13 de maio de 2019

A CRISE EUROPEIA!

(O Estado de S. Paulo, 12) Sete décadas após o fim da 2.ª Guerra em solo europeu, a Europa que construímos desde então está sob ataque da extrema-direita

Enquanto a Catedral de Notre Dame queimava, o partido de Marine Le Pen empatava nas pesquisas com o movimento de Emmanuel Macron pelo que ele chama de “renascimento europeu”. Na Espanha, um partido de extrema-direita chamado Vox, que promove ideias nacionalistas reacionárias contra as quais a democracia pósfranquista da Espanha fora supostamente imunizada, ganhou a preferência de um em cada dez eleitores em uma eleição nacional.

Os populistas nacionalistas governam a Itália, onde um bisneto de Benito Mussolini concorre ao Parlamento Europeu na lista dos chamados Irmãos da Itália.

Na Grã-Bretanha, as eleições europeias de 23 de maio podem ser vistas como um outro referendo sobre o Brexit, mas a luta subjacente é a mesma de nossos colegas europeus. Nigel Farage é um Le Pen em uma icônica jaqueta Barbour.

Enquanto isso, para marcar o 30.º aniversário da Revolução de Veludo de 1989, o partido governista Lei e Justiça da Polônia denunciou uma carta dos direitos LGBT + como um ataque às crianças. Na Alemanha, a Alternative für Deutschland (AfD) adota com sucesso uma retórica ‘völkisch’ (movimento popular) que acreditávamos ter sido derrotado para sempre, embora agora use muçulmanos como bodes expiatórios em vez de judeus. Lembre-se do aviso de Bertolt Brecht: “O útero do qual isso rastejou permanece fértil”.

Viktor Orbán, o jovem herói revolucionário de 1989 tornou-se o buldogue neo autoritário, efetivamente demoliu a democracia liberal na Hungria, usando ataques antissemitas contra o bilionário George Soros e generosos subsídios da UE. Ele também desfrutou de proteção política de Manfred Weber, o político bávaro que o Partido do Povo Europeu, o poderoso agrupamento de centro-direita da Europa, sugere que seja o próximo presidente da Comissão Europeia. Orbán resumiu a situação da seguinte forma: “Havia 30 anos, achávamos que a Europa era o nosso futuro. Hoje acreditamos que somos o futuro da Europa.”

O italiano Matteo Salvini concorda, a ponto de ser anfitrião de um comício eleitoral dos partidos populistas de direita da Europa, uma internacional de nacionalistas, em Milão no final deste mês. Certamente, o espetáculo de um país outrora grandioso, reduzido a um ridículo global, numa farsa trágica chamada Brexit, silencia toda a conversa sobre Hungexit, Polexit ou Italexit. Mas o que Orbán e companhia pretendem é mais perigoso. Farage apenas quer sair da UE; eles propõem desmantelá-la de dentro, retornando a uma mal definida “Europa das nações”, obviamente muito mais desunida.

Para onde quer que se olhe, velhas e novas fendas aparecem, entre o norte e o sul da Europa, catalisadas pela crise da zona euro, entre o Ocidente e o Oriente, revivendo os antigos estereótipos do orientalismo intraeuropeu (Ocidente civilizado, Oriente bárbaro), entre duas metades de cada sociedade europeia, e mesmo entre a França e a Alemanha.

Para qualquer um que tenha uma visão mais ampla, esses crescentes sinais de desintegração europeia não devem ser uma surpresa. Não é este um padrão familiar da história europeia? Na virada do século 18 para o 19, o continente foi dilacerado por duas décadas de guerras napoleônicas, então costurado em outro padrão pelo Congresso de Viena. A 1.ª Guerra foi seguida pela paz de Versalhes. A cada vez, a nova ordem europeia do pós-guerra leva um tempo, mas gradualmente se esvai pelas bordas, com tensões tectônicas se acumulando sob a superfície, até que finalmente irrompe um novo período de problemas. Nenhuma colonização europeia, ordem, império, Reich, aliança ou união dura para sempre.

Partindo dessa medida de aferição histórica, a nossa Europa saiu-se muito bem: fez 74 anos, se datarmos seu nascimento do final da 2.ª Guerra na Europa. Deve-se essa longevidade ao colapso miraculosamente não violento em 1989-91 de um império russo com armas nucleares que ocupou metade do continente. O que aconteceu após o fim da Guerra Fria foi uma ampliação pacífica e o aprofundamento da existente ordem europeia ocidental pós-1945.

Mas, hoje, a Europa luta para permanecer um tema, em vez de se tornar meramente um objeto da política mundial – com Pequim ávida por moldar um século chinês, uma Rússia revanchista, os EUA unilateralistas de Donald Trump e a mudança climática ameaçando dominar todos nós.

Nacionalistas como Le Pen e Orbán insistem que querem apenas um tipo diferente de Europa. Mas a instituição central do projeto pós-1945 de europeus trabalhando em conjunto é a União Europeia, e seu futuro está agora em questão. Nada desta radicalização e desintegração é inevitável, mas para evitar isso temos de compreender por que ainda vale a pena defender essa Europa, com todos os seus defeitos.

É 1942. Em um bonde passando pela Varsóvia ocupada pelos nazistas, senta-se um menino de 10 anos emaciado, faminto. Seu nome é Bronek. Todos o olham com curiosidade. Todos, ele tem certeza, veem que ele é um garoto judeu que fugiu do gueto através de um buraco na parede. Felizmente, ninguém o denuncia, e um passageiro polonês o avisa para tomar cuidado com um alemão sentado na seção marcada “apenas para alemães”. E assim Bronek sobrevive, enquanto seu pai é assassinado em um campo de extermínio nazista e seu irmão é enviado para Bergen-Belsen.

Sessenta anos depois, eu estava andando com Bronek por um dos longos corredores do Parlamento de uma Polônia agora independente e ele disse com uma paixão silenciosa: “Para mim, a Europa é algo como uma essência platônica”.

Na vida do professor Bronisław Geremek, você tem a história essencial de como e porque a Europa chegou a ser o que é hoje. Tendo escapado dos horrores do gueto com sua mãe, ele foi criado por um padrasto católico polonês. Portanto ele também tinha, em seus ossos, a herança cristã profunda e definidora da Europa. Então, aos 18 anos, ele se juntou ao Partido Comunista, acreditando que construiria um mundo melhor. Dezoito anos depois, despojado de suas últimas ilusões pela invasão soviética da Checoslováquia em 1968, renunciou ao mesmo partido em protesto.

Meu primeiro encontro com ele foi durante uma histórica greve de ocupação no estaleiro Lenin em Gdansk, em agosto de 1980, quando o líder dos trabalhadores grevistas, Lech Walesa, pediu a Geremek para se tornar um conselheiro do movimento de protesto que logo seria batizado de Solidariedade. Dez anos depois, ele foi o ministro das Relações Exteriores que assinou o tratado com o qual a Polônia se tornou membro da Otan. Tendo sido instrumental em direcionar seu amado país para a União Europeia, ele se tornou membro do Parlamento Europeu, o mesmo para o qual estamos elegendo novos representantes este mês.

A história de Geremek é única, mas a forma básica do seu europeísmo é típica de três gerações de construtores da Europa que fizeram do nosso continente o que ele é hoje. Quando você olha como o argumento para a integração europeia foi promovido em vários países, cada história nacional parece muito diferente. Mas cave mais fundo e você encontrará o mesmo pensamento subjacente: “Estivemos em um lugar ruim, queremos estar em um melhor, e esse lugar é chamado Europa.”

Muitos eram os pesadelos dos quais esses países estavam tentando acordar. Para a Alemanha, foi a vergonha do regime criminoso que assassinou o pai de Bronek. Para a França, foi a humilhação da derrota e da ocupação; para a Grã-Bretanha, o relativo declínio político e econômico; para a Espanha, uma ditadura fascista; para a Polônia, uma comunista. Mas para todos eles, o molde do argumento pró-europeu era o mesmo.

Quando a crise financeira global chegou, ela expôs todas as falhas inerentes a uma zona do euro no meio do caminho. A crise da zona do euro deu início a uma nova onda de política radical e populista, tanto da esquerda quanto da direita. Os populistas culpam remotas e tecnocráticas elites liberais pelos sofrimentos do “povo”.

O caso da Europa de hoje é muito diferente daquele de meio século atrás. Na década de 70, pessoas na Grã-Bretanha, na Espanha ou na Polônia olharam para países como a França e a Alemanha Ocidental, chegando ao fim das três décadas de crescimento econômico do pósguerra, na então muito menor Comunidade Europeia e disseram: “queremos o que eles estão tendo”. Hoje, o caso começa com a defesa de uma Europa que já existe, mas agora está ameaçada de desintegração. Se a construção fosse tão forte, poderíamos dizer, sem hesitação, “a Europa é ótima!” e nosso apoio não seria tão necessário.

A União Europeia hoje, como a Alemanha, a França ou a Grã-Bretanha, é uma entidade política madura, que não precisa tirar sua legitimidade de algum futuro utópico. Existe agora um argumento realista, até mesmo conservador para manter o que já foi construído – o que, naturalmente, significa também reformálo. Se preservarmos nos próximos 30 anos a UE de hoje, em seus atuais níveis de liberdade, prosperidade, segurança e cooperação, isso já seria uma conquista surpreendente.

Numa longa perspectiva histórica, esta é a melhor Europa que já tivemos. Esta União Europeia é muito mais do que apenas uma organização internacional. Então, eis o desafio mais profundo deste momento: nós realmente precisamos perder tudo isso para encontrá-lo novamente? Esse projeto de uma Europa melhor precisa realmente descer até a barbárie novamente antes que as pessoas se mobilizem para trazêla de volta? À medida que lembranças pessoais como aquelas que inspiraram a paixão europeia de Bronisław Geremek desaparecem, a questão é saber se a memória coletiva pode nos permitir aprender as lições do passado sem ter de passar por tudo de novo nós mesmos.

Existem múltiplas variantes do pro-europeísmo em oferta de diferentes partidos nas eleições europeias deste mês, a maioria admitindo a necessidade de reformas. O que está claro é que, por uma vez e finalmente, estas eleições europeias referem-se realmente ao futuro da Europa. Em 28 países, novos partidos e velhos fantasmas competem pelos corações dos eleitores, com cerca de 100 milhões deles ainda indecisos sobre como votarão. O que é exigido agora, em todos os cantos do nosso continente, é a defesa do nosso lar comum europeu, não com armas, mas por meio das urnas.

A crise da zona do euro deu início a uma nova onda de política radical e populista.

10 de maio de 2019

A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NA TURQUIA!

(Yascha Mounk, professor da Universidade John Hopkins, autor do livro “O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”)

Quando Recep Erdoğan foi eleito primeiro-ministro da Turquia, em 2003, ele prometeu respeitar as instituições democráticas do país e desocupar o cargo caso perdesse a confiança do povo. A realidade do governo de Erdoğan tem sido bem mais sombria. Embora os jornais e revistas internacionais inicialmente o retratassem como um reformador democrático, ele sistematicamente expandiu seus poderes e expurgou os oponentes das principais posições no exército, no serviço civil e nas instituições educacionais do país. Quando ex-aliados tentaram derrubá-lo em um golpe no verão de 2016, ele aproveitou a ocasião para consolidar seu domínio sobre o país.

Mas mesmo quando a natureza ditatorial do regime de Erdoğan se tornou aparente, e a liberdade de criticá-lo mais restrita, a Turquia continuou a realizar eleições multipartidárias, o que deu à oposição alguma capacidade de competir nas urnas. Em junho de 2018, Erdoğan obteve 53% dos votos em uma eleição que muitos observadores afirmaram ter sido contaminada por ataques violentos contra a oposição.

Essa eleição pareceu permitir que Erdoğan tivesse tudo: por um lado, o controle que exerce sobre instituições-chave, como a comissão eleitoral do país, havia limitado o risco que a eleição representava para seu governo. Por outro lado, a eleição ajudou a reforçar sua legitimidade no país e no exterior. Apesar de observadores internacionais terem enfatizado que a eleição não foi livre e justa, líderes internacionais incluindo Angela Merkel e Donald Trump parabenizaram publicamente Erdoğan por sua “vitória” nas urnas. Como disse Timur Kuran, um especialista turco em regimes autoritários, Erdoğan procurou combinar “a ilusão de uma eleição concorrida” com “um resultado predeterminado”.

O tremendo poder que Erdoğan detém agora torna ainda mais notável que uma oposição unida tenha conseguido, no mês passado, um inesperado conjunto de vitórias nas eleições municipais do país: ao explorar a raiva com a crescente crise econômica da Turquia e colocar em campo uma nova safra de candidatos carismáticos e conciliatórios, a oposição conseguiu duas vitórias altamente improváveis e simbólicas, conquistando o controle da capital do país, Ancara, bem como de sua maior cidade, Istambul.

Como resultado, Erdoğan, pela primeira vez desde o fracassado golpe de Estado há três anos, enfrentou um verdadeiro trade-off: ele permitiria que os resultados das eleições se mantivessem, reconhecendo assim o descontentamento crescente do povo com seu governo? Ou exploraria seu poder sobre as instituições da Turquia para que a eleição fosse anulada, deixando claro que a Turquia não é mais uma democracia?

Durante grande parte do século XX, a ameaça mais aguda à democracia veio do cano de uma arma. Os sistemas democráticos entravam em colapso, geralmente, quando tanques comandados pelo líder de um movimento abertamente antidemocrático se colocavam em frente ao parlamento do país ou ao palácio presidencial.

Mas no século 21, os golpes se tornaram mais raros. Da Rússia à Venezuela, os ditadores que destruíram instituições democráticas conquistaram o executivo nas urnas. Longe de atacar abertamente a democracia, eles tenderam a argumentar que eles, e somente eles, verdadeiramente representam o povo.

A nova safra de líderes autoritários investiu muito mais na manutenção da aparência de um genuíno mandato democrático. Como resultado, eles têm que se engajar em um cálculo político mais complexo: eles têm que dar à oposição uma chance suficiente de competir nas eleições para ter credibilidade com um segmento significativo da população. Mas eles também precisam capturar instituições políticas, como as comissões eleitorais, para garantir que o povo, de fato, não consiga arrancá-los do cargo.

Como os desenvolvimentos recentes na Turquia mostram, no entanto, pode não ser possível sustentar esse equilíbrio para sempre. Eventualmente, mesmo os governos que efetivamente aboliram a liberdade de imprensa se arriscam a crescer de maneira tão impopular que precisam recorrer a formas mais flagrantes de manipular o voto.

Depois de usar seu controle sobre a maior parte da mídia do país para espalhar a teoria da conspiração insana de que uma oposição impotente conseguiu falsificar o resultado da eleição, Erdoğan usou seu controle sobre o Judiciário para cancelar o resultado. Citando supostas irregularidades, a comissão eleitoral anunciou na segunda-feira que Istambul realizará novas eleições em junho.

O anúncio marca um ponto de virada fundamental na história política da Turquia: agora é impossível para qualquer observador razoável continuar negando a realidade. Um país cujo presidente tem o poder de anular as eleições quando não gosta do seu resultado tornou-se claramente uma ditadura.

Enquanto o anúncio elimina qualquer dúvida remanescente sobre o status atual da democracia na Turquia, também levanta grandes questões sobre seu futuro. Nos próximos dias, İmamoğlu, prefeito eleito de Istambul, terá que decidir se vai boicotar a nova eleição em junho. Se fizer isso, entregará a Erdoğan o poder que este deseja. Se não o fizer, dará legitimidade a uma eleição que provavelmente não conseguirá ganhar. Cara, Erdoğan vence. Coroa, İmamoğlu perde.

Mas, embora Erdoğan provavelmente mantenha o controle de Istambul no curto prazo, ele também enfrenta um futuro muito mais difícil. Até agora, grandes segmentos da população turca acreditavam em seu discurso de que deixaria o cargo por conta própria se perdesse a confiança do povo. Agora, a insistência de Erdoğan de que ele representa a verdadeira vontade do povo irá, mesmo nos ouvidos de seus mais antigos partidários, soar vazio.

A perda da legitimidade democrática de Erdoğan não implica que ele esteja prestes a perder poder. Como a longa história de ditaduras demonstra, muitas pessoas estão dispostas a apoiar um líder que se opõe abertamente às instituições democráticas – e muitos autocratas são capazes de permanecer no cargo por anos ou décadas mesmo depois de se tornarem profundamente impopulares. Mas sugere que seu governo será, a partir de agora, baseado em uma fundação muito mais precária. Com sua reinvindicação de um mandado popular perdendo credibilidade, Erdoğan provavelmente enfrentará uma oposição ainda mais determinada – e precisará recorrer a uma opressão cada vez mais visível para permanecer no poder.

09 de maio de 2019

DERRAPANDO NA CRISE ARGENTINA!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 08) A crise argentina tem um custo enorme para o Brasil, porque a indústria brasileira, em especial a automobilística, depende excessivamente do mercado vizinho, o terceiro maior parceiro comercial do País. As montadoras exportaram neste ano, até abril, 45% menos que nos primeiros quatro meses de 2018. A demanda interna foi 10,1% maior que a de um ano antes, mas o efeito desse aumento foi praticamente anulado pela redução das vendas externas. No balanço geral, a produção foi 0,1% menor que a de janeiro a abril do ano passado.

Tradicionalmente, 70% ou mais dos veículos exportados pelo Brasil vão para a Argentina. Com recessão, inflação disparada e crise cambial, esse mercado encolheu dramaticamente nos últimos dois anos. Efeitos dessa crise são visíveis nas cifras do comércio exterior e nos balanços e no total de empregados de muitas fábricas em operação no Brasil.

O País faturou de janeiro a abril US$ 26,33 bilhões com a exportação de manufaturados, valor 7,3% menor que o de um ano antes, pela média dos dias úteis. A recessão e a crise cambial na Argentina explicam boa parte dessa retração.

As vendas para o segundo maior país do Mercosul caíram de US$ 6,06 bilhões há um ano para US$ 3,25 bilhões no primeiro quadrimestre de 2019, com redução de 46,5%. Manufaturados correspondem a pelo menos 80% dessas exportações. O terceiro maior parceiro comercial do Brasil – China e Estados Unidos são o primeiro e o segundo – é também um dos mais importantes compradores de bens industriais elaborados. No caso do mercado americano, também muito relevante para a indústria brasileira, manufaturados têm correspondido, regularmente, a mais de metade do valor vendido pelo Brasil. Mas a proporção é menor que no caso dos embarques para a Argentina.

A indústria automobilística é um dos segmentos mais dependentes do mercado argentino. Há uma dependência mútua, consolidada a partir de um acordo automotivo firmado, reformado e prolongado por anos. Esse acordo, com regime de reciprocidade alterado em várias ocasiões, foi uma das marcas da relação comercial entre as duas maiores economias do Mercosul no século 21.

Na prática, esse acordo se converteu num pacto de acomodação entre as indústrias de veículos e de componentes instaladas nos dois países. Poderia ter sido parte de uma história de expansão em outros mercados, se o Mercosul tivesse cumprido uma de suas mais importantes missões originais.

O bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai deveria ter sido, por meio da integração e da cooperação entre os quatro países, uma plataforma para inserção competitiva na economia global. Mas o Mercosul mudou de rumo e de ambição, a partir da instalação do petismo e do kirchnerismo nos governos brasileiro e argentino. Falou-se de um resgate da vocação inicial do bloco regional, os presidentes Mauricio Macri e Michel Temer chegaram ao poder, mas pouco se avançou nessa direção.

Dirigentes do setor automobilístico e de outros segmentos da indústria têm pedido ao governo medidas para aumento de competitividade. Com a crise argentina, as dificuldades de ação internacional ficaram mais evidentes. Poucas indústrias têm sido capazes de concorrer fora da região.

Vários fatores de competitividade importantes dependem do governo. Isso inclui a expansão e a melhora da infraestrutura, a boa prestação de serviços públicos, a segurança jurídica, a oferta de financiamento, a qualidade da tributação e a formação de capital humano, para só mencionar alguns itens. O setor privado pode e deve participar de algumas dessas tarefas. Mas também é preciso a busca de produtividade e de inovação dentro de cada setor produtivo. A indústria aeronáutica e o agronegócio são exemplos de sucesso nesses quesitos. Igualmente visível tem sido o fracasso de programas baseados em subsídios fiscais e financeiros e em protecionismo. Produtividade é um bom tema para conversações entre indústria e política. Quem está interessado em conversações desse tipo – com seriedade?

08 de maio de 2019

O PARLAMENTO TEM COMPROMISSO COM O FUTURO!

(Rodrigo Maia, presidente da Câmara – Valor Econômico, 06) O relógio que marca o tempo da política tem peculiaridades. Uma delas é o funcionamento ininterrupto independente da fonte de energia que o alimenta: renovável ou não? Contemporânea ou ultrapassada? A outra é a impossibilidade de fazer os ponteiros voltarem atrás. Logo, fixar os olhos no retrovisor em vez de contemplar o horizonte e buscar soluções para o futuro encarando de frente os desafios do presente pode ser erro fatal.

​A Previdência Social será reformada respeitando-se os ritos, os debates e o tempo do Parlamento. Nenhum dos nossos 594 deputados e senadores fugirá a essa responsabilidade, tenho certeza disso. Vislumbrando o Brasil que surgirá no dia seguinte à aprovação da reforma previdenciária, eu e o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, insistimos para que a Câmara e o Senado comecem a discutir o futuro.

​A Educação tem de se tornar ao mesmo tempo matriz e vetor das ações de todos os cidadãos ansiosos por somar esforços e modernizar o país. É obsoleta e inútil a tentativa de criar um gueto, chamando-o de “escola sem partido”, a fim de cercar o tema e reduzir a amplitude das mudanças profundas que precisam ser feitas numa Reforma Educacional. Com ela, visa-se reduzir o gap tecnológico e aproximar os jovens e a Academia daquilo que se investiga em todos os segmentos científicos e tecnológicos. Fundamental realçar: inclusive em Ciências Sociais, núcleo de produção do pensamento crítico.

​Em seu livro “21 Lições para o Século 21” o israelense Yuval Noah Harari aposta que os filósofos perfilarão numa das profissões mais requisitadas do futuro. Ele antevê o crescimento da demanda por Filosofia em razão dos vertiginosos avanços de máquinas e equipamentos dotados de Inteligência Artificial (I.A), como nos automóveis autônomos. Dilemas éticos, escreve Harari, serão resolvidos pela I.A. dos dispositivos. Logo, só carecem de uma alimentação humana de ponta naquilo que chama de “algoritmos filosóficos”. A indústria de dispositivos com Inteligência Artificial movimentará ao menos US$ 37 bilhões até o ano de 2025. A partir daí, estima-se, crescerá exponencialmente.

O Parlamento vai liderar esse debate. É preciso apostar na melhoria da qualidade dos cursos de Filosofia, Antropologia, Sociologia, Ciências Humanas em geral. A Câmara tem o dever de mediar conflitos entre concepções distintas de uso do saber como ferramenta de libertação. Quando partidários de correntes antagônicas de opinião colidem no ringue educacional o alto preço dos embates é pago por toda a sociedade. Intervir nesse embate paralisante é necessário, urgente e dialoga com a contemporaneidade.

Pôr a Educação no centro de todas as ações é fazer Política com sabedoria e responsabilidade. Não há saída fora da Política. Os políticos são a linha de frente da sociedade na busca de soluções para os dilemas de hoje e de amanhã. A estagnação do mercado de trabalho e formação profissional é um de nossos grandes problemas. Debater o panorama futuro do emprego, as novas carreiras, é a melhor forma de apontar caminhos contemporâneos para a sociedade. Isso é missão, dos intelectuais, dos líderes dentro das grandes corporações que lidam com tecnologia e também do Parlamento.

É nossa obrigação, como parlamentares, conservar-nos permeáveis ao aprendizado, identificar as nuances diferentes nos cenários abertos em todas as áreas do conhecimento e fazer isso desaguar em propostas de soluções para problemas reais. O Congresso Nacional tem de se converter em foro de debates da sociedade, de busca de consensos. É preciso trazer para o cá as inovações que já correm o mundo. Há muitos brasileiros dispersos trabalhando na vanguarda das revoluções que ocorrem nessa Era do Conhecimento. Recuos não são admitidos nos ponteiros do relógio do tempo, mas os saltos adiante são benvindos: são atalhos para o amanhã.

Somos potência ambiental do planeta. É impensável e irresponsável deixar que esse diferencial competitivo se converta em fonte de problemas para a imagem do país no exterior, de boicotes comerciais decorrentes de cobranças externas por transparência e assertividade na forma de lidar com a preservação do patrimônio ambiental. Aprimorar o marco regulatório do licenciamento ambiental não é retrocesso, ao contrário. É dotar a legislação de regras mais claras que preservem o Meio Ambiente e deem segurança jurídica para os investidores. Cabe-nos enfrentar essa questão sem reduzir a transparência dos atos, sem recuar um milímetro na proteção da natureza, a fim de tornar rápidos e eficazes esses procedimentos.

Cada ponto sensível que retarda nosso crescimento, como a complexidade regulatória, a necessária modernidade do aparato de controles, os nós tributários e fiscais, deve encontrar no Congresso o microclima de diálogo e proposição que favoreça o surgimento de soluções inovadoras. É preciso liberar a veia empreendedora dos brasileiros, estimular a multiplicação de novos postos e novas formas de trabalho, revigorar os mercados regionais, motivar gestores públicos e incentivar novas gerações numa onda renovada de entusiasmo.

O Legislativo tem de assumir esse protagonismo e dar segurança jurídica aos investidores. Eles são parceiros na travessia para o futuro sonhado. Não é hora de parar os ponteiros do relógio da Política. Eles não recuam. Exige-se de nós que pensemos o Brasil olhando adiante. É preciso encarar a missão de fazer a História sem fabricar decepções e sem olhar para o retrovisor. Esse é o desafio do Parlamento brasileiro.

07 de maio de 2019

CRISE NA VENEZUELA: O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO SEBIN, O TEMIDO SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA SUSPEITO DE CONSPIRAR CONTRA NICOLÁS MADURO!

(BBC News Mundo, 06) Em dezembro de 2012, dias antes de realizar sua última viagem a Cuba para tentar debelar o câncer que o acometia, o presidente venezuelano Hugo Chávez assinou um decreto transferindo o controle do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) à vice-presidência executiva do país, ocupada então por Nicolás Maduro, a quem mais tarde designaria como seu herdeiro político.

Sete anos depois, o Sebin se transformou em peça central da maior crise de governabilidade que Maduro enfrenta desde que assumiu a Presidência da Venezuela.

De todo o aparato de segurança do Estado venezuelano, o Sebin dá sinais de ter sido o órgão mais envolvido na tentativa fracassada de levante contra Maduro no dia 30 de abril conduzida pelo líder da oposição e autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó.

“É o corpo que desempenha serviços de inteligência em questões de natureza política. São responsáveis por investigar funcionários, políticos, jornalistas e personalidades públicas e contam com uma moderna estrutura para grampear telefones, hacker contas e investigar qualquer um que esteja sob suspeita”, afirma a jornalista Sebastiana Barráez à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Ela afirma que o órgão teve papel central em revelar possíveis conspirações contra o governo e que conta com muito mais recursos do que seu antecessor, a Direção de Serviços de Inteligência e Prevenção (Disip), substituída em 2010.Segundo Javier Ignacio Mayorca, jornalista e consultor para temas de segurança, estima-se que o Sebin conte com cerca de 2.800 empregados, cifra que também incluiria funcionários da área administrativa, não apenas aqueles dedicados aos serviços de inteligência.

Mas o quão envolvido esteve o Sebin no recente levante contra Maduro?

Centro de conspiração?
As suspeitas chegam ao alto escalão, ao general Manuel Cristopher Figuera, que esteve à frente da direção do Sebin até o dia 30 de abril, quando foi destituído por Maduro.

O presidente não chegou a dar explicações para a demissão, mas o jornal venezuelano Últimas Noticias – cuja linha editorial está mais próxima do chavismo – informou que as reuniões para planejar o movimento teriam sido realizadas no Sebin com a participação do general e de vários políticos opositores que estão presos em suas instalações.

A imprensa venezuelana divulgou ainda, na noite do dia 30, uma carta atribuída ao militar em que ele afirma reconhecer Maduro como seu comandante em chefe, mas, ao mesmo tempo, denuncia graves problemas na Venezuela.

A jornalista Sebastiana Barráez disse à BBC ter confirmado a autenticidade do documento.

Outro indício que aponta para um possível envolvimento do Sebin na tentativa de derrubar Maduro foi a liberação de Leopoldo López, um dos mais emblemáticos dirigentes políticos venezuelanos presos nos últimos anos, que se encontrava em prisão domiciliar sob a custódia de agentes do serviço de inteligência.

López disse ter conseguido retomar a liberdade graças à participação de um grupo de funcionários do órgão, o que abriu margem para especulação de que a ordem teria partido do próprio chefe do Sebin.

“Alguns dos testemunhos que colhi indicam que o próprio general Cristopher Figuera teria aparecido de madrugada na casa de Leopoldo López para tirá-lo de lá. Dessa forma, os funcionários que estavam de guarda não puderam questionar a legitimidade da ordem e acompanharam López a La Carlota (o lugar em que Guaidó anunciou o início da operação no dia 30 de abril)”, pontua o jornalista e consultor Javier Ignacio Mayorca.

Não se sabe do paradeiro do ex-diretor do Sebin.

Na última sexta-feira, a agência Bloomberg publicou uma nota em que afirmava que a mulher do general teria viajado para os Estados Unidos.

Barráez diz não ter dúvidas sobre a participação de Figuera no levante e considera que ela teria impulsionado um maior envolvimento tanto do Sebin quanto de alguns funcionários da Direção de Contrainteligência Militar (DGCIM) – da qual o militar havia sido subdiretor – no caso.

Um órgão fora de controle?
Após a demissão, Maduro substituiu Figuera pelo general Gustavo Enrique González López, que já havia estado à frente do Sebin, onde trilhou uma trajetória polêmica.

González López foi um dos primeiros entre os altos oficiais venezuelanos a ser alvo de sanções financeiras pelos EUA durante o governo de Barack Obama, que o acusava de cometer graves violações aos direitos humanos durante as repressões aos protestos contra o governo em 2014.

Aplicaram penalidades semelhantes União Europeia, Suíça e Canadá.

Naquela época, como resposta às medidas de Washington, Maduro decidiu promovê-lo ministro do Interior, cargo que ocupou entre março de 2015 e agosto de 2016.

Entre as violações denunciadas no período em que González López esteve à frente do Sebin estão tortura física – com uso, por exemplo, de choques elétricos – e psicológica, com isolamento de prisioneiros por meses em celas pequenas, sem iluminação ou ventilação natural, submetidas a baixas temperaturas e iluminadas por uma luz branca acesa durante 24 horas – o que os fazia perder a noção de dia e hora.

As denúncias estão registradas em uma série de relatórios, entre eles o da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a possível ocorrência de crimes de lesa humanidade na Venezuela, publicado em 2018 e usado como base para um pedido de investigação feito pelos governos de Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Canadá ao Tribunal Penal Internacional (TPI) em setembro.

O maior escândalo da gestão foi a morte de Fernando Albán, conselheiro do partido opositor Primero Justicia, que em outubro do ano passado faleceu ao cair da janela do décimo andar do edifício do Sebin em Caracas, onde estava detido.

Morte de Fernando Albán maculou a imagem do órgão

O governo afirmou se tratar de suicídio, mas a oposição defende a tese de que foi assassinato.

A remoção de González López do Sebin, em outubro de 2018, se deu após outro caso controverso.

Naquele mês, agentes motorizados portando armamentos pesados interceptaram a caravana presidencial em que viajava Nicolás Maduro, gerando uma situação que poderia “comprometer a segurança” do mandatário, de acordo com José Vicente Rangel, jornalista venezuelano que foi vice-presidente executivo do país durante o governo de Hugo Chávez.

Rangel atribui o acontecimento a problemas de “disciplina interna” dentro do órgão.

Figuera foi então nomeado e destituiu muitos dos funcionários de confiança do antecessor.

Em 13 de janeiro, agentes do Sebin detiveram o líder opositor Juan Guaidó, que estava a caminho de um comício, e o liberaram poucos minutos depois.

Na ocasião, o próprio ministro de Comunicação, Jorge Rodríguez, declarou que a detenção havia sido arbitrária e irregular e afirmou que funcionários envolvidos no caso seriam desligados ou sofreriam sanções. Isso foi antes de Guaidó se autoproclamar “presidente encarregado”, em 23 de janeiro.

Para o jornalista Javier Ignacio Mayorca, a recondução de González López ao Sebin significa uma “involução” para o órgão.

“Agora deve haver maior repressão e, desde já, um expurgo interno que provavelmente afetará a unidade de custódia de personalidades públicas e a unidade de contrainteligência, encarregada de detectar qualquer movimento interno que favoreça Guaidó.”

A jornalista Sebastiana Barráez afirma que esses processos já estariam em curso.

“A primeira coisa que González López fez foi trazer de volta a equipe que havia sido destituída por Figuera. Agora, estão empenhados em localizar funcionários que não aparecem desde a semana passada e que, presume-se, estariam implicados (na tentativa de levante) por serem membros da equipe do general”, afirma.

A especialista acrescenta que González López é considerado aliado de Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Constituinte e número dois do chavismo.

“Depois do acontecido, Maduro não tem outra opção a não ser se aliar a Cabello, com quem vinha travando um confronto interno pelo poder”, avalia, fazendo referência a uma suposta disputa negada por ambos os dirigentes chavistas.

Barráez pondera que, no momento, Maduro não controla o Sebin – caberia a Cabello tentar fazer com que a força policial voltasse a ser fiel à “revolução bolivariana”.

Qual é a gravidade da possível ação golpista do Sebin?
“O chefe do Sebin deve ser alguém de confiança do presidente. É ele que investiga, elabora relatórios, grampeia ligações. Quando se descobre que ele e um número importante de subordinados estão comprometidos, obviamente o governo entra em estado de alerta”, diz Barráez.

“É como ser apunhalado no coração, porque a lógica indica que, se nesse momento havia uma rebelião militar, Maduro deveria poder contar com o Sebin e a DGCIM, que são aqueles capazes de apontar quem é quem. O que aconteceu foi que esse órgão fundamental estava do lado de Guidó e comprometido com a tentativa de tirar Nicolás Maduro do poder “, destaca.

Recuperar a confiança no Sebin, porém, é apenas um dos desafios de Maduro diante de uma nova realidade em que, segundo as autoridades americanas, é maior o número de membros do governo e das Forças Armadas dispostos a abandoná-lo.

Ainda que o discurso de Washington tenha como objetivo aumentar a pressão sobre o governo venezuelano, a situação do presidente se tornou mais incerta diante da fratura que ficou visível no serviço de inteligência.

06 de maio de 2019

AS RAZÕES POR TRÁS DA ASCENSÃO DO POPULISMO!

(O Estado de S. Paulo, 05) A ascensão de (neo) populistas e a crise da democracia representativa têm sido temas constantes de diversos livros publicados, sobretudo, após 2016, ano que Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos. A principal virtude de O Povo contra a Democracia, nova obra do professor da Universidade Johns Hopkins Yascha Mounk, é explicar, em uma linguagem clara e direta, as raízes desse fenômeno, mesclando conceitos teóricos, pesquisas quantitativas e um olhar de repórter, ao descrever movimentos que aconteciam nas ruas.

No livro, Mounk relata, por exemplo, o que viu em uma manifestação no centro de Dresden, na Alemanha: o ódio à imigração, às minorias e à imprensa. ‘Wir sind das Volk’: ‘Nós (e não os estrangeiros) somos o povo’, gritava a multidão. O ano era 2015. “Nos meses subsequentes aos protestos, quando populistas autoritários arrebentavam os holofotes por toda a Europa e os Estados Unidos elegeram Donald Trump, minhas experiências naquela noite gelada não paravam de me voltar à mente”, escreveu ele, que é alemão, mas doutorou-se em Harvard (EUA), onde também foi professor e deu aulas que discutiam a democracia na era digital.

Depois de quase três anos da eleição de Trump, fica cada vez mais claro que a onda populista que levou o empresário à Casa Branca não foi ato isolado, como afirma o próprio autor. Esse movimento pendular foi responsável pelo malsucedido Brexit no Reino Unido e pela ascensão da extrema-direita em diversos países europeus, entre eles França, Alemanha, Espanha, Itália, Áustria, Hungria e Polônia. E tem conexão com a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, que, ainda que içado pelo antipetismo, venceu a disputa com discurso antissistema.

No entanto, da América à Europa, há diferenças importantes entre cada um desses países – e o autor não as ignora. Mas, apesar das especificidades de cada nação, é possível traçar um quadro geral que explique o ressurgimento de forças populistas? Para Mounk, sim. Ele concentra parte do livro na análise de três razões que, segundo ele, estão por trás desse fenômeno: 1) estagnação econômica, desilusão com o futuro e incerteza (efeitos da crise de 2008); 2) surgimento das mídias sociais; 3) uma revolta contra o pluralismo étnico, o que gera discurso antiimigração. “(…) Como o populismo é um fenômeno global, devemos procurar causas comuns à maioria dos países onde o populismo se espalhou nos últimos anos.” Segundo ele, não existe uma resposta “monocausal” – ou seja: só a crise econômica global, como muitos sustentam, não explica o recrudescimento do populismo em sua totalidade.

Analisar o impacto das redes sociais na disseminação do discurso de ódio (seja contra imigração, a imprensa ou instituições) e associá-lo, em parte, ao fenômeno do populismo é outro mérito do livro. Trata-se de lançar um olhar crítico ao potencial destrutivo que a internet tem. “Em anos recentes, foram os populistas que exploraram melhor a nova tecnologia para solapar os elementos básicos da democracia liberal. Desimpedidos das coibições do antigo sistema, eles estão preparados para fazer tudo o que for necessário para serem eleitos – mentir, confundir e incitar o ódio contra demais cidadãos”, escreveu.

A tecnologia, bem observa Mounk, diminuiu o abismo entre a classe política tradicional e os outsiders e candidatos antissistema – as eleições de Trump e de Bolsonaro corroboram esta visão. Ambos enaltecem a comunicação direta com o eleitor ou cidadão, não à toa são críticos da imprensa profissional e livre e atacam as instituições, comportamento padrão de líderes populistas (de direita e de esquerda).

Ainda que aponte soluções de como países e sociedades podem se contrapor e resistir ao poder de líderes autoritários, o trabalho de Mounk leva o leitor a um cenário um tanto desolador, que é o da crise da democracia liberal (e, por liberal, o autor entende aquele que defende valores como liberdade de expressão, separação de poderes e proteção de direitos individuais). O alerta que ele faz ao longo da obra é que, uma vez no poder, populistas podem abalar estruturas da democracia liberal: minando a imprensa, suprimindo direitos individuais e acabando com o pilar da separação de poderes (como, por exemplo, mudando regras para indicação ou escolha de ministro da Suprema Corte) – casos como o da Hungria, de Viktor Orban, da Turquia, de Recep Tayyip Erdogan, ou da Venezuela chavista. Caminharíamos, sugere o autor, para dois cenários: democracia iliberal (democracia sem direitos) e liberalismo antidemocrático (direitos sem democracia).

O Povo contra a Democracia foi publicado nos Estados Unidos em 2018, antes da eleição de Jair Bolsonaro e López Obrador, populista de esquerda que assumiu a presidência do México. Mounk, que escreveu um breve prefácio à edição brasileira, lançada neste mês, compara a campanha do presidente eleito do Brasil com a de Donald Trump e afirma que Bolsonaro é “o mais poderoso adversário que a democracia brasileira tem em meio século”. E manda um recado que pode ser útil ao País e a outras nações: populistas são sempre “subestimados” e não se percebe sua “astúcia” enquanto se discutem suas “bravatas”. “Não se menospreza essas pessoas”, afirma Mounk.

03 de maio de 2019

O MÉ­DI­CO AO LON­GO DA HIS­TÓ­RIA!

(Silvano Raia, professor emérito da Faculdade de Me­di­ci­na da USP – O Estado de S. Paulo, 26) Nun­ca sua atu­a­ção foi tão ne­ces­sá­ria co­mo ba­li­za­dor éti­co dos pro­gres­sos e ino­va­ções

Re­cen­tes pro­gres­sos jus­ti­fi­cam co­men­tar a evo­lu­ção do mé­di­co ao lon­go da His­tó­ria. Su­ces­si­va­men­te, exer­ceu sua pro­fis­são de vá­ri­as for­mas e com di­fe­ren­tes ti­pos de ava­li­a­ção da so­ci­e­da­de a que per­ten­cia.

Pe­la lei­tu­ra de pa­pi­ros apren­de­mos que a par­tir de 6000 a.C. até o iní­cio da Ida­de Mé­dia o mé­di­co ocu­pou uma po­si­ção de des­ta­que. Não dis­pon­do de co­nhe­ci­men­tos so­bre as do­en­ças nem mei­os pa­ra di­ag­nós­ti­co, sua atu­a­ção se li­mi­ta­va a exer­cer uma in­fluên­cia be­né­fi­ca pa­ra que os pa­ci­en­tes acei­tas­sem seu so­fri­men­to co­mo ex­pres­são de um de­síg­nio su­pe­ri­or, im­pos­sí­vel de ser mo­di­fi­ca­do.

Su­as ca­rac­te­rís­ti­cas hu­ma­nas cons­ti­tuíam a ba­se da re­la­ção com o pa­ci­en­te e a au­ra de ser um su­pe­ri­or era res­pon­sá­vel pe­los even­tu­ais re­sul­ta­dos que con­se­guia. Es­se ti­po de atu­a­ção, em par­te má­gi­ca e em par­te ilu­si­o­nis­ta, che­gou até a Gré­cia de Hi­pó­cra­tes, que va­lo­ri­zou a anam­ne­se e o exa­me fí­si­co, con­fe­rin­do à prá­ti­ca mé­di­ca uma pri­mei­ra co­no­ta­ção ob­je­ti­va.

A po­si­ção de eli­te na so­ci­e­da­de se de­te­ri­o­rou na Ida­de Mé­dia e na Re­nas­cen­ça, qu­an­do a atu­a­ção do mé­di­co se li­mi­ta­va a san­gri­as e la­xa­ti­vos. Bar­bei­ro era o no­me pe­lo qual era de­pre­ci­a­ti­va­men­te co­nhe­ci­do.

Do sé­cu­lo 16 ao iní­cio do 19, a ima­gem do mé­di­co vol­tou a se dig­ni­fi­car, ao mes­mo tem­po que a me­di­ci­na pas­sa­va de ar­te a ci­ên­cia hu­ma­na. Ele ten­ta­va en­ten­der as do­en­ças e tra­tá-las com os es­cas­sos re­cur­sos de que dis­pu­nha.

Pou­co mais tar­de, na tran­si­ção do sé­cu­lo 19 pa­ra o sé­cu­lo 20, com o ad­ven­to do raio X e dos pri­mei­ros exa­mes de la­bo­ra­tó­rio, a ima­gem do mé­di­co se eno­bre­ceu ain­da mais, na me­di­da em que era obri­ga­do a ter aces­so aos co­nhe­ci­men­tos da épo­ca, que já não eram pou­cos, pa­ra me­lhor aten­der seus pa­ci­en­tes. Pro­va­vel­men­te foi a épo­ca áu­rea da dig­ni­fi­ca­ção da pro­fis­são mé­di­ca.

Ao con­trá­rio, de me­a­dos do sé­cu­lo 20 até o pre­sen­te, a evo­lu­ção dos mei­os de co­mu­ni­ca­ção e a con­se­quen­te fa­ci­li­da­de de aces­so aos ser­vi­do­res web, ri­cos em in­for­ma­ções mé­di­cas, con­co­mi­tan­te a uma sé­rie de pro­gres­sos e ino­va­ções, de­ter­mi­na­ram que a ima­gem do mé­di­co se ape­que­nas­se pro­gres­si­va­men­te. Is­so por­que os no­vos mé­to­dos te­ra­pêu­ti­cos ten­dem a re­du­zir a im­por­tân­cia do com­po­nen­te hu­ma­no da re­la­ção mé­di­co-pa­ci­en­te.

Pa­ra is­so con­cor­re­ram tam­bém o ad­ven­to da me­di­ci­na à dis­tân­cia e a bi­o­tec­no­lo­gia, com su­as pos­si­bi­li­da­des iné­di­tas e sur­pre­en­den­tes, co­mo a en­ge­nha­ria ge­né­ti­ca, o di­ag­nós­ti­co por in­te­li­gên­cia ar­ti­fi­ci­al (al­go­rit­mos), os chips pa­ra do­sa­gem em tem­po re­al de subs­tân­ci­as pre­sen­tes na cir­cu­la­ção san­guí­nea ou pa­ra in­fu­são con­tí­nua de hormô­ni­os na quan­ti­da­de ne­ces­sá­ria pa­ra man­ter a sua con­cen­tra­ção fi­si­o­ló­gi­ca.

En­tre­tan­to, nun­ca foi tão ne­ces­sá­ria a atu­a­ção do mé­di­co, co­mo ba­li­za­dor éti­co des­ses pro­gres­sos. Por exem­plo, uma téc­ni­ca re­cen­te­men­te des­cri­ta, de­no­mi­na­da CRISPR-Cas9, per­mi­te mo­di­fi­car, com fa­ci­li­da­de, o ge­no­ma de qual­quer ser vi­vo, in­clu­si­ve o nos­so. Es­sas mo­di­fi­ca­ções de­ter­mi­nam mu­ta­ções vo­lun­tá­ri­as que acar­re­tam um ris­co de gran­des pro­por­ções. Se­rão ine­vi­tá­veis ten­ta­ti­vas de cri­ar hu­ma­nos mais per­fei­tos do pon­to de vis­ta in­te­lec­tu­al, fí­si­co e es­té­ti­co, ou se­ja, um pro­je­to de eu­ge­nia. Di­fe­ren­te­men­te do que ocorreu na Ale­ma­nha na dé­ca­da de 1930, qu­an­do se ten­tou cri­ar uma ra­ça su­pe­ri­or pe­la eli­mi­na­ção dos me­nos do­ta­dos fí­si­ca e in­te­lec­tu­al­men­te, ago­ra agi­ría­mos cri­an­do su­per-hu­ma­nos.

Pa­ra evi­tar es­se ris­co o mé­di­co de­ve dis­tin­guir cla­ra­men­te os mé­to­dos de en­ge­nha­ria ge­né­ti­ca que cu­ram do­en­ças, de­vol­ven­do ao ge­no­ma sua con­fi­gu­ra­ção nor­mal, da­que­les que o mo­di­fi­cam trans­mi­tin­do a no­va con­fi­gu­ra­ção às ge­ra­ções se­guin­tes.

Uma vi­são abran­gen­te da evo­lu­ção dos ob­je­ti­vos dos mé­di­cos mos­tra que, no iní­cio, eles se li­mi­ta­vam a con­for­tar os pa­ci­en­tes, a se­guir, e su­ces­si­va­men­te, a di­ag­nos­ti­car as do­en­ças e tra­tá-las e de­pois, pe­la bi­o­tec­no­lo­gia, a evi­tar sua trans­mis­são por he­re­di­ta­ri­e­da­de. Ago­ra ten­ta cu­rá-las, e não ape­nas tra­tá-las. Por fim, pre­ten­de, no fu­tu­ro, evi­tá-las de uma vez por meio de va­ci­nas de DNA, bus­can­do com is­so pro­lon­gar a vi­da e evi­tar a mor­te.

Sa­li­en­te-se que es­ses no­vos ob­je­ti­vos exi­gem do mé­di­co uma atu­a­ção mui­to mais im­por­tan­te do que a de sim­ples exe­cu­tor de téc­ni­cas com­ple­xas, com­pu­ta­do­ri­za­das ou não.

Ele de­ve iden­ti­fi­car e in­cen­ti­var as que efe­ti­va­men­te be­ne­fi­ci­em seus pa­ci­en­tes e a nos­sa es­pé­cie co­mo um to­do. De fa­to, sua aten­ção não se de­ve li­mi­tar às ne­ces­si­da­des de um úni­co pa­ci­en­te, mas con­si­de­rar que, se fo­rem ge­ne­ra­li­za­das, as no­vas téc­ni­cas po­dem exer­cer efei­tos so­bre to­da a es­pé­cie hu­ma­na.

Nes­se sen­ti­do, co­mo diz o professor bra­si­lei­ro de Bi­oé­ti­ca Leo Pes­si­ni, ho­je atu­an­do no Va­ti­ca­no, “de­ve­mos apren­der a acei­tar a ou­sa­dia ci­en­tí­fi­ca ao mes­mo tem­po que es­ti­mu­la­mos um diá­lo­go in­te­li­gen­te en­tre éti­ca e ci­ên­cia, ou se­ja, de­ve­mos es­ti­mu­lar uma in­te­ra­ção eti­ca­men­te cri­a­ti­va e res­pei­to­sa des­ses dois uni­ver­sos”.

Sem es­sa vi­são hu­ma­nís­ti­ca o mé­di­co po­de se trans­for­mar ape­nas num exe­cu­tor de ta­re­fas pro­gra­ma­das, ou se­ja, um tec­no­cra­ta, e o pa­ci­en­te num co­bra­dor de so­lu­ções.

Pro­va mar­can­te des­se ris­co de­sa­len­ta­dor é sa­ber que, ao jul­ga­rem ca­sos de re­la­ção mé­di­co-pa­ci­en­te dis­cu­tí­vel, vá­ri­os juí­zes têm se ba­se­a­do no Có­di­go de De­fe­sa do Con­su­mi­dor!

Ao con­trá­rio, se acei­ta­rem es­sa no­va in­cum­bên­cia, os mé­di­cos vol­ta­rão a des­fru­tar a au­ra que me­re­cem e, mais do que tu­do, ga­ran­ti­rão um fu­tu­ro me­lhor, fe­liz e se­gu­ro pa­ra os nos­sos des­cen­den­tes.

Fi­na­li­zan­do, va­le ci­tar a fra­se do pre­si­den­te Bill Clin­ton, qu­an­do da con­clu­são da lei­tu­ra do ge­no­ma hu­ma­no: “Ho­je es­ta­mos apren­den­do a de­ci­frar a lin­gua­gem que Deus usou pa­ra es­cre­ver o li­vro da vi­da”.

É nos­sa res­pon­sa­bi­li­da­de fa­zer com que a lin­gua­gem de Deus se­ja em­pre­ga­da com a mes­ma fi­na­li­da­de com que Ele a usou, ou se­ja, pa­ra o bem e a dig­ni­da­de do ser hu­ma­no.

02 de maio de 2019

UM RIO DE PORTAS FECHADAS!

(Piauí, 30) Último a sair da crise, estado é o que mais fecha lojas em todo o país

Ao longo de setenta anos de vida, o hotel Novo Mundo, na orla da praia do Flamengo, viveu dias de glória e outros nem tanto. Símbolo de luxo e elegância da antiga capital, recebia em seus leitos presidenciáveis, artistas e atletas da Seleção Brasileira. Vizinho do Palácio do Catete, residência presidencial, viu seu status decair de cinco para quatro estrelas quando a capital federal foi transferida para Brasília. Sobreviveu à transferência dos melhores hotéis da cidade para Copacabana, Ipanema e Leblon. Superou a hiperinflação dos anos 80, o confisco da poupança nos anos Collor e a estagnação econômica do final dos anos 90. Mas sucumbiu à crise atual, que afeta o setor de comércio e serviços. Entre as unidades da federação, o estado é o que mais fecha lojas comerciais; a situação se repete no município.

O prédio de doze andares e 230 quartos encerrou as atividades no último 25 de março com dívidas acumuladas e baixo movimento. O Novo Mundo foi o 13º hotel fechado na cidade desde o fim das Olimpíadas, em 2016. Os grandes eventos sediados no Rio, e que atraíram investimentos públicos e privados, atrasaram a entrada da capital carioca na crise econômica que assolou o país em 2014. Mas depois dos Jogos Olímpicos, tanto a cidade quanto o estado mergulharam numa crise da qual não conseguem sair.

Segundo dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), enquanto o setor apresentou reação no país em 2018, com mais aberturas do que fechamentos de estabelecimentos comerciais em quinze dos 27 estados brasileiros, o Rio teve o pior resultado da federação, enquanto São Paulo obteve o melhor resultado no ranking de abertura líquida de lojas com vínculos empregatícios. No saldo anual, entre o número de lojas abertas e fechadas, São Paulo aparece na primeira posição, com saldo de 3 883 lojas abertas – seguido por Santa Catarina (1 706) e Minas Gerais (940). Já o estado do Rio aparece na última posição, com saldo negativo de 997 lojas fechadas, atrás de Amapá (-142) e Pará (-374).

A tendência não se verifica só na comparação com os estados. Dados da CNC sobre os municípios de São Paulo e Rio mostram que, entre janeiro e julho de 2018, a cidade de São Paulo fechou o período com 899 lojas abertas, enquanto a capital carioca teve 419 lojas fechadas.

Para Fabio Bentes, economista da CNC, a diferença entre a reação dos dois estados à crise está no nível de dependência de cada um deles do setor público, e na contribuição da indústria para o dinamismo da economia.

“São Paulo é menos dependente do setor público que o Rio. O emprego não está tão atrelado ao estado quanto o Rio, um estado em crise, diga-se. Por isso, é natural que São Paulo tenha capacidade de recuperação maior. O segundo ponto é que a economia do estado e da capital de São Paulo conseguem nesse momento tirar proveito de uma demanda maior do mercado externo do que do interno. Durante a recessão, uma saída para indústria foi voltar a atenção para as exportações. Isso ajudou a aquecer a economia, contribuiu para a criação de postos de trabalho e com isso dinamizou o comércio. Já a cidade do Rio de Janeiro é mais dependente do setor de serviços, justo aquele que encontra maior dificuldade em superar a crise e que depende mais do mercado interno que está estagnado”, disse Bentes.

Curiosamente, diz o economista da CNC, a situação é pior na capital: “Se falássemos do fechamento de lojas no estado do Rio, teríamos um quadro um pouco menos dramático do que na capital. No estado você consegue ver indústria de exportação de veículos que não tem na capital, o setor de petróleo que está fora da capital.”

Rodolpho Tobler, economista da Fundação Getulio Vargas e coordenador da Sondagem do Comércio do FGV IBRE, diz que a economia do Rio está num círculo vicioso: “Temos um estado inchado, que não consegue equilibrar suas contas, gasta mais do que arrecada, com uma inflada folha de pagamento do funcionalismo público. Enquanto o estado não conseguir mostrar capacidade para reduzir gastos e equilibrar as contas, não fica atrativo para novos investimentos de empresas. E a crise fiscal também dificulta o pagamento de salários de trabalhadores do setor público, o que ajuda a afetar o poder de compra da população, impactando o comércio. Enquanto o mercado de trabalho estiver lento e a confiança do consumidor for baixa, tudo influencia para que o comércio siga mais devagar do que outros setores”, disse Tobler. “Já São Paulo tem as contas públicas mais equilibradas nesse momento.”

No setor de comércio, em 2018, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a cidade de São Paulo criou 5 928 postos de trabalho, enquanto a cidade do Rio criou 1 108. No setor de serviços, a diferença é ainda maior. O Rio abriu 2 558 postos de trabalho, e São Paulo, 50 033 postos. No setor de hotelaria e alimentação, o Rio fechou o ano com 96 desempregados. São Paulo, por outro lado, fechou 2018 com a oferta de 7 690 vagas.

Em 2014, segundo a Associação de Hotéis do Rio de Janeiro (Abih-RJ), a taxa de ocupação hoteleira na cidade do Rio chegou a 72%. Nos anos seguintes, os números caíram para 66% em 2015. Em 2016, 58%. Em 2017, 52%. E em 2018, 53%.

A partir de dados do Banco Central, o pesquisador Marcel Balassiano, da FGV, analisou a atividade econômica em treze estados brasileiros. Verificou que o Rio de Janeiro foi o único estado que apresentou recuo na Taxa Real Anual de Crescimento, caindo 0,9%. Em seu estudo, assinalou: “A recessão econômica levou a uma considerável redução da arrecadação do ICMS, principal fonte de receita do Estado; queda do preço do petróleo, já que royalties e participação especial do petróleo e gás natural são a segunda fonte mais importante de receita; forte crescimento das despesas com pessoal e encargos sociais; questão previdenciária, com um déficit próximo de 9 bilhões de reais.”

“A reforma da Previdência se mostra importante, inclusive, para o saneamento das contas dos estados e municípios. E para o Rio, em especial, a previdência é até mais importante. Com essa dependência do setor público, o Rio chegou a ficar com grave problema de pagamentos de salários de categorias como policiais e professores. E isso afeta o desempenho da economia como um todo, e do comércio principalmente”, afirma Balassiano.

Rodolpho Tobler disse ainda que a crise política com ex-governadores e parlamentares presos por corrupção é um agravante para o atoleiro em que o Rio se encontra. “O atual quadro político contribui para um ambiente de incertezas para investimentos financeiros no Rio. E a gente precisa superar esse quadro de incertezas para atrair investimentos, aquecer o mercado de trabalho e fazer o comércio do Rio voltar a reagir.”

30 de abril de 2019

DEPRESSÃO, TENDÊNCIAS SUICIDAS E PSICOPATIA: A HISTÓRIA DE SOFRIMENTO MENTAL DE PRESIDENTES AMERICANOS!

(BBC News, 28) Washington permaneceu montado em seu cavalo encarando o espaço vazio enquanto dezenas de soldados britânicos atacavam-no em um milharal.Enquanto seus combatentes fugiam em pânico na baía de Kip, em Manhattan, o comandante de 44 anos entrou em estado catatônico, segundo o biógrafo Ron Chernow.

No verão de 1776, a Guerra de Independência dos Estados Unidos estava indo tão mal para os rebeldes que George Washington aparentemente tentou uma ação suicida ao encontrar tropas britânicas.

Os assistentes do futuro primeiro presidente dos EUA agarraram as rédeas de sua montaria e com alguma dificuldade conseguiram levá-lo à segurança.

Um dos seus generais, Nathanael Greene, disse mais tarde que Washington estava “tão irritado com a má conduta de suas tropas que ele buscou a morte em vez da vida”.

O colapso emocional de Washington ilustra como até mesmo os maiores administradores de crises podem quebrar sob pressão.

Avançando quase dois séculos e meio, o estado mental de seu descendente político está sob uma análise menos compreensiva.

A psiquiatria presidencial voltou à moda desde que Donald Trump entrou na Casa Branca.

Nicho de mercado
Há até um subgênero editorial dedicado a colocar o 45º presidente no divã do psiquiatra.

Tais títulos incluem The Dangerous Case of Donald Trump: 27 Psychiatrists and Mental Health Experts Assess a President (O Caso Perigoso de Donald Trump: 27 Psiquiatras e Especialistas em Saúde Mental Avaliam um Presidente, ainda sem tradução no Brasil), Rocket Man: Nuclear Madness and the Mind of Donald Trump (O Homem do Foguete: A Loucura Nuclear e a Mente de Donald Trump, também sem tradução no Brasil) e A Clear and Present Danger: Narcissism in the Era of Donald Trump (Um Perigo Claro e Presente: Narcisismo na Era de Donald Trump, sem edição por aqui).

Mas Trump – que afirma ser “um gênio muito estável” – não é de forma alguma o primeiro líder americano a ser chamado de lunático.

John Adams, o segundo presidente americano, foi descrito por seu arquirrival Thomas Jefferson – que viria a ser seu sucessor – como “às vezes absolutamente louco”.

O jornal Philadelphia Aurora, porta-voz do partido de Jefferson, atacou Adams dizendo que ele era “um homem despojado de seus sentidos”.

Theodore Roosevelt, segundo o contemporâneo Journal of Abnormal Psychology, “entraria para a história como um dos mais ilustres exemplos psicológicos da distorção dos processos mentais conscientes”.

Enquanto Roosevelt fazia campanha em 1912 para retornar à Presidência, o proeminente historiador americano Henry Adams disse: “Sua mente está em pedaços… sua neurose pode terminar em um colapso nervoso, ou mania aguda”.

Depois que Woodrow Wilson, o 28º presidente dos EUA, teve um derrame, seus críticos afirmaram que a Casa Branca havia se tornado um asilo de loucos, apontando como prova as barras instaladas em algumas janelas do primeiro andar da mansão.

Mas, como relata John Milton Cooper em sua biografia de Wilson, essas barras foram, de fato, adaptadas durante a Presidência de Teddy Roosevelt para impedir que seus filhos quebrassem janelas com suas bolas de beisebol.

Metade dos mandatários sofreu de doença mental
De qualquer forma, de acordo com uma análise psiquiátrica dos primeiros 37 comandantes-em-chefe americanos, Adams, Roosevelt e Wilson tinham problemas reais de saúde mental.

O estudo de 2006 estimou que 49% dos presidentes sofreram de uma doença mental em algum momento da vida (um número que os pesquisadores afirmam estar de acordo com as taxas nacionais).

Vinte e sete por cento deles foram afetados por esses distúrbios enquanto estavam no escritório.

Um em cada quatro preencheu os critérios diagnósticos para depressão, incluindo Woodrow Wilson e James Madison, disse a equipe do Centro Médico da Universidade Duke, na Carolina do Norte.

Eles também concluíram que Teddy Roosevelt e John Adams tinham transtorno bipolar, enquanto Thomas Jefferson e Ulysses Grant lutavam contra a ansiedade social.

O professor Jonathan Davidson, que liderou o estudo, disse: “As pressões de tal trabalho podem desencadear problemas que estavam latentes em alguém.”

“Ser presidente é extremamente estressante e ninguém tem capacidade ilimitada de fazê-lo para todo o sempre”.

Woodrow Wilson teve seu derrame em 1919 durante uma luta condenada para que o Tratado de Versalhes, tratado de paz assinado pelas potências europeias que encerrou a Primeira Guerra Mundial, fosse aprovado.

O derrame deixou-o incapacitado e depois desse episódio ele sofreu com depressão e paranoia até o fim de sua Presidência, em 1921.

A primeira-dama Edith Wilson praticamente dirigiu a Casa Branca, deixando oponentes furiosos sobre seu “governo de anáguas”.

No momento em que Wilson deixou o cargo, um repórter disse que ele era um medroso e “os restos quebrados do homem” que uma vez fora.

Paralisia do luto
Acredita-se que duas outras Presidências tenham sido destruídas pela depressão clínica.

De acordo com Davidson, professor da Duke, um forte transtorno depressivo tornou Calvin Coolidge (1923-1929) e Franklin Pierce (1853-1857) ineficazes como líderes depois que seus filhos morreram.

Pierce sofreu uma tragédia horrível pouco antes de sua posse, em 1853. O 14º presidente, sua esposa, Jane, e seu filho, Benjamin, estavam em um trem quando este descarrilhou perto de Andover, Massachusetts.

A carruagem foi jogada em um aterro e Benjamin quase foi decapitado. Ele morreu instantaneamente.

O menino de 11 anos era o único sobrevivente de três filhos dos Pierces.

O presidente democrata escreveu a Jefferson Davis, seu secretário de guerra: “Como poderei convocar minha virilidade e reunir minhas energias para todos os deveres diante de mim, é difícil de ver”.

Davidson, da Duke, diz que o tormento interior de Pierce levou-o a abdicar de qualquer papel executivo real enquanto a nação se dirigia para uma guerra civil, que enfim começou em 1861.

Ele foi o único presidente eleito por seu próprio direito a ser expulso de seu partido na eleição seguinte.

A dor de Pierce, juntamente com o estresse de presidir um país prestes a se dividir, parece ter exacerbado seu abuso de longa data do álcool.

Ele morreu de doenças relacionadas à insuficiência hepática, segundo o biógrafo Michael F. Holt.

Calvin Coolidge assumiu o cargo como um líder otimista, trabalhador e enérgico.

Mas no verão de 1924 seu filho de 16 anos, Calvin Jr, foi jogar na quadra de tênis da Casa Branca, usando tênis sem meias.

O menino teve uma bolha no dedo do pé, que infeccionou, e ele morreu de infecção generalizada.

De acordo com a biografia de Amity Shales, Coolidge se culpou pela morte do adolescente.

Ele ordenou a construção de lápides para si mesmo, sua esposa e filho sobrevivente, John, além de uma para Calvin Jr.

“Sempre que olho pela janela”, dizia o presidente, “vejo meu garoto jogando tênis naquela quadra”.

Seu comportamento tornou-se cada vez mais errático. Ele explodia com convidados, ajudantes e familiares.

Durante um jantar na Casa Branca, ficou fixado em um retrato do presidente John Adams, comentando que sua cabeça parecia muito brilhante.

Coolidge ordenou a um empregado que esfregasse um trapo nas cinzas da lareira, subisse em uma escada e aplicasse as cinzas na pintura para escurecer a cabeça de Adams.

(John Quincy Adams também sofria de depressão e costumava vagar em torno da Casa Branca, jogando bilhar e irritando sua esposa britânica, segundo uma biografia de Harlow Giles Unger.)

Coolidge praticamente se retirou da vida política. O mais preocupante era sua ignorância sobre alarmes econômicos um ano antes da quebra da Bolsa de Valores americana em 1929.

Quando algum tipo de legislação foi considerada para refrear a crescente especulação de ações, ele disse aos repórteres: “Eu não sei o que é ou quais são suas provisões ou qual tem sido a discussão”.

Em sua autobiografia, o 30º presidente escreveu: “Quando ele [meu filho] partiu, o poder e a glória da Presidência foram com ele.”

“Eu não sei por que tal preço foi exigido por ocupar a Casa Branca.”

Outros presidentes foram capazes de se recuperar da tragédia pessoal do luto.

Theodore Roosevelt lutou contra depressão severa no início de sua carreira política após a morte de sua jovem esposa no Dia dos Namorados de 1884.

Ele partiu por dois anos para o território de Badlands, na Dakota do Sul, onde construiu um rancho, caçou búfalos, prendeu ladrões e nocauteou um pistoleiro em um bar.

Propensão à melancolia
Abraham Lincoln foi propenso durante toda sua vida à melancolia, segundo o biógrafo David Herbert Donald.

Em 1841, em Springfield, Illinois, enquanto atuava como legislador estadual, Lincoln rompeu seu noivado com Mary Todd (eles eventualmente se casaram) e mergulhou em profunda depressão.

Um amigo colocou-o sob supervisão antisuicida, removendo navalhas e facas de seu quarto.

Havia rumores na capital do Estado de que ele havia enlouquecido.

Dada sua morosidade, os assessores devem ter temido a maneira como ele lidaria, durante a Guerra Civil Americana, com a morte de seu filho de 11 anos, Willie, provavelmente de febre tifoide, na Casa Branca em fevereiro de 1862.

Mais tarde naquele ano, após outra derrota humilhante, desta vez na Segunda Batalha de Bull Run, Lincoln disse ao seu gabinete que se sentia quase pronto para se enforcar, segundo o livro de Donald.

Apesar do luto, o 16º presidente conseguiu se manter equilibrado e o país, unido.

Foi só depois da morte de Willie que Lincoln finalmente demitiu seu vacilante comandante militar, George McLellan.

Ele o substituiu por um homem depressivo, tímido e provavelmente alcoólatra, que ficava enjoado ao ver sangue. Ulysses Grant, no entanto, levaria o Exército da União, ou do Norte – contrário à política escravagista e à divisão do território americano de acordo com ela – à vitória.

Presidentes “psicopatas”
Apesar do estigma persistente da doença mental, alguns especialistas acreditam que essas descobertas possam ajudar alguns líderes – até um certo ponto.

Um estudo de 2012 realizado por psicólogos da Universidade Emory, no Estado americano da Geórgia, revelou que vários presidentes exibiam traços psicopáticos, incluindo Bill Clinton.

Os dois considerados mais psicopatas foram Lyndon Baines Johnson (1963-1969) e Andrew Jackson (1829-1837), o herói de Trump.

Atributos psicopáticos foram identificados pela equipe de Emory como charme superficial, egocentrismo, desonestidade, insensibilidade, tomada de riscos, mau controle dos impulsos e falta de medo.

A pesquisa cobriu todos os presidentes, exceto o atual e o antecessor, Barack Obama.

O professor Scott Lilienfeld, que liderou o estudo, diz: “Eu suspeito que, no longo prazo, essas características vão chegar a (outras) pessoas. Então, sim, elas podem permitir que pessoas subam a posições de liderança.”

“Mas estou menos confiante de que elas resultarão em melhor liderança geral, especialmente a longo prazo.”

Johnson, por exemplo, tinha um ego do tamanho de seu Ese roubou sua eleição ao Senado em 1948, e depois ainda mais descaradamente fez piadas sobre isso, de acordo com a biografia de Robert Caro.

Johnson não se constrangia ao casualmente colocar a mão debaixo da saia de outra mulher enquanto sua esposa, Lady Bird, estava sentada a seu lado.

Ele gostava de humilhar os subordinados, convocando-os a tomarem nota de suas palavras enquanto urinava na pia ou defecava no banheiro.

No entanto, Johnson pode ter causado seu próprio Alamo político ao mentir para o povo americano sobre uma falsa briga naval no Golfo de Tonkin em 1964.

Ele usou o incidente para escalar a guerra dos EUA no Vietnã.

Mas em meio à hecatombe da Ofensiva do Tet, quatro anos depois – um ataque lançado pelos norte-vietnamitas e vietcongues contra as forças americanas e sul-vietnamitas – Johnson anunciou que não concorreria a um segundo mandato.

Já o presidente Andrew Jackson – que assinou a Lei de Remoção Indígena, uma ato de limpeza étnica – é lembrado hoje mais por sua crueldade do que pela invejável realização de ser o único presidente a pagar integralmente a dívida nacional.

E a reputação de Bill Clinton, é claro, foi deixada em farrapos por sua impulsividade sexual.

Alguns presidentes lidaram com as tensões do Salão Oval de forma pior do que outros.

Ainda como vice-presidente, Richard Nixon tomava medicamentos para ansiedade e depressão juntamente com comprimidos para dormir regados por álcool.

A biografia escrita por John A. Farrell detalha como o instável líder que viria a ser derrubado da Presidência pelo caso Watergate (escândalo político que levou à sua renúncia) bebeu excessivamente ao longo de seu mandato.

Fitas da Casa Branca gravaram-no falando enrolado em meio ao tilintar dos cubos de gelo.

Henry Kissinger, seu principal diplomata, disse certa vez que Nixon não poderia atender ao primeiro-ministro britânico durante uma crise no Oriente Médio porque ele estava “muito bêbado”.

Seu psicoterapeuta, Dr. Arnold Hutschnecker, era o único profissional de saúde mental conhecido por ter tratado um presidente na Casa Branca.

Ele disse que Nixon tinha “uma boa parte dos sintomas neuróticos”.

E Donald Trump?
O diagnóstico à distância do professor Davidson, da Duke, diz que o presidente americano não está mentalmente doente. Ele cita o debate internacional entre psiquiatras sobre se o narcisismo – uma característica tantas vezes atribuída ao atual presidente – é um distúrbio de personalidade genuíno.

Nassir Ghaemi, autor de A First-Rate Madness: Uncovering the Links Between Leadership and Mental Illness (Uma Loucura de Primeira Linha: Descobrindo as Ligações entre a Liderança e a Doença Mental, ainda sem tradução no Brasil), afirma que o presidente Trump tem “sintomas maníacos clássicos”.

O professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Tufts, em Boston, diz: “Ele não dorme muito. Ele tem um nível de energia física muito alto”.

“Ele é muito impulsivo com os gastos, sexualmente impulsivo, não consegue se concentrar. Seus traços foram mais benéficos para ele durante a campanha presidencial, onde ele foi extremamente criativo”, continua.

“Ele foi capaz de captar coisas que pessoas normais, mentalmente saudáveis e estáveis, como Hillary Clinton, por exemplo, não conseguiram.”

A Presidência de Trump, como dizem muitas vezes, quebrou normas históricas.

Mas as vidas estranhas e perturbadas dos líderes americanos sugerem outra questão: o que é normal?

29 de abril de 2019

O FUTURO SOMBRIO DAS CIDADES!

(Luiz Fernando Janot – O Globo, 27) Não são poucas as controvérsias quando se especula sobre o futuro das cidades. Para o bem ou para o mal, intervenções urbanas são feitas para adequá-las às imposições de cada época. Para se compreender uma cidade é necessário conhecer seus encantos e reconhecer suas mazelas. Toda cidade é formada por um conjunto diferenciado de espaços que reflete o modo de vida da sua gente. Vejam as grandes metrópoles europeias com suas periferias repletas de imigrantes de diversas nacionalidades. Ou as cidades africanas cuja população sobrevive abaixo da linha de pobreza.

Sem falar na Índia, onde cerca de um terço da sua população nasce, vive e morre nas ruas.

Teorias sociológicas que tratam dessas questões não oferecem soluções factíveis para resolver tais impasses. No Brasil, o problema da moradia popular esbarra na inexistência de programas habitacionais adequados às características de cada grupamento social. Sem essa contribuição do Estado, dificilmente haverá moradia digna para quem não possui condições financeiras para adquiri-la no mercado oficial. Temos, como agravante, a concentração da riqueza mundial nas últimas décadas entre os segmentos mais ricos da sociedade. Por outro lado, observa-se o achatamento da base da pirâmide social. Lamentavelmente, vemos a política do bem-estar social, implantada após a Segunda Guerra Mundial, ser esvaziada e responsabilizada pelo desequilíbrio financeiro das nações. Para compensar a perda dos benefícios sociais, oferecem planos privados de seguridade social. De certo modo, os problemas atuais são transferidos para as próximas gerações. Quem assegura que esses planos serão honrados futuramente? Já teve empresa conceituada fechando as portas sob a alegação de prejuízos e desinteresse comercial. Se nada for feito, certamente, teremos um futuro sombrio pairando sobre nossas cidades. Pelos contrastes aparentes, o Rio faz parte de um grupo de cidades com abismos sociais difíceis de serem superados. As favelas incrustadas nos morros, as aglomerações informais periféricas e a quantidade de gente dormindo nas ruas são provas incontestáveis de que a pobreza e a miséria crescem em proporções alarmantes. Soluções de curto prazo para problemas complexos geralmente acabam em frustrações decepcionantes. Não dá para adiar por mais tempo a criação de políticas públicas destinadas a viabilizar projetos habitacionais de qualidade para as populações de baixa renda. Sem a participação e a colaboração das comunidades não será possível apresentar soluções adequadas para melhorar a ambiência dessas localidades.

Chega de projetos demagógicos que se encerram ao final de cada governo. É preciso criar uma estrutura de planejamento urbano e de política habitacional como função de Estado. Projetos de médio e longo prazo devem se contrapor aos pragmatismos de resultados imediatos que resultam na expansão descontrolada das construções informais à revelia ou com a conivência disfarçada do poder público. Infelizmente, estamos atrelados a uma ordem mundial que tem como prioridade os resultados financeiros. Trabalho, educação e saúde — pilares de sustentação das sociedades — são desprezados ao ponto de comprometer o futuro da humanidade. Que lições extrair dessas questões que afetam diretamente a vida nas cidades? Sirvo-me de uma das mais belas citações contidas no livro “Cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino, para responder a tal indagação: “De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas; ou as perguntas que fazemos para nos obrigar a responder.”

Portanto, é preciso refletir com absoluta serenidade para compreender as profundas transformações sociais, econômicas e culturais que estão ocorrendo no mundo de hoje, de modo a não nos deixarmos levar por propostas derivadas de preconceitos sociais arraigados ou de visões ideológicas ultrapassadas. Há que se agir enquanto é tempo.

Não dá para adiar por mais tempo as políticas públicas destinadas a viabilizar projetos habitacionais de qualidade para as populações de baixa renda.

26 de abril de 2019

MACRON PRESENTA SU RECETA CONTRA EL MALESTAR SOCIAL TRAS LA CRISIS DE LOS ‘CHALECOS AMARILLOS’!

(El País, 25) El presidente francés anuncia este jueves las medidas tras dos meses de un debate nacional en los que miles de ciudadanos han opinado sobre cómo mejorar el país

Una rueda de prensa no era la forma en que Emmanuel Macron había previsto presentar las medidas con las que espera calmar a la Francia de los chalecos amarillos. Tampoco la fecha, retrasada por el incendio el 15 de abril de la catedral de Notre Dame en París, era la preferida del presidente francés. Pero estos son solo nuevos inconvenientes de una crisis más tortuosa y profunda de lo que nadie en el Gobierno —y más allá— se esperaban cuando los primeros franceses empezaron, a mediados de noviembre, a ocupar rotondas de todo el país y protestar, cada sábado desde entonces, en las principales ciudades francesas. La verdadera cuestión, más allá de formatos y fechas, es si las medidas que ha preparado Macron y que desvelará este jueves lograrán apaciguar la ira social que ha mantenido en jaque a su Gobierno durante los últimos cinco meses. La filtración de las primeras propuestas sobre bajada de impuestos y ayudas sociales, difundidas por la prensa poco antes del incendio de Notre Dame y nunca desmentidas por el Elíseo, no impidieron que los chalecos amarilloslanzaran un nuevo ultimátum el sábado pasado al Ejecutivo.

Desde luego, no será un discurso más. Ni una conferencia de prensa —formato que ha evitado siempre que ha podido, hasta el punto que es la primera de este estilo que ofrece en el Elíseo— al uso. Pero es que no es un momento cualquiera. De lo que anuncie Macron esta jornada se perfilará probablemente cómo se desarrolla el resto de su mandato cuando no ha alcanzado siquiera su ecuador. Debería permitir avistar si se atreve a continuar la senda reformista que inició nada más llegar al Elíseo —que ya ha redundado en una reforma laboral y otra de la simbólica SNCF, la compañía nacional de ferrocarriles— y que tiene aún pendiente temas espinosos, como las pensiones, el seguro del paro y hasta el propio sector público. ¿Se atreverá también a tocar el tema de la edad de jubilación, cuestión casi tabú entre muchos franceses? Ninguna filtración ha logrado confirmar este extremo.

Según ha adelantado el Elíseo, antes de responder a preguntas de la prensa, a partir de las 18.00, el mandatario pronunciará un discurso de unos 20 minutos. Allí presentará “las perspectivas y el rumbo” a tomar tras la crisis de los chalecos amarillos y el gran debate nacional que, durante dos meses, entre marzo y abril, permitió a miles de franceses debatir sus prioridades políticas y proponer medidas.

La idea, acotó la víspera la portavoz del Gobierno, Sibeth Ndiaye, es “preparar rápidamente el orden de batalla para definir un calendario” de puesta en marcha de las medidas. El primer ministro, Édouard Philippe, tiene de hecho previsto celebrar un “seminario” con sus ministros el lunes próximo para empezar a preparar la puesta en marcha de las medidas que anuncie Macron.

Hay pocas dudas sobre que las medidas girarán, sobre todo, en torno a una bajada de impuestos. “Debemos bajar los impuestos lo más rápido posible”, dijo ya Philippe cuando, a comienzos de mes, presentó los resultados del gran debate nacional que el Gobierno se ha comprometido a transformar en iniciativas y políticas.

Entre las propuestas que se han filtrado está una moratoria sobre el incremento de los impuestos y una bajada del impuesto sobre la renta de las clases medias. Macron también tendría previsto, de acuerdo con la prensa francesa, anunciar medidas dirigidas a otros dos sectores activos en las protestas de los últimos meses, las madres solteras y los pensionistas. Para las primeras, se trata de la asunción por la Administración de las pensiones alimentarias impagadas. Para los jubilados, el presidente habría decidido, siempre según las filtraciones, indexar las pensiones inferiores a los 2.000 euros con la inflación. Otra de las medidas esperadas es la promesa de no cerrar ni escuelas ni hospitales —una de las demandas de los chalecos amarillos— hasta el fin de su mandato.

Por el contrario, Macron podría haber echado marcha atrás en una de las medidas filtradas que más revuelo han provocado: su presunta intención de anunciar la supresión de la Escuela Nacional de Administración (ENA), el vivero de donde hoy en día salen prácticamente todos los altos funcionarios franceses, Macron y buena parte de su equipo incluido, pero percibida popularmente, al menos en estos tiempos de chalecos amarillos, como un símbolo de las élites.

El calendario de Macron es ajustado. No solo las medidas son anunciadas a horas de la próxima jornada de protesta de los chalecos amarillos, el sábado, sino a escasos días del Primero de Mayo, día tradicional de manifestaciones de los trabajadores. Y a casi un mes de las elecciones europeas, la primera llamada a las urnas desde que Macron accedió al poder.

25 de abril de 2019

CESAR MAIA: ‘MEU FILHO NA PRESIDÊNCIA DA CÂMARA É UM PRÊMIO PARA BOLSONARO’!

(BBC News Brasil, 18) Um curto-circuito ocorreu no fim de março, quando Rodrigo Maia e Bolsonaro protagonizaram uma queda de braços política, e Maia, irritado com a falta de articulação para aprovar a Reforma da Previdência no Congresso, afirmou que o presidente estava “brincando de governar”.

‘O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, o da segurança e o vetor administrativo. No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis’, diz Cesar Maia.

Para o ex-prefeito e vereador Cesar Maia (DEM-RJ), o governo do presidente Jair Bolsonaro tem “três vetores que funcionam”, um quarto onde acontecem coisas “inacreditáveis”, e um trunfo.

Os “que funcionam”, segundo disse em entrevista à BBC News Brasil, são “o econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto”.

O vetor “desorganizado” tem representantes como o ministério da Educação, que seriam alvo de influência “inacreditável” de olavistas – como são conhecidos os seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Já o trunfo atende por seu sobrenome e herança genética: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Segundo Maia pai, o filho é um político com rara capacidade de ouvir e talento para negociar, conciliar, articular.

“Isso é um prêmio para o presidente da República”, diz Maia pai, comparando a relação com o que o deputado do antigo PFL (hoje DEM) Luís Eduardo Magalhães foi para o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto-circuito…”

Para Cesar, entretanto, a crise não teve consequências mais graves porque Rodrigo “sabe ouvir por uma orelha e deixar sair pela outra”. “Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu”, diz o ex-prefeito. Em meio à crise, a Câmara aprovou, de supetão, uma proposta que torna obrigatória a liberação de verbas para custear iniciativas de emendas de parlamentares incluídas no Orçamento, impondo uma derrota ao governo.

Prefeito mais longevo do Rio, com três mandatos (1993-1996 e 2001-2008), Cesar Maia recebeu a reportagem em seu gabinete na Câmara dos Vereadores do Rio. Vestia um blazer xadrez sobre uma camisa listrada, calça de malha esportiva e tênis de corrida. A casa está às voltas com um processo de impeachment contra o atual alcaide, Marcelo Crivella (PRB-RJ).

Na entrevista à BBC News Brasil, Maia disse que o processo foi ensejado pelo próprio Crivella, que considera inexperiente, que o novo governador do Rio, Wilson Witzel (PSC-RJ), é um “fantasma” que “ainda não disse a que veio” e que Bolsonaro tem que adquirir “um perfil mais presidencial”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Como o senhor avalia os cem primeiros dias do governo Bolsonaro?

Cesar Maia – O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto.

No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis como essa do ministro de Educação (o ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez foi exonerado, substituído por Abraham Weintraub), a briga com os grupos olavistas.

BBC News Brasil – O que essas rusgas trazem para o governo?

Maia – Desorganização. Como é que um ministro pode ter colocado em seu gabinete pessoas ligadas ao Olavo (de Carvalho)? Isso mostra que falta comando.

Esses três vetores são o suficiente para levar um governo para a frente? Pode ser. Mas para isso é necessário que o Bolsonaro adquira um perfil mais presidencial.

BBC News Brasil – Mais presidencial como?

Maia – Na postura, né? Na relação com o Congresso. Como o Fernando Henrique Cardoso disse, todo presidente na História do Brasil que resolveu confrontar o Congresso perdeu, e às vezes saiu. Ele tem que tomar cuidado. Ter um perfil mais presidencial. Agora pelo menos já está de terno e gravata.

BBC News Brasil – Na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para o STF prorrogar inquérito investigando se o senhor e seu filho teriam recebido pagamentos ilícitos da Odebrecht. Uma perícia da Polícia Federal encontrou registros indicando pagamentos de R$ 1,4 milhão pela Odebrecht para codinomes associados ao senhor e ao seu. O que o senhor tem a dizer sobre o inquérito?

Maia – O diretor da Odebrecht, em seu depoimento no Lava Jato, foi enfático. Cesar Maia, em nenhum momento. Veja o vídeo (faz referência ao depoimento do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, que diz não ter feito pagamentos a Cesar Maia nem a Rodrigo Maia).

BBC News Brasil – Como vê o papel que seu filho tem desempenhado na presidência da Câmara?

Maia – O Rodrigo tem um personagem muito diferente do meu. Eu sou um personagem de papel, lápis, máquina de calcular. O Rodrigo é um personagem de articulação, de conversa.

Ele é dos poucos políticos que conheço com enorme poder de audiência. Ele ouve. Não sei como consegue tempo para receber tantos deputados e senadores. Passou a ter confiabilidade entre seus pares, independentemente do partido político, e tem um poder de articulação de negociação muito grande. A palavra dele passou a valer.

Isso é um prêmio para o presidente da República. É como foi com o Luís Eduardo Magalhães para o Fernando Henrique Cardoso. Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto circuito…

BBC News Brasil – Quais são as consequências da briga entre ele Bolsonaro?

Maia – Se não fosse o Rodrigo, eu diria que seriam graves. Mas com o estilo do Rodrigo, vai entrar por aqui, sai por ali (aponta para a orelha). Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu.

BBC News Brasil – O troco foi verbal ou foi a votação da PEC do Orçamento Impositivo?

Maia – Foi a ausência, por exemplo. Depois daquilo ali (as trocas de farpas recentes), a primeira vez que esteve com o presidente foi semana passada, com os prefeitos. O Rodrigo gerou um convencimento no Congresso entre todos os setores, (da) esquerda à direita, dizendo que a tarefa nesse momento é fortalecer o Congresso. Aí aprovou aquela medida (do Orçamento Impositivo). Mas vem mais coisa aí. Aguardemos.

BBC News Brasil – O senhor votou a favor da abertura do processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella na Câmara dos Vereadores do Rio. Acha que ele corre o risco de perder o mandato?

Maia – O tema não é tão significativo. Acho que ele vai virar os votos que precisa. Mas ouço que esse processo ainda não é o final. Pode ser que venha outro.

BBC News Brasil – Como ele chegou a essa situação?

Maia – Acho foi uma montagem de seu próprio governo. Pelas mudanças, pelas trocas que ele fez. Ele indica e depois exonera. Nomear indicados de vereador e depois retirar é uma coisa pesada para o vereador. E estou falando de vereadores de porte aqui dentro, com muitos anos de casa.

Isso foi gerando uma desorganização e uma relação muito ruim. Foi desmontando (sua base de apoio). Mesmo dentro da política de clientela, ele foi perdendo autoridade juntos aos vereadores.

BBC News Brasil – Como o senhor vê sua gestão?

Maia – Ele (o Crivella) foi pastor da Igreja Universal por muitos anos, virou cantor famoso de igreja, os discos vendiam um milhão de cópias, era um troço grande. Ficou muito popular e se candidatou a senador. Foi eleito, outra vez foi eleito. Mas a especialidade dele não é essa.

BBC News Brasil – Não é o quê, a política?

Maia – É ser pastor, fazer disco. Isso ele faz bem. Falta experiência para ele enfrentar uma prefeitura como a do Rio, com todos os problemas que tem.

Então ele foi perdendo crédito junto aos seus. A maior perda que ele teve foi a de credibilidade junto aos funcionários da prefeitura. Ele não tem controle sobre o pessoal, não mobiliza o seu pessoal.

BBC News Brasil – As chuvas desta semana atrapalharam mais, aumentam o desgaste?

Maia – Claro. Ele está cercado de pessoas que não têm experiência política. Ele apareceu na TV sempre arrumadinho, procurando falar de uma forma tranquila. Mas você não via ele na rua.

BBC News Brasil – As chuvas na semana passada levaram ao desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em área dominada por milícias. De quem é a culpa?

Maia – Do construtor, e por isso deve pagar.

BBC News Brasil – O senhor foi acusado condescendência em relação a milícias como prefeito. Acha que falhou ao não tomar ações para combater a atuação desses grupos durante a sua gestão?

Maia – De Lampião até hoje, tivemos as milícias, a polícia mineira, o cangaço etc. São 400 anos dessa prática. Atuei ao nível de minhas responsabilidades, que não eram policiais.

BBC News Brasil – Como o senhor vê as coincidências que surgiram entre o senador Flavio Bolsonaro e milicianos? Como deputado, ele homenageou PMs hoje denunciados como milicianos, e contratou em seu gabinete a mãe e a esposa de um deles (o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido, acusado de comandar milícias em Rio das Pedras e na Muzema).

Maia – Acho que com o tipo de política que eles fazem, de agressividade, de “prende, arrebenta”, suas relações são com pessoas que pensavam como eles. Não sei se isso significa que eram milicianos.

No caso do Flavio, são muitos casos. Tem os recursos tirados do gabinete, aquele um milhão (o R$ 1,2 milhão movimentado por Fabricio Queiroz, que foi motorista e segurança de Flávio Bolsonaro). Mas para isso tem polícia e Ministério Público. O MP prosseguiu com a investigação. Vamos ver o que vão fazer.

BBC News Brasil – Mas o senhor vê algum tipo de proximidade?

Maia – Aí depende do que você chama de milícia. Porque milícia tem uma curva de reconhecimento por parte dos moradores de que era uma necessidade. Estou falando de 15, 18 anos atrás, quando as milícias entravam e proibiam o tráfico de entrar na comunidade. Então eram vistas positivamente. O policial tinha um risco grande de morar em um lugar e ser assassinado pelo tráfico. Em função disso, foram construindo uma autodefesa, com policiais aposentados, combatendo o tráfico, defendendo suas famílias.

Depois passaram a ter uma ação de ganhos, financeira, de extorsão. Devem ter percebido que era mais fácil do que imaginavam, e aí entra essa curva de extorsão que a gente está vivendo aí, com todos os problemas.

O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys…

BBC News Brasil – Quando prefeito, o senhor dizia que as milícias eram melhores que o tráfico. Elas estão superando o tráfico como o grande problema do Rio?

Maia – Não. Continua sendo tráfico. As milícias passaram a ser um problema porque fazem extorsão.

BBC News Brasil – Mas podem ter mais facilidade de se misturar ao poder do Estado e entrar na política. Isso não pode representar uma ameaça maior?

Maia – O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys… O tráfico é percebido como um problema gravíssimo, enquanto a milícia é percebida, parcialmente, não como um problema, mas como uma solução para a garotada, arranjar negócio de moto, e tal…

BBC News Brasil – As milícias também são um problema gravíssimo. Extorquem, banem moradores, executam quem vai contra.

Maia – O que eu estou dizendo é por que elas têm voto. É porque, dentro da comunidade, elas também produzem benefício. O tráfico não produz benefício nenhum, porque o negócio deles vem de fora para dentro. O negócio da milícia é de dentro pra dentro. Se não, não teria voto.

BBC News Brasil – Existem vereadores na Câmara ligados à milícia?

Maia – Eu não sei. Se eu soubesse, eu ia lá no Ministério Público e denunciava.

BBC News Brasil – Na semana passada se completaram cem dias da gestão de Wilson Witzel. Como vê o início de seu governo?

Maia – Impossível dizer. Eu nunca tinha ouvido falar no senhor Witzel (pronuncia ‘Uitzel’). E olha que estou na política desde garoto e tenho 73 anos. Fui surpreendido quando apareceu no debate na TV um senhor Witzel. Ele tinha 1 ou 2% de intenções de votos, nem se deu bola. Não posso opinar sobre um fantasma.

Agora que ele começou a governar, deixa de ser um fantasma. Vamos esperar. Não dá para antecipar o que vai ser.

BBC News Brasil – Ele tem posturas polêmicas sobre segurança pública, defendendo a atuação de snipers para matar bandidos.

Maia – Ele fica falando em dar tiros na cabeça, deve achar isso um elemento de promoção. Agora mesmo com o caso dos 80 tiros (o músico Evaldo dos Santos Rosa morreu depois que militares do Exército fuzilaram o carro em que ia com a família para um chá de bebê), ele disse não queria fazer juízo de valor.

Você tem o prefeito da capital que é uma figura meio inerte. Você tem o governador que ainda não disse a que veio. O que vai acontecer com o Estado?

BBC News Brasil – No enterro de Evaldo, amigos associaram seu assassinato ao discurso agressivo do presidente. O senhor acha que as posturas de Bolsonaro e Witzel podem fomentar violência entre agentes do Estado?

Maia – Havendo esse tipo de discurso, a associação é inevitável. É provável que os soldados tenham atirado mobilizados pela ideia de que nada vai acontecer, porque esse é o clima que cerca o governo do Estado e o governo federal. Os caras podem ter se animado com o que estão vendo na televisão. Espero que coloquem um freio nessa ideia, com uma investigação contundente sobre a ação do Exército.

Se os soldados forem presos, condenados, os outros que estão entusiasmados em ser o sniper da vez vão pensar: “Peraí. Eles dizem essas coisas, mas não protegem a gente. Vou ficar na minha.”

Vão ver que não é assim, não. Que não é: “Mata e fica por isso mesmo”. Esse caso é emblemático e exige esclarecimento o mais rápido possível. Não é tão difícil assim, né. São 80 tiros, afinal de contas. Que esclareçam, para ficar como referência.

24 de abril de 2019

O QUE FAZ A ECONOMIA DO PERU CRESCER FORTE MESMO APÓS ESCÂNDALO ODEBRECHT ARRASTAR 4 EX-PRESIDENTES?

(BBC News Brasil, 18) Na quarta-feira, desdobramentos da operação em território peruano tiveram um momento marcante com o suicídio do ex-presidente Alan García, quando a polícia tentava prendê-lo. Ele era acusado de receber propina da empreiteira Odebrecht durante seu segundo mandato, entre 2006 e 2011 – o que García negava.

Em um cenário bem diferente do visto no Brasil, as acusações de corrupção surgidas da operação Lava Jato no Peru não parecem ter afetado de forma contundente a economia do país – uma das que mais crescem na América Latina.

No entanto, mesmo com as complicações políticas trazidas pela Lava Jato desde o início de 2017, quando ela se expandiu para países vizinhos – e que levaram a acusações de corrupção contra quatro ex-presidentes – , no ano passado, a economia do país cresceu 4%, segundo o Banco Central local. Para 2019, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima uma expansão de 3,9%, ficando atrás – na América Latina – só da Bolívia, seu vizinho, com crescimento estimado de 4%.

Já a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) prevê um crescimento de 3,6% neste ano. De qualquer forma, o índice é muito acima do 1,3% previsto para a região e do tímido 1,8% estimado para o Brasil.

Os números mostram que a economia peruana não saiu dos trilhos, mesmo com ramificações locais dos escândalos envolvendo obras públicas, campanhas políticas e propinas que ocorreram no Brasil.

Além de Alan García (1949-2019), que governou o país duas vezes (1985-1990) e (2006-2011), os ex-presidentes Alejandro Toledo (2001-2006), Ollanta Humala (2011-2016) e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) respondem judicialmente a processos decorrentes das investigações da Lava Jato. Uma das principais líderes da oposição, Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, também foi acusada de receber irregularmente dinheiro da Odebrecht para suas campanhas políticas.

Nesse cenário conturbado, no ano passado a economia peruana completou vinte anos consecutivos de crescimento e estabilidade, como observaram analistas e fontes do governo ouvidos pela BBC News Brasil. Ou seja, a queda do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski, que foi substituído, no ano passado, pelo seu vice, Martín Vizcarra, também não teve impacto significativo sobre a saúde da economia.

Entrevistados apontaram como uma das razões para a trajetória de crescimento o fato de que Toledo, García, Humala e Kuczynski terem mantido os principais pilares econômicos do país: abertura do mercado, ambiente de previsibilidade para investimentos estrangeiros, livre comércio, inflação e gastos baixos.

Outra chave para a estabilidade estaria no comércio exterior.

País com cerca de 32 milhões de habitantes e Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de US$ 211 bilhões, segundo dados oficiais, o Peru diversificou sua lista de exportações nos últimos anos.

Além do seu histórico setor da mineração, passou a exportar ouro, incrementado por empresas chinesas instaladas em seu território, e produtos do ramo agroindustrial – o Peru é hoje um dos maiores exportadores mundiais de abacate, aspargos e uvas.

“Há quem diga que o problema é que estamos dependentes demais do mercado asiático, para onde são enviadas 47% das exportações do país. Sendo que somente cerca de 30% deste total vão para a China. Mas também é verdade que nestes vinte anos, passamos a exportar para outros mercados como o europeu, por exemplo. A economia peruana ganhou diversidade nesses anos de estabilidade”, explicou o economista Carlos Aquino, da Universidade de San Marcos, de Lima.

Segundo ele, ao contrário da Venezuela, que depende do petróleo, e do México, que se apoia nos EUA para suas exportações, a economia peruana diversificou sua produção e mercados.

Outro setor que cresceu bastante foi o do turismo.

Infraestrutura
Mas Aquino acredita que houve impacto, sim, da Lava Jato sobre os rumos da economia do país.

“Se não fosse a Lava Jato, poderíamos estar crescendo em torno de 6% e não 4%”, disse.

Ele observou que o setor de obras públicas não está entre as principais atividades do país, mas que não deixa de ser um motor para o crescimento.

“O setor de obras públicas não chega sequer a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) peruano e este é um dos motivos para que a economia continue crescendo, mesmo que menos do que poderia alcançar se não fosse (a Lava Jato).”

Uma fonte do governo observou que as obras afetadas pela operação seriam fundamentais para melhorar a fraca infraestrutura do país. “Com mais estradas e portos, o país poderia ampliar suas exportações”, observou.

O analista político Alfredo Torres, diretor do instituto IPSOS de Peru, no entanto, disse à BBC News Brasil acreditar que “foram feitas obras que não eram prioridade”.

“Foram gerados empregos, mas em estradas pouco usadas, por exemplo. Agora, com as investigações, algumas obras foram paralisadas e o processo de licitações ficou mais complexo, o que estancou o investimento público e as associações público-privadas na área de infraestrutura.”

Para ele, “naturalmente” este freio tem consequências econômica e social. Ele explica: “um ponto a menos no Produto Interno Bruto (PIB), como resultado deste freio nas obras públicas, significa menos emprego e menor arrecadação fiscal para programas sociais, por exemplo”.

Informalidade
Apesar do crescimento estável, o Peru enfrenta problemas profundos, que vão além da falta de infraestrutura, como altos índices de pobreza e de informalidade, mesmo num ambiente propício para investimentos e taxas baixas de inflação e de juros.

Em 2004, o índice de pobreza era de 58,7% no país, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI). No ano passado, 2018, este índice era de 21,7% – muito mais baixo que em 2004, porém acima dos 20,7% de 2016, o que gerou preocupação em setores públicos do país.

Outro desafio permanente para os peruanos é o mercado de trabalho informal. Em 2004, a informalidade chegava a 80%. No ano passado, estava em 65%, ainda de acordo com dados oficiais.

“A informalidade vinha caindo todos os anos desde 2004. A má notícia é que parou de cair em 2018”, disse ao jornal El Comercio, de Lima, o economista Elmer Cuba, da consultoria Macroconsult.

A economia local conta com inflação baixa (cerca de 2% anual) e o câmbio tem histórico recente de pouca variação.

Obras da Odebrecht no Peru
Entre as obras da Odebrecht citadas em casos de corrupção no Peru está a rodovia Interoceânica Sul, que liga o país ao Brasil e foi concluída em 2010. O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, revelou ter pago propinas para conseguir os contratos do projeto durante o governo do ex-presidente Toledo, segundo a imprensa peruana. Toledo mora nos Estados Unidos e, em maio do ano passado, o Peru apresentou aos EUA um pedido de extradição do ex-presidente.

Além da Interoceânica e do metrô de Lima, cujas acusações envolviam o ex-presidente Alan García, a Odebrecht tem “em torno de vinte obras públicas em todo o país”, segundo fontes do governo peruano. A lista inclui o gasoduto de Casemira e o porto petroquímico, cujas obras ficaram congelados depois do início das investigações contra a empresa.

Procurada, a Odebrecht não respondeu aos contatos da reportagem para esclarecer que obras possui no país e quais estariam paralisadas ou foram modificadas após as investigações.

Fontes do governo disseram à BBC News Brasil que a empresa “vem colocando freio” nos seus investimentos no Peru desde que as autoridades passaram a investigar o chamado “Clube da Construção”, como ficou conhecido um cartel que envolveria a empreiteira brasileira e representantes locais do setor de obras públicas.

A Odebrecht admitiu ter pago US$ 29 milhões de propina no Peru, entre 2005 e 2014, em troca da obtenção de contratos.

Em fevereiro deste ano, a empreiteira assinou um acordo de colaboração com os promotores da Lava Jato no país, no qual se comprometeu a fornecer informações e pagar uma indenização de cerca de US$ 230 milhões.

Para o analista político Alfredo Torres, “é uma novidade” o fato de a Justiça não ter recebido “interferência” dos setores políticos.

23 de abril de 2019

DISCURSO DE ÓDIO EXTRAPOLA A INTERNET E ALIMENTA NOVOS MONSTROS!

(Olga Tokarczuk, romancista, ensaísta e roteirista polonesa, autora de “Flights – New York Times/Folha de S.Paulo) Autora narra como ‘inimigos da nação’ e Judiciário vêm sendo atacados na Polônia.

[RESUMO] Na Polônia, morte de prefeito no início do ano escancarou a presença da linguagem intolerante no dia a dia, com manifestações que desumanizam ‘inimigos da nação’ e aviltamento do Judiciário.

Em Gdansk, psicólogos foram convocados para ajudar a população, tão grande foi o choque provocado pelo assassinato do prefeito da cidade, Pawel Adamowicz, em janeiro deste ano —transmitido ao vivo pela televisão no horário nobre sob o olhar de milhões de pessoas.

O homem de 27 anos acusado de matar o prefeito havia sido solto da prisão alguns meses antes. Ele planejara cada detalhe do ataque televisionado. Após apunhalar o prefeito no coração, ele gritou no microfone que matara Adamowicz para se vingar da Plataforma Centrista, partido político de oposição de centro que o teria encarcerado injustamente.

Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas de Gdansk em 20 de janeiro para se despedir do prefeito. Houve reuniões espontâneas em outras cidades polonesas. Por uma vez, pelo menos, boa parte do país pareceu estar unida —em choque e dor.

Para compreender a situação mais amplamente é preciso conhecer o contexto. Adamowicz foi assassinado na Grande Orquestra de Natal, que há 27 anos acontece logo após as festas de fim de ano. Maior evento de caridade do país, a Orquestra recolhe dinheiro para os hospitais poloneses. Nos dias que a antecedem, as ruas ficam cheias dos corações vermelhos que as pessoas ganham em troca de seus donativos, e os poloneses tratam uns aos outros com gentileza.

Ao mesmo tempo, porém, poucos eventos são alvos de tanto ódio. Os críticos da Orquestra, em sua maioria de direita, não aprovam o estilo do evento —levemente anarquista, evidentemente de esquerda— e não gostam da música que é tocada, porque esse evento beneficente é também um grande concerto.

As críticas se intensificaram nos últimos anos, sobretudo após a vitória do Partido Lei e Justiça, de direita, nas eleições parlamentares de 2015. Um jornalista escreveu há pouco tempo que o líder da Orquestra propagava o mal; a mídia direitista o descreveu como um “anão asqueroso”, uma marionete nas mãos de políticos corruptos.

Para a maioria avassaladora dos poloneses, porém, a Orquestra tem sido um símbolo do país que lutamos para construir desde a década de 1990 com um capitalismo tosco porém esperançoso, da Polônia que entrou para a Otan, da Polônia que votou pelo ingresso na União Europeia. A Orquestra é símbolo de três décadas de transformação civilizacional e avanços rumo a um mundo melhor, mais pacífico, próspero e livre.

A Orquestra também passou a simbolizar respeito mútuo e generosidade, nem que seja só em um dia do ano. Ela permitiu que os poloneses, de modo geral soturnos, se aquecessem ao fogo da comunidade. Eu não teria nada contra se a Orquestra se declarasse uma nação independente. Ficaria feliz em ser sua cidadã.

Conservador moderno e político excelente, Adamowicz representava tudo que o Partido Lei e Justiça não é. Apesar de tradicionalista, se opunha ao paroquialismo, com abertura plena de coração e mente. Tinha coragem rara e sensibilidade social.

Junto com outros prefeitos, Adamowicz se posicionou contra a política do governo nacional, convidando imigrantes a mudarem-se para sua cidade e prometendo-lhes apoio, trabalho e moradia. Seu assassinato representa um ataque à visão de uma Polônia liberal e progressista.

Poderíamos nos perguntar o que motivou o assassino de Adamowicz. As autoridades o descreveram como sendo mentalmente perturbado. Mas nenhum ato ocorre no vazio.

A televisão estatal, da qual muitos poloneses recebem as notícias, denigre constantemente, em linguagem agressiva e difamatória, a oposição política e qualquer pessoa que discorde do partido governista. O prefeito assassinado já fora tachado de ladrão, alemão, mafioso e favorável a homossexuais.

Nos últimos três anos a propaganda política na TV vem aviltando o sistema judiciário, dizendo que é prejudicial aos cidadãos e carece de uma troca completa da guarda; juízes são acusados de formar uma casta que estaria acima da lei. De sua cela na prisão, o assassino do prefeito deve ter visto essas mensagens sobre vilões e necessidade de soluções radicais.

O noticiário na Polônia de hoje parece um novo tipo de monstro, um monstro de Frankenstein que saiu do controle online e se metamorfoseou em discurso de ódio que, partindo da internet, pode ser encontrado também em todos os outros lugares. Abra seu e-mail e você lerá “você é um lixo e vai morrer”, “sabemos onde você mora”, “vamos cortar fora essa cabeça estúpida”. A violência permeia a internet.

O corpo reage às agressões verbais com reflexos. Ele se encurva, se fecha e começa a transpirar, com a adrenalina bombando. Quando isso acontece com muitas pessoas ao mesmo tempo, estamos em estado de guerra mental, onde em vez de balas disparam-se palavras. Acredito que as palavras devem ser tratadas como armas concretas, que cada invectiva ou ameaça deve ser encarada como violência e agressão.

Na Polônia, infelizmente, o discurso de ódio vem se proliferando e ninguém é responsabilizado por isso. A polícia ouve os depoimentos das pessoas e as manda embora. Esse consentimento tácito desmoraliza mentes enfraquecidas. A linguagem do ódio vem permeando o discurso público, e o rebaixamento dos padrões vem ficando mais e mais visível. Deputados postam diatribes carregadas de ódio, cientes de que, quanto maior a brutalidade e emoção contida em um tuíte, mais amplamente ele circulará.

Os populistas empregam linguagem agressiva e carregada de ódio. Procuram bodes expiatórios. Na Polônia, esses bodes expiatórios são os chamados esquerdistas malucos, pessoas que gostam de gays, alemães, judeus, fantoches da União Europeia, feministas, liberais e qualquer pessoa que dê apoio a imigrantes.

Some-se a isso o silêncio e cinismo do clero, a propaganda política agressiva e tosca difundida na televisão estatal, o consentimento da política com excessos antissemitas, as manifestações públicas que desumanizam os “inimigos da nação”, o aviltamento da autoridade do Judiciário e a imperdoável destruição ambiental, e o resultado é uma atmosfera sufocante de ódio, um impasse carregado de emoção em que só podem existir traidores ou heróis.

Em uma sociedade sadia e normal as pessoas podem discordar, podem até ter pontos de vista diametralmente opostas, e isso não significa de maneira alguma que precisem odiar umas às outras. Mas as autoridades fizeram da divisão dos poloneses sua tarefa primordial.

A agressão está no ar. As emoções desencadeadas pela escalada da linguagem do debate político podem facilmente converter-se em atos, e então essa agressão passa a se dirigir contra um alvo específico. Basta uma pessoa iludida. Quando é tensionada ao máximo, a corda arrebenta no ponto mais fraco.

Preocupo-me com o futuro imediato. Vamos voltar a como eram as coisas antes desta morte sem sentido? Ou de alguma maneira ela nos levará a refletir com mais serenidade?

22 de abril de 2019

A CIDADE E OS BÁRBAROS!

(Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta, autor de ‘Reformismo De Esquerda E Democracia Política’ – O Estado de S.Paulo) É preciso tornar à ideia da grande aliança contra os que corroem as bases da democracia liberal.

No ato final do comunismo histórico, a partir de 1989, um breve e conhecido texto de Norberto Bobbio, O reverso da utopia, conseguiu dar forma e sentido ao espantoso espetáculo que então se encenava. O mais radical dos sonhos políticos da História – dizia Bobbio – havia se transformado em distopia à moda do pesadelo imaginado por Orwell. Mesmo distantes dos grandes crimes do stalinismo, os regimes inspirados na revolução bolchevique, a URSS em primeiro lugar, arrastavam-se penosamente num quadro de ineficiência econômica, pasmaceira social e autoritarismo político, no qual se abria um fosso insuperável entre ideia e realidade, palavras e fatos, grandes ideais e realidades prosaicas da vida.

As populações submetidas sublevaram-se, em geral pacificamente, em torno das mais elementares – e insubstituíveis – consignas democráticas, como a liberdade de pensamento ou de reunião. As tentativas de autorreforma, como a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação), mostraram-se afinal incapazes de dar um sopro de vida a regimes esclerosados, ainda que possivelmente tenham contribuído para a saída relativamente indolor de uma situação histórica difícil. Vivia-se o momento inaugural de um mundo que os mais otimistas, ou os mais ingênuos, julgavam livre dos conflitos abertos por uma restrita e quase inapelável visão bipolar. Como sabemos, ser adepto do comunismo ou do capitalismo era mais do que ter um credo político: implicava escolhas de vida, definia destinos individuais, de um lado ou de outro da “cortina de ferro”.

A sabedoria do velho Bobbio, contudo, não descartava pura e simplesmente o comunismo e os comunistas. Estes seriam, como no extraordinário poema de Kaváfis, os bárbaros cuja presença ameaçadora, às portas da cidade, condicionava a rotina de todos, paralisava as ações, congelava tudo numa atmosfera de ansiedade e medo. E, agora, a ausência dos bárbaros – pois subitamente a notícia é que não mais viriam – implicava um chamamento brutal à realidade. Não havia mais inimigos e a vida, como requer outro verso notável, devia ser vivida como uma ordem, sem mistificação.

Num plano mais geral – perguntava-se ainda o filósofo –, as democracias saberiam dali por diante responder aos imensos problemas que tinham gerado a utopia que, no curso do tempo, se transformara no seu exato contrário e fora vencida? Conseguiriam por si sós, sem o medo incutido pelo adversário temível, ampliar as liberdades, enfrentar novas e velhas desigualdades que dividiam norte e sul do planeta e, ao mesmo tempo, voltavam a se ampliar no interior de cada sociedade, mesmo as do Ocidente desenvolvido?

Bárbaros e habitantes da cidade, para seguirmos a sugestão do sábio e a metáfora do poeta, não haviam sido jamais seres indiferentes uns aos outros. Os bárbaros de 1917, ao assaltarem os céus, invocavam frequentemente o extremismo jacobino da revolução burguesa de 1789. Distinguiam-se com veemência dos girondinos do próprio campo. A velha social-democracia, afinal, era o tronco comum de que agora se afastavam ruidosamente os bolcheviques, para quem todos os outros passavam a ser “renegados” da causa proletária. E sobre esses traidores deveria recair um anátema ainda mais virulento do que o dedicado aos inimigos de classe. Uma esquerda afeita ao confronto nascia aí, motivando seus gestos extremados com a expectativa messiânica da revolução mundial.

Nos anos 1930, em textos até mesmo de comunistas heréticos, impressiona o uso mais ou menos corrente de palavras como “total” ou “totalitário”. O seu marxismo, ainda que se desviasse da ortodoxia, também se pretendia a matriz integral de uma nova civilização. Ele bastava a si mesmo, recusava acréscimos externos. O Estado soviético, que parecia imune a crises como a de 1929, podia ter uma forma política tosca, primitiva. Não importava: havia quem dissesse, pragmaticamente, que a pior ditadura do proletariado era sempre preferível à melhor democracia burguesa…

A similitude com o Estado hitlerista era patente. O partido único, a arregimentação militarista das massas, o culto irracional ao líder carismático, entre outros elementos aterradores, confirmavam a semelhança e pretendiam atestar a obsolescência das formas democráticas. A superioridade racial apregoada de um lado parecia corresponder, grosso modo, à situação do lado adversário, em que uma classe supostamente universal construía seu próprio Estado e se arrogava o direito de submeter – ou liquidar, como no caso dos camponeses – grupos sociais inteiros.

No entanto, a esquerda jacobina convertida em Estado, que dividia o mundo em campos inconciliáveis e, por isso, era bárbara, tinha elementos que a levavam além do confronto e do desafio sectário. Às vezes, como no caso das frentes populares antifascistas, aproximava-se dos socialistas e dos “democratas burgueses” e via-se obrigada a questionar seus próprios dogmas, a imaginar caminhos diferentes do que tomara em 1917 e a levara a condescender com formas “totais” de poder. Apesar de si mesma – isto é, apesar dos traços odiosos da sua rudimentar construção estatal –, esteve maciçamente ao lado do Ocidente democrático e contribuiu de modo inestimável para vencer o mal absoluto. Stalin à parte, todo democrata em algum momento se sentiu drummondianamente irmanado “com o russo em Berlim”.

Esta breve memória talvez ajude a entender por que, depois do comunismo, há múltiplas razões para uma esquerda agora sem a menor complacência com as sociedades “totais”, sem excluir as que resistem anacronicamente. Nos países democráticos, as fúrias voltam a se desatar, os moedeiros falsos retomam o labor de sempre e os demagogos desempoeiram velhos figurinos. Por isso é preciso tornar à ideia da grande aliança contra todos os que se mobilizam para corroer as bases da democracia liberal.

18 de abril de 2019

FÓRUM DA JUVENTUDE DA UNIÃO DEMOCRATA INTERNACIONAL – RABAT, MARROCOS – 10 A 13/04/2019.

Relatório de Bruno Kazuhiro
Juventude Democratas
Presidente Nacional

Dia 1 (10/04)

Jantar de Recepção, com presença do Secretário Nacional de Investimentos, Othmane El Ferdaous

Palavras de boas-vindas de Majid Fassi Fihri, anfitrião do evento no Marrocos e Presidente da Juventude da União Democratas Internacional (J-IDU ou IYDU em inglês).

Palestra de Othmane El Ferdaous:

– Para se ter uma noção de como o Marrocos é diverso, a seleção marroquina de futebol é a mais tradicional do mundo. 61% dos jogadores nasceram em outros países ou seus pais.

– A maior companhia estrangeira empregadora em Marrocos hoje não é francesa nem espanhola como se poderia pensar. É uma montadora japonesa.

– A África tem a média mais jovem de idade do mundo. A economia mundial precisa integrar a África.

– A cada 3 dias as crianças africanas ganham mais 1 dia de expectativa de vida.

– A transição gradual e estável para a democracia ajudou o Marrocos a crescer continuamente.

– O problema da África é fazer avançar sua integração e reduzir a fragmentação enorme. São dezenas de países com a maior distância no mundo entre as suas maiores cidades e a maior duração de voos entre as metrópoles.

– O PIB africano inteiro é igual ao PIB da Alemanha.

– A África é o continente com mais zonas de livre comércio regional. São 16.

– 80 países hoje pedem visto para visitantes vindos de países africanos. É muito.

– Marrocos é o segundo maior investidor em outros países africanos sendo forte em áreas como bancos, farmacêuticas, agricultura, etc.

– 39 das 500 maiores empresas do mundo abriram o seu escritório da África/Oriente Médio em Casablanca. Hoje Casablanca compete com Dubai e Johanesburgo.

– Apenas 8 milhas separam Marrocos da Espanha. Temos que explorar mais esse potencial.

– O novo porto de Tânger tem capacidade igual aos de Los Angeles e Yokohama.

– Hoje o Marrocos tem mais exportação, poupança e investimentos do que os vizinhos.

– O risco de terrorismo é mínimo no país, sendo igual ao da Noruega ou de Portugal.

– O rating mundial de risco de Marrocos é mais próximo da economia espanhola do que da economia do Egito

– Tanto para europeus ou africanos ou islâmicos o Marrocos é mais ou menos próximo a eles mas não é exatamente a mesma coisa que eles. Somos um país multicultural.

– Dirham marroquino é moeda estável nas últimas duas décadas.

– O aumento do salário chinês está gerando novas fábricas em Marrocos. 400 mil empregos desde 2014. Queremos avançar na indústria e aproveitar esse espaço.

– O envelhecimento da população europeia está gerando falta de mão-de-obra. Queremos atrair as fábricas para Marrocos ao invés de enviar marroquinos para Europa.

– Valor agregado dos produtos marroquinos subiu 31% na última década.

– Marrocos é o segundo maior produtor de carros da África, atrás apenas da África do Sul. Produzimos peças para aviões Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier.

– Painéis de captação de energia solar colocados no deserto marroquino têm somados o tamanho da superfície de Paris. 30% da energia já é renovável. Queremos chegar a 50% em 2030.

– O rei, por ser uma liderança estável, facilita o planejamento do país a longo prazo.

– Fábrica chinesa de carros elétricos BYD está produzindo no Marrocos as baterias para seus carros. BYD tem 17000 funcionários apenas em pesquisa.

– Pergunto sobre como está a integração africana. Resposta: Existem conversas atualmente sobre um acordo de livre comércio africano e já foi assinado um acordo preliminar por todos os países do continente menos Nigéria e Eritréia. Os acordos regionais dentro do continente serão fundamentais para que haja mais profundidade já que acordos que envolvem toda a África acabam prejudicados por interesses conflitantes.

– O Marrocos teve sempre os Estados Unidos e o Reino Unido como modelos de democracia mas hoje vemos o Partido Conservador colocando a si mesmo à frente da nação com o Brexit e os Estados Unidos se isolando dos outros países.

– O Banco Mundial previu que entre 2005 e 2015 o Marrocos cresceria 30% e Argélia também, mas disse que se os países fossem integrados cresceriam 100% cada um. Temos que avançar nisso, não podemos mais desperdiçar dinheiro. Temos hoje uma relação ruim, como se fosse a relação de Colômbia e Venezuela.

Dia 2 (11/4)

Cerimônia de Abertura no Congresso Nacional do Marrocos

Secretária-Geral da Juventude IDU, Charlotte Kude (Reino Unido), dá as boas-vindas.

Abertura com Majid Fassi Fihri, Presidente da Juventude IDU, e Nizar Baraka, Secretário-Geral do partido Istiqlal (Independência), anfitrião do evento.

Majid Fassi Fihri:

– É a primeira vez que a juventude da IDU é presidida por um africano.

– A visita do Papa a Marrocos mostrou o nosso esforço pela cooperação e pela tolerância, sem extremismos. Marrocos também está atento ao mundo, que precisa ser mais tolerante, diverso e sustentável. Somos um país pacifista.

– Somos hoje referência na África sobre os temas ambientais e o combate ao aquecimento global.

Nizar Baraka:

– 80% da migração africana ocorrem entre os próprios países africanos.

– Temos que nos preparar para enfrentar esse desafio em 4 áreas: a) a segurança contra a migração clandestina feita com más intenções, como tráfico de pessoas; b) a defesa dos direitos humanos (recebemos milhares de migrantes subsaariana, para os quais fornecemos documentos para trabalhar); c) a luta contra o extremismo (incentivamos e treinamos os Imãs, professores do Islã, para transmitir tolerância aos fiéis); d) cooperação com o mundo árabe e africano para o crescimento econômico e institucional.

– A Royal Air Maroc, companhia aérea marroquina, foi a única empresa aérea que manteve a conexão dos africanos com os outros continentes durante a crise do ebola, respeitando a África.

– Empresas marroquinas trabalham para minimizar o impacto das mudanças climáticas na agricultura de toda a África.

Painel sobre Energia com Anne Vassara (Embaixadora da Finlândia no Marrocos), Said Mouline (Agência Marroquina de Eficácia Climática) e David Golwy (pesquisador da Universidade Sorbonne)

Anne Vassara:

– A descentralização da geração de energia é inevitável. Iremos da energia constante de uma fonte para a intermitente de várias fontes. Mudaremos do combustível fóssil para o baixo carbono.

– A biomassa é uma alternativa dominante nos dias atuais com relação às energias renováveis.

– Na Finlândia o consumidor final já pode decidir qual energia está comprando, de qual origem. A energia limpa é um pouco mais cara, mas muitos preferem.

– Há uma redução do desperdício nas usinas e uso do lixo para gerar energia.

Said Mouline:

– 600 milhões de Africanos não têm eletricidade hoje.

– Todos os países têm algum potencial de energia renovável. As energias não renováveis geraram guerras.

– O recurso renovável normalmente não se pode estocar. Se não se usa, ele se perde.

– Uma das maiores instalações solares do mundo está no interior do Marrocos e ainda há um grande campo eólico em Tânger.

– A África tem o maior potencial hidrelétrico do mundo.

David Golwy:

– A escassez também é uma oportunidade às vezes. No interior de Marrocos alguns vilarejos produzem sua própria energia por falta de conexão com as grandes cidades. Mas falta solidariedade para repartir essa energia com os mais idosos que não podem trabalhar.

– Paleoinovação: Conceito de formas de inovação que buscam gastar menos energia a partir de recursos que já existem, como usar a luz solar para iluminar os cômodos da casa e economizar energia.

Visita Guiada pelo Parlamento marroquino e almoço no local

– Parlamento marroquino é bicameral e tem dois períodos de quatro meses de sessões plenárias no ano, na primavera e no outono.

– O rei abre cada período com os membros das duas casas presentes.

– O prédio do parlamento era a Corte de Justiça, depois foi a Faculdade de Ciências e por fim foi adaptado para o Parlamento.

– O Parlamento possui comissões temáticas como no Brasil.

– Os plenários foram desenhados com apoio de Oscar Niemeyer, com inspiração nos plenários do Congresso Brasileiro, um com cúpula côncava e outra convexa. Os marroquinos conheceram Niemeyer na construção da embaixada marroquina em Brasília.

Painel sobre Migração com Abdelkrim Benatiq (Ministro da Migração) e Abdelfattah Ezzine (pesquisador da Universidade Mohamed V)

Abdelkrim Benatiq:

– As migrações pelas mudanças climáticas são cada vez mais comuns. A desertificação por exemplo causa muitas migrações.

– O Mediterrâneo vê hoje muitas imigrações do norte da África para a Europa, especialmente saindo da Líbia.

– O Marrocos já teve muita gente se dirigindo à França, mas atualmente é o Marrocos que recebe pessoas de outros países africanos.

– Temos a obrigação de combater o tráfico de pessoas. Quadrilhas transportam mulheres e crianças. É hoje um setor de grande faturamento para o crime organizado.

Abdelfattah Ezzine:

– Hoje a migração não é só de corpos, mas também de cérebros.

– A migração é colocada como um problema e não como uma realidade social.

– O debate da migração gira em torno dos interesses dos Estados Unidos e da Europa, mas países como México, Brasil e Austrália foram criados pela imigração.

– Esperamos que a imigração deixe de ser uma situação onde quem migra está em risco. Por isso a educação e a tolerância são fundamentais.

– Não podemos só debater qual mundo deixaremos para a juventude, mas também qual juventude vamos deixar para o mundo.

Jantar típico marroquino com apresentação de dança e comida marroquina

Dia 3 (12/4)

Visita à Universidade Internacional de Rabat

– 30% dos alunos da Universidade Internacional de Rabat possuem bolsas de estudo sociais ou de mérito acadêmico.

– São atualmente 4000 alunos.

– O foco é se tornar uma universidade de referência para africanos de diferentes países e gerar intercâmbios com a Europa e os Estados Unidos.

– As obras foram iniciadas em 2010, com apoio do rei.

– As instalações têm certificado de eficiência ambiental, painéis de energia solar, equipamentos modernos de laboratório e ginásios de prática de esporte.

– A instituição é uma sociedade de economia mista com o governo marroquino como maior acionista. Isso permite que os salários pagos estejam no nível do mercado internacional e hoje a universidade reúne professores de origem marroquina que foram lecionar em grandes universidades do mundo e agora retornam para trabalhar em seu país.

– Já são mais de 300 patentes produzidas na universidade, sendo 20% destas patentes internacionais.

Almoço oferecido pela Universidade Internacional de Rabat

Visita à área do Palácio Real do Marrocos e conversa com Primeiro-Ministro Saadeddine Othmani.

– O primeiro-ministro conversou por 40 minutos em reunião reservada com a executiva da Juventude IDU.

– Estivemos com ele eu como tesoureiro, o presidente Majid (Marrocos), a secretária Charlotte (Reino Unido) e alguns dos vice-presidentes.

– Conversamos sobre o desenvolvimento econômico do Marrocos atualmente, as relações exteriores entre o país, a África, a Europa e o resto do mundo e o pesado investimento do Marrocos em energias renováveis.

– Primeiro-ministro marroquino mencionou que esteve no Brasil em janeiro na cerimônia de posse do presidente.

– Após a conversa reservada, o Sr Othmani foi ao saguão do palácio e cumprimentou todos os participantes do evento e tirou uma foto com o grupo.

Jantar oferecido pelo anfitrião, presidente da Juventude IDU Majid Fassi Fihri, em sua residência

Dia 4 (13/4)

Reunião da Executiva da Juventude IDU

– Ficou definido que será feito um evento conjunto com a juventude da UPLA no final de agosto, na Bolívia, repetindo o sucesso de eventos conjuntos realizados nos últimos anos.

– Debatida a iniciativa do Partido Conservador britânico de oferecer patrocínio para um projeto de mentoria onde jovens da Juventude IDU poderão se reunir por Skype com políticos dos partidos da IDU e receber apoio para comparecer a seminários com ajuda da Westminster Foundation.

– Será aberta uma nova conta bancária da Juventude IDU para retomar a coleta de doações e contribuições após a reunificação da instituição realizada no final de 2017. Essa conta será aberta na Alemanha, onde fica o escritório da IDU, ou no Canadá, onde está o presidente da IDU.

Saída dos Participantes

Entrevista de Cesar Maia à BBC News Brasil

CM Camara

 

CESAR MAIA: ‘MEU FILHO NA PRESIDÊNCIA DA CÂMARA É UM PRÊMIO PARA BOLSONARO’!

Um curto-circuito ocorreu no fim de março, quando Rodrigo Maia e Bolsonaro protagonizaram uma queda de braços política, e Maia, irritado com a falta de articulação para aprovar a Reforma da Previdência no Congresso, afirmou que o presidente estava “brincando de governar”.

‘O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, o da segurança e o vetor administrativo. No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis’, diz Cesar Maia.

Para o ex-prefeito e vereador Cesar Maia (DEM-RJ), o governo do presidente Jair Bolsonaro tem “três vetores que funcionam”, um quarto onde acontecem coisas “inacreditáveis”, e um trunfo.

Os “que funcionam”, segundo disse em entrevista à BBC News Brasil, são “o econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto”.

O vetor “desorganizado” tem representantes como o ministério da Educação, que seriam alvo de influência “inacreditável” de olavistas – como são conhecidos os seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

Já o trunfo atende por seu sobrenome e herança genética: o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Segundo Maia pai, o filho é um político com rara capacidade de ouvir e talento para negociar, conciliar, articular.

“Isso é um prêmio para o presidente da República”, diz Maia pai, comparando a relação com o que o deputado do antigo PFL (hoje DEM) Luís Eduardo Magalhães foi para o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto-circuito…”

Para Cesar, entretanto, a crise não teve consequências mais graves porque Rodrigo “sabe ouvir por uma orelha e deixar sair pela outra”. “Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu”, diz o ex-prefeito. Em meio à crise, a Câmara aprovou, de supetão, uma proposta que torna obrigatória a liberação de verbas para custear iniciativas de emendas de parlamentares incluídas no Orçamento, impondo uma derrota ao governo.

Prefeito mais longevo do Rio, com três mandatos (1993-1996 e 2001-2008), Cesar Maia recebeu a reportagem em seu gabinete na Câmara dos Vereadores do Rio. Vestia um blazer xadrez sobre uma camisa listrada, calça de malha esportiva e tênis de corrida. A casa está às voltas com um processo de impeachment contra o atual alcaide, Marcelo Crivella (PRB-RJ).

Na entrevista à BBC News Brasil, Maia disse que o processo foi ensejado pelo próprio Crivella, que considera inexperiente, que o novo governador do Rio, Wilson Witzel (PSC-RJ), é um “fantasma” que “ainda não disse a que veio” e que Bolsonaro tem que adquirir “um perfil mais presidencial”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil – Como o senhor avalia os cem primeiros dias do governo Bolsonaro?

Cesar Maia – O governo tem três vetores que funcionam. O econômico-financeiro, que é o (ministro da Economia) Paulo Guedes; o da segurança, que é do (ministro da Justiça Sergio) Moro; e o vetor administrativo, que são os militares no Planalto.

No quarto vetor, que é meio espalhado, acontecem coisas inacreditáveis como essa do ministro de Educação (o ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez foi exonerado, substituído por Abraham Weintraub), a briga com os grupos olavistas.

BBC News Brasil – O que essas rusgas trazem para o governo?

Maia – Desorganização. Como é que um ministro pode ter colocado em seu gabinete pessoas ligadas ao Olavo (de Carvalho)? Isso mostra que falta comando.

Esses três vetores são o suficiente para levar um governo para a frente? Pode ser. Mas para isso é necessário que o Bolsonaro adquira um perfil mais presidencial.

BBC News Brasil – Mais presidencial como?

Maia – Na postura, né? Na relação com o Congresso. Como o Fernando Henrique Cardoso disse, todo presidente na História do Brasil que resolveu confrontar o Congresso perdeu, e às vezes saiu. Ele tem que tomar cuidado. Ter um perfil mais presidencial. Agora pelo menos já está de terno e gravata.

BBC News Brasil – Na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para o STF prorrogar inquérito investigando se o senhor e seu filho teriam recebido pagamentos ilícitos da Odebrecht. Uma perícia da Polícia Federal encontrou registros indicando pagamentos de R$ 1,4 milhão pela Odebrecht para codinomes associados ao senhor e ao seu. O que o senhor tem a dizer sobre o inquérito?

Maia – O diretor da Odebrecht, em seu depoimento no Lava Jato, foi enfático. Cesar Maia, em nenhum momento. Veja o vídeo (faz referência ao depoimento do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, que diz não ter feito pagamentos a Cesar Maia nem a Rodrigo Maia).

BBC News Brasil – Como vê o papel que seu filho tem desempenhado na presidência da Câmara?

Maia – O Rodrigo tem um personagem muito diferente do meu. Eu sou um personagem de papel, lápis, máquina de calcular. O Rodrigo é um personagem de articulação, de conversa.

Ele é dos poucos políticos que conheço com enorme poder de audiência. Ele ouve. Não sei como consegue tempo para receber tantos deputados e senadores. Passou a ter confiabilidade entre seus pares, independentemente do partido político, e tem um poder de articulação de negociação muito grande. A palavra dele passou a valer.

Isso é um prêmio para o presidente da República. É como foi com o Luís Eduardo Magalhães para o Fernando Henrique Cardoso. Ele tem esse estilo de negociação, de convencimento, de argumentação, e ele (Bolsonaro) pode discutir coisas que têm que caminhar, e aí elas andam. Só que aí de repente você tem um curto circuito…

BBC News Brasil – Quais são as consequências da briga entre ele Bolsonaro?

Maia – Se não fosse o Rodrigo, eu diria que seriam graves. Mas com o estilo do Rodrigo, vai entrar por aqui, sai por ali (aponta para a orelha). Ele dá o troco dele no momento certo, como já deu.

BBC News Brasil – O troco foi verbal ou foi a votação da PEC do Orçamento Impositivo?

Maia – Foi a ausência, por exemplo. Depois daquilo ali (as trocas de farpas recentes), a primeira vez que esteve com o presidente foi semana passada, com os prefeitos. O Rodrigo gerou um convencimento no Congresso entre todos os setores, (da) esquerda à direita, dizendo que a tarefa nesse momento é fortalecer o Congresso. Aí aprovou aquela medida (do Orçamento Impositivo). Mas vem mais coisa aí. Aguardemos.

BBC News Brasil – O senhor votou a favor da abertura do processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella na Câmara dos Vereadores do Rio. Acha que ele corre o risco de perder o mandato?

Maia – O tema não é tão significativo. Acho que ele vai virar os votos que precisa. Mas ouço que esse processo ainda não é o final. Pode ser que venha outro.

BBC News Brasil – Como ele chegou a essa situação?

Maia – Acho foi uma montagem de seu próprio governo. Pelas mudanças, pelas trocas que ele fez. Ele indica e depois exonera. Nomear indicados de vereador e depois retirar é uma coisa pesada para o vereador. E estou falando de vereadores de porte aqui dentro, com muitos anos de casa.

Isso foi gerando uma desorganização e uma relação muito ruim. Foi desmontando (sua base de apoio). Mesmo dentro da política de clientela, ele foi perdendo autoridade juntos aos vereadores.

BBC News Brasil – Como o senhor vê sua gestão?

Maia – Ele (o Crivella) foi pastor da Igreja Universal por muitos anos, virou cantor famoso de igreja, os discos vendiam um milhão de cópias, era um troço grande. Ficou muito popular e se candidatou a senador. Foi eleito, outra vez foi eleito. Mas a especialidade dele não é essa.

BBC News Brasil – Não é o quê, a política?

Maia – É ser pastor, fazer disco. Isso ele faz bem. Falta experiência para ele enfrentar uma prefeitura como a do Rio, com todos os problemas que tem.

Então ele foi perdendo crédito junto aos seus. A maior perda que ele teve foi a de credibilidade junto aos funcionários da prefeitura. Ele não tem controle sobre o pessoal, não mobiliza o seu pessoal.

BBC News Brasil – As chuvas desta semana atrapalharam mais, aumentam o desgaste?

Maia – Claro. Ele está cercado de pessoas que não têm experiência política. Ele apareceu na TV sempre arrumadinho, procurando falar de uma forma tranquila. Mas você não via ele na rua.

BBC News Brasil – As chuvas na semana passada levaram ao desabamento de dois prédios na comunidade da Muzema, em área dominada por milícias. De quem é a culpa?

Maia – Do construtor, e por isso deve pagar.

BBC News Brasil – O senhor foi acusado condescendência em relação a milícias como prefeito. Acha que falhou ao não tomar ações para combater a atuação desses grupos durante a sua gestão?

Maia – De Lampião até hoje, tivemos as milícias, a polícia mineira, o cangaço etc. São 400 anos dessa prática. Atuei ao nível de minhas responsabilidades, que não eram policiais.

BBC News Brasil – Como o senhor vê as coincidências que surgiram entre o senador Flavio Bolsonaro e milicianos? Como deputado, ele homenageou PMs hoje denunciados como milicianos, e contratou em seu gabinete a mãe e a esposa de um deles (o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido, acusado de comandar milícias em Rio das Pedras e na Muzema).

Maia – Acho que com o tipo de política que eles fazem, de agressividade, de “prende, arrebenta”, suas relações são com pessoas que pensavam como eles. Não sei se isso significa que eram milicianos.

No caso do Flavio, são muitos casos. Tem os recursos tirados do gabinete, aquele um milhão (o R$ 1,2 milhão movimentado por Fabricio Queiroz, que foi motorista e segurança de Flávio Bolsonaro). Mas para isso tem polícia e Ministério Público. O MP prosseguiu com a investigação. Vamos ver o que vão fazer.

BBC News Brasil – Mas o senhor vê algum tipo de proximidade?

Maia – Aí depende do que você chama de milícia. Porque milícia tem uma curva de reconhecimento por parte dos moradores de que era uma necessidade. Estou falando de 15, 18 anos atrás, quando as milícias entravam e proibiam o tráfico de entrar na comunidade. Então eram vistas positivamente. O policial tinha um risco grande de morar em um lugar e ser assassinado pelo tráfico. Em função disso, foram construindo uma autodefesa, com policiais aposentados, combatendo o tráfico, defendendo suas famílias.

Depois passaram a ter uma ação de ganhos, financeira, de extorsão. Devem ter percebido que era mais fácil do que imaginavam, e aí entra essa curva de extorsão que a gente está vivendo aí, com todos os problemas.

O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys…

BBC News Brasil – Quando prefeito, o senhor dizia que as milícias eram melhores que o tráfico. Elas estão superando o tráfico como o grande problema do Rio?

Maia – Não. Continua sendo tráfico. As milícias passaram a ser um problema porque fazem extorsão.

BBC News Brasil – Mas podem ter mais facilidade de se misturar ao poder do Estado e entrar na política. Isso não pode representar uma ameaça maior?

Maia – O tráfico trabalha numa comunidade vendendo drogas para pessoas de fora. Milícia é diferente. Ela produz algum tipo de benefício para as pessoas de dentro, casa, carro, motoboys… O tráfico é percebido como um problema gravíssimo, enquanto a milícia é percebida, parcialmente, não como um problema, mas como uma solução para a garotada, arranjar negócio de moto, e tal…

BBC News Brasil – As milícias também são um problema gravíssimo. Extorquem, banem moradores, executam quem vai contra.

Maia – O que eu estou dizendo é por que elas têm voto. É porque, dentro da comunidade, elas também produzem benefício. O tráfico não produz benefício nenhum, porque o negócio deles vem de fora para dentro. O negócio da milícia é de dentro pra dentro. Se não, não teria voto.

BBC News Brasil – Existem vereadores na Câmara ligados à milícia?

Maia – Eu não sei. Se eu soubesse, eu ia lá no Ministério Público e denunciava.

BBC News Brasil – Na semana passada se completaram cem dias da gestão de Wilson Witzel. Como vê o início de seu governo?

Maia – Impossível dizer. Eu nunca tinha ouvido falar no senhor Witzel (pronuncia ‘Uitzel’). E olha que estou na política desde garoto e tenho 73 anos. Fui surpreendido quando apareceu no debate na TV um senhor Witzel. Ele tinha 1 ou 2% de intenções de votos, nem se deu bola. Não posso opinar sobre um fantasma.

Agora que ele começou a governar, deixa de ser um fantasma. Vamos esperar. Não dá para antecipar o que vai ser.

BBC News Brasil – Ele tem posturas polêmicas sobre segurança pública, defendendo a atuação de snipers para matar bandidos.

Maia – Ele fica falando em dar tiros na cabeça, deve achar isso um elemento de promoção. Agora mesmo com o caso dos 80 tiros (o músico Evaldo dos Santos Rosa morreu depois que militares do Exército fuzilaram o carro em que ia com a família para um chá de bebê), ele disse não queria fazer juízo de valor.

Você tem o prefeito da capital que é uma figura meio inerte. Você tem o governador que ainda não disse a que veio. O que vai acontecer com o Estado?

BBC News Brasil – No enterro de Evaldo, amigos associaram seu assassinato ao discurso agressivo do presidente. O senhor acha que as posturas de Bolsonaro e Witzel podem fomentar violência entre agentes do Estado?

Maia – Havendo esse tipo de discurso, a associação é inevitável. É provável que os soldados tenham atirado mobilizados pela ideia de que nada vai acontecer, porque esse é o clima que cerca o governo do Estado e o governo federal. Os caras podem ter se animado com o que estão vendo na televisão. Espero que coloquem um freio nessa ideia, com uma investigação contundente sobre a ação do Exército.

Se os soldados forem presos, condenados, os outros que estão entusiasmados em ser o sniper da vez vão pensar: “Peraí. Eles dizem essas coisas, mas não protegem a gente. Vou ficar na minha.”

Vão ver que não é assim, não. Que não é: “Mata e fica por isso mesmo”. Esse caso é emblemático e exige esclarecimento o mais rápido possível. Não é tão difícil assim, né. São 80 tiros, afinal de contas. Que esclareçam, para ficar como referência.

17 de abril de 2019

DISSIDENTES DE GUERRILHAS DA COLÔMBIA FORTALECEM MADURO. PRESENÇA DE EX-MEMBROS DAS FARC E DO ELN NA VENEZUELA SERVEM DE ESCUDO A DITADOR!

(Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo, 15) A presença cada vez mais numerosa de dissidentes da ex-guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e de combatentes do ELN (Exército de Libertação Nacional) em território venezuelano ameaça complicar ainda mais a relação turbulenta entre Colômbia e Venezuela, ao mesmo tempo em que serve de escudo para o ditador Nicolás Maduro.

Esse aumento vem sendo registrado por ONGs como a InSight Crime e a FundaRedes, e pelos serviços de inteligência colombianos. Estes estimam que já há 1.400 ex-guerrilheiros das Farc que não entraram no acordo de paz aprovado no final de 2016 e seguem na atividade criminosa —cerca de 800 deles estariam do lado venezuelano da fronteira.

O ELN, cujo número de guerrilheiros vêm crescendo desde que o presidente colombiano, Iván Duque, cancelou as negociações de paz que estavam em andamento com o grupo, conta agora com cerca de 2.000 combatentes —metade estaria do lado venezuelano.

Os números, porém, variam, uma vez que, na Venezuela, há acampamentos e campos de treinamento para organizar operações que, depois, são efetuadas na Colômbia.

Segundo o Ideam, um instituto ligado ao Sistema Nacional Ambiental colombiano, novas “trochas” têm sido criadas. Esses caminhos clandestinos atravessam a fronteira em locais inóspitos ou de florestas, longe dos centros de controle fronteiriço. A passagem clandestina de guerrilheiros de um país a outro se dá por essas vias.

“Colhemos informação das comunidades da região. Elas nos contam que são os guerrilheiros que estão abrindo mais ‘trochas’ e ampliando as que já existem”, afirma Ederson Cabrera, do Ideam.

Já outra ONG, Paz & Reconciliación, vem fazendo um levantamento de recrutamentos organizados pelos insurgentes na fronteira. Segundo a ONG, os que mais recrutam são os do ELN, prometendo aos que cruzam a fronteira falsos trabalhos ou locais para se hospedar e conseguir comida.

De acordo com a FundaRedes, em 2018, 1.068 venezuelanos desapareceram tentando cruzar a divisa até a Colômbia. A ONG diz crer que muitos deles podem ter sido recrutados pelo ELN.

Nos últimos meses, os alertas se intensificaram, porque os líderes Gentil Duarte (ex-Farc) e Gustavo Aníbal Giraldo, conhecido como ‘Pablito’ (ELN), foram localizados pelas Forças Armadas colombianas nos estados venezuelanos de Amazonas e de Apure. Ambos estariam controlando as ações de seus grupos a partir daí, onde estão escondidos e protegidos pelas autoridades venezuelanas.

Com o rompimento de relações que Maduro decretou com a Colômbia, não é possível mais pedir permissão ao governo venezuelano para buscar esses criminosos do outro lado da fronteira, muito menos pedir colaboração, como já ocorreu no passado.

“A presença de ambas as guerrilhas colombianas na Venezuela é antiga, remonta aos anos 1970, mas ganhou força durante a gestão de Hugo Chávez (1999-2013), que via nesses grupos afinidades ideológicas”, diz à Folha o cientista político Juan Gabriel Tokatlian.

“Com Maduro, houve dois momentos. Um em que, na tentativa de ter a Colômbia como amiga diplomática, Maduro ajudou Juan Manuel Santos nas negociações do acordo de paz com as Farc. Agora que se vê acuado, Maduro considera essas forças acampadas em território venezuelano um escudo contra uma possível ameaça internacional.”

A Farc (Força Alternativa Revolucionária do Comum), hoje um partido político com dez cadeiras no Congresso, renega seus dissidentes. Um de seus líderes, Iván Márquez, afirmou que eles estariam proibidos de usar o nome Farc, pois a ex-guerrilha agora usa a sigla para identificar o partido político.

Os homens a mando de Gentil Duarte estão mais focados em manter as antigas rotas de narcotráfico do qual a guerrilha se alimentou por muitos anos.

Conhecido por ter muitos contatos, Duarte tem dialogado com o cartel mexicano de Sinaloa, que leva a droga da Colômbia até os EUA, e com grupos de crime organizado brasileiros, equatorianos e peruanos.

Já o ELN, com presença em 12 dos 24 Estados da Venezuela, realiza ações de apoio mais direto à ditadura de Maduro, ajudando, por exemplo, na distribuição de cestas básicas e de outros benefícios do governo à populaçao.

“O poder deles é enorme. Estão na mineração ilegal, recrutam venezuelanos que tentam fugir do país, controlam os moradores pelo uso da força”, afirma a líder opositora venezuelana María Corina Machado.
Tanto nos acampamentos do ELN quanto nos da ex-Farc na Venezuela foram reportadas a presença de oficiais da Guarda Nacional Bolivariana e do Sebin (serviço de inteligência venezuelano), que vai a esses lugares para receber treinamento das duas guerrilhas mais experientes da América Latina.

“Aprendem as técnicas, depois usam contra o povo venezuelano. Nós registramos agentes da Força de Ações Especiais da Venezuela nos campos da guerrilha”, afirma Javier Tarazona, da FundaRedes.

Para Tokatlian, “a presença da insurgência dá a Maduro uma segurança de que a Colômbia não avançaria tão facilmente sobre seu território”.

“[O presidente colombiano] Iván Duque cometeu muitos erros para não merecer mais a confiança dos ex-guerrilheiros das Farc e do ELN ao querer limitar a Justiça Especial aos primeiros, e ao interromper o diálogo com o segundo. A situação ficou mais grave devido às suas decisões políticas equivocadas”, diz Tokatlian.

16 de abril de 2019

BOLSONARO É A VELHA DIREITA E MERECE NOTA 6 ATÉ AGORA!

(Folha de S.Paulo, 15) O ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador, Cesar Maia (DEM), dá nota seis —ou seis e meio— para os cem primeiros dias de governo de Jair Bolsonaro (PSDB). Na entrevista à Folha, concedida neste domingo (14), ele também chama o presidente de líder sindical e representante da velha direita.

Pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o ex-prefeito do Rio critica a articulação política de Bolsonaro. Para ele, é uma confusão. Cesar também questionou a capacidade do presidente de escalação de ministros. “Qual é a informação Bolsonaro acumulou para fazer as escolhas certas?”

Na semana passada, a Procuradoria-geral da República remeteu ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedido de prorrogação do inquérito sobre Cesar Maia e seu filho. Perícia da PF encontrou, no sistema da Odebrecht, registro de pagamento de R$ 1,5 milhão aos dois.

Folha de S.Paulo: Na semana passada, foi remetido ao Supremo um relatório de janeiro da Polícia Federal indicando repasses da Odebrecht para o sr e seu filho. Acha que é retaliação?
Cesar Maia: São procedimentos. A gente sabia desses prazos. Ficávamos torcendo para a [Raquel] Dodge —ou, agora, o [Edson] Fachin— entender que aquilo era uma porcariazinha de caixa dois. Aí, não encaminha para frente e arquiva. Vários foram arquivados assim, né? A gente estava com expectativa de arquivamento. Mas tinha que acontecer.

F: Foi prorrogada a investigação. Mas o senhor tinha a expectativa que fosse arquivado.
CM: Todo réu em potencial acha que vai ser arquivado. Primeiro eu já não era prefeito. Eles falam 2008, 2010 e 2014. Um deles era meu último ano de governo e eles acusam meu chefe de gabinete de ter pedido dinheiro para a campanha da Solange Amaral. Eu nem sabia. Até porque eles eram proibidos por mim e por lei. Quem está no governo não pode fazer campanha eleitoral. Eles falam que teria sido feito pedido a Odebrecht para ajudar, por caixa dois, a campanha de senador. Eu era candidato porque o partido me pedia. Não tratava de captação de recursos.

F: Como o sr avalia articulação do governo Bolsonaro?
CM: Parece que está começando agora. O Bolsonaro disse que a aprovação da reforma era coisa do Congresso. Mas passou. É um projeto de lei dele e o Poder Executivo tem que capitanear, articular.

F: O presidente finalmente está assumindo a responsabilidade?
CM: Obrigatoriamente. Como o Rodrigo disse, a responsabilidade é dele. E ele vai ter que chamar os líderes para conversar. Perderam prazos, perderam tempo. Uma coisa que já deveria ter sido votada pela CCJ vai ser votada na semana que vem, se for.

F: A intenção era votar antes da Páscoa. Mas o Rodrigo Maia definiu que, nesta semana, terá o Orçamento impositivo…
CM: Os jornais publicaram um estudo da relação de poder entre Legislativo e Executivo. O Brasil era o segundo onde o Executivo tinha mais poder sobre o Legislativo em uma lista de, sei lá, 30 países. O caso do Brasil era um caso de 91%, um número desses. O que está acontecendo e vai acontecer —e seria inevitável, fosse o Bolsonaro, fosse quem fosse— é que o Legislativo vai dizer “nesse número não pode ficar. Vamos reduzir para 70%”.  Uma primeira medida é o Orçamento impositivo.

F: Mas teve um mal-estar porque o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), disse ter acertado com o Rodrigo que a Previdência seria antes.
CM: O Onyx não é exatamente um articulador. Era um deputado nosso, do PFL. Representava a indústria de armas do Rio Grande do Sul. E teve uma bobeira ali em que os procuradores apresentam as leis de anticorrupção. Ninguém sabe por que o Onix foi nomeado relator. Uma vez relator, ele resolveu ser o representante dos procuradores. Nem no Supremo passava aquele relatório dele… O Legislativo, não é o Rodrigo, é qualquer que estivesse ali, tem que pensar que outras medidas precisa tomar de maneira a reduzir a disparidade de poder entre Executivo e Legislativo. Só no Brasil, um país democrático, se tem esses instrumentos. Esses vão ser rediscutidos.

F: Quais?
CM: Medidas Provisórias, por exemplo. Isso gera consenso no Congresso. Viu o que aconteceu com o Orçamento impositivo? Não tinha direita e esquerda. Coisas desse tipo, que extrapolam o poder do Executivo sobre o Legislativo, tendem a ser corrigidas.

F: Se até hoje não mudou, por que teria essa uma tendência?
CM: É o momento em que o perfil do Executivo não gera expectativas de diálogo por parte do Legislativo. E é verdade. Qual expectativa pode ter um deputado ou outro? Quem é que fala em nome do presidente? Hoje um major [Vitor Hugo (PSL-GO)] diz que o Rodrigo é o primeiro-ministro. Está louco. Esse é um líder do partido dele. Isso é uma confusão.

F: O sr. acha que, obrigatoriamente, tem que deter essas medidas porque não existe diálogo com o governo Bolsonaro?
CM: Isso leva a deputados e senadores terem ideias e proporem dentro do Legislativo porque eles se sentem “desempoderados”. Propõem medidas que possam corrigir essa distorção.

F: O sr. fala do Onyx. Mas ele é o canal.
CM: Ele cumpriu aquela função junto ao conjunto de procuradores e ganhou a confiança do Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito pela Lava Jato. Não tem nada a ver com rede social… A Lava Jato que empurrou o Bolsonaro para a vitória. Agora ele tem que se lembrar que a Lava Jato não é um Poder Legislativo. Na hora que a Lava Jato está dentro do governo e que vai tomar medidas, tem que ter tramitação. Ele deve chiar “porra, não se pode governar”. Mas, tendo a experiência de governo, ele vai ter que se ajustar.

F: O Bolsonaro foi deputado.
CM: Mas era um líder sindical. Foram sete mandatos. Ele representa os militares e os policiais. Era só isso que fazia. Quando eu era deputado, fui procurado por almirantes me pedindo que fosse elaborado um projeto de Lei criando uma gratificação de militares em geral. Eu disse que era inconstitucional. “Não vai passar. Mas vai ser discutido”. Apresentei. Aí, o Bolsonaro veio me procurar. “Está querendo entrar na minha área?” Ele não foi descortês. Mas estava muito nervoso. Assim que ele se comportava quando alguém entrava no campo dele. Ele representa isso. O que aconteceu com os caminhoneiros? Ele é um líder sindical dos caminhoneiros e foi lá. Ele andava atrás dos caminhões, cumprimentava a gente, levava cafezinho… É assim que ele funciona.

F: O que o senhor achou do controle do preço do Diesel?
CM: Mostra amadorismo. Custava esperar o Paulo Guedes voltar? Isso gera uma expectativa de que pressão pode produzir resultado junto ao presidente. A própria reforma agora.

F: Dá para passar a reforma da Previdência como está?
CM: Achava isso. Agora não sei. Essa confusão de quem faz coordenação, declaração dos líderes de governo… Esse tipo de confusão que foi produzida tem que se exigir atenção.

F: O sr. diz que há uma tentativa de articulação do presidente com o Congresso, mas que há uma desarticulação…
CM: A articulação é uma questão rápida. Quem é que conduz esse processo? Eles têm os dois presidentes da Casa, o ministro da Fazenda poderoso, o próprio Moro. Precisam escolher os quadros que vão fazer o trabalho de jantar, de almoçar…

F: O sr. foi exilado, preso político no Chile. Como vê essa tentativa do presidente de revisão histórica, querendo comemorar o golpe de 64?
CM: Ele não entendeu. Há uns quatro, cinco anos atrás, estava lendo a respeito da nova direita brasileira. Que Olavo [de Carvalho] é apenas um personagem. Nesses estudos havia um ponto em comum, que a direita ia continuar a crescer. Mas sempre dissociada do golpe de 64. A associação com o golpe de 64 tirava força dessa nova direita. Para que introduzir um tema que dificulta você ser um novo líder da direita? O Bolsonaro é um antigo líder da direita na hora em que toca esse tema. Ele vai ao Chile, ele e Onyx, e elogiam o Pinochet. Ninguém no Chile elogia o Pinochet. Ele vai a Israel e usa uma expressão considerada absurda pelos judeus [de que seria possível perdoar o Holocausto]. Pode ter falado uma besteira dessas? Então, ele vai sendo a velha direita. Assim como ele fala da nova política, da velha política, Bolsonaro é a velha direita.

F: Mas o sr. acha que ele, ao menos, pode encarnar a nova política?
CM: Se estou dizendo que as declarações desmedidas que ele tomou são da velha direita, ele não pode ser a nova política. Nova política é não nomear indicados por deputados? Isso é um nada.

F: Há alguém que encarne essa nova direita aqui?
CM: O Rodrigo poderia ser. Ele está sendo firme, está sendo coerente. Ele está trabalhando isso no ponto de vista de imagem. Os convites que tem recebido, como presidente da Câmara, para ir ao exterior, são muitos. E o Rodrigo não fala inglês. Ele balbucia inglês. Isso tira dele mobilidade. Sabe disso. Disse que vai fazer um intensivão.

F: O sr. acredita em seu potencial de articulação, diz que tem capacidade de ouvir. Acha que o credencia para a Presidência?
CM: Ainda não. Até porque o estilo dele não é de produzir impactos populares. Ao contrário. Fez uma campanha eleitoral aqui, com todos os riscos, defendendo reformas liberais e teve uma votação proporcional ao que defendeu: 70 mil votos. Não precisou fazer uma campanha populista.

F: Muitas vezes as promessas de campanha de Bolsonaro eram incompatíveis com a tese de redução de gastos.
CM: Não tinham nada que ver as ideias do Bolsonaro com a eleição dele. Era o Lava Jato. O que é o governo do Bolsonaro? São quatro vetores: econômico-financeiro, Paulo Guedes; segurança, Moro; um grupo administrativo, que é muito bom, de militares dentro do Planalto; e o quarto um pouco solto. Uma boa ministra da Agricultura; por enquanto, um bom ministro da Saúde. E, enfim, essas coisas que a gente está vendo por aí. O quarto grupo é disperso.

F: O que o sr. diria desses cem primeiros dias do governo?
CM: Que a expectativa que se tinha foi frustrada. As ideias basilares que estavam nutrindo o Bolsonaro não foram aplicadas.

F: E o que acha das críticas do Olavo de Carvalho aos militares?
CM: Ele não entendeu direito o sucesso dele. O sucesso subiu à cabeça. Ele passou a achar uma coisa que não é, que é um influenciador do governo. Não é. Ele é influenciador do ministro da Fazenda? Do Moro? Ele é influenciador de quê? Do ministro das Relações Exteriores? Para baixo, né?

F: Como assim para baixo?
CM: Essa sempre foi uma área em que o Brasil teve um destaque muito grande. De repente entra esse personagem e a política externa vira alvo de desconfiança. Está todo mundo perplexo [elogia chanceleres dos governos petistas, e o assessor especial Marco Aurélio Garcia]. Agora, parece que o articulador é o deputado filho do Bolsonaro. Mas articulador de quê? De elogiar os Estados Unidos? O que o Eduardo Bolsonaro tem a dizer a respeito da América Latina, do México? Nada. Tem elogios ao Trump. Será que alguma coisa que Bolsonaro tem dito no exterior tem ajudado o governo? Agora ele vai conversar com Macri, que está com uma baixa popularidade.

F: Que está em queda.
CM: Nosso líder liberal Macri, com inflação lá em cima. Agora, vai enfrentar uma greve geral. Os caminhoneiros param o país todo. E ele vai lá. Falta de informação também. É um homem inteligente. Não tenho dúvida. É o presidente da República. Mas é culto? Não. Tem cultura política? Não. Bolsonaro ficou esses anos todos aí como deputado. Que atividade internacional foi a dele?

F: Ele pode delegar.
CM: Para delegar, tem que saber o que e para quem. Em um pais como Brasil, em uma América Latina confusa como essa, não saber a quem delegar e como…

F: Acredita que ele escalou mal os ministros?
CM: Disse que são três vetores: economia, segurança e a parte administrativa entregue aos militares. Isso está muito bem. É o que segura. Aí são pontos.

F: O que o sr. acha dessa opção por se manifestar pelas redes sociais? O Carlos Bolsonaro teve um embate pesado com o Rodrigo.
CM: E daí? Você acha que isso gerou algum tipo de formação de opinião? Claro que uma coisa inusitada como essa, a imprensa dá uma relevância muito grande. Qual é a importância disso para o governo?

F: Fica complicado para articulação quando o filho do presidente faz contrapontos nas redes sociais ao presidente da Câmara em um momento tão delicado.
CM: Será que é ele mesmo? Será que jantam junto e o pai não dá um empurra, “já que eu não posso falar, fala você”? Qual é a permanência disso?

F: O sr. acha que os posts do Carlos refletem o pensamento do pai?
CM: Não sei porque não conheço os posts do Carlos. Não dou relevância a isso. Não acho que é um personagem. Não estou dizendo que não seja, Mas não acho que seja um personagem político relevante. Acho que essa intensidade termina não ajudando o pai.

F: O sr. dá uma nota para esses primeiros cem dias do governo Bolsonaro?
CM: Estou dizendo que existem três vetores positivos. Como são muito importantes, vamos dizer nota seis, nota seis e meio? Graças a esses três vetores.

Bolsonaro é a velha direita e merece nota 6 até agora, diz Cesar Maia

CM azul

O ex-prefeito do Rio de Janeiro e hoje vereador, Cesar Maia (DEM), dá nota seis —ou seis e meio— para os cem primeiros dias de governo de Jair Bolsonaro (PSDB). Na entrevista à Folha, concedida neste domingo (14), ele também chama o presidente de líder sindical e representante da velha direita.

Pai do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), o ex-prefeito do Rio critica a articulação política de Bolsonaro. Para ele, é uma confusão. Cesar também questionou a capacidade do presidente de escalação de ministros. “Qual é a informação Bolsonaro acumulou para fazer as escolhas certas?”

Na semana passada, a Procuradoria-geral da República remeteu ao STF (Supremo Tribunal Federal) pedido de prorrogação do inquérito sobre Cesar Maia e seu filho. Perícia da PF encontrou, no sistema da Odebrecht, registro de pagamento de R$ 1,5 milhão aos dois.

Folha de S.Paulo: Na semana passada, foi remetido ao Supremo um relatório de janeiro da Polícia Federal indicando repasses da Odebrecht para o sr e seu filho. Acha que é retaliação?
Cesar Maia: São procedimentos. A gente sabia desses prazos. Ficávamos torcendo para a [Raquel] Dodge —ou, agora, o [Edson] Fachin— entender que aquilo era uma porcariazinha de caixa dois. Aí, não encaminha para frente e arquiva. Vários foram arquivados assim, né? A gente estava com expectativa de arquivamento. Mas tinha que acontecer.

F: Foi prorrogada a investigação. Mas o senhor tinha a expectativa que fosse arquivado.
CM: Todo réu em potencial acha que vai ser arquivado. Primeiro eu já não era prefeito. Eles falam 2008, 2010 e 2014. Um deles era meu último ano de governo e eles acusam meu chefe de gabinete de ter pedido dinheiro para a campanha da Solange Amaral. Eu nem sabia. Até porque eles eram proibidos por mim e por lei. Quem está no governo não pode fazer campanha eleitoral. Eles falam que teria sido feito pedido a Odebrecht para ajudar, por caixa dois, a campanha de senador. Eu era candidato porque o partido me pedia. Não tratava de captação de recursos.

F: Como o sr avalia articulação do governo Bolsonaro?
CM: Parece que está começando agora. O Bolsonaro disse que a aprovação da reforma era coisa do Congresso. Mas passou. É um projeto de lei dele e o Poder Executivo tem que capitanear, articular.

F: O presidente finalmente está assumindo a responsabilidade?
CM: Obrigatoriamente. Como o Rodrigo disse, a responsabilidade é dele. E ele vai ter que chamar os líderes para conversar. Perderam prazos, perderam tempo. Uma coisa que já deveria ter sido votada pela CCJ vai ser votada na semana que vem, se for.

F: A intenção era votar antes da Páscoa. Mas o Rodrigo Maia definiu que, nesta semana, terá o Orçamento impositivo…
CM: Os jornais publicaram um estudo da relação de poder entre Legislativo e Executivo. O Brasil era o segundo onde o Executivo tinha mais poder sobre o Legislativo em uma lista de, sei lá, 30 países. O caso do Brasil era um caso de 91%, um número desses. O que está acontecendo e vai acontecer —e seria inevitável, fosse o Bolsonaro, fosse quem fosse— é que o Legislativo vai dizer “nesse número não pode ficar. Vamos reduzir para 70%”.  Uma primeira medida é o Orçamento impositivo.

F: Mas teve um mal-estar porque o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), disse ter acertado com o Rodrigo que a Previdência seria antes.
CM: O Onyx não é exatamente um articulador. Era um deputado nosso, do PFL. Representava a indústria de armas do Rio Grande do Sul. E teve uma bobeira ali em que os procuradores apresentam as leis de anticorrupção. Ninguém sabe por que o Onix foi nomeado relator. Uma vez relator, ele resolveu ser o representante dos procuradores. Nem no Supremo passava aquele relatório dele… O Legislativo, não é o Rodrigo, é qualquer que estivesse ali, tem que pensar que outras medidas precisa tomar de maneira a reduzir a disparidade de poder entre Executivo e Legislativo. Só no Brasil, um país democrático, se tem esses instrumentos. Esses vão ser rediscutidos.

F: Quais?
CM: Medidas Provisórias, por exemplo. Isso gera consenso no Congresso. Viu o que aconteceu com o Orçamento impositivo? Não tinha direita e esquerda. Coisas desse tipo, que extrapolam o poder do Executivo sobre o Legislativo, tendem a ser corrigidas.

F: Se até hoje não mudou, por que teria essa uma tendência?
CM: É o momento em que o perfil do Executivo não gera expectativas de diálogo por parte do Legislativo. E é verdade. Qual expectativa pode ter um deputado ou outro? Quem é que fala em nome do presidente? Hoje um major [Vitor Hugo (PSL-GO)] diz que o Rodrigo é o primeiro-ministro. Está louco. Esse é um líder do partido dele. Isso é uma confusão.

F: O sr. acha que, obrigatoriamente, tem que deter essas medidas porque não existe diálogo com o governo Bolsonaro?
CM: Isso leva a deputados e senadores terem ideias e proporem dentro do Legislativo porque eles se sentem “desempoderados”. Propõem medidas que possam corrigir essa distorção.

F: O sr. fala do Onyx. Mas ele é o canal.
CM: Ele cumpriu aquela função junto ao conjunto de procuradores e ganhou a confiança do Bolsonaro. O Bolsonaro foi eleito pela Lava Jato. Não tem nada a ver com rede social… A Lava Jato que empurrou o Bolsonaro para a vitória. Agora ele tem que se lembrar que a Lava Jato não é um Poder Legislativo. Na hora que a Lava Jato está dentro do governo e que vai tomar medidas, tem que ter tramitação. Ele deve chiar “porra, não se pode governar”. Mas, tendo a experiência de governo, ele vai ter que se ajustar.

F: O Bolsonaro foi deputado.
CM: Mas era um líder sindical. Foram sete mandatos. Ele representa os militares e os policiais. Era só isso que fazia. Quando eu era deputado, fui procurado por almirantes me pedindo que fosse elaborado um projeto de Lei criando uma gratificação de militares em geral. Eu disse que era inconstitucional. “Não vai passar. Mas vai ser discutido”. Apresentei. Aí, o Bolsonaro veio me procurar. “Está querendo entrar na minha área?” Ele não foi descortês. Mas estava muito nervoso. Assim que ele se comportava quando alguém entrava no campo dele. Ele representa isso. O que aconteceu com os caminhoneiros? Ele é um líder sindical dos caminhoneiros e foi lá. Ele andava atrás dos caminhões, cumprimentava a gente, levava cafezinho… É assim que ele funciona.

F: O que o senhor achou do controle do preço do Diesel?
CM: Mostra amadorismo. Custava esperar o Paulo Guedes voltar? Isso gera uma expectativa de que pressão pode produzir resultado junto ao presidente. A própria reforma agora.

F: Dá para passar a reforma da Previdência como está?
CM: Achava isso. Agora não sei. Essa confusão de quem faz coordenação, declaração dos líderes de governo… Esse tipo de confusão que foi produzida tem que se exigir atenção.

F: O sr. diz que há uma tentativa de articulação do presidente com o Congresso, mas que há uma desarticulação…
CM: A articulação é uma questão rápida. Quem é que conduz esse processo? Eles têm os dois presidentes da Casa, o ministro da Fazenda poderoso, o próprio Moro. Precisam escolher os quadros que vão fazer o trabalho de jantar, de almoçar…

F: O sr. foi exilado, preso político no Chile. Como vê essa tentativa do presidente de revisão histórica, querendo comemorar o golpe de 64?
CM: Ele não entendeu. Há uns quatro, cinco anos atrás, estava lendo a respeito da nova direita brasileira. Que Olavo [de Carvalho] é apenas um personagem. Nesses estudos havia um ponto em comum, que a direita ia continuar a crescer. Mas sempre dissociada do golpe de 64. A associação com o golpe de 64 tirava força dessa nova direita. Para que introduzir um tema que dificulta você ser um novo líder da direita? O Bolsonaro é um antigo líder da direita na hora em que toca esse tema. Ele vai ao Chile, ele e Onyx, e elogiam o Pinochet. Ninguém no Chile elogia o Pinochet. Ele vai a Israel e usa uma expressão considerada absurda pelos judeus [de que seria possível perdoar o Holocausto]. Pode ter falado uma besteira dessas? Então, ele vai sendo a velha direita. Assim como ele fala da nova política, da velha política, Bolsonaro é a velha direita.

F: Mas o sr. acha que ele, ao menos, pode encarnar a nova política?
CM: Se estou dizendo que as declarações desmedidas que ele tomou são da velha direita, ele não pode ser a nova política. Nova política é não nomear indicados por deputados? Isso é um nada.

F: Há alguém que encarne essa nova direita aqui?
CM: O Rodrigo poderia ser. Ele está sendo firme, está sendo coerente. Ele está trabalhando isso no ponto de vista de imagem. Os convites que tem recebido, como presidente da Câmara, para ir ao exterior, são muitos. E o Rodrigo não fala inglês. Ele balbucia inglês. Isso tira dele mobilidade. Sabe disso. Disse que vai fazer um intensivão.

F: O sr. acredita em seu potencial de articulação, diz que tem capacidade de ouvir. Acha que o credencia para a Presidência?
CM: Ainda não. Até porque o estilo dele não é de produzir impactos populares. Ao contrário. Fez uma campanha eleitoral aqui, com todos os riscos, defendendo reformas liberais e teve uma votação proporcional ao que defendeu: 70 mil votos. Não precisou fazer uma campanha populista.

F: Muitas vezes as promessas de campanha de Bolsonaro eram incompatíveis com a tese de redução de gastos.
CM: Não tinham nada que ver as ideias do Bolsonaro com a eleição dele. Era o Lava Jato. O que é o governo do Bolsonaro? São quatro vetores: econômico-financeiro, Paulo Guedes; segurança, Moro; um grupo administrativo, que é muito bom, de militares dentro do Planalto; e o quarto um pouco solto. Uma boa ministra da Agricultura; por enquanto, um bom ministro da Saúde. E, enfim, essas coisas que a gente está vendo por aí. O quarto grupo é disperso.

F: O que o sr. diria desses cem primeiros dias do governo?
CM: Que a expectativa que se tinha foi frustrada. As ideias basilares que estavam nutrindo o Bolsonaro não foram aplicadas.

F: E o que acha das críticas do Olavo de Carvalho aos militares?
CM: Ele não entendeu direito o sucesso dele. O sucesso subiu à cabeça. Ele passou a achar uma coisa que não é, que é um influenciador do governo. Não é. Ele é influenciador do ministro da Fazenda? Do Moro? Ele é influenciador de quê? Do ministro das Relações Exteriores? Para baixo, né?

F: Como assim para baixo?
CM: Essa sempre foi uma área em que o Brasil teve um destaque muito grande. De repente entra esse personagem e a política externa vira alvo de desconfiança. Está todo mundo perplexo [elogia chanceleres dos governos petistas, e o assessor especial Marco Aurélio Garcia]. Agora, parece que o articulador é o deputado filho do Bolsonaro. Mas articulador de quê? De elogiar os Estados Unidos? O que o Eduardo Bolsonaro tem a dizer a respeito da América Latina, do México? Nada. Tem elogios ao Trump. Será que alguma coisa que Bolsonaro tem dito no exterior tem ajudado o governo? Agora ele vai conversar com Macri, que está com uma baixa popularidade.

F: Que está em queda.
CM: Nosso líder liberal Macri, com inflação lá em cima. Agora, vai enfrentar uma greve geral. Os caminhoneiros param o país todo. E ele vai lá. Falta de informação também. É um homem inteligente. Não tenho dúvida. É o presidente da República. Mas é culto? Não. Tem cultura política? Não. Bolsonaro ficou esses anos todos aí como deputado. Que atividade internacional foi a dele?

F: Ele pode delegar.
CM: Para delegar, tem que saber o que e para quem. Em um pais como Brasil, em uma América Latina confusa como essa, não saber a quem delegar e como…

F: Acredita que ele escalou mal os ministros?
CM: Disse que são três vetores: economia, segurança e a parte administrativa entregue aos militares. Isso está muito bem. É o que segura. Aí são pontos.

F: O que o sr. acha dessa opção por se manifestar pelas redes sociais? O Carlos Bolsonaro teve um embate pesado com o Rodrigo.
CM: E daí? Você acha que isso gerou algum tipo de formação de opinião? Claro que uma coisa inusitada como essa, a imprensa dá uma relevância muito grande. Qual é a importância disso para o governo?

F: Fica complicado para articulação quando o filho do presidente faz contrapontos nas redes sociais ao presidente da Câmara em um momento tão delicado.
CM: Será que é ele mesmo? Será que jantam junto e o pai não dá um empurra, “já que eu não posso falar, fala você”? Qual é a permanência disso?

F: O sr. acha que os posts do Carlos refletem o pensamento do pai?
CM: Não sei porque não conheço os posts do Carlos. Não dou relevância a isso. Não acho que é um personagem. Não estou dizendo que não seja, Mas não acho que seja um personagem político relevante. Acho que essa intensidade termina não ajudando o pai.

F: O sr. dá uma nota para esses primeiros cem dias do governo Bolsonaro?
CM: Estou dizendo que existem três vetores positivos. Como são muito importantes, vamos dizer nota seis, nota seis e meio? Graças a esses três vetores.