalho, que no, ano passado, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo na gestão de Márcio França (PSB).

11 de abril de 2019

RELATÓRIO – LANÇAMENTO REDE INTERNACIONAL ADENAUER!

Bruno Kazuhiro, presidente Juventude Democratas Brasil

Rede permanente de 24 jovens de diferentes países que se encontrara periodicamente e debaterá os principais temas da atualidade política. A ideia é preparar e integrar os membros para o futuro.  O lançamento ocorreu na última semana, em Berlim, entre domingo e quinta-feira. Segue abaixo relatório.

Dia 1 (31/3)

Chegada dos participantes e jantar de recepção com a coordenadora da Rede, Franziska Fislage do escritório central da Fundação Konrad Adenauer

Dia 2 (01/04)

Abertura do evento com palestra do Sr. Gerhard Wahlers, secretário-geral adjunto da Fundação Adenauer.

Gerhard Wahlers, KAS Alemanha:

– Redes são fundamentais para nós. Universidade da Pensilvânia nos coloca como think tank de maior networking no mundo. Somos por exemplo a única fundação alemã na Austrália.

– Nos últimos dois meses visitei Indonésia, Bulgária e Brasil. Temos aqui um brasileiro, Bruno. Estive com membros do seu partido, o presidente da Câmara e o do Senado brasileiros, além dos ministros Guedes e Moro.

– 3 pontos me chamam a atenção atualmente: Qual o papel atual das novas mídias e notícias para a política? Como atender às demandas de uma população que atualmente quer resultados rápidos e não entende o tempo da política? É possível haver diferentes sistemas, com diferentes níveis de participação do governo, e serem todos democráticos?

– Os europeus não devem mais se surpreender ao perder a disputa contra a China no âmbito de ser o principal parceiro comercial de algum país. É irreversível. E a China investe pesado em infraestrutura em países em desenvolvimento.

– As empresas chinesas são cada vez mais fortes na Alemanha e nós queremos vender para o mercado chinês.

– A China é hoje tópico de todas as minhas conversas. O mundo mudou. Não existe mais apenas EUA e Europa.

– Um dos principais temas econômicos hoje é a inovação. Todos debatem como ser mais competitivos na inteligência artificial, na digitalização e nos novos meios de produção.

– Temos um mundo veloz, em transformação e com mudanças mais difíceis de entender do que 20 anos atrás. Para entender melhor essas mudanças em casa país é que fundamos a Rede Internacional Adenauer com jovens líderes.

– Queremos debater mídias sociais, sistemas políticos, novos rumos de cada região, globalização, digitalização, enfim, o futuro do planeta.

Palestra da especialista americana em sistemas políticos,Torey Taussig

Torey Taussig, EUA, pesquisadora:

– Governo Trump mudou a linha de política internacional não apenas pelas visões do presidente mas por focar mais nos conflitos com outros países como a China do que na ameaça terrorista.

– Mitt Romney, candidato derrotado a presidente em 2012, disse na sua campanha que a Rússia era novamente o principal oponente americanos. Riram dela e depois pararam de rir quando a Rússia anexou a Criméia.

– Temos também que atualizar nossa visão sobre outros pontos como o fato de que o número de democracias na África dobrou nos últimos 20 anos e reduzir o pessimismo existente hoje por conta de problemas com a democracia na Europa, por exemplo.

– A globalização e digitalização deixaram a economia mais rápida e muitos não se adaptaram. A desigualdade cresceu e consequentemente a indignação com os sistemas políticos. A democracia não consegue melhorar a vida de todos e isso a enfraquece. Surge contestação do modelo, ao invés da cooperação que avançou após a Guerra Fria. Os EUA, por exemplo, eram modelo e hoje são mal vistos.

– Hoje existe o autoritarismo até mesmo digital, que enfraquece o nível de informação, a liberdade na rede e a democracia.

– A possibilidade de cooperação entre EUA e China será fundamental para a paz no século XXI.

– XI Jinping tem sido uma força autoritária e de fechamento do regime chinês.

– Hoje os EUA atacam as organizações multilaterais mas foram a ONU e a UE que mantiveram a paz nos últimos 70 anos.

– Em geral a América Latina foi uma região positiva em democratização nas últimas décadas.

– Bruno Kazuhiro comenta os casos de corrupção e a Lava-Jato no Brasil. Resposta: “Brasil e México vêem a corrupção e a violência interpretando importante papel na desqualificação, pela população, da política como forma de atingir a qualidade de vida da sociedade.

– Temos hoje na Europa o maior fluxo migratório desde o final da Guerra Fria.

– Jovem de Gana comenta que a China está investindo em infraestrutua também na África. Já está deixando de haver um equilíbrio entre grandes países, passando os chineses a serem lá principais investidores.

– Jovem húngaro defende o governo atual do país e afirma que agenda de Orban não é autoritária, apenas diferente da elite mundial. Resposta: Pesquisadora responde que enquanto o poder executivo húngara atentar contra a independência do judiciário, não será só uma diferença de agenda, mas sim algo concreto.

Almoço com Norbert Lammert, presidente da Fundação Adenauer e ex-presidente do parlamento alemão.

Norbert Lammert:

– Hoje é um dia histórico (1/4). É aniversário de Bismarck. Ele foi a pessoa mais importante para a existência da Alemanha. Liderou a região por 40 anos. Já que falaremos de sistemas políticos, citemos Bismarck.

– As mudanças na Europa foram sempre criadas pela guerra durante a história. O Império Alemão só se consolidou após vencer a França em uma guerra.

– O que gerou a primeira e a segunda guerras foi a vontade de europeus de definir qual deles era o chefe ao invés de cooperar por um futuro comum.

– A primeira guerra foi o ponto que marcou o fim da dominação europeia no mundo. Deixamos de ser os protagonistas e foi necessária a segunda guerra para convencer os europeus que só seriam relevantes unidos. Daí surge a União Europeia.

– Konrad Adenauer teve papel fundamental nessa união, sendo figura de peso assim como Bismarck. Mas teve apoio de nomes como Churchill, que defendeu a reconciliação entre França e Alemanha.

– Atualmente grupos lutam contra instituições como a União Europeia, obtendo apoio de parcelas da população que se ressentem das rápidas e profundas mudanças mundiais. A Alemanha, em menor escala, sente os efeitos no surgimento da AFD.

– A situação atual não é simples. Países querem retomar uma soberania que cada vez representa menos no mundo globalizado e o passado ao qual se quer voltar não existe mais.

– Será que os europeus têm direito hoje de dizer que a China precisa ter um sistema de governo semelhante ao nosso? Temos menos de 7% da população mundial.

– Não somos mais o coração do mundo. A Itália deixou de ser uma das economias top. França e Reino Unido irão deixar também. A Alemanha está buscando se manter.
Nesse cenário a União Europeia faz todo sentido. Só faremos diferença juntos, mas alguns querem voltar ao século XIX.

– Bruno Kazuhiro pergunta qual a maior prioridade hoje da política externa da União Europeia como um todo. Resposta: Temos uma união de estados e não um estado só. Os estados querem manter sua soberania formal e a Comissão Europeia, que deveria ser um governo europeu, hoje é uma negociadora de interesses de 28 membros levando em conta seus interesses claros e também os secretos, tentando gerar consensos. A verdade é que não há uma prioridade clara. A prioridade deveria ser antes de tudo construir metas comuns.

– Vale citar que o sistema político não avança sem progresso econômico e social. É preciso uma combinação mas você não transporta uma história de sucesso de um país para o outro. Muitos dizem que irão copiar regras do sistema alemão. Normalmente respondo que cada país deve construir as suas soluções a partir da sua história.

– O cristianismo venceu o histórico desafio de professar sua religião sem radicalismo. Infelizmente essa ainda não é a verdade para todas as demais religiões.

– Uma fundação política não pode ser poderosa. Poderoso é o partido. A fundação deve ser influente e deve ter contato direto com o público. Não debatemos estratégias de campanha, isso é papel do partido. Debatemos valores e propostas.

– Pela primeira vez na história da Europa todos os seus países têm governos eleitos democraticamente e nenhuma guerra externa ou interna. Um momento privilegiado. Mas faltam consensos sobre qual caminhos a seguir a partir de agora.

Visita guiada ao Museu Alemão da Espionagem

– Trata-se de Museu 90% digital, com 2 anos de funcionamento.

– Há espiões desde antes de Cristo e sempre com três características: identidade secreta, busca de informação e trabalho a serviço de um contratante.

– No século XVI o Reino Unido funda o primeiro Serviço Secreto oficial.

– Museu mostra equipamentos usados para espionagem e tem uma das máquinas originais do Enigma, usado pelos nazistas para criptografar informações. Contam como Alan Turing decifrou o Enigma, história contada no filme O Jogo da Imitação.

Palestra de Jens Lehmann, deputado da CDU e ex-ciclista medalhista olímpico, sobre esporte e política

– A Alemanha tem escolas esportivas que recebem talentos e formam as crianças no ensino médio e no treinamento de alto rendimento no esporte específico de cada um ao mesmo tempo.

– O esporte é meritocrático e há uma busca de talentos no país.

– O jovem quer ser um grande esportista por prazer e também para ter uma vida melhor.

– Hoje como deputado debato o incentivo e as políticas sobre o esporte. Me reúno com federações e busco ajudar que as seleções alemães sejam competitivas.

– Queremos criar um museu dos esportes em Leipzig. Seria o segundo pois já existe um em Colônia.

– Sou da antiga Alemanha Oriental e nunca fui contactado pela polícia secreta. Mas sei que havia um dossiê sobre mim nos arquivos que descobri anos depois. Eles registravam todas as minhas viagens ao exterior.

– Eu digo sempre aos jovens que o esporte tem sua função social, de ascenção, mas deve ser feito com motivação, com prazer, e não só para tentar ser um milionário.

– Perguntei como os alemães vêem um político que foi esportista. Resposta: Eu luto contra o preconceito de ser um ex-esportista na política. Ele existe. Faço questão de participar de comissões sobre outros temas. Não fui eleito pelo clube que defendi como ciclista ou pelos seus torcedores, mas admito que a popularidade me ajudou. Cito outros temas em minha campanha, minhas medalhas ficam em casa e meu interesse é ser um político produtivo. Enfrenta o ceticismo e fui eleito 3 vezes por fazer um bom trabalho.

Dia 3 (02/04)

Dinâmicas de integração do grupo de participantes e análise de cenário político mundial

– Consultoria PlanPolitik realiza workshops simulando situações selecionadas pela instituição ou empresa. A convite da Adenauer trabalhou com os participantes a tentativa de prever o cenário político de 2019 até 2030.

– O foco é sempre o planejamento estratégico, com planos de contingência e diferentes possibilidades a partir de premissas concretas. As discussões são organizadas com cenários de crise e recomendação de soluções e alternativas.

– Os participantes são divididos em 3 grupos, cada um debaterá um cenário alternativo: democracia liberal como sistema dominante, democracia liberal e autoritarismo convivendo e competindo e autoritarismo como sistema dominante.

– Em cada cenário se analisa quais são as premissas básicas que fazem chegar a ele, as forças determinantes para tal. No cenário positivo se busca sugestões de como incentivar que ocorra. No negativo sugestões de como impedir que ocorra.

– Se desenha primeiro o objetivo final e depois o caminho, levando em conta fatores como sociedade, tecnologia, meio ambiente, política e economia.

– As premissas precisam ser definidas a partir de perguntas claras: Como estará a distribuição de poder militar do mundo? Como estará a distribuição de poder econômico? O mundo será unipolar, bipolar, tripolar ou multipolar?

– Cada grupo ao final apresenta os cenários, como eles se constituíram e sugestões para acelerar ou evitar.

Jantar com painel de debates sobre partidos tradicionais x movimentos sociais

Isabelle Negrier, República em Marcha (Macron), núcleo Alemanha

– REM tem núcleos em outros países além da França.

– Sempre gostei de política mas fui dona de casa e mãe de 3 filhos, embora sempre debatendo política. Os partidos tradicionais não abririam portas para mim tão tarde. Mas o En Marche abriu e com as ideias inspiradoras de Macron.

– Creio que o povo francês também busca novos políticos que possam oferecer integridade e identificação. No passado havia uma tolerância com os casos de corrupção ou tráfico de influência e hoje mudou. E também há uma vontade de cada um de ver gente como si mesmo no parlamento.

– Temos que perguntar às pessoas o que elas desejam. Diretamente. Ouvir mesmo que não vá fazer ou não possa fazer o que elas querem. Não podemos “dormir depois de vencer”.

– A França está centralizada demais e com pouco poder local. Isso não é bom. Temos muito o que mudar.

– Partido ou movimento não é a questão. Movimento é mais flexível e reage melhor à velocidade das mudanças atualmente. E atualmente discute mais com as pessoas, se aproxima. Mas REM hoje se tornou um partido. Pois só um partido pode atuar em algo concreto. Contudo, mantemos a ideia de que esquerda x direita acabou. Cada partido precisa mudar.

– Nosso partido tem hoje militantes em 16 países. Núcleos fora da França que pretendem disputar eleições no futuro.

Coordenadora do evento, Franziska Fislage pergunta: Macron perguntou às pessoas o que fazer depois da vitória? R: No início errou e não fez isso. Agora está fazendo.

Perguntei : A falta de experiência e de conteúdo parece ser louvada pelo movimento como algo que representa novidade e identidade com o povo, mas não seria isso um problema na hora de gerir o país e fazer leis? R: REM está fazendo cursos para os que foram eleitos e formando mais os novos parlamentares. Mas temos sim a preocupação de que alguns parlamentares defendam apenas os interesses de sua categoria. Dizemos a eles que não se trata de um sindicato, mas sim do interesse público.

Pergunta do coordenador da Fundação Adenauer na África, presente no debate: Como funciona o sistema político com movimentos que não tem posições claras? Na hora de governar, o que será feito? R: Socialismo, liberalismo, são posições do século XIX. O povo quer soluções. Vamos criar um novo meio de fazer política que trabalha diariamente e que aceita abrir espaço se surgir alguém melhor e mais preparado ao invés de se agarrar ao poder.

Julie Hamann, Conselho Alemão de Relações Exteriores

– A população crê atualmente que diferentes governos de diferentes partidos não mudaram nada nas últimas décadas. Algo novo seria uma boa alternativa.

– Partidos tradicionais não representam as pessoas hoje em dia na sua opinião. Naturalmente isso abre portas para novos movimentos.

– Os movimentos se apresentam como uma possibilidade de participação real e influência nos rumos.

– Os coletes amarelos ficaram tão fortes na França talvez pela frustração das pessoas com a não realização de uma nova política por Macron. Ele não cumpriu essa promessa totalmente. No parlamento francês muitos eleitos pelo REM nunca fizeram política na vida mas quem manda no parlamento são os políticos experientes. A população passa a pensar que tudo se repete.

– É natural que políticos inexperientes demorem para construir algo concreto mas após vencer dizendo que fará diferente e ouvirá as pessoas, o que o parlamentar faz com o poder na prática? O que se faz agora, após vencer?

– Partidos e movimentos são coisas distintas em países diferentes. Na Alemanha o sistema é estável e creio que movimentos não venceriam eleições. De toda forma os partidos em outros países devem perceber o cenário fluido. No futuro um partido de um país pode não ter mais um partido correspondente em outro país como atualmente nas famílias políticas.

– A força dos movimentos é na verdade relembrar o sentido original dos partidos. Afinal, os partidos a nível local deveriam estar em contato com as pessoas, certo?

Volker Ullrich, deputado federal alemão da CSU, Baviera

– Alguns tratam os movimentos e os novos partidos crescendo como um fenomeno novo. Mas tivemos partidos semelhantes e movimentos semelhantes surgindo na Alemanha e em outros países nas últimas décadas. Contudo, nunca duraram muito tempo.

– Creio que atualmente a chance de se manterem existindo é a soma da crise migratória com a crise identitária.

– Na França o surgimento de um candidato a presidente lançado por um movimento e que vence as eleições só ocorre pelo sistema francês permitir o voto direto para presidente. Na Alemanha o sistema político e eleitoral parlamentarista protege contra isso.

– No primeiro turno, a vitória de Macron foi por margem muito apertada. E qualquer um venceria o segundo turno contra Marine Le Pen.

– Não foi apenas falta de representação pelos partidos tradicionais. Foi também uma falha do sistema político.

– Não temos que dar conselhos à França, até por questões históricas. Não nos cabe essa posição de ensinar. Apenas penso que o presidente Hollande cometeu erros no passado ao mudar as regras da representação local e regional. Mudou a forma de fazer política e de como as pessoas veem a política.

– 10 anos atrás ninguém diria que Merkel ficaria no poder 16 anos e que Trump seria presidente. É muito difícil então prever os próximos 10 anos. Mas espero que tenhamos uma UE coesa e unida e que tenha vencido o populismo e descentralizado o poder.

– Se formos pela linha da democracia direta, tudo será resumido a perguntas de sim ou não. Vejam o que o sim ou não fez com o Reino Unido no Brexit.

Dia 4 (03/04)

Continuação da dinâmica de grupo e debates sobre cenários com aprofundamento das discussões e apresentação de conclusões.

Debate de Feedback

– Feedback com debate sobre o que pode ser melhorado, quais partes do programa foram positivas ou negativas, recomendações para o próximo evento.

– Próximo encontro dos participantes da rede será em outubro ou novembro. Local será definido a partir do tema escolhido. Temas possíveis: avanço do populismo; política em tempos de novas mídias; inovação, digitalização e inteligência artificial ou modernização dos partidos políticos.

Visita guiada ao antigo aeroporto Tempelhof

– Aeroporto serviu aos americanos durante a Guerra Fria para vôos comerciais e chegada de suprimentos, fica em Berlim Ocidental. Hoje está desativado.

– Área tinha base da Força Aérea americana e hoje se sabe que na base haviam instalações da CIA que operavam escutas telefônicas e de rádio.

– Aeroporto hoje recebe eventos e pista se tornou parque.

Dia 5 (04/04)

Saída dos participantes ao longo do dia. Muitos voltaram a se reunir para debates no café da manhã e almoço.

10 de abril de 2019

NA AMÉRICA LATINA, O BRASIL É ONDE O PODER EXECUTIVO MAIS DOMINA O LEGISLATIVO NO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO!

(Marcus André Melo – Folha de S.Paulo, 08) No Brasil, o Poder Executivo domina o Legislativo no processo orçamentário. Mas isso também acontece no Reino Unido ou França. O papel preponderante do Executivo reflete o padrão geral das relações Executivo–Legislativo.

Na América Latina, o Brasil ostenta o escore mais elevado (0.91) no índice de “poder orçamentário” do Poder Executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Chile (0.73) é o país que chega mais perto do Brasil, mas Argentina (0.45), Colômbia e Uruguai (0.64) e México (0.36) têm escores bem mais baixos.

O índice é calculado com base em fatores que garantem preponderância ao Executivo, como iniciativa exclusiva de matéria orçamentária, veto parcial, limites ao emendamento, discricionariedade na execução orçamentária, dentre outros.

Esse arranjo institucional foi escolhido pelos constituintes em 1988. Representa delegação mais que usurpação de poder: é forma eficiente de resolver problemas de ação coletiva conhecidos na literatura como a “tragédia dos comuns fiscal”.

Os parlamentares têm incentivos para elevar o gasto concentrando-o nos distritos em que são eleitos, mas não arcam com os custos políticos de desequilíbrios orçamentários (ou de suas formas de resolução: inflação, recessão, crise cambial), os quais os eleitores atribuem ao presidente, o único ator que os internaliza (partidos políticos robustos também o fariam). Essa assimetria de incentivos produz a tragédia fiscal.

Essa delegação adquire caráter extremo nos países que adotam o modelo de Westminster (parlamentarismo e regra eleitoral majoritária). Neles as emendas ao Orçamento são proibidas. Austrália, França, Reino Unido, Irlanda e Chile têm escores extremamente baixos (cerca de 20, em uma escala de 1 a 100) no índice de poder orçamentário do Legislativo (uma espécie de inverso do índice anterior), elaborado pelo cientista político Joachim Wehner (LSE).

O Brasil não consta do índice, mas estaria próximo do cluster desses países. O caso polar que contrasta radicalmente é o dos Estados Unidos (escore 88, quatro vezes o do grupo): o Congresso pode alterar tudo, inclusive o valor total do Orçamento, que é impositivo. Suécia e Holanda estão também nesse grupo de países onde o poder orçamentário do Executivo é fraco.

Não há assim uma régua única para aferir quão democrático é o Orçamento porque outros fatores entram em jogo, conformando “equilíbrios institucionais globais”, decorrentes de outras características do sistema político. No nosso caso, o arranjo consolidado em meados dos 90 produziu equilíbrio fiscal por mais de uma década. Alteração do equilíbrio local sem mudança global pode ser o pior dos mundos.

09 de abril de 2019

ENFRENTANDO A IMOBILIDADE URBANA!

(Mauricio Costa Romao, PHD – Illinois University) Todas as grandes cidades do mundo têm experimentado nas últimas décadas expressivo crescimento populacional e desenvolvimento urbano. Algumas delas se expandiram tanto que se metropolizaram, integrando populações e áreas urbanas circunvizinhas num intenso processo de conurbação.

Não sem razão que a maioria dessas cidades perpassa crises de mobilidade urbana, em particular, devidas aos imensos congestionamentos de veículos automotivos nos seus espaços viários.

No Brasil a situação é agravada por conta da desoneração fiscal na produção de veículos, criando mais pressão sobre o uso do espaço urbano, relativamente invariante.

Só em 2018 foram produzidos no país 2 milhões e 881 mil veículos (os carros representam 95%) e exportados somente 629 mil. O saldo foi adicionado à frota existente. Mais: a expectativa do mercado é de que a produção automotiva brasileira cresça 11,3% em 2019.

A frota do Recife, por exemplo, é de 687 mil veículos, à qual tem que se adicionar parte da frota dos outros municípios da RMR que se desloca diariamente para a capital e retorna para seus redutos de origem. Considerando apenas uma fração dos veículos vindos de Jaboatão, Olinda e Paulista – a quantidade de veículos circulando nas ruas do Recife ultrapassa um milhão de unidades.

Em cálculos aproximados, dos 102 mil novos veículos chegados a Pernambuco no ano passado, não menos que 30 mil estão circulando na malha viária da capital (talvez mais 35 mil até o final de 2019).

Há consenso entre os especialistas de que a busca de mobilidade urbana sustentável passa por uma mudança de cultura, onde o transporte coletivo tem prioridade sobre a locomoção individual motorizada.

Cientes dessa filosofia, mas impossibilitadas de melhorar os modais alternativos de transporte, as administrações municipais recorrem às clássicas soluções de gestão de congestionamentos, através de intervenções tópicas de engenharia de tráfego no fluxo do trânsito (sincronização de semáforos, mudança de sentido de ruas, desvios de tráfego, proibição de estacionamento, etc.).

Como é sabido e sentido pelos cidadãos no seu cotidiano, essas intervenções mitigadoras apenas aliviam a fluidez de determinados gargalos de tráfego, não constituindo soluções duradouras para os congestionamentos recorrentes.

A gravidade do problema requer mudança de paradigma. A instituição de pedágio urbano, por exemplo, passa a ser uma opção à ortodoxia da engenharia viária.

Com efeito, a solução de longo prazo para a mobilidade urbana já é conhecida: dar absoluta prioridade aos modais sustentáveis, transporte público, bicicleta e andar a pé. Isso implica em desincentivar o uso de automóvel como modal preferencial.

O pedágio urbano (“congestion charging”, “urban toll” ou “congestion pricing”) é uma maneira de promover esse desestímulo. O mecanismo consiste em cobrar uma tarifa aos condutores de veículos que circulem em determinadas áreas da cidade (semelhante ao modelo de cobrança de pedágio nas rodovias concessionadas). Em geral, os veículos coletivos ficam isentos de pagamento.

A idéia por trás da instituição da tarifa é a de que a imobilidade urbana é causada em larga escala pelo maior demandante do espaço viário e maior gerador de tráfego: o transporte motorizado individual.  Seu uso desenfreado acarreta prejuízos materiais, sociais, ambientais e de saúde, e são injustamente socializados. Portanto, esse transporte tem que ser parte da solução do problema.

É uma questão de desequilíbrio entre oferta limitada do espaço viário e excesso de demanda pelo seu uso, protagonizado pelo automóvel. O preço (a tarifa do pedágio) vai ajudar a desestimular a demanda.

O pedágio urbano, além de reduzir a quantidade de automóveis circulando na malha viária, tem uma vantagem adicional: gera receitas para serem aplicadas em sustentabilidade urbana, particularmente, em transportes coletivos. Daí existir entre os especialistas visível preferência por essa modalidade vis-à-vis o rodízio de automóveis.

O rodízio (adotado em São Paulo e em outras grandes cidades como, México, Santiago, Bogotá, Quito, Pequim, Atenas, etc.) busca reduzir o congestionamento mediante restrições à circulação de automóveis (relação entre dias da semana e finais das placas) em certos horários do dia, mas não gera recursos para o ente público, nem tampouco induz a mudanças de cultura ou de hábitos.

O modelo de pedágio urbano é antigo: foi implantado pela primeira vez em 1975, em Cingapura. São várias as cidades, entre grandes, médias e até pequenas, que têm adotado o pedágio urbano depois do exemplo exitoso de Cingapura: Londres, Estocolmo, Milão, Durham, Oslo, Bergen, etc., mas só recentemente é que Buenos Aires se tornou a primeira cidade da América Latina a implantar a modalidade.

Desde 15 de maio de 2018, Buenos Aires adotou o pedágio urbano, abrangendo 70 quadras, numa área de 2 km2. O entorno pedagiado é vigiado por 80 câmaras com período de restrição de 11:00h as 16:00h, de segunda a sexta-feira. São esperados 35 mil veículos a menos na zona demarcada, metade do volume que circulava antes.

Devido à aceitação popular da experiência, o governo da cidade portenha decidiu estender o perímetro pedagiado de 70 para 142 quadras, a partir de outubro de 2019, além de alargar o horário de circulação paga, passando de 9:00h as 18:00h.

As cidades que adotaram o pedágio urbano têm usado diferentes modelagens no sistema quanto (a) às tecnologias empregadas; (b) à abrangência da área pedagiada; (c) ao destino dos recursos arrecadados com as tarifas; (d) aos tipos de veículos sujeitos à cobrança, etc.

Mas o objetivo comum a ser alcançado é sempre o mesmo: diminuir os congestionamentos recorrentes, desacelerar o agravamento da situação ambiental e arrecadar recursos para destinação em transportes de massa, em síntese, buscar a sustentabilidade urbana.

Outro traço comum é o de que o pedágio urbano sempre gerou imensa controvérsia onde foi implantado, o que o torna um desincentivo para os políticos adotá-lo.  As críticas em geral são: (1) o tráfego desordenado é um problema do governo, não do cidadão; (2) o sistema é injusto, pois penaliza mais os usuários de menor renda; (3) há violação do direito de ir e vir do cidadão; (4) trata-se, na verdade, de um novo imposto; (5) não há garantia de que os recursos arrecadados canalizem-se para sustentabilidade urbana, etc.

Entretanto, há inúmeras constatações de que a aceitação pública aumenta sobremaneira à medida que o sistema se vai consolidando e a coletividade vai sentindo seus benefícios. Diz-se até que o maior aliado do pedágio urbano é a sua própria existência.

Tanto assim é que um prefeito de Londres, Ken Livingstone, em 2004, não obstante tremenda resistência de pequenos empresários do centro da cidade, teve como principal bandeira de campanha à sua reeleição expandir a zona demarcada da cidade e aumentar o valor do pedágio. Foi reeleito para um segundo mandato.

Desnecessário dizer que cidades como Londres e outras onde o pedágio urbano foi implantado, têm realidades socioeconômicas e urbanas diferentes de cidades como a do Recife, por exemplo. Ainda assim, vale à pena testar esse modelo alternativo de gestão de demanda para melhorar o trânsito e minimizar os congestionamentos da capital pernambucana, pari passu com continuados incentivos ao uso dos modais sustentáveis de transporte.

O enfrentamento do problema requer medida disruptiva. A mudança de paradigma começa pela taxação do carro particular.

08 de abril de 2019

VIVA O POVO BRASILEIRO!

(Luiz Werneck Vianna – Estado de S.Paulo, 07) Em memória de João Ubaldo Ribeiro

Sob cerrada pancadaria o governo Bolsonaro se lança com as velas pandas em alto-mar em busca do Santo Graal, antes perseguido sem êxito por alguns, sempre na crença de que deslocar o leito da nossa História do seu curso de 500 anos é matéria afeta apenas a uma acendrada vontade política que não recue diante de circunstâncias adversas. Trata-se, sob o governo de Bolsonaro, de um plano de guerra sem quartel com a intenção de remover obstáculos à sua imposição, sejam políticos, econômicos ou culturais. Tais obstáculos estariam dispostos em camadas, acumulados ao longo de gerações, e se antes funcionais como a ação indutora da economia pela política, estariam agora travando o desenvolvimento do capitalismo, cujas forças de mercado estariam a exigir plena liberdade de movimentação. A declaração do ministro da Economia, sr. Paulo Guedes, nesse encontro de Washington, ao identificar no condestável do regime, Olavo de Carvalho, o chefe de uma revolução que estaria em curso não poderia ser mais esclarecedora.

Para o condestável do governo Bolsonaro, as bêtes noires a serem removidas para o sucesso da revolução em marcha seriam as vetustas corporações que conformaram o corpo e a alma da História do País, a saber, os militares, os juízes, o corpo diplomático do Itamaraty e a instituição da Igreja Católica; cada qual teria repassado em boa medida seus valores a um fundo que teria como que constituído o cerne da nacionalidade, em comum a todos eles, embora com pesos variados, a distância dos valores capitalistas. O diagnóstico não é original, pois vem rondando a tópica do pensamento social brasileiro, ao menos, talvez, de Tavares Bastos, um americanista e feroz anti-ibérico de notável talento, que defendia, entre outros temas, a erradicação do catolicismo em favor da doutrinação protestante, segundo ele, mais propícia a uma cultura de liberdades e de um regime de livre-iniciativa. Notar que Tavares Bastos, cultor da obra de Tocqueville, era como ele um cultor da liberdade e jamais, em sua curta e prolífica vida, se associou a projetos autoritários em defesa de suas posições doutrinárias.

Como se sabe, o seu grande antagonista na publicística brasileira foi Oliveira Vianna, um cultor da obra do visconde de Uruguai, discípulo do estadista Guizot, especialista em Direito Administrativo e ministro de Estado sob o regime da Restauração na França, das primeiras décadas do século 19. Nas pegadas de Guizot e do visconde de Uruguai, Oliveira Vianna mobilizou sua crítica ao regime da Primeira República em torno de dois grandes eixos: a crítica da descentralização – tema maior de Tavares Bastos, que lhe dedicou seu importante ensaio A Província – e do idealismo constitucional na forma em que foi arquitetada a primeira Constituição republicana, em 1891, sob a inspiração de Ruy Barbosa.

A Revolução de 30 atestaria o fracasso da experiência constitucional anterior, com o retorno às políticas de centralização administrativa, herdadas do Império, e a partir dela o Estado passa a exercer de modelagem da sociedade civil por meio não só da legislação, como de práticas administrativas. A modernização do País torna-se o eixo orientador das ações estatais; os militares fornecem quadros qualificados e de suas lideranças são selecionados muitos dirigentes das empresas estatais que então são criadas para o esforço da industrialização, são recrutados do seu meio; não se pode falar da Petrobrás, talvez a mais estratégica das estatais, sem o papel decisivo da corporação militar na sua criação. No desbravamento do hinterland, com que se começou a incorporação do oeste ao processo de modernização capitalista, somente concluído no recente regime militar com as estradas que abriram os sertões à ocupação do que viria a se tornar o agronegócio e a pecuária de hoje, essas foram obras que contaram com sua participação, inclusive na política de colonização levada a efeito naquela região, conforme registra a bibliografia especializada.

Tal história de construção do capitalismo brasileiro, que conheceu momentos épicos, como, entre outros, as jornadas do marechal Rondon sertão adentro e a construção de Brasília, não conheceu Henry Ford e Nelson Rockefeller, que aqui não encontrariam território fácil para prosperarem. Nossos heróis empreendedores não vieram do mercado, salvo honrosas exceções, mas de agentes do Estado, como sanitaristas, engenheiros e militares, não se podendo omitir os cientistas e técnicos que criaram a Embraer e a Embrapa. Nesse sentido, é quase assustador que nosso ministro da Economia, que jamais produziu um prego, ouça sem protestar declarações inóspitas à rica História do País de um ideólogo capaz de subir nas tamancas e chamar de idiota um general do Exército Brasileiro, aliás, atual vice-presidente da República.

Outra peça forte de sustentação da tradição brasileira é a sua magistratura, cuja história está bem descrita pelo historiador José Murilo de Carvalho em Construção da Ordem. A Regência, com sua política de descentralização, tinha exposto o País a rebeliões que ameaçavam a unidade territorial, objetivo estratégico do Estado imperial, que tinha braços curtos, na caracterização do visconde de Uruguai, sem ter meios de alcançar os longínquos rincões, confiados aos poderosos locais, que ignoravam as políticas e as leis do poder central, favorecendo a emergência do caudilhismo como na América hispânica, perigo maior a ser evitado. O remédio heroico para esses males foi a criação de uma magistratura de Estado, desvinculada dos poderes locais, que agora passariam a conhecer o braço longo do Estado.

O enraizamento do Judiciário aprofundou-se na vida social com a modernização que nos trouxeram, depois da Revolução de 30, a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral, ambas hoje inerradicáveis, pelas nossas circunstâncias, do nosso tecido institucional.

Por fim a Igreja Católica, mas essa tem 2 mil anos, é uma pedra que não se remove. E não cabe do bico do ideólogo.

A Nossos heróis empreendedores não vieram do mercado, salvo honrosas exceções.

05 de abril de 2019

CAPITAL POLÍTICO!

(Elinor Brito) 1. O Presidente da Câmara está cada vez mais se cacifando e acumulando capital político. Sua posição sobre a questão previdenciária — nem tanto 100% modelo de capitalização proposto pelo Ministro Paulo Guedes, nem tanto 100% modelo atual da Constituição de 1988 — vai aglutinar e fazer a diferença entre o “novo” e “velho”, no tabuleiro de xadrez da política brasileira.

2. Caso Michel Foucault estivesse na sua assessoria política direta, em Brasília, certamente lhe recomendaria: Rodrigo, siga firme em frente, pois “onde há poder ele se exerce; ninguém é propriamente falando o seu titular; entretanto ele é sempre exercido com uns de um lado e outros do outro; não se sabe ao certo quem o detém, mas se sabe ao certo quem não o possui”… Assim, “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta”, acrescentaria Foucault.

*  *  *

ELES NÃO ENVELHECERÃO! 

Direção de Peter Jackson, com pesquisadores e restauradores.

Documentário inglês do “cotidiano” da Primeira Guerra Mundial, da euforia do alistamento, ao processo de deslocamento, ao campo de batalha, as batalhas de trincheiras, de campo aberto, a chacina, dilaceração dos corpos, ao término dos combates com os prisioneiros alemães e a convivência até o retorno em que os sobreviventes sentem que não eram importantes e que a ninguém interessava as histórias e os heróis e, finalmente, ao desemprego. Morreram 1 milhão de britânicos e do império. Um documentário que leva a total rejeição à Guerra e suas atrocidades.

Sugiro assistir de dia, porque à noite não se conseguirá dormir.

04 de abril de 2019

REDESCOBRINDO O CENTRO!

(Monica de Bolle – Estado de S.Paulo, 03) Já sabemos que o centro político implodiu não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Mesmo nos sistemas majoritariamente ou completamente bipartidários, como o Reino Unido e os EUA, partidos estão fragmentados pois as rupturas internas têm levado pedaços aos extremos. O caso mais eloquente é o do Reino Unido, onde não há consenso sobre o que quer que seja, enquanto todos observam atônitos a incansável novela do Brexit. A falta de centro no espectro político resulta, em parte, da destruição das regras de transitividade que sustentam qualquer reflexão racional: se eu prefiro a opção A à opção B e a opção B à opção C, então deveria preferir a opção A à opção C. Contudo, hoje, a transitividade já não vale. Quem prefere A à B e B à C prefere C à A. Quando isso acontece, não há possibilidade de encontrar formas de resgatar a racionalidade sobre qual se apoia o centro político.

Algo semelhante está acontecendo na economia: se a preferência é pelo Estado mínimo em vez do Estado que regula os mercados e se circunscreve a ser forte na área social e pelo Estado que regula os mercados e se circunscreve a ser forte na área social ao Estado desenvolvimentista, então dever-se-ia preferir o Estado mínimo ao desenvolvimentista. Mas, não é isso o que querem os brasileiros, como revelam as discussões sobre as reformas necessárias para o País. Paulo Guedes pode gostar de Estado mínimo mais do que qualquer outra coisa, mas o eleitorado que elegeu Bolsonaro está se lixando para essa discussão. O eleitorado que elegeu Bolsonaro quer ver redução dos 13,1 milhões de desempregados, quer pagar menos impostos, quer ter acesso a serviços públicos de alta qualidade, quer segurança, para não falar de vastidão de outros desejos que necessitam da participação ativa do Estado. Qual é, portanto, o centro de gravidade econômico que tem sido ignorado em prol da discussão sobre a reforma da Previdência – necessária, porém longe de ser bala de prata para quem é minimamente honesto sobre os problemas do Brasil?

Penso ser assim: não há dúvida de que o Estado tem tido papel oneroso para o investimento privado. Gastos mal geridos e dívida em ascensão pressionam a taxa de juros e reduzem o espaço para empreendedores. Para resolver isso, é preciso avaliar como se gasta – o Banco Mundial já tem extensa documentação sobre isso – e racionalizar as despesas, incluindo por uma reforma da Previdência sensata, que garanta equilíbrio com justiça social. É preciso também remover o Estado de certas atividades inclusive por meio de privatizações. Dar mais espaço para a atuação dos mercados fortalecendo o arsenal regulatório pois os

mercados não são perfeitos deveria ser um dos focos da discussão. Não chegaríamos ao Estado mínimo, ideia ultrapassada, mas a um Estado mais enxuto e moderno, que não obstruísse a capacidade de investimento do mercado. Já na área social, não podemos prescindir de um Estado forte e bem equipado para lidar com as inúmeras desigualdades brasileiras. Precisamos de um Estado que garanta igualdade de oportunidades na educação e na saúde, que seja provedor de saneamento básico, que esteja preparado para enfrentar injustiças perenes como o racismo nas mais diversas esferas da vida pública e a disparidade de gêneros amplamente documentada – no Brasil e no mundo.

A concepção econômica do centro passa pelo reconhecimento de que o Estado como indutor do crescimento, como

Não chegaríamos ao Estado mínimo, ideia ultrapassada, mas a um Estado mais enxuto e moderno

propulsor de políticas industriais, leva a resultados que podem ser ou subótimos ou absolutamente desastrosos, como vimos na era Dilma. Contudo, passa também pela percepção de que o mercado, por si, jamais foi instrumento para reduzir desigualdades, prover bens públicos, ou atuar para reduzir injustiças sociais que jamais foram adequadamente enfrentadas ao longo de décadas. Em resumo, o Estado deve ter mecanismos de monitoramento dos gastos para mantê-los eficazes e compatíveis com a estabilidade dos preços e os juros necessários para alcançá-la, precisa devolver atividades ao mercado e regulá-las adequadamente, e ser forte e atuante na área social. Deixando de lado a balbúrdia que tende a levar o debate para a troca de acusações, tal concepção do centro econômico nada tem de “direita” ou de “esquerda”, mas simplesmente parte de uma observação sobre o que é o Brasil e do que o País necessita.

Se todos estivéssemos pensando assim, talvez chegássemos à conclusão de que antes de sermos comunistas, esquerdopatas, de extrema-direita, ou bolsonaristas, somos pessoas que buscam desesperadamente o centro da discussão. Fica o apelo para que pessoas que compreendem essa necessidade unamse para o bem do País.

03 de abril de 2019

PRESIDENCIALISMO É DE COALIZÃO !

(Sergio Abranches, cientista politico, 30) A confusão sobre o presidencialismo de coalizão tem sido enorme. O centro das incompreensões tem sido as coalizões. Presidencialismo de coalizão é o nosso modelo político desde 1946. Foi quando o Brasil optou pelo presidencialismo, uma Federação com muitos estados, a eleição de deputados pelo voto proporcional e de mesmo número de senadores por estado, pelo voto majoritário, em um sistema aberto a muitos partidos políticos. Essa combinação de elementos institucionais tornou objetivamente impossível aos presidentes fazerem a maioria no Congresso com seus partidos. Eles precisam de outros partidos para alcançar a maioria e governar. Precisam de uma coalizão multipartidária. Daí, presidencialismo de coalizão.

Presidentes têm, em geral, a capacidade de negociar uma coalizão majoritária, alavancados pela vitória eleitoral. Não é, necessariamente, cooptação, conchavo, toma lá dá cá, nem corrupção. Podem negociar essas alianças com base em programas, princípios e valores. Se um presidente fez uma campanha com um projeto claro e viável de governo, ele pode usá-lo como base dessa negociação. A Constituição de 1988 remodelou o presidencialismo de coalizão e deu ao presidente mais poderes para controlar a agenda de políticas públicas.

Mas o Congresso multipartidário manteve a capacidade de bloquear a agenda presidencial e concentrou poderes de coordenação política na presidência das Mesas e nas lideranças partidárias. A principal força do Congresso vem do fato de praticamente todas as políticas públicas precisarem de leis para serem instituídas. As políticas mais relevantes, como a Previdência, foram inscritas na Constituição, requerendo maioria de três quintos (60%) dos votos, para regulá-las ou modificá-las. Presidentes precisam, portanto, de maioria ampla e coesa para implantar políticas públicas novas, mudar as existentes, ou fazer reformas.

Negociar uma coalizão majoritária não é escolha, é um imperativo. Um presidente não governa sem ela, não aprova suas medidas no Congresso, e o governo fica paralisado. Além disso, arrisca-se a ver o Legislativo aprovar medidas contrárias à sua agenda, como aconteceu na Câmara, com as emendas impositivas. Jânio Quadros e Fernando Collor não negociaram coalizões majoritárias e não governaram. Mas presidentes não precisam trocar favores com o Congresso, distribuir benesses ilegítimas. Podem negociar a pauta e os princípios para formulação de políticas e, legitimamente, compartilhar o poder, nomeando ministros qualificados, indicados pelos partidos da coalizão, selecionados por critérios fixados pelo Executivo.

A participação no governo consolida o compromisso dos partidos com as políticas acertadas. Presidentes têm três recursos básicos para negociar uma coalizão legítima: a força do voto popular nacional que os elegeu, a liderança política e a persuasão. Com esses três recursos na mão, eles e seus líderes têm condições de conduzir a articulação política para formar a coalizão. É uma negociação, mas não precisa ser um troca-troca espúrio. Negociar é conversar, acertar pontos em comum e compartilhar o poder governamental, sem abrir mão da primazia presidencial.

Qual o problema hoje? Bolsonaro deixou o seu capital eleitoral se dissipar, insistindo em miudezas, e não apresentou uma agenda clara e relevante, capaz de unir o país. Fixou-se em questões menores, que dividem muito. Não demonstrou ter liderança. Não se empenhou a favor das propostas de seus ministros da Economia, para a reforma da Previdência, e da Justiça, para a legislação anticorrupção. Descartou indicações políticas, mas nomeou ministros visivelmente ineptos. Preferiu hostilizar o Congresso, a dialogar politicamente. O resultado é paralisia decisória e perigoso impasse político. A trégua recente é uma pausa, não o fim dos atritos.

02 de abril de 2019

SEIS TOXINAS POLÍTICAS!

(Moisés NaÍm – Carnegie Endowment – Estado de S.Paulo, 01) Às vezes, são as sociedades que mudam o curso da história em eleições ou referendos.

Existem decisões que mudam o mundo. São aquelas que têm consequências difíceis de serem revertidas, transcendem fronteiras e afetam milhões de pessoas. Guerras são o exemplo óbvio. Elas geralmente são decididas por um líder ou por um reduzido grupo de políticos e militares. Às vezes, no entanto, são as sociedades que mudam o curso da história por meio de eleições ou referendos.

Um exemplo disso é o Brexit, o referendo no qual os britânicos votaram a favor da ruptura com a União Europeia (UE). Outro exemplo ocorreu quando Donald Trump venceu as eleições nos EUA. Ou quando, em 1998, os venezuelanos elegeram Hugo Chávez como presidente.

O Brexit fez o sistema político britânico mergulhar em uma crise profunda, Trump transformou a política de seu país e, talvez, do mundo e

Chávez é responsável por uma catástrofe nacional que está prestes a transformar-se em uma perigosa crise regional.

Esses três casos são, claro, muito diferentes. Mas eles também têm semelhanças que iluminam importantes fatores tóxicos comuns na política atual.

1. A antipolítica. Os três são manifestações concretas da rejeição aos “políticos de sempre” e da presunção de que os governantes tradicionais usam a política para seu benefício pessoal e não visando o bem comum. Aqueles que votaram a favor do Brexit, de Trump e de Chávez sentiram que apenas expulsando aqueles que governavam melhoraria sua situação pessoal – ou pelo menos aquilo serviria para ensinar uma boa lição aos poderosos.

2. Partidos fracos. Nestes três exemplos, os resultados inesperados das consultas eleitorais foram possíveis graças à fraqueza dos partidos políticos tradicionais. Os dois grandes partidos britânicos – Trabalhista e Conservador – estavam divididos e isso os impediu de confrontar com eficácia aqueles que promoveram o Brexit.

O mesmo aconteceu com o Partido Republicano nos EUA, cuja fragmentação tornou possível que um político iniciante como Trump se tornasse seu candidato à presidência. E também na Venezuela, onde os dois grandes partidos históricos entraram em colapso, deixando a porta aberta para Chávez.

3. A popularidade das mentiras. Quase imediatamente após sua vitória no referendo sobre o Brexit, soube-se que os seus promotores haviam mentido, exagerado nos benefícios que o Reino Unido teria ao sair da UE e minimizaram os custos e as dificuldades que essa decisão teria para os britânicos. Em seu primeiro ano como presidente, Trump disse, em média, 6 mentiras ou alegações enganosas por dia, segundo contas do Washington Post. No segundo ano a média subiu para mais de 16 por dia e até agora, em 2019, chega a 22 mentiras diárias. O presidente dos EUA tornou normal a mentira.

O mesmo é verdadeiro no caso de Chávez, de quem há um enorme estoque de vídeos e gravações, fáceis de encontrar na internet, nos quais o líder venezuelano mente.

4. A manipulação digital. A conta no Twitter de Donald Trump é uma das suas armas políticas mais poderosas. Chris Wylie, ex-diretor de pesquisa da empresa Cambridge Analytica depôs perante o Parlamento britânico que a empresa usou as mídias sociais para influenciar o resultado do referendo em favor do Brexit. Alô, Presidente, o programa dominical estrelado por Chávez, tornou-se um instrumento fundamental de propaganda, mobilização política e manipulação da opinião pública.

Todos os políticos, em todos os lugares, sempre usaram os meios de comunicação social para obter e manter o poder. Poucos fizeram isso com a habilidade, a audácia e a sofisticação tecnológica de Trump, Chávez e dos defensores do Brexit.

5. A intervenção externa secreta. As agências de inteligência dos EUA e procurador especial Robert Mueller concluíram que o governo russo clandestinamente influenciou nas eleições dos EUA em 2016. Antes do referendo do Brexit, mais de 150 mil contas russas no Twitter enviaram milhares de mensagens em inglês, incitando os britânicos a deixar a UE. A influência de Cuba na Venezuela foi mantida em segredo, mas hoje é uma realidade amplamente reconhecida.

6. O nacionalismo. As promessas de autodeterminação e revanche contra os maus tratos recebidos por outros países foram decisivas para o sucesso eleitoral de Chávez, Trump e Brexit. Nos três casos, as denúncias contra a globalização, o comércio internacional e os “países que se aproveitam de nós” renderam dividendos políticos. A hostilidade de Chávez contra os EUA e a de Trump e dos defensores do Brexit contra os imigrantes também foram determinantes.

Esses seis fatores ilustram o tipo de toxinas que estão afetando a política de muitos países. Em alguns deles surgiram anticorpos que resistem a elas. O resultado desse choque entre toxinas e anticorpos políticos moldará o mundo que teremos.

Às vezes as sociedades alteram o curso da história por meio de votações

01 de abril de 2019

ESPIRITISMO MARCA 150 ANOS DA MORTE DE KARDEC DIANTE DE MOMENTO-CHAVE!

(Folha de S.Paulo, 31) Para adeptos, escritor francês que codificou doutrina previu turbulências, que agora chegam à prática.

Nas celebrações dos 150 anos da morte —ou desencarne, como creem os adeptos do espiritismo— do escritor francês Allan Kardec, considerado o pai da doutrina espírita, expoentes da crença afastam o médium João de Deus de suas fileiras, falam de acirramentos dos conflitos interpessoais da atualidade e reforçam a sinergia da filosofia com os avanços científicos.

Kardec, cujo nome de batismo é Hippolyte Léon Denizard Rivail, foi o responsável pela publicação do pentateuco espírita (conjunto de cinco obras literárias), pilar da filosofia que nasceu a partir da investigação científica de fenômenos chamados “mesas girantes”, motivo de inquietação na Europa no século 19.

“Ele pensou ter encontrado nas manifestações das ‘mesas girantes’ evidências robustas da imortalidade alma, através da identidade dos espíritos comunicantes”, afirma Dora Incontri, jornalista, doutora em educação pela USP e considerada uma das maiores especialistas em Kardec do país.

Ainda no primeiro semestre deste ano estão previstas a estreia de um documentário e de um filme a respeito do chamado codificador da doutrina espírita.

Dora, com Karim Soumaïla, assina o roteiro de “Em Busca de Kardec”, o documentário. “A filosofia que ele estabeleceu, que é o espiritismo, que ele não queria que fosse uma religião, foi construída em diálogo com espíritos”, afirma.

Já o filme dramatizado é baseado na biografia escrita pelo jornalista Marcel Souto Maior, que mostra a trajetória do professor Rivail até transformar-se no “pai do espiritismo”.

Segundo Souto Maior, a obra de Kardec é estudada e colocada em prática hoje em cerca de 15 mil centros espíritas pelo país, tendo como máxima a frase cunhada como a essência da doutrina: “Fora da caridade não há salvação”.

“Ela [a obra] sustenta uma rede de solidariedade cada vez mais integrada e ativa. É muito atual e cada vez mobiliza mais gente em torno das lições que difundiu”, diz ele.

Souto Maior afirma ainda que, em nenhum país o espiritismo de Kardec ganhou tantos adeptos quanto no Brasil.

Um dos grandes responsáveis por isso foi o médium Chico Xavier (1910-2002).

Além de ações de caridade, o mineiro ganhou fama ao psicografar milhares de cartas e publicar mais de 400 obras.

Em 2010, segundo o Censo mais recente do IBGE, 3,8 milhões de pessoas se declararam seguidores da doutrina no Brasil. É o secto com maior índice de ensino superior (31,5%) e a maior taxa de alfabetização (98,6%).

Nesse total, porém, não estão outras correntes reencarnacionistas existentes no Brasil, como o candomblé e a umbanda, das quais os kardecistas buscam se diferenciar.

Tampouco estão incluídos aqueles que veem a doutrina como filosofia e não religião, ou que a seguem em paralelo com religiões como a católica.

Os espíritas também vêm, desde o final de 2018, empregando esforços para explicar que o médium João de Deus, 77, preso em Goiânia (GO) sob a suspeita de abuso sexual e outros crimes, não pode ser considerado um espírita.

“O próprio médium já se declarou não espírita. É preciso separar a pessoa da doutrina. Mesmo que ele fosse espírita, dentro da nossas imperfeições, podemos cometer erros, mas os ensinamentos apontam para seguir corretamente”, diz Geraldo Campetti, vice-presidente da FEB (Federação Espírita do Brasil).

Ele diz que “segundo Kardec, uma coisa é ser médium, um instrumento entre o plano espiritual e o material, outra é o uso que se faz da mediunidade, que pode servir tanto ao bem quanto ao mal. Pode-se trabalhar pelo próximo ou por interesses particulares”.

“É claro que é lamentável tudo o que aconteceu, é um alerta para que fiquemos cada vez mais vigilantes. O médium não é um espírito perfeito, pelo contrário, é um espírito bem endividado.”

Na visão dos espíritas, o clima prevalente de atrito entre as pessoas tem relação com o que chamam de “momento de transição”, que é marcado por questionamentos de valores.

Campetti avalia que “estamos vendo pessoas perturbadas querendo conturbar” e pessoas embarcando em processos de precipitação de opinião, de tomada de atitude intempestiva e que acabam favorecendo a polarização e tencionando as relações.

“O espiritismo leva a mensagem de paz e de esperança, e somos convocados a agir. É um momento decisivo, crucial, com o recrudescimento dos enfrentamentos, e não há como ficar parado”, diz.

“Precisamos dar apoio para que as pessoas entendam o que é essencial na vida. A doutrina se prepara para um momento de regeneração, para dar uma base às pessoas para trabalharem por seu restabelecimento moral.”

Para o jornalista André Trigueiro, um dos palestrantes a respeito do espiritismo mais conhecidos do país, “para os espíritas, estaríamos deixando a categoria de ‘mundo de provas e expiações’ —onde a dor e o sofrimento ainda predominam— para ‘mundo de regeneração’ –onde a evolução ética e moral determinariam vivências menos dolorosas que as atuais”.

“O agravamento das tensões, no nível em que experimentamos hoje, costuma marcar de forma aguda esses períodos de transição. A doutrina espírita previu esse momento conturbado, e assinalou a importância de seus seguidores se pautarem sempre pelas lições morais do evangelho, especialmente a prática da caridade”, afirma.

Os avanços científicos em torno das manipulações genéticas, do sequenciamento do DNA e também as novidades tecnológicas parecem não levar desconforto aos espíritas, mas, sim, entusiasmo, uma vez que a doutrina afirma se ancorar no respeito à ciência.

“O espírita, ao se considerar cientista, tem de ser amigo do avanço da ciência. Outra visão seria sociologicamente tentar entender se os espíritas são amigos da ciência, mas aí não seria uma postura filosófica”, diz o professor da USP Alysson Mascaro.

“Isso é postulado por Kardec: ‘A ciência acima de tudo’. É um postulado, inclusive, do iluminismo do século 18, aplicado nessa leitura de Kardec no século 19.”

Trigueiro diz que “Kardec utilizou a metodologia científica para eliminar o risco de fraudes e mistificações”.

“A atualidade do espiritismo se manifesta pela lógica de seus postulados [de Kardec] que revelam as leis que regem a vida e o universo. É o que se convencionou chamar de fé raciocinada”, afirma.

“Assim, os princípios básicos da doutrina permanecem perenes na linha do tempo.”

29 de março de 2019

CESAR MAIA EXPLICA COMO O FILHO RODRIGO DOBROU O GOVERNO!

(Revista Época, 28) Ex-prefeito do Rio de Janeiro diz que Bolsonaro é “lider sindical de policiais e militares” e que filhos causam curto-circuito.

Na última terça-feira, Brasília assistiu a uma demonstração de força dos deputados federais insatisfeitos com os rumos do governo. Foi aprovada, em votação-relâmpago, uma proposta de emenda constitucional que engessa ainda mais o poder de gasto do Executivo, na contramão de tudo aquilo que prega a equipe econômica do ministro Paulo Guedes a favor da desvinculação das receitas. Tratou-se de mais um capítulo da crise instaurada nas últimas semanas entre Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “Ele está brincando de presidir o país, e está na hora de parar a brincadeira”, atacou Maia.

Horas antes e a quilômetros de distância da capital, o pai do líder da retaliação parlamentar se preparava para entrar em outra sessão que poderia trazer problemas para um chefe de Executivo. “Me acompanhe ao plenário que você verá uma surpresa”, provocou o vereador Cesar Maia (DEM-RJ) depois de discorrer durante quase duas horas para ÉPOCA sobre o “amadorismo dos atuais donos do poder”. Naquele dia, por pouco — mais precisamente por apenas um voto — a Câmara Municipal não aprovara mudanças na legislação sobre impeachment, em um claro recado para o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella.

Aos 73 anos e depois de ter sido prefeito do Rio por três mandatos (1993-1997 e 2001-2009), Cesar Maia dispensa o dia a dia da política que o filho adora. Enquanto Rodrigo Maia não larga as conversas partidárias por WhatsApp nem em encontros familiares no fim de semana, o barato de Cesar é fazer análises — muitas delas contrariadas pelos fatos, mas no mínimo divertidas. São análises com muitas referências político-culturais. Durante a tarde de terça, por exemplo, em uma minúscula sala chinfrim do Palácio Pedro Ernesto, citou de François Mitterrand a Oscar Wilde. O vereador envia diariamente uma tradicional newsletter, chamada de ex-blog, para quem se cadastrar em seu site. Até o momento, contudo, ainda não tinha falado sobre as troca de farpas entre Maia e o presidente:

“Bolsonaro não me dá raiva, de verdade. Estamos em outro mundo. Sou mais acadêmico, ele tem outro estilo, mais ligado ao Exército. Nas vezes que falei sobre isso com o Rodrigo, eu disse: ‘Esquece isso, não dá bola para isso, não’. Imagina, se preocupar com Carluxo, pelo amor de Deus”, esnobou Cesar, quase blasé, em referência ao apelido de Carlos Bolsonaro, que danou-se a desancar o presidente da Câmara pelas redes sociais nos últimos dias.

A crise de Maia com o governo começou há duas semanas, a partir do congelamento da tramitação do pacote anticrime enviado ao Congresso pelo ministro Sergio Moro. “Desse jeito, o Paulo Guedes pode levar pancada. Se esses dois projetos andarem juntos, não vai ser votada a Previdência. O tema do Moro é de enorme adesão popular, o outro não”, disse Cesar, em defesa da atitude do filho de priorizar o tema econômico.

O clima azedou de vez quando o ex-juiz da Lava Jato enviou mensagens de celular para o presidente da Câmara reclamando de seu projeto ficar em segundo plano. Maia chamou Moro de “funcionário de Bolsonaro” e falou que ele estava “confundindo as bolas”. Chamou ainda a proposta de “copia e cola” do projeto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Dias depois, foi a vez de Moro alfinetá-lo com indiretas: “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, ironizou.

Na semana passada, uma nova fase da Lava Jato colocou ainda mais lenha na fogueira. Casado com a mãe da mulher de Maia, o ex-ministro Moreira Franco foi preso preventivamente com o ex-presidente Michel Temer, acusado de corrupção. Não demorou muito para Carlos Bolsonaro, o filho-vereador-tuiteiro do presidente, fazer das suas na internet: “Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?”, questionou nas redes, insinuando que o deputado estaria com receio de investigações da Polícia Federal.

“Analista político frequente nas redes, Cesar Maia vê governo fraco na articulação política e cometendo equívocos na relação com o Congresso. A velha política vence sempre”

Maia, então, chamou os principais jornais do país e anunciou que estava fora da articulação política pela reforma da Previdência. Sem parecer se incomodar, Bolsonaro elevou o sarrafo da crise com um festival de ironias comparando o presidente da Câmara a uma namorada querendo terminar um relacionamento. “Bolsonaro não é um personagem capaz de segurar a liderança desse processo. Agora, será que ele faz esse raciocínio e dá importância a isso? Foi ao cinema nesta semana com a esposa… No fundo, faz isso porque sabe que pode ser aplaudido lá. Ele é um líder sindical dos policiais e dos militares, e assim continua se comportando”, analisou Cesar.

O pai de Rodrigo divide em três os núcleos do governo. O econômico, comandado por Guedes; o da justiça, simbolizado por Moro; e o administrativo, com os militares à frente. Mas e os filhos do presidente, também não são um polo de poder? “São o quarto vetor. O vetor dispersivo. Geram curto-circuito, atrapalham, mas nada grave. Um fala uma besteira, outro fala outra, o Olavo (de Carvalho), que também é desse vetor, fala mais uma… Mas não é o principal”, disse. Ponderei que um filho do presidente, “o Carluxo”, como Cesar o chamou, já havia derrubado o ministro Gustavo Bebianno após uma desavença nas redes sociais. Fui rebatido com uma pergunta: “Será que foi por causa do Carlos? Ou ele foi apenas vocalizador da vontade do pai? Como disse, não vejo organicidade nos filhos, são pessoas querendo aparecer apenas, não é relevante nada disso. Por que perder tempo com eles?”, esnobou de novo.

Erros, no entanto, Cesar já vê vários no governo. Dizer que o golpe militar não foi golpe, quando é óbvio que foi, é um deles, não só do ponto de vista do conceito, como para a própria popularidade de Bolsonaro. “Estudei durante muito tempo a ascensão da nova direita. O golpe de 1964 não é um tema popular, ele tinha de se distanciar disso. É um erro e a consequência virá depois”, disse, apesar de Bolsonaro ter ganho a eleição já defendendo gente do tipo do coronel Brilhante Ustra. “Ele venceu por causa da Lava Jato. Não foi por causa de evangélicos nem da violência, esquece.”

Questiono novamente se não basta resolver a articulação política para o governo andar. E quem recebe críticas, desta vez, é o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que trabalhou pela derrota de Maia na eleição para a presidência da Câmara. “Que articulação política? O Onyx é apenas um representante da Taurus no Congresso que espertamente tornou-se articulador da proposta de dez medidas contra a corrupção.” Cesar não se alinha aos alarmistas que afirmam que o governo pode não durar: “Mas como é que cairia? O tempo não resolve isso tão rapidamente. O PT ficou 13 anos no poder. O que pode acontecer é a crise econômica ganhar uma profundidade”, disse. No dia seguinte, a pedido de ÉPOCA, Cesar comentou as respostas que o Congresso deu durante a semana para Bolsonaro. “Os partidos estão desgastados, mas não confunda com o Congresso como instituição. Ele vai se afirmar sempre.”

28 de março de 2019

A NOVA AMÉRICA LATINA, POR CASTELLS!

(Lauro Jardim – O Globo, 25) Deve sair ainda esse ano no Brasil “La nueva America Latina”, o novo livro do catalão Manuel Castells sobre o continente e seus caminhos.

Escrita em coautoria com o sociólogo boliviano Fernando Calderon, a obra é considerada por Castells o trabalho de sua vida sobre a região.

Os direitos foram comprados pela Zahar, que lança, em junho, “Outra economia é possível”, também escrita por Castells.

Emprego no Rio de Janeiro em fevereiro.

* O Rio de Janeiro teve saldo de 9.753 postos em fevereiro de 2019. Foi o melhor saldo para o mês de fevereiro desde 2014.

* No mês de fevereiro de 2019 o estado do Rio de Janeiro teve o 6º melhor saldo entre as Unidades da Federação, com 9.753 postos, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).

* Porém na análise da região Sudeste o Rio de Janeiro ficou com o terceiro melhor saldo, pois São Paulo e Minas Gerais foram respectivamente o primeiro e o segundo melhores saldos entre os estados. Já o Espírito Santo foi o 9º melhor saldo do país.

* O setor de Serviços puxou o saldo do Rio de Janeiro para cima com saldo de 8.263 postos, seguido pela Construção Civil com 1.837 postos.

* O setor que teve pior desempenho, assim como em janeiro, foi o do Comércio com -1.209 postos.

27 de março de 2019

O ENIGMA POPULISTA!

(O Estado de S. Paulo, 24) Descentralizar o poder é importante para dar às pessoas meios legais de resistir e de praticar desobediência civil dentro do sistema político. Jan-Werner Mueller, cientista político alemão e autor de ‘What Is Populism?’.

Referência no tema, o cientista político alemão Jan-Werner Mueller fala sobre como combater a ascensão de lideranças autoritárias.

O cientista político alemão Jan-Werner Mueller tornou-se uma referência no debate sobre a ascensão de líderes políticos populistas em vários países depois de publicar, em 2016, ano da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o livro What Is Populism? (O Que É Populismo?). Ele veio para o Brasil a convite da Embaixada da Alemanha para uma série de conferências e debates. Ele deu entrevista ao Estado na sexta-feira, 15, após palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso. Nela, discutiu suas ideias a respeito de populismo, democracia, imprensa e redes sociais num momento em que há uma série de desafios às formas tradicionais de democracia representativa no mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

P: Como distinguir um líder populista em ação? O presidente Jair Bolsonaro pode ser qualificado como um populista?

R: Sou relutante em ser uma espécie de teórico com cartão de milhagem, que viaja de um país a outro e diz que isso é assim, aquilo funciona dessa forma, quando, obviamente, as pessoas no Brasil conhecem muito mais as circunstâncias locais. O que eu posso fazer é dar uma moldura e alguns indicadores para que as pessoas possam decidir por si próprias. No meu ponto de vista, um populista é alguém que diz: “Eu e apenas eu represento o povo” – ou o “verdadeiro povo”, como tipicamente, gostam de dizer. Outros políticos são considerados por eles como ilegítimos, corruptos – e todos os cidadãos que não concordam com os populistas são basicamente excluídos do “verdadeiro povo”. Outra forma de distinguir um líder populista é que eles promovem guerras culturais. Há uma diferença entre populismo e nacionalismo. Você pode ser um nacionalista e dizer: “América em primeiro lugar” ou “Brasil acima de todos”, mas não necessariamente proclamar que “apenas eu represento o povo”. É importante ver a diferença, embora muitos populistas sejam nacionalistas. Como eles têm de proclamar quem é o “verdadeiro povo”, o nacionalismo é a melhor resposta para dizer que um bom americano é isso, um bom alemão é aquilo. Um último ponto é que os populistas, frequentemente, não têm uma política externa previsível. Há uma hostilidade em relação às organizações internacionais. Quando eles chegam ao poder, precisam dar continuidade ao discurso anti-elite – e eles recorrem ao clichê de que existe uma “sombria” elite internacional que age nos bastidores contra os interesses do “verdadeiro povo”. Por isso, frequentemente, mas nem sempre, partilham de um discurso anti-semita.

P: Em conferência, o senhor afirmou que os líderes populistas desenvolveram uma arte de governar. Da mesma forma que Trump, Bolsonaro gosta de atacar a imprensa pelo Twitter. O uso das redes contra a imprensa faz parte desse ‘kit’ populista?

R: O que alguns desses líderes tentam alcançar é algo que paradoxalmente pode ser chamado de representação direta, uma conexão com os cidadãos, sem a mediação da imprensa profissional e dos partidos políticos. Em alguns casos, essa é uma promessa explícita. Na Itália, Beppe Grillo (comediante e blogueiro, fundador do Movimento Cinco Estrelas, hoje o maior partido da Itália) dizia que não só os políticos são corruptos, mas os jornalistas também. Ele dizia: “Você não pode confiar em ninguém, fale comigo diretamente que eu vou amplificar o que está acontecendo por meio do meu blog”. Essa é uma espécie de técnica, que acaba sendo copiada por outros. E qual pode ser a consequência disso? Tanto os partidos como a imprensa introduzem um certo grau de pluralismo na forma como as pessoas se relacionam com o sistema político. Obviamente, as pessoas têm suas identificações, mas elas se deparam com outros pontos de vista, ideias e formas de pensar quando há essa mediação. Esse pluralismo desaparece quando você tem uma relação de um para um. Outro perigo do “microtargeting” (a distribuição de mensagem, por meio das redes sociais, para públicos ultrasegmentados) é que ele pode virar uma forma de constantemente reforçar mensagens nas quais o povo deve acreditar. Uma definição básica de democracia é que as pessoas devem ter o direito de mudar de ideia e punir o governo para tirá-lo do poder. Mesmo essa definição básica pode estar em perigo se você pensar que existem hoje instrumentos para que as pessoas não recebam informações confiáveis e decidam por elas próprias.

P: Como a imprensa tradicional deve reagir quando é hostilizada dessa forma?

R: Desde o século 19, nós sabemos que há duas instituições que são cruciais para uma democracia representativa funcionar: partidos políticos e mídia profissional. Ambos estão em crise. A imprensa não deve cair na armadilha de pensar ou mesmo dizer que representa a oposição. A oposição toma assento no Parlamento. Essa é a armadilha que Trump armou para alguns órgãos de imprensa nos EUA e que pode ser muito eficaz porque coincide com a crise da mídia. Alguns veículos tendem a responder: “Nós estamos aqui para salvar a democracia”, e assim passam a se vender como se fossem partidários. É melhor simplesmente dizer: “Não somos a oposição, estamos aqui para fazer o melhor jornalismo investigativo possível nas atuais circunstâncias, vamos cobrir o que realmente acontece”. Além disso, há uma outra armadilha: o ultraje e o escândalo vendem. É muito mais fácil fazer um artigo com muitas opiniões fortes, que causam ultraje, do que fazer uma investigação de dois meses, o que, obviamente, é muito caro e difícil. Uma coisa estranha que está acontecendo na mídia de países ocidentais é que algumas organizações estão se tornando clubes para pessoas com determinadas opiniões, como se fossem organizações partidárias com determinada filiação. Isso precisa de uma reflexão para saber se é algo de bom a ser feito.

P: A democracia liberal está em perigo por causa da ascensão desses líderes populistas?

R: Especialmente após a eleição de Trump, havia uma tendência a se homogeneizar todos os casos, mas isso é um engano. As pessoas diziam que ocorreria nos Estados Unidos um processo igual ao que aconteceu na Turquia e na Hungria, mas há diferenças importantes. Para chegar ao poder, os populistas partilham certas formas de agir. Mas para serem bem-sucedidos no governo, as circunstâncias locais pesam. Essa é a resposta pedante. Talvez a resposta menos pedante seja dizer que o perigo é aumentado pelo fato de que alguns desses atores podem aprender um com o outro. Depois do fim da Guerra Fria, houve uma ilusão de que as democracias têm uma vantagem epistemológica em relação aos regimes autoritários, porque as democracias aprendem com os erros, enquanto os sistemas autoritários seriam estúpidos. Todos terminariam como a União Soviética. Nós estamos aprendendo que essa “internacional” de líderes populistas autoritários gerou um conhecimento de governar que pode ser aprendido. Essas técnicas de como reduzir o pluralismo da mídia, de como intimidar a sociedade civil podem ser desenvolvidas, sem necessariamente reproduzir as imagens das ditaduras do século 20 que nós conhecemos. Uma coisa que precisa ser dita é: sim, nós, os democratas, aprendemos com a história. Mas os autoritários também. Eles também aprenderam a exercer um grande controle sobre as sociedades sem ser opressores. Há pessoas que viajam para a Hungria e voltam de lá, dizendo: “Está tudo bem, não parece que estamos numa espécie de país fascista”.

P: Quão importante é o papel de instituições sólidas para conter o impulso autoritário dos populistas?

R: As instituições importam muito, é claro – e elas não são apenas as instituições tradicionais como o sistema judiciário e os partidos políticos, mas também incluem a mídia e organizações da sociedade civil. O que importa também é o nível de centralização ou descentralização do poder. Em alguns dos países, o poder é muito centralizado. Se você ganha controle do Parlamento, do Executivo e da Corte, e não há outras instâncias de poderes regionais, é muito difícil resistir. Houve um tempo em que Trump podia ignorar os democratas no Congresso, podia ignorar os protestos nas ruas, mas se a Califórnia dissesse que não iria implementar tal política, ele não podia ignorar, porque o governo federal não tem recursos para executar certas políticas sozinho. Na Alemanha, temos um dispositivo na Constituição que diz que certos direitos fundamentais e o federalismo não podem ser abolidos. Antigamente, achava-se que o federalismo não era tão importante, mas agora percebemos como descentralizar o poder é importante para dar às pessoas meios legais de resistir e de praticar a desobediência civil dentro do sistema político.

P: Como evitar que populistas se transformem em líderes autoritários que ameaçam a democracia?

R: É preciso proteger as instituições. É preciso ter uma oposição que saiba comunicar bem quais são as discordâncias em termos de políticas que podem ser consideradas ordinárias das discordâncias de natureza constitucional. Os populistas procuram mudar as regras do jogo para, caso ele produza resultados que não os satisfazem, possam dizer que essas regras são ilegítimas. É importante, em algumas circunstâncias, subsidiar ou mudar a forma de regulação da mídia para que informação confiável continue a ser produzida. Por último, é importante sempre fazer uma distinção entre os populistas e os eleitores, porque sabemos muito pouco a respeito desses eleitores para fazer, do alto, severas condenações a eles. Sim, alguns deles talvez sejam racistas. Sim, alguns deles são convictos anti-pluralistas. Mas há muitos sobre os quais nada sabemos.

P: Qual foi o peso das redes sociais na ascensão desses líderes populistas?

R: É uma afirmação muito plausível dizer que elas facilitaram a sugestão de representação direta feita pelos líderes populistas. Mas havia populismo antes das redes sociais. Essa experiência de conexão direta não é totalmente nova. Antigamente, você podia ir à assembleia de um partido e, por quatro horas, todo mundo ficava saudando o grande líder. Ao final, você saía da assembleia com essa sensação de conexão direta. Mas essa era uma experiência extraordinária. Agora, é uma experiência que você pode sentir 24 horas por dia pelo Twitter. Talvez essa mudança quantitativa tenha levado também a uma mudança qualitativa, mas há muitos outros fatores. A política ainda é uma questão de indivíduos fazendo escolhas. A história na Europa Ocidental e nos Estados Unidos mostra que nenhum líder populista de direita, até agora, ascendeu sem a colaboração de elites conservadoras bem estabelecidas. Relativar o peso das mídias sociais é importante para cobrar a responsabilidade dessas elites que conscientemente optaram por esse caminho.

26 de março de 2019

TUÍTES, BÍBLIAS E BALAS PARA REVOLUCIONAR MENTES!

(Angela Alonso, professora de Sociologia da USP – Ilustríssima – Folha de S.Paulo, 24) “Em nome da Santíssima Trindade” —assim se abre a primeira Constituição brasileira, de 1824. Seu miolo continha uma religião de Estado. Visava menos a exclusão inquisitorial que operar como meio de controle social.

A Igreja Católica tocava os serviços estatais de registrar quem nascia, casava, morria. Votava-se em paróquias e se moldavam corações e mentes cristãos em capelas e escolas. Os religiosos, mais que Deus, estavam em toda parte, a política incluída.

Ainda no Segundo Reinado, o tema foi à berlinda. Secularizar o Estado virou bordão em discursos parlamentares, artigos de imprensa e projetos de lei de modernizadores.

Um argumento caracterizava o Estado teocrático como típico de tempos de obscurantismo, a Idade Média, e advertia que a sociedade moderna se alicerçava na ciência, em vez de na fé revelada. O ministro da Educação conhece o debate: no mestrado estudou alguns de seus participantes positivistas.

Outra linha era a liberal clássica, da liberdade de consciência. A tolerância à religião dos outros seria a única maneira de se proteger da imposição da crença alheia. Liberal —e agora autodeclarado evolucionista— o ministro da Economia deveria concordar com o postulado.

O Império caiu, os dois raciocínios seguem de pé.

A República inscreveu em sua Constituição inaugural a laicidade do Estado, deixando a religião como decisão de foro íntimo. A vigente, de 1988, registrou em seu preâmbulo a expressão “sob a proteção de Deus”, mas sem impor a ninguém o exercício de uma fé particular, menos ainda o proselitismo religioso por meio de política pública.

A anunciada número dois da pasta da Educação disso diverge do texto constitucional. Em entrevista à TV Band, em 2014, Iolene Maria de Lima explicou sua pedagogia: “uma educação baseada na palavra de Deus, […] onde a geografia, a história, a matemática vai [sic] ser vista na ótica de Deus […]. O aluno vai aprender que o autor da história é Deus, o realizador da geografia é Deus. Deus fez as planícies […], Deus fez o clima, […] o maior matemático foi Deus”. Seu objetivo era ver “toda a disciplina do currículo escolar organizada da ótica das escrituras”.

Lima dirigia então o colégio Inspire, em São José dos Campos. Sendo escola privada, é escolha particular ali depositar reais e cérebros de filhos.

Na escola pública, a opção não é facultativa. A escolarização estatal beneficia sobretudo aqueles a quem faltarão recursos para fugir da doutrinação religiosa compulsória.

E, mais grave, se a escola pública seguir tais princípios ferirá de morte a laicidade do Estado.

Mesmo que Lima não tenha sido confirmada como secretária-executiva do Ministério da Educação, a simples cogitação de perfil como o seu para cargo de tamanha relevância mostra que o governo não traz sua religiosidade peculiar apenas no slogan.

Há aí um projeto de escolarizar as próximas gerações de acordo com certo credo. Uma pedagogia autoritária, capaz de penetrar órgãos governamentais e orientar nomeações, licitações e compras de material didático.

É paradoxal que os que acusam adversários da lavagem cerebral do “marxismo cultural” se empenhem em inculcar seus próprios valores nos menos habilitados para questioná-los —as crianças, que ainda estão formando convicções.

Proselitismo agressivo, que trafega para além das cartilhas. Prolonga-se em braços armados contra infiéis inimigos da pátria, como o atesta a proximidade governamental com as milícias, o empenho em armar a população e a condescendência a extermínios sumários.

Soa cacofônico falar em Deus e pregar a violência, mas a história está cheia de guerras religiosas. Nelas, ganham-se almas e vendem-se armas, o que pode rimar tanto com desígnios divinos quanto com negócios terrenos.

A questão é até quando o estrato tão alto quanto diminuto que gere os mercados vai pagar essa elevada taxa de administração para obter seu ansiado “ambiente de negócios”.

Se os bolsonaristas de coração não caírem em seis meses, como previu seu astrólogo, podem avançar no que, em Washington, Paulo Guedes chamou de revolução. Talvez o ministro tenha sido apenas irônico, crendo-se no controle do exército dos eleitos, ou tarde em admitir que, na política, como na interpretação dos textos sagrados, seus aliados são literais.

Nada garante que não visem mesmo criar sua “nova era” teológica e belicosa, missionários empenhados em revolucionar as mentes com tuítes, bíblias e balas.

25 de março de 2019

A JANELA PODE SE FECHAR! PLANALTO PARECE DAR UM PASSO PARA A FRENTE E DOIS PARA TRÁS!

(Marcos Lisboa – Folha de S.Paulo, 24) Quem sabe o susto imenso da última semana não ajude a evitar o desastre?

A expectativa de que o país conseguiria encaminhar uma agenda de reformas para interromper a degradação das contas públicas e evitar a volta da recessão foi solapada por uma proposta inoportuna e conflitos disfuncionais.

Em meio às negociações sobre a reforma da Previdência, o governo enviou ao Congresso uma proposta para as carreiras dos militares que procura corrigir distorções acumuladas por mais de uma década.

Difícil imaginar momento mais inadequado. Afinal, a Câmara começava a discussão sobre a nova Previdência, que reduz benefícios de servidores públicos e aumenta o tempo de contribuição dos trabalhadores formais do setor privado.

No debate público, as percepções são tão relevantes quanto os fatos. É verdade que os salários dos militares estão defasados em comparação com outras carreiras do setor público. Também é verdade que o atual governo congrega militares nos principais cargos como não se via desde os anos 1980.

Qualquer aprendiz de político poderia antecipar que a proposta seria mal recebida. O governo parece conceder benefícios para as tropas enquanto propõe sacrifícios para os demais. Não é bem assim, mas o protagonismo na política pública cobra seu preço.

Quem lidera um país deve dar o exemplo. Se os militares querem estar à frente da política pública, então deveriam saber que têm de arcar com o ônus de não propor, neste momento, a recomposição de perdas de tantos anos.

Como se não fosse suficiente, a nova política parece jogar o bebê fora junto com a água do banho. Certamente a corrupção é inaceitável.

No entanto, tratar o presidencialismo de coalizão como equivalente à corrupção é condenar a vida cotidiana por conta das suas possíveis patologias. Algo como proibir os automóveis pela existência de motoristas psicopatas.

A boa política, a negociação sobre a agenda do governo e a nomeação dos seus gestores, permite à sociedade mediar conflitos e construir soluções. Seu benefício colateral é impedir o desastre das guerras.

O Planalto parece estar em uma estranha dança de um passo para a frente e dois para trás. Faz gestos para negociar a reforma e, ao mesmo tempo, revela-se conivente com o desprezo pela boa política.

Sabemos que o presidente foi omisso sobre as reformas na campanha e tem um histórico de defender interesses corporativos com a virulência dos sindicalistas. Pois bem, agora lidera o governo e há um país que ameaça sangrar. Gestos de boa vontade e diálogo com a oposição são fundamentais para enfrentarmos os nossos graves desafios.

Há uma janela de oportunidade, mas ela pode se fechar.

22 de março de 2019

FÓRUM YOUNG GLOBAL CHANGERS!

Relatório Inicial de Antonio Mariano, presidente J-DEM-RJ.

Hoje (20/03), terminou o fórum Young Global Changers, parte do fórum Global Solutions, em Berlim.

– Foram mais de 3500 inscrições de jovens de todo o mundo e selecionados apenas 90. Mesmo indicado pela Adenauer, tive de participar do processo de seleção que consistia em escrever um extenso projeto, em inglês, de mudança social, além de avaliação de currículo.
– Todo o fórum voltado para os jovens foi realizado na FES, fundação do SPD.
– 5 dias de atividades, indo desde palestras e debates, até escrevermos ensaios sobre temas como coesão social, equidade de gênero e formulação de políticas públicas, dente outros, que devem ser publicados no site da instituição.
– O fórum é uma preparação para a reunião do G20 e acontece todos os anos, de forma a balizar os temas que serão discutidos entre os chefes de Estado. O próximo G20 será no Japão, em junho.
– Estiveram presentes Angela Merkel e Olaf Scholz (Vice Chanceler da Alemanha e ministro das finanças, filiado ao PSD), além de outros ministros.
– Também tivemos a chance de conhecer o Prefeito de Berlim, Michael Müller, que falou exatamente sobre pontos que queremos implementar em seu mandato: uma cidade preparada para o futuro.

21 de março de 2019

QUEM DISSEMINA A IDEOLOGIA TERRORISTA SUPREMACISTA BRANCA?

(Guga Chacra – O Globo, 15) O terrorismo supremacista branco tem crescido ao longo dos últimos anos e já é considerado mais perigoso do que o jihadista em algumas nações. O atentado contra muçulmanos em duas mesquitas da Nova Zelândia, com 49 mortos e dezenas de feridos, demonstra a dimensão deste terrorismo com uma ideologia de suposta superioridade do branco ocidental e um sentimento islamofóbico e anti-imigrante.

Estes supremacistas também atacam judeus, como vimos no ataque a uma sinagoga em Pittsburgh, em outubro. E atacam negros, como vimos no ataque contra uma igreja frequentada pela comunidade negra em Charleston, na Carolina do Sul, em 2017. Também atacam jovens, como vimos na Noruega, anos atrás. Muçulmanos já foram atacados em atos terroristas no Canadá, em Londres e agora na Nova Zelândia.

A ideologia supremacista branca não é nova. Inclusive, foi maior nos tempos do nazismo. Durante algumas décadas, se tornou algo marginal. Com o advento das redes sociais, no entanto, chegou ao mainstream. No Twitter e no Facebook, alguns formadores de opinião e seus seguidores, inclusive no Brasil, pregam o tempo todo o ódio contra os muçulmanos, contra os negros, contra imigrantes e contra o que eles chamam de “globalistas”. Algumas lideranças políticas fazem o mesmo. Distorcem informações ou mesmo mentem. A maioria absoluta, claro, fica apenas nas palavras odiosas. Mas sempre haverá um grupo menor que decidirá atacar, como observamos na Nova Zelândia. Deixam seus manifestos supremacistas e, de modo cruel, filmam ao vivo seu massacre.

Estes terroristas supremacistas brancos não são diferentes dos jihadistas, que também seguem uma ideologia odiosa para cometer seus atentados. Um escritor argelino residente na França certa vez escreveu que a disseminação da jihadismo, que ocorreu em maior escala a partir dos anos 1980, radicalizou setores da sociedade islâmica. Ele avalia que há muitas similaridades com a radicalização supremacista que observamos no Ocidente.

O complicado, para as autoridades, é combater o terrorismo supremacista branco. No caso dos jihadistas, sabemos bem qual costuma ser a resposta. São as ações militares contra países distantes como o Iraque e o Afeganistão ou os bombardeios de drones no Iêmen e na Somália. A lógica é a de que os terroristas jihadistas são ligados a grupos como a Al Qaeda e o Grupo Estado Islâmico que teriam bases nestas nações, mesmo quando não há relação alguma, como vimos na invasão ao Iraque após o 11 de Setembro – Saddam Hussein era inimigo da Al Qaeda. Terroristas eram presos e levados para Guantánamo. Mas o que fazer quando o terrorista é supremacista branco? Obviamente, não sairão bombardeando nações. A saída é utilizar ações de contra-terrorismo e combater o discurso do ódio.

20 de março de 2019

CRIME ORGANIZADO NA AMAZÔNIA!

(Adriana Abdenur é coordenadora da Divisão de Paz e Segurança do Instituto Igarapé. Ilona Szabó é diretora-executiva do mesmo instituto, e Robert Muggah é diretor de pesquisa da instituição – Ilustríssima – Folha de S.Paulo, 17) Expansão de atividades ilegais cria vasto ecossistema do crime na região.

O futuro da mudança climática será decidido na Amazônia. Cinco milhões e meio de quilômetros quadrados de floresta, o maior rio do planeta em vazão e cerca de um quinto da água doce do mundo —sem esquecer que, em partes da região, não se sabe quase nada do que acontece debaixo das copas das árvores.

Duas coisas, contudo, são certas: a pilhagem está ocorrendo, o que acarreta a proliferação de mineradores ilegais, garimpeiros, traficantes, jagunços, grileiros, bandidos envolvidos em exploração sexual e tráfico de pessoas. A Amazônia abriga hoje um vasto ecossistema de redes de crime organizado que cresce, se espalha, ameaça a lei e a ordem e põe em risco nossa sobrevivência coletiva.

Já há sinais de que a violência organizada foge do controle. Belém (PA), Macapá (AP) e Manaus (AM) estão entre as cidades com as mais altas taxas de homicídio do mundo, alguns dos lugares mais perigosos do planeta para ativistas de direitos humanos, ambientalistas e jornalistas.

O ritmo do desmatamento voltou a crescer após significativa diminuição. Quase 20% do bioma já foi devastado —seja para abrir caminho para a insaciável demanda global por gado, soja e açúcar, seja para abastecer os mercados globais de madeira e ouro. Até 2030 uma quantidade semelhante deverá ter sido desmatada. A menos que o Brasil e os outros países amazônicos mudem de rumo, a situação pode piorar.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem indicado que pretende liberar ainda mais terras protegidas —especialmente as indígenas— para gigantes da mineração. Esse processo deve ser acelerado por um pacote de infraestrutura recentemente anunciado para projetos de grande escala.

Desmatamento e extração mineral muitas vezes reforçam o submundo criminoso e estimulam um ciclo vicioso de mudança climática, subdesenvolvimento e insegurança. Isso pode, inclusive, minar uma prioridade-chave do governo federal brasileiro —redução da corrupção e da lavagem de dinheiro, do crime organizado e de crimes violentos.

A Amazônia é terreno de concessões gigantescas para a mineração. Políticos federais e locais garantiram generosos incentivos fiscais para elevar e instigar a extração de bauxita, cobre, ferro, manganês e ouro. Imensos conglomerados mineradores estão invadindo terras indígenas e poluindo solo e rios. A mineração ilegal de ouro tornou-se um negócio enorme na região, tanto por grandes empresas quanto por grupos improvisados. Existem dezenas de milhares de garimpeiros apenas no Brasil.

Em municípios como Itaituba (PA), às margens do rio Tapajós, a mineração ilegal representa de 50% a 70% da economia. Uma cidade de garimpeiros encontrada pelo Exército na Terra Indígena Ianomâmi, localizada nos estados de Roraima e Amazonas, movimentava R$ 32 milhões por mês com extração ilegal de ouro.

Na fronteira com a Guiana, há cerca de 20 mil brasileiros trabalhando em minas clandestinas. Buscam também diamantes e coltan (mistura de columbita e tantalita utilizada em aparelhos eletrônicos portáteis). Assentamentos improvisados, jogo, prostituição, tráfico de pessoas, trabalho escravo e jagunços se aglomeram nos locais onde prolifera a mineração ilegal. Povos indígenas e quilombolas são as principais vítimas dessa corrida do ouro moderna.

A mineração ilegal de ouro é muito atrativa para grupos criminosos, incluindo os do tráfico de drogas. A bacia Amazônica abrange os três produtores de coca do mundo —Bolívia, Colômbia e Peru. Cartéis e facções da cocaína diversificaram seus negócios para aquela atividade.

Em algumas circunstâncias, a facilidade de extração e venda e a fraca presença do Estado tornam o ouro mais valorizado que a cocaína. Muitos traficantes usam os locais de garimpo como centros de distribuição.

Entre Brasil e Colômbia, dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e guerrilheiros do ELN (Exército de Libertação Nacional) controlam grandes áreas de mineração. Traficantes de facções criminosas brasileiras começam a se mobilizar.  As Forças Armadas do Brasil têm realizado operações —em conjunto com suas contrapartes colombianas— para tirar esse controle das mãos das organizações nacionais e estrangeiras, com enorme dificuldade.

As consequências são terríveis: rios são dragados e dinamitados, destruindo ecossistemas locais, e o mercúrio do garimpo contamina sistemas alimentares de toda a bacia. Em aldeias ianomâmis na fronteira Brasil-Venezuela, mais de 90% dos habitantes foram contaminados pelo metal de alta toxicidade.

As organizações criminosas usam tecnologia de ponta para obter lucros ilegais. Os grupos se conectam por serviços de mensagens criptografadas, o que dificulta o monitoramento. Muitas das transações são efetuadas com criptomoedas. As polícias Federal e Civil não recebem recursos suficientes para mapear a mineração ilegal e sua articulação com outras modalidades de crime.

Por conta da imensa escala do negócio e da incapacidade das forças de segurança, os criminosos operam com impunidade e contribuem para os níveis epidêmicos de mineração ilegal. No caso da Venezuela, o regime de Nicolás Maduro vem apostando pesadamente no garimpo, à medida que a produção petrolífera do país cai.

Faz-se necessária fiscalização mais forte na mineração e nas cadeias de suprimento a ela associadas. Isso demandará maior investimento e coordenação entre Polícia Federal, promotores, inteligência e Forças Armadas para interromper a economia política da mineração ilegal.

Entidades públicas como o Ibama precisam de injeção significativa de recursos e de poderes discricionários. Investimentos socioeconômicos também são essenciais, especialmente em áreas vulneráveis, para fornecer alternativas viáveis aos jovens envolvidos em atividades ilegais.

Devido às dimensões transnacionais do crime organizado, a cooperação internacional é fundamental, o que exige uma mudança de atitude. O discurso oficial que enfatiza a soberania nacional como um valor absoluto impede uma solução eficaz e conjunta. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica —composta por Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela— enfrenta dificuldades para avançar em sua agenda.

Apesar de esforços de cooperação, policiais e militares, procuradorias e agências de inteligência raramente compartilham informações, que dirá executarem operações conjuntas.

A única forma de desarticular as redes de crime organizado de modo sustentável na Amazônia é a adoção de uma abordagem coordenada, o que requer liderança política e capacidade técnica. Os países da região terão de superar a desconfiança mútua. São cruciais um acordo quanto às prioridades, um melhor alinhamento de objetivos estratégicos e de política e a realização de operações conjuntas. Isso deve ser acompanhado de medidas legais para combater a corrupção nas instituições do Estado.

Esses esforços exigirão alto grau de discernimento diplomático e de destreza política. Nossa sobrevivência depende disso.

19 de março de 2019

POPULISMO E INSTITUIÇÕES!

(Marcus André Melo – Folha de S.Paulo, 18) “Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos”. A afirmação é de James Madison (1751-1836), arquiteto do desenho institucional do presidencialismo. A melhor forma de exercer controles sobre governantes é maximizando —através do desenho institucional— a formação de interesses contrapostos.

O fechamento parcial do governo federal americano por 35 dias (de 22 de dezembro de 2018 a 25 de janeiro de 2019) não foi, assim, falha institucional, mas resultado antecipado. A perda de controlerepublicano na Câmara dos Representantes nas eleições de meio de mandato, em novembro, é produto do desenho institucional. Com o governo Trump amordaçado dessa forma, quiçá o livro “When Democracies Die”, de Levitsky e Ziblatt, sequer fosse lançado.

No presidencialismo madisoniano, presidentes e Legislativo são eleitos em sufrágios separados e por maiorias distintas. O primeiro, por colégio eleitoral, os senadores pelas assembleias legislativas, e os deputados federais por distritos uninominais. E, claro: membros do Legislativo têm de renunciar a seus assentos no parlamento se passam a fazer parte do gabinete.

Para aumentar a probabilidade da contraposição de forças políticas distintas —sobretudo as extremistas—, os mandatos são defasados no tempo: o dos deputados é de dois anos, o dos senadores, de seis anos, e o do presidente, quatro anos sem direito à reeleição. As eleições de meio de mandato criam a possibilidade de que a maioria que elegeu o presidente seja distinta da que elegeu o Legislativo.

O presidencialismo latino-americano nos últimos dois séculos vem se desviando do desenho original. A lista é longa: todos os países da região passaram a adotar a representação proporcional ou sistemas mistos, inaugurando o multipartidarismo como forma modal. Os colégios eleitorais, adotados em Chile, Argentina, Paraguai, foram abandonados.

Houve também extensa delegação de poderes aos presidentes. Por sua vez, a reeleição consecutiva de presidentes foi permitida em quatro países, e a não consecutiva, em seis. As eleições legislativas não simultâneas foram abandonadas —desde 1980, 60% delas são concorrentes.

A principal consequência é que instaurou-se uma dinâmica parlamentarista no sistema presidencial, porque foram criados incentivos para a formação de coalizões de governo. Sob democracias, presidentes tipicamente governam com maiorias partidárias.

O debate sobre democracia e populismo não pode fazer tábula rasa do conhecimento acumulado sobre o efeito da renda e da história sobre regimes políticos. Muito menos do desenho institucional.