31 de janeiro de 2020

VOCÊ PERDERÁ SEU EMPREGO PARA A AUTOMAÇÃO?!

(José Pastore  – O Estado de S. Paulo, 30) Os estudos sobre os impactos das tecnologias sobre o trabalho são contraditórios. Ao lado dos catastrofistas que preveem uma grande destruição de empregos nos próximos dez anos (Carl B. Frey e Michael A. Osborne, The future of employment, 2013), há os otimistas que enxergam mais empregos gerados do que eliminados (Philippe Aghion e colaboradores, What are the labor and product market effects of automation?, 2020).

Na semana passada, os especialistas reunidos no Fórum Econômico Mundial assumiram duas posições realistas. Na primeira, reconheceram haver um consenso sobre a necessidade de requalificar os trabalhadores para o mundo do futuro. Na segunda, apontaram a importância da participação das empresas nesse processo. E, de modo ousado, lançaram a meta de requalificar 1 bilhão de trabalhadores entre 2020 e 2030!

Durante o encontro foram citados vários exemplos de participação das empresas, tais como o movimento Pledge to America’s Workers, nos Estados Unidos, no qual 400 firmas estão requalificando 15 milhões de trabalhadores; o programa de requalificação da British Telecom (BT), que faz o mesmo com 10 milhões de profissionais; e a empresa PwC, que está investindo US$ 3 bilhões em requalificação de funcionários e usuários de seus serviços.

No processo de requalificação há um componente de urgência, porque as mudanças são meteóricas. Entre 2020 e 2022, estima-se que 42% dos conhecimentos requeridos pelas profissões atuais serão modificados. As exigências aumentarão nos campos do raciocínio, da tomada de decisões, da capacidade para trabalhar em grupo e habilidade para transferir conhecimentos de uma área para outra. Será crucial saber pensar, e pensar bem.

Neste novo mundo o conhecimento tomará lugar do diploma. E a aquisição do conhecimento virá de um processo contínuo no qual os trabalhadores ficarão em treinamento a vida toda. Para tanto, será indispensável uma boa articulação das empresas com as escolas e as ações dos governos. É um processo caro, que exigirá muitos bilhões de dólares. Mas, adverte-se, a inação custará mais caro: a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que, se a requalificação não for feita, os países do G-20 perderão US$ 11 trilhões na próxima década.

Ao lado dessa gigantesca perda econômica, há outra, ainda maior e de natureza política. Na ausência da referida requalificação, os trabalhadores ficarão sujeitos ao desemprego ou ao trabalho precário, com renda baixa e sem perspectiva de melhoria. Isso gera um descontentamento generalizado que deságua frequentemente no questionamento do sistema capitalista e no surgimento de líderes populistas que põem em risco a própria democracia. Não faltam exemplos na atualidade.

Convenhamos, se deixarmos para as próprias pessoas resolverem esses problemas dizendo que elas têm de se ajustar por si mesmas, abriremos a porta para as demagogias e a insegurança. Daí a necessidade inarredável da requalificação como processo contínuo. É um desafio gigantesco.

No Brasil temos, ainda, a missão de melhorar a qualidade do ensino convencional em vários níveis. Entretanto, não podemos parar nisso. Felizmente, já há algumas empresas bem atentas e que vêm implementando programas de requalificação profissional como rotina. Cito como exemplos a Embraer, a IBM e vários bancos. Em Santa Catarina, 260 empresas trabalham em parceria com Sesi, Sesc, Senai e Senac na qualificação e requalificação dos seus empregados). Esses exemplos precisam se multiplicar. Afinal, a Revolução 5.0 está na esquina.

30 de janeiro de 2020

SELIC A 4%?!

(Fábio Alves – O Estado de S. Paulo, 29) O pânico nos mercados no início desta semana com o risco de epidemia global do coronavírus deve levar o Copom a não somente cortar a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para a mínima histórica de 4,25%, na sua próxima reunião, nos dias 4 e 5 de fevereiro, como também a manter a porta aberta para uma redução adicional no seu encontro seguinte, em março.

Os investidores já estão precificando ao redor de 80% de probabilidade de um novo corte de juros na reunião do Copom de fevereiro, uma vez que o choque no preço das carnes começa a se dissipar e as projeções de inflação para 2020 continuam recuando.

Na última pesquisa Focus, a estimativa para o IPCA em 2020 caiu de 3,56% para 3,47%, bem abaixo da meta de inflação para este ano, de 4,0%. A previsão de inflação em 2020 pode recuar mais ainda, uma vez que a projeção para o IPCA em fevereiro cedeu de 0,37% para 0,30% e a de março, de 0,30% para 0,27%. E a estimativa para a taxa Selic no fim deste ano caiu de 4,50% para 4,25%.

Muitos analistas consideram que, após o esperado corte da Selic na reunião da próxima semana, o comunicado do Copom poderia passar o recado de que o ciclo de afrouxamento monetário terá chegado ao fim. Há até quem especule que a decisão do Copom não será unânime, com diretores votando para a manutenção dos juros em 4,50%, como forma de sinalizar o fim desse ciclo após um corte final de 0,25 ponto.

O impacto da disseminação do coronavírus na economia da China, maior parceiro comercial do Brasil, e por tabela no PIB mundial, é o elemento novo que o Banco Central tem de avaliar desde a última reunião do Copom para o balanço de risco da inflação. A palavra-chave é incerteza. Isso porque não se sabe qual será a magnitude do impacto que o coronavírus terá, de fato, sobre o PIB chinês e mundial, tampouco quanto tempo vai durar esse efeito negativo.

A consultoria inglesa Capital Economics, por exemplo, acredita que a disseminação do coronavírus terá um impacto na economia chinesa semelhante ao causado, em 2003, pela epidemia da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), mesmo que seja controlada rapidamente.

Naquela ocasião, nos cálculos da Capital Economics, a Sars reduziu o PIB chinês em três pontos porcentuais no trimestre mais afetado. Todavia, a consultoria inglesa admite que o impacto total que acarretará o coronavírus é, por enquanto, difícil de prever.

Outros analistas concordam: haverá uma redução no crescimento global em razão do coronavírus, mas a magnitude e a duração desse impacto são incertos. Wuhan, epicentro da disseminação do coronavírus, é a capital da província chinesa de Hubei, região importantíssima na cadeia global da produção de automóveis e semicondutores, entre outros produtos.

O reflexo desse temor já pode ser percebido nos preços das principais commodities, diante da perspectiva de uma queda na demanda mundial. Na segunda-feira, o preço do petróleo fechou em queda pela quinta sessão de negócios consecutiva, com o barril do óleo WTI caindo para US$ 53,14, menor nível em mais de três meses.

Aumentou o risco de que a recuperação da economia mundial seja mais modesta do que se imaginava em 2020. Assim, o efeito negativo sobre a economia mundial e também sobre os preços de matérias-primas resultaria num impacto desinflacionário para o Brasil, ou seja, as projeções do IPCA para o ano podem seguir caindo.

Por outro lado, é preciso ver como o efeito negativo global do coronavírus terá sobre o câmbio no Brasil. O dólar chegou a bater em R$ 4,23 no auge do nervosismo, mas recuava desse patamar ontem. Mas é importante lembrar que o repasse do câmbio nos preços tem sido mais baixo nos últimos anos.

No novo cenário para o crescimento global e preços de commodities, com efeito desinflacionário, seria imprudente o Copom dar por encerrado, de forma peremptória, o ciclo de corte de juros após a redução de 0,25 ponto esperada para a semana que vem. Os acontecimentos poderiam forçá-lo a rever essa sinalização. Aliás, na fotografia atual, é cada vez mais provável uma redução adicional da Selic em março, para 4,0%.

29 de janeiro de 2020

O HERÓI QUE REVELOU O TERROR DE AUSCHWITZ!

(The Washington Post/O Estado de S.Paulo, 28) Foi só nos anos 90 que Zofia e Andrzej Pilecki descobriram que o pai era um herói. Quando adolescentes na Polônia do pósguerra, foram informados de que ele era um traidor executado em 1948. Na verdade, Witold Pilecki era da resistência polonesa, mandado voluntariamente a Auschwitz para enviar mensagens secretas ao comando Aliado, tornandose o primeiro a alertar para os horrores do campo de extermínio nazista.

Auschwitz lembrou ontem dos 75 anos de sua libertação. Em seu novo livro – O voluntário: um homem, um exército subterrâneo e a missão secreta para destruir Auschwitz –, o ex-correspondente de guerra Jack Fairweather revela a história do heroísmo de Pilecki.

Nascido em 1901, filho de aristocratas poloneses, ele lutou contra a invasão soviética, de 1919 a 1921, recebendo condecorações por bravura. Depois de herdar as terras da família, assumiu a vida no campo, casou-se e teve dois filhos.

Quando os nazistas invadiram a Polônia, em 1939, Pilecki foi convocado para o serviço militar. Os poloneses, porém, se renderam em menos de um mês e ele entrou na clandestinidade. “A resistência francesa é mais famosa, só que mais da metade de toda a inteligência da Europa vinha do submundo polonês”, afirma Fairweather.

No momento em que muitos poloneses se voltavam contra os judeus, Pilecki pressionou para manter a resistência polonesa como um grupo convencional com direitos iguais para todos. Foi quando ele conseguiu sua primeira grande missão: ser preso e enviado a Auschwitz.

Na época, o local era conhecido por ser um campo de trabalho nazista para prisioneiros de guerra poloneses. Pilecki deveria reunir informações sobre as condições do lugar e organizar uma célula de resistência, talvez até um levante. A missão era voluntária. Ele poderia ter recusado. Mas, em 18 de setembro de 1940, ele se meteu no meio de uma blitz da Gestapo e foi enviado para Auschwitz.

Nada poderia tê-lo preparado para a brutalidade que encontrou. Quando saltou de um trem, foi espancado com paus. Dez homens foram aleatoriamente retirados do grupo e baleados. Alguém perguntou a um preso sua profissão. Quando ele disse que era médico, foi espancado até a morte. Quem havia estudado ou era judeu acabou torturado. Os outros eram roubados, despidos, tinham a cabeça raspada, ganhavam um número e uma roupa listrada.

“Que ninguém pense que deixará este lugar vivo”, disse um guarda da SS. “As rações foram calculadas para que vocês sobrevivam apenas seis semanas.” As câmaras de gás ainda estavam sendo feitas, mas o crematório já funcionava. A única saída de Auschwitz, disse outro guarda alemão, era pela chaminé.

Foram dois anos e meio de horror. Prisioneiros passavam fome e viviam infestados de piolhos e percevejos. Surtos de tifo dizimavam o campo. Os trabalhos eram exaustivos. Em desespero, muitos roubavam migalhas uns dos outros. Alguns se matavam pulando na cerca eletrificada.

Lentamente, Pilecki organizou uma rede para distribuir comida e roupas, sabotar os planos nazistas, esconder presos feridos e doentes. A partir de outubro de 1940, eles conseguiram enviar mensagens para fora do campo por meio de presos libertados após subornos pagos pelas famílias aos guardas. O primeiro foi Aleksander Wielopolski, que memorizou um relatório preparado por Pilecki – que temia enviar informações em papel.

Wielopolski passou a mensagem à resistência, mas Pilecki nunca soube se ela havia chegado ao comando Aliado – Fairweather, porém, foi capaz de rastrear como os alertas viajaram pela Europa até chegar ao alto escalão do governo em Londres.

Sua primeira mensagem foi direta: bombardear Auschwitz – mesmo que isso significasse matar todo mundo – era um gesto de misericórdia. Londres até considerou o pedido, no início de 1941, mas desistiu. Os EUA não haviam entrado na guerra e a Força Aérea britânica tinha menos de 200 aviões, todos sem radar e sem capacidade de combustível para atingir Auschwitz.

Nos dois anos seguintes, Pilecki continuou a enviar mensagens por meio de fugas arriscadas de prisioneiros e notas passadas para fazendeiros poloneses vizinhos ao campo. Elas iam ficando cada vez mais sombrias: experiências médicas nazistas repugnantes em pacientes, execuções em massa de prisioneiros de guerra soviéticos, testes com câmaras de gás.

O campo se expandia. Trens chegavam abarrotados de judeus, que eram mortos e cremados. Centenas de milhares de homens, mulheres e crianças vinham sendo assassinados. Na primavera de 1943, estava claro que os Aliados não ajudariam os prisioneiros de Auschwitz.

Sem intervenção de fora, uma revolta nunca teria sucesso. Cada vez mais fraco e correndo risco de ser descoberto, Pilecki decidiu que era hora de partir. Demorou meses para planejar uma fuga, mas ele e dois amigos conseguiram escapar pela padaria de Auschwitz nas primeiras horas de 27 de abril. De lá, ele foi para Varsóvia, onde reencontrou a mulher e os filhos.

Pilecki voltou a atuar na resistência, mas o estresse póstraumático afetou sua vida. Ele não conseguia mais se relacionar com amigos e parentes e não parava de escrever sobre os horrores que havia testemunhado.

Os soviéticos libertaram Auschwitz em 27 de janeiro de 1945. Em menos de cinco anos, os nazistas haviam matado 1,1 milhão de pessoas no campo, a maioria judeus. A Polônia passaria os próximos 40 anos como um Estado fantoche da União Soviética. Mas Pilecki não viveu para ver. Ele permaneceu fiel à ideia de uma Polônia livre e continuou municiando a inteligência britânica. Em 1947, foi preso pelos comunistas, torturado e executado como inimigo do Estado no ano seguinte.

Os relatórios de Pilecki permaneceram escondidos nos arquivos poloneses até os anos 90, quando sua reputação começou a ser recuperada. Hoje, ele é um herói e um símbolo de como os poloneses foram forçados a enterrar suas histórias da 2.ª Guerra.

28 de janeiro de 2020

CAFÉ GANHA CONSUMIDORES E COOXUPÉ FESTEJA RESULTADO!

(O Estado de S. Paulo, 27) A Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), a maior do mundo em café, está animada com o potencial de consumo da bebida nos próximos anos. Enquanto o setor como um todo viu os resultados de 2019 serem pressionados pelos baixos preços da commodity, a empresa mineira comemora seu desempenho. O faturamento no ano que passou cresceu pelo menos 8%, para R$ 4,1 bilhões. Carlos Augusto de Melo, presidente da Cooxupé, afirma à coluna que os números ainda serão auditados, mas é possível dizer que o montante representa um recorde. “Está acontecendo um ‘boom’ de consumo na Ásia. Até o Oriente Médio passou a tomar café”, diz. As vendas internas e externas da cooperativa somaram 6,4 milhões de sacas, 21% mais que em 2018. Só as exportações saltaram 41%, para 5,5 milhões de sacas, outro recorde. » Quem guarda tem. Em 2019, ano de baixa produção, a Cooxupé recebeu de seus cooperados e produtores terceirizados 5,1 milhões de sacas de 60 quilos de café, 20,3% menos que em 2018. A cultura do café alterna um ano de grande safra com outro de menor colheita. No ano passado, o avanço nas vendas só foi possível porque havia reservas da temporada anterior, quando a entrega por parte dos cafeicultores alcançou 6,4 milhões de sacas. Para 2020, Melo espera que o volume de produção seja semelhante ao de 2018, de safra cheia.

Mas vai faltar. Após o salto na comercialização do ano passado, o presidente da cooperativa diz que os estoques de passagem da cooperativa atingiram o menor patamar dos últimos nove anos – ele não revela o montante. “Teremos de buscar cafés de terceiros para fazer blends. A oferta estará curta em todo País até junho”, afirma.

Convence. Representantes do agronegócio brasileiro aproveitaram o Fórum Econômico Mundial, realizado na semana passada em Davos, na Suíça, para mostrar que o País quer se tornar uma “potência agroambiental”. “A nossa mensagem foi bem recebida. Muitos reconhecem o que já fizemos de bom e que buscamos soluções construtivas para alguns problemas que persistem”, conta à coluna Flávio Bettarello, secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura.

De olho. O tom dos debates, relata o diplomata, foi mais moderado que em outras regiões da Europa. “Em alguns países, a discussão muitas vezes é sequestrada por interesses protecionistas ou por ativistas mais radicais”, avalia Bettarello. Ele adiantou que fundos “verdes” e entidades civis se mostraram interessados em contribuir com projetos agrossustentáveis no Brasil, ligados à segurança alimentar.

Sem comprometer. O Ministério da Agricultura negocia um acréscimo de R$ 500 milhões ao seguro rural em 2021, para um total de R$ 1,5 bilhão. A ideia, segundo um interlocutor, é que o valor adicional não venha de linhas de crédito previstas no Plano Safra. A pasta vai tentar usar recursos de outras áreas do governo, cuja previsão é gastar menos no ano que vem, afirma a fonte. O assunto está em discussão para que seja definido até maio, quando o projeto de lei orçamentária será enviado ao Congresso. » Gado tech. A Friboi vai investir R$ 600 mil em sua unidade de Campo Grande 2, em Mato Grosso do Sul, para testar uma tecnologia de classificação automatizada de carcaças bovinas, por meio de câmeras digitais. Os recursos fazem parte do pacote de R$ 8 bilhões que a JBS vai investir no Brasil em cinco anos e a tecnologia vem da Normaclass, empresa francesa adquirida no ano passado pela Scott Technology, controlada pela JBS.

Às compras. A Auster Nutrição Animal tem planos de expansão para 2020 e quer adquirir uma indústria concorrente ou com atuação complementar no Brasil. No fim de 2019, a companhia elevou em 30% a armazenamento de insumos, produtos finais e capacidade de produção de sua unidade em Hortolândia (SP). Do investimento total de R$ 15 milhões, metade foi destinada para estas melhorias e o restante será utilizado em aquisições.

Perspectiva. Paulo Portilho, CEO da Auster, espera que o faturamento da empresa alcance R$ 250 milhões neste ano. “Em 2019, ano de ligeira recuperação das margens, as empresas de aves, suínos e leite apostaram na produtividade”, conta. Nas vendas da Auster, somente a área de suínos responde por 45% dos resultados, enquanto a de frangos de corte fica com 34% do total.

De cima. A SLC Agrícola usará a startup Perfect Flight para o monitoramento aéreo da pulverização de defensivos em mais de dois milhões de hectares – a área plantada gira em torno de 450 mil hectares, mas a aplicação é repetida.

Pioneiro. Leonardo Luvezuti, gestor de operações da Perfect Flight, diz se tratar da maior área monitorada em um único contrato na agricultura mundial. “Nem nos Estados Unidos há projeto parecido.” Serão 16 fazendas em vários Estados e o treinamento das equipes já começou. O prazo inicial é de um ano. A SLC compartilhará parte de sua tecnologia com a Perfect Flight.

27 de janeiro de 2020

A TRISTE HISTÓRIA DA DONZELA GUERREIRA DO BRASIL!

(Elias Thomé Saliba – O Estado de S. Paulo, 26) “O leitor ou a leitora já viu a Jovita? É a curiosidade do dia, o ídolo da atualidade. O nome da moda, a pessoa do tom, a glória do Piauí, o orgulho do Ceará, a musa da guerra, disputada pelas vinte províncias do Império, a hóspede obrigada de todos os palácios, o delírio das plateias, a preocupação do Governo, a poesia do Exército encarnada sob a forma airosa de uma rapariga travessa, exaltada, graciosa, meiga, terrível, misteriosa.”

Este comentário anônimo publicado na Semana Illustrada de 17 de setembro de 1865 – o qual, apesar de difícil comprovação, bem poderia ser atribuído a Machado de Assis – realiza uma espécie de síntese da história real e dos muitos mitos envolvendo a figura de Jovita Alves Feitosa, a pouco conhecida heroína brasileira da Guerra do Paraguai, que nunca chegou a lutar na guerra. E não por falta de vontade, mas porque foi impedida. Quando, em 28 de dezembro de 1864, os exércitos paraguaios de Solano López invadiram a então província de Mato Grosso, deflagrando a guerra com o Brasil, foram muitas as violências que atingiram a população civil, incluindo principalmente as mulheres. Como o Império Brasileiro não dispunhas de forças militares suficientemente organizadas, iniciou-se, pela imprensa, uma intensa campanha pelo voluntariado, que acabou por criar um difuso ambiente de exaltação patriótica.

Nesse clima de entusiasmo patriótico, a jovem cearense de 17 anos, particularmente indignada com as violências contra as mulheres, cortou os cabelos, vestiu-se com roupas masculinas e apresentou-se ao voluntariado em Teresina. Mesmo tendo seu disfarce logo descoberto, foi aceita como voluntária pelo presidente da então Província, no posto de sargento e incorporada ao 2oº Corpo de Voluntários do Piauí. Como a notícia logo se espalhou, a viagem do grupo até o Rio de janeiro, passando por São Luís, Recife, Paraíba (atual João Pessoa) e Salvador, foi triunfal. Jovita foi recebida em palácios, presenteada com hospedagens especiais e homenageada em versos e crônicas nos jornais como a versão brasileira de Joana d’Arc.

Mas o clima de patriotismo durou pouco: por falta de previsão e respaldo legal, a Secretaria da Guerra do governo Imperial recusou sua incorporação; esta só seria possível, a exemplo de Ana Néri, para servir como enfermeira – e Jovita não aceitou. Já com 18 anos, voltou à Corte e um dos poucos registros de sua presença – no Correio Mercantil – indica que ela havia se tornado “uma das elegantes do mundo equívoco”. Não restou quase nenhum documento sobre Jovita – menos ainda dela própria: apenas um registro de alguém que escreveu sob o pseudônimo de Sisno de Faschera, relatando uma conversa com ela e descrevendo-a “como uma pessoa amarga, que lamentava não ter tido educação para fugir ao abismo em que caíra”, e queixava-se das invenções a seu respeito “tirando a origem em não sei que românticos amores”.

O últimos registros foram de vários jornais, em 10 de outubro de 1867, relatando o suicídio da jovem, cada um dando uma versão diferente para o evento. Jovita teria mantido uma relação amorosa com o engenheiro galês William Noot e, após a súbita partida deste, desiludida, acabara por tirar a própria vida. Depois disso, o absoluto silencio das fontes. A personagem só voltará a ser lembrada, mais de 50 anos depois, quando começam a aparecer narrativas e pequenos romances contando sua triste história. É o momento no qual o mito predomina sobe a história. A exceção foi a professora Walnice Nogueira Galvão, que chegou a incluir a história de Jovita, no seu estudo clássico, de 1997, A Donzela-Guerreira: Um Estudo de Gênero. Tempos depois, inicia-se um processo de inclusão da história de Jovita na perspectiva da militância feminista, o que certamente teve impacto e acabou redundando na justa homenagem, com a inclusão de seu nome, em 2018, no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.

José Murilo de Carvalho, historiador experimentado – neste livro que preenche uma lacuna na historiografia brasileira – revela através das fontes, as sucessivas apropriações da história de Jovita. Na primeira versão, a narrativa reforça a imagem da mulher guerreira, que com seu gesto incentivou o voluntariado, personificando-se como “a defensora da pátria em perigo”: uma narrativa que acabou servindo aos objetivos do Império para incrementar os efetivos militares. Na segunda versão, com fortes conotações políticas da época – e não destituída de forte ressentimento e misoginia, comuns na época –, predominou a imagem da prostituta, que quis ir à guerra simplesmente para acompanhar o amante e, no limite, confrontou os valores sociais. Por fim, a terceira versão, que deu origem a poemas e narrativas ficcionais: o relato sacrificial da heroína trágica renegada pela pátria, rejeitada pelo pai e abandonada pelo amante.

Esta foi a curta história de Jovita, de duração efêmera, sobre a qual sobraram poucas evidências, muitas vezes não confiáveis, e muitas narrativas fantasiosas e ficcionais. Seja como for, tudo isto conta, pois além de encontrar evidencias e fatos, ou seja, a verdade, o intérprete do passado tem a obrigação de descrever também as distorções, omissões, mentiras e ficções – ou, seja, também é missão do historiador expor o falso que se pretende verdadeiro. E esta última missão talvez tenha se tornado ainda mais importante na época em que vivemos.

24 de janeiro de 2020

‘PROPOSTAS RADICAIS NÃO VÃO PROSPERAR NO CONGRESSO’!

(Henrique Gomes Batista – O Globo, 23) Com nova força política, em parte conquistada por ter as presidências da Câmara e do Senado, o DEM espera ganhar musculatura nas eleições municipais deste ano: passará de apenas um candidato a prefeito de capital, em 2016, para algo entre oito e dez, afirma ACM Neto, prefeito de Salvador e presidente nacional do partido. Ele descarta a nacionalização da disputa, diz que o Congresso tem atuado para limitar “eventuais radicalismos” do presidente Jair Bolsonaro, e afirma que, após quase três meses solto, “o mito Lula acabou” e o PT está “sem quadros e sem discurso”.

O DEM estar com maior relevância no cenário político influencia 2022? O centro terá um peso mais relevante?

Nós convencionamos dentro do partido, e isso foi uma proposta minha, que nós não trataríamos de 2022 antes de 2021. Ninguém está tratando de eleição presidencial dentro do Democratas. O nosso foco é eleição para prefeito. Nós pretendemos lançar de oito a dez candidatos para prefeitos de capitais. Queremos ter candidato nas principais cidades do país e nos 26 estados que terão eleição municipal, sair forte das urnas, ganhar musculatura eleitoral. O partido, principalmente depois que Rodrigo Maia assumiu a presidência da Câmara pela primeira vez, passou a ter relevância política muito clara no país. Agora quero traduzir essa relevância política em mais relevância eleitoral. Teremos um papel em 2022. Que eu espero que seja um papel de aglutinação. Em torno de quem? Em torno de que projeto? Isso não está discutido.

No passado o DEM era visto como uma linha auxiliar do PSDB, e agora está fechando alianças estratégicas com o PDT, de Ciro Gomes. Como foi essa mudança?

Não há hoje veto a que se converse com ninguém. Nós temos que estar abertos a conversar com todo mundo. A nossa única dificuldade de conversa é com a esquerda em si, no que eu configuraria o PT e o PSOL, pois até com o PCdoB a gente dialoga no Maranhão. O único campo que eu descarto, projetando o futuro, é estar com o PT. Fora isso, dentro do partido hoje, tem várias correntes, pessoas que vão de uma simpatia pela centroesquerda até a direita.

A posição do DEM está se tornando mais parecida com o que era, no passado, o MDB?

Depende. Não tenho, pelo amor de Deus, nenhuma crítica a fazer ao MDB, pelo contrário, tenho muitos amigos no MDB. Agora, uma coisa eu lhe asseguro: nós não nos movemos, nem no fim de 2018, nem em nenhum momento de 2019, interessados em espaços de poder no governo, em cargos. Eu, ACM Neto, presidente do Democratas, nunca sentei com nenhuma autoridade do governo para discutir a indicação de cargos. Nesse aspecto, nós não objetivamos cargos ou espaço de governo. Ter a Câmara e o Senado concomitantemente, com o desempenho de Rodrigo (Maia) e Davi (Alcolumbre), nos permitiu chegar a esta posição.

Vocês evitam ser identificados como parte do governo Bolsonaro, mas apenas com a agenda de reformas…

A agenda econômica do governo, quase toda, tem o nosso apoio. Para mim, se o grande beneficiário do futuro disso for o presidente Bolsonaro, mas o Brasil melhorar, eu estou torcendo por isso. Aqui, em nenhum momento, ninguém procurou e nem vai procurar sabotar o governo, criar dificuldades para colher facilidades, nada disso, nosso compromisso é com a agenda do país, principalmente a agenda econômica.

E a agenda social de Bolsonaro?

Temos divergências na agenda de costumes, mas na agenda econômica temos ampla convergência e ela terá todo nosso apoio.

A pauta de costumes pode atrapalhar a agenda econômica?

Até hoje não prejudicou, porque o Congresso soube equilibrar as coisas e, de certa forma, está claro que propostas ou teses mais radicais não vão prosperar no Congresso. O Congresso tem um perfil moderado nessa agenda de costumes.

Há dois meses e meio o ex-presidente Lula foi solto. Como o senhor o vê hoje?

Acabou o mito. E acabou o discurso. O PT primeiro tinha o discurso do golpe. Depois, o discurso do Lula Livre. Agora eles estão sem discurso. Lula saiu e não mudou nada. E o presidente Lula já não é mais a liderança que foi no passado: se esperava uma comoção, uma mobilização nacional sem precedentes e nada disso aconteceu, nem mesmo no Nordeste. Não estou querendo desprezar a força que ele ainda tem no Nordeste, mas se você for ver a passagem dele, pós-prisão, foi muito menor em mobilização do que se esperava.

O senhor vê um caminho para a reorganização da esquerda?

Chance a gente não pode dizer que não tem, ainda tem tempo. Mas se continuarem do jeito que estão….

O senhor está terminando seu mandato com boa aprovação. Qual será o seu futuro?

Eu continuarei presidente dos Democratas, meu mandato vai pelo menos até 2022, podendo se estender até 2023, então estarei na presidência nacional do partido. Se tiver condições, a depender do contexto político, pretendo passar uns três ou quatro meses estudando no exterior, e já a partir de meados de 2021 definir qual vai ser o meu projeto de disputa eleitoral em 2022. Aí sim começar a focar nisso, estruturar, planejar e trabalhar para isso.

Pode ser campanha nacional…

Tudo pode ser. Neste momento, não descarto nenhuma hipótese.

23 de janeiro de 2020

ÓLEO E GÁS: PROBLEMA OU SOLUÇÃO?!

(Editorial  – O Estado de S. Paulo, 22) Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) buscou responder em um estudo recém-publicado.

Nos últimos dois séculos a expectativa de vida global cresceu de 30 anos para mais de 70, a faixa de pessoas na miséria caiu de 80% para 8% e a alfabetização ultrapassou 80% – e isso enquanto a população mundial se multiplicava de 100 milhões para 6,5 bilhões. À frente deste processo, a revolução industrial avançava como uma locomotiva e em seus motores queimava o combustível fornecido pelas indústrias de óleo e gás. Mas hoje, dada a consciência dos impactos do gás carbônico, elas são pressionadas a esclarecer o seu papel na transição para as energias limpas. Em outras palavras: elas são a pior parte do problema ou serão cruciais para a sua solução? Esta é a pergunta a que a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) buscou responder em um estudo recém-publicado.

A análise partiu de três considerações: 1) a demanda crescente por energia de uma população e uma economia em expansão; 2) a consciência do papel crítico que o óleo e o gás têm no presente e terão no futuro; e 3) o imperativo categórico de reduzir emissões em conformidade com objetivos climáticos consensuais, como os do Acordo de Paris.

O desafio para a indústria de óleo e gás é equilibrar os ganhos de curto prazo com a sua permissão para operar a longo prazo. Grosso modo, a sua prosperidade depende da capacidade de desenvolver tecnologias de baixo carbono. Isso não se fará sem custo e sacrifícios para toda a cadeia.

Algumas empresas têm investido em energia eólica e solar. Outras, na produção e distribuição de energia elétrica. Até o momento, contudo, esse investimento tem sido menor do que 1% do capital total empregado, muito menos do que o necessário para acelerar consistentemente as transições de energia. A IEA estima que elas podem fazer muito mais. “Há amplas oportunidades economicamente viáveis para diminuir a intensidade das emissões do óleo e do gás minimizando a combustão do gás associado e a liberação de CO2, combatendo as emissões de metano, e integrando fontes renováveis e eletricidade de baixo carbono às novas fórmulas de gás liquefeito.” De todas as medidas, a mais importante é a redução de vazamentos de metano na atmosfera.

A parcela de 20% da eletricidade no consumo global de energia tem aumentado. Mas a eletricidade não pode ser o único vetor de transformação no setor de energia. É vital investir em fontes capazes de fornecer sistemas energéticos de hidrocarbonetos sem as emissões de carbono, como hidrogênio de baixo carbono, biometano e biocombustíveis.

Os recursos financeiros e técnicos do segmento de óleo e de gás podem ter um papel central na reelaboração de alguns dos setores poluentes mais difíceis de enfrentar. Isso inclui o desenvolvimento de sistemas de captura, armazenamento e utilização de carbono, hidrogênio de baixo carbono, biocombustíveis e energia eólica.

São atividades que exigem financiamento, engenharia e capacidade de gerenciamento em larga escala, como poucas empresas poderiam prover. Se as companhias de óleo e gás forem capazes de estabelecer parcerias com governos e outros interessados para criar modelos de negócios viáveis, poderiam fornecer um grande impulso ao mercado de energia limpa.

Na expressão da IEA, “uma mudança do ‘óleo e do gás’ para ‘energia’ tira as companhias de sua zona de conforto, mas oferece um modo de administrar os riscos de transição”. A chave para a sustentabilidade destas companhias está na habilidade de equilibrar retornos e dividendos com diversificação – seja em setores consolidados, mas distantes de seus negócios tradicionais, como eletricidade, seja nos afins, mas ainda incipientes, como a energia eólica.

São desafios portentosos para as empresas multinacionais e especialmente para as nacionais (como a Petrobrás), porque menos diversificadas. Mas não há alternativa a enfrentá-los, se não por idealismo, por mero pragmatismo: ainda que elas conseguissem se evadir da responsabilidade pelos custos ao meio ambiente, a conta para seus acionistas não tardará a chegar.

22 de janeiro de 2020

RISCOS LOCAIS!

(Ana Carla Abrão  – O Estado de S. Paulo, 21) Enquanto o verão dá as caras nos trópicos, uma Suíça gelada recebe líderes empresariais, agentes públicos, membros da sociedade civil e da academia do mundo todo para o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Fundado em 1971 pelo suíço Klaus Schwab, até 1986 como Fórum de Gestão Europeu, o WEF chega a sua 50.ª edição. O tom do encontro é dado pelo Relatório de Riscos Globais (GRR), publicado na semana anterior ao fórum. Baseado nos resultados de uma pesquisa de percepção de riscos feita com cerca de 800 membros, o relatório aponta aqueles que são os principais riscos globais a serem enfrentados. Esses riscos são avaliados e classificados por ordem de relevância levando-se em conta sua probabilidade de ocorrência e seu impacto potencial. São eles – e as ações a serem desenvolvidas para mitigá-los – os temas que deverão mobilizar os debates ao longo da semana de encontro e dos trabalhos que se desenvolvem a partir dela.

Ao contrário dos anos pós-crise financeira, quando os temas econômicos dominavam as primeiras posições na relação de riscos globais, cada vez mais os temas ambientais ganham relevância entre os respondentes da pesquisa, em particular pelos mais jovens (os Global Shapers, um subconjunto composto pelos membros mais jovens do fórum). Não que os temas econômicos tenham sumido da agenda num mundo que continua – e continuará ainda mais em 2020, segundo o relatório – ameaçado pelo baixo crescimento, por guerras tarifárias, pela polarização política e pela intensificação de desigualdades que vêm deflagrando ondas de protestos mundo afora. Afinal, essas instabilidades poderão comprometer ainda mais a capacidade dos governos de lidar com os riscos de longo prazo, esses sim majoritariamente ligados ao meio ambiente.

A mudança climática e a falha nas ações de reação a ela aparecem como os principais riscos em probabilidade de ocorrência e em impacto, respectivamente. Com um número significativamente maior de desastres naturais, o aumento da temperatura global, a aceleração no derretimento do gelo polar, um novo recorde de incêndios e tempestades, além de ondas de calor cada vez mais intensas na Europa, as questões ambientais passam a preocupar de forma inédita e a exigir a reação dos líderes globais. Pela primeira vez em 15 anos de publicação do Relatório de Riscos Globais, os riscos ambientais aparecem como os cinco mais prováveis no longo prazo. Também são de ordem ambiental 3 dos 5 riscos com maior impacto: além da falha nas ações climáticas, no topo da lista, também aparecem a ameaça à biodiversidade e episódios climáticos extremos.

Questões ligadas à tecnologia também aparecem com destaque na lista de principais riscos globais, em particular os ataques cibernéticos e as fraudes com dados, reflexos de um mundo cada vez mais conectado e sofisticado digitalmente. Da mesma forma, pressões nos sistemas de saúde e a sua inadequação para lidar com as novas necessidades que surgem como consequência do envelhecimento populacional, das mudanças na sociedade e dos avanços tecnológicos, são outras importantes fontes de risco e preocupação. Ao contrário do passado, quando as doenças contagiosas eram as principais ameaças à vida, hoje são as doenças mentais e as cardiovasculares as causas que dominam as estatísticas de morte e que, aliadas à maior longevidade, colocam pressão sobre os orçamentos públicos de saúde.

Ou seja, as ameaças globais estão mudando de face e impondo cada vez mais a necessidade de ações coordenadas entre lideranças privadas e públicas, entre países e nas diversas interações entre sociedade e governos. Esse é o grande desafio num mundo que parece ir na direção contrária, numa tendência de maior divisão e que se fecha cada vez mais, segundo o GRR.

Mas no Brasil esse grande desafio parece ser ainda maior. Não só porque a Amazônia seja nossa ou por conta da riqueza da nossa biodiversidade. Mas sim porque as questões ambientais que dominarão as discussões no WEF deste ano são objeto de desprezo por parte do atual governo. O mesmo tema ambiental que lidera o topo de riscos globais do GRR é aqui dominado por ceticismo, amadorismo, falta de prioridade e ausência de ações. Meio ambiente definitivamente não é uma agenda deste governo. Essa miopia, e suas consequências, nos enfraquecem e nos expõem de forma mais intensa aos riscos que, sabemos, são muito relevantes e cujas ações de controle e mitigação deveriam estar no topo das prioridades. Ao fechar os olhos ao meio ambiente estaremos, assim como no terraplanismo, apostando na nossa ignorância. Mas, neste caso, estaremos também amplificando os riscos que, enquanto o mundo avança, serão cada vez mais locais, em vez de globais.

21 de janeiro de 2020

PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO PARECEM CONDENADOS A FICAR PARA TRÁS DOS RICOS POR MAIS TEMPO DO QUE SE ESPERAVA!

(The Economist – O Estado de S. Paulo, 19) Como as inovações do mundo moderno se comparam às do passado? Alguns economistas, como Robert Gordon, da Universidade Northwestern, argumentam que carros sem motorista, impressoras 3D, entre outros, ficam insignificantes em comparação aos frutos das revoluções industriais anteriores, tal como a produção em massa. Isso, segundo acreditam, explica a prolongada desaceleração da produtividade nos Estados Unidos e em outras economias ricas que a crise financeira aprofundou.

Mas e em todos os outros lugares? Os países em desenvolvimento estão, por definição, a alguma distância da fronteira tecnológica. Um consolo é o vasto estoque de inovações anteriores que ainda restam para serem exploradas mais plenamente. Seu crescimento depende mais da imitação do que da inovação. Um país onde a maioria das pessoas ainda anda de scooter não precisa se preocupar se o próximo Tesla não chegar dentro do prazo.

Ainda assim, eles também sofreram queda na produtividade. De acordo com um novo relatório do Banco Mundial, a desaceleração é a “mais acentuada, mais longa e mais ampla até o momento”, com base em dados que remontam quatro décadas. O PIB per capita das economias em desenvolvimento é quase 14% menor do que teria sido se a produtividade não tivesse perdido o impulso.

O Institute of International Finance acredita que os mercados emergentes agora sofrem com uma variante da “estagnação secular” que assombra o mundo rico. A consultoria Oxford Economics argumenta que os mercados emergentes perderam tanto volatilidade como vigor, relegando-os à “estabilidade de base”.

A Capital Economics, outra consultoria, prevê que, na próxima década, “o avanço da retomada dos mercados emergentes das últimas duas décadas chegará ao fim”. Na maioria desses mercados, que a consultoria acompanha, o PIB per capita cresceu menos rapidamente no ano passado do que nos EUA. Supõe-se que imitar seja mais fácil do que inovar. Mas mesmo que as principais economias estejam achando mais difícil abrir caminho pela força do trabalho, muitos de seus seguidores se perderam completamente.

Como isso aconteceu? Quando olham para o mundo rico, alguns economistas temem que as grandes empresas estejam em uma posição confortável demais. Sem forte concorrência, elas têm pouco incentivo para inovar ou investir. Mas quando olham para o mundo pobre, alguns receiam que as grandes empresas agora tenham dificuldades demais.

Em uma pesquisa com mais de 15 mil empresas, o Banco Mundial mostra que grandes empresas em países pobres tendem a ser mais produtivas e propensas a exportar do que suas concorrentes menores. No passado, essas empresas eram importantes canais para melhorar o know-how e as tecnologias adquiridas de parceiros e concorrentes no exterior e repassados a fornecedores em casa. Mas as “rotas para a transferência de tecnologia estão se estreitando”, ressalta o banco, por conta do crescente protecionismo.

A falta de transferência de tecnologia é apenas parte do problema. Metade da desaceleração do crescimento da produtividade do trabalho nos últimos anos reflete não um fracasso em aprender com exemplos, mas em investir. Esse déficit de investimentos explica toda a desaceleração da produtividade no sul da Ásia, no Oriente Médio e no norte da África, e dois terços disso na Europa e na Ásia Central.

A relutância em mobilizar capital foi combinada com a lentidão do trabalho em mudar. Em qualquer país, algumas partes da economia (como manufatura) são mais produtivas que outras (como agricultura). Mas essa lacuna é extraordinariamente grande nos países em desenvolvimento, onde o moderno e o medieval em geral coexistem.

Em princípio, portanto, as economias emergentes têm muito a ganhar com a mudança de trabalhadores entre setores, mesmo se a produtividade de cada setor não melhorar. No típico país em desenvolvimento, esse movimento contribuiu com cerca de 1,1 ponto porcentual para o crescimento nos anos anteriores à crise financeira global. Essa contribuição caiu para apenas 0,5 ponto nos anos mais recentes. Na América Latina e no Oriente Médio, a contribuição foi negativa: os trabalhadores seguiram o caminho errado, para onde eram menos produtivos.

Talvez a explicação mais simples para o fracasso da produtividade esteja no boom que a precedeu. Durante cinco anos extraordinários, enfatizados pela crise financeira global, a China teve um crescimento excepcional que atraiu os exportadores de commodities. Esse sucesso deixou o país com menos espaço para crescimento adicional, contribuindo para sua inevitável desaceleração. Seu crescimento ainda se tornou menos concentrado em commodities.

A mudança no ritmo e no padrão de crescimento da China se tornou um desastre para as muitas economias em desenvolvimento que exportam commodities, especialmente na América Latina e no Oriente Médio. O aumento da produtividade dessas economias entrou em colapso.

Em publicação do Banco Mundial, há 25 anos, Lant Pritchett, agora na Universidade de Oxford, enfatizou que o avanço da recuperação era historicamente bastante raro. Sim, a imitação deveria ser mais fácil do que a inovação (e os retornos sobre o investimento devem ser elevados onde o capital é escasso). Mas outros fatores frequentemente atrapalham.

Afinal, se os países pobres crescessem com segurança mais rapidamente do que os ricos, não haveria tantos países pobres por aí. A “característica dominante” da história econômica moderna não era a convergência entre países ricos e pobres, escreveu Pritchett, mas a “divergência, para valer”.

A década passada, apesar de todas as suas decepções, resistiu a essa tendência histórica, ainda que menos impressionante do que na anterior. Para as economias emergentes, a década de 2010 foi decepcionante. Mas ela ainda era a segunda melhor década dos últimos 50 anos.

17 de janeiro de 2020

RÚSSIA E TURQUIA DIVERGEM SOBRE PAPEL DE REBELDE NA CRISE DA LÍBIA!

(Igor Gielow – Folha e S.Paulo, 15) A recusa do líder rebelde que domina quase toda a Líbia em assinar um acordo para tentar acabar com a guerra civil no país opôs Turquia e Rússia, as potências estrangeiras que costuram a saída para o conflito.

​O marechal Khalifa Haftar esteve na segunda (13) em Moscou com o líder do governo reconhecido internacionalmente em Trípoli, Fayez al-Sarraj. Ambos não se encontraram e, enquanto Sarraj assinou o memorando de entendimento, o militar rebelde que conta com apoio de Vladimir Putin deixou a capital russa.

Sarraj viajou então para a Turquia para encontrar-se com Recep Tayyip Erdogan, o presidente que o apoia e entrou tardiamente no jogo da guerra civil, mas de forma decisiva: o Parlamento turco aprovou o envio de tropas para apoiar o governo em Trípoli.

Falando a apoiadores nesta terça (14), Erdogan disse que Haftar “fugiu” de Moscou. E o ameaçou. “Ensinaremos uma lição a ele”, disse, caso as forças rebeldes retomem ataques contra a capital líbia.

O tom do governo Putin, que auxilia Haftar indiretamente com o uso de mercenários, foi diverso. O Ministério da Defesa informou que o marechal pediu dois dias para consultar os líderes tribais que apoiam o seu Exército Nacional Líbio sobre o acordo, e que parecia satisfeito com os termos.

O que Haftar pensa mesmo é incógnito. Segundo a TV saudita baseada em Dubai Al Arabiya, ele disse a aliados que não assinará o acordo enquanto duas questões não forem abordadas: o desarmamento de todas as milícias do país e o veto à presença turca no monitoramento do cessar-fogo.

Ainda segundo o relato, ele quer o direito de entrar em Trípoli para formar um governo e considera que suas demandas foram ignoradas nas negociações. O rascunho em Moscou fala apenas em congelar o envio de tropas de Ancara para o país mediterrâneo, deixando a supervisão do acordo com a Rússia, e nada diz sobre as milícias.

Enquanto a imprensa turca fala sobre risco de uma renovada ação militar de Haftar, analistas russos acreditam que ele está apenas valorizando sua posição de força, mas que ao final irá compor. Ele tem recebido apoio dos russos desde pelo menos 2016, e esteve algumas vezes pessoalmente em Moscou desde então.

Enquanto isso, o Ocidente assiste dois países fora de sua esfera decidindo o futuro de uma guerra civil no país que já foi o terceiro maior fornecedor de petróleo da União Europeia (hoje é o oitavo, devido à crise). Além disso, a Líbia é um dos grandes portos de saída de imigrantes ilegais para o sul europeu, uma crise humanitária contínua com sérias implicações políticas nos últimos anos.

Numa jogada calculada, Putin combinou com a chanceler alemã Angela Merkel a realização de uma reunião de cúpula domingo (19) em Berlim. Nesta terça, a Alemanha confirmou que convidou todos os envolvidos, mais o premiê italiano, Giuseppe Conte —a Itália já foi a força estrangeira mais importante na Líbia.

O russo quer aproximar-se dos alemães, visando o incremento dos investimentos na letárgica economia do maior país do mundo. Com isso, também tenta afrouxar politicamente o regime de sanções imposto pelo Ocidente desde que anexou a Crimeia na esteira da derrubada do governo pró-Kremlin na Ucrânia, em 2014.

Putin parecia contar com seu acordo já assinado para levar a Berlim, e a diplomacia russa agora trabalha para convencer Haftar a demonstrar apoio à negociação. Se fracassar, o russo pode perder o papel de principal ator na discussão do futuro líbio.

O país o interessa estrategicamente, já que levaria a influência russa para os calcanhares da Europa, e economicamente, já que sua Rosneft (a Petrobras russa) poderia ajudar a reconstruir a indústria petroleira líbia, que se assenta sobre as maiores reservas de petróleo da África.

Já Erdogan busca reforçar sua posição no Mediterrâneo, ameaçada pelo questionamento sobre águas territoriais em torno do Chipre, que tem sua porção norte ocupada pelos turcos. E, de quebra, retomar os talvez US$ 20 bilhões em projetos que o país tem parados na Líbia desde a queda do ditador Muammar Gaddafi, em 2011.

As relações entre Moscou e Ancara são ziguezagueantes. Membro da Otan, a Turquia chegou a abater um avião russo no começo da intervenção de Putin que salvou a ditadura de Bashar al-Assad na Síria, em 2015.

Depois, Erdogan afastou-se dos EUA pela recusa ocidental de admitir o país muçulmano na União Europeia e pela tentativa de golpe contra si, atribuída a um opositor que vive nos EUA. Aproximou-se de Moscou, de quem comprou polêmicos sistemas antiaéreos, firmando acordos energéticos e acertando uma partilha territorial no norte da Síria.

O país de maioria árabe no Norte da África está em caos desde que uma revolta apoiada por ataques aéreos da Otan (aliança militar ocidental) derrubou Gaddafi, morto tão barbaramente quanto viveu.

Em 2015, já de volta do exílio nos EUA, Haftar assumiu o comando do Exército, que acabou dividido. Agora, sua facção comanda boa parte do país, cercando com o auxílio de tribos tuaregues e outras milícias as forças oficialistas de Sarraj. Há ainda interesses egípcios e dos Emirados Árabes Unidos na região, além do combate a células do Estado Islâmico.

16 de janeiro de 2020

AH, O LIBERALISMO…!

(Monica de Bolle – O Estado de S. Paulo, 15) Não há nada mais libertador do que possuir algum conhecimento sobre a história econômica. Ela ajuda a remover amarras ideológicas, pensamentos pré-fabricados, noções equivocadas. Em um mundo em que dogma e fé reinam supremos sobre a ciência e fatos, a história está lá, registrada, para revelar que nenhum modelo econômico atravessa a história intocado pela mudança social. Se atravessa assim é porque o trabalho de reavaliar conceitos em épocas de profundas mudanças não está sendo feito, e isso em nome de algo. É preciso perguntar então: em nome do quê? A resposta depende do país e das circunstâncias.

Tomemos o caso brasileiro. Reina no País visão pueril do liberalismo, uma visão vitoriana, digamos. A Inglaterra do século 19 é a referência histórica para parte desse puritanismo, ainda que os que defendem a visão vitoriana não o façam conscientemente. A Inglaterra vitoriana é o exemplo mais puro do laissez-faire, da atuação da mão invisível dos mercados, o berço do liberalismo em sua forma castiça. Ao menos, essa é a maneira como muitos enxergam o país em que a filosofia de Adam Smith, de David Ricardo, de John Stuart Mill foi testada com estrondoso sucesso. A história econômica sustenta a tese? Ou teria a ilha flertado com o protecionismo e o nacionalismo econômico no alvorecer do liberalismo?

A história econômica mostra que o que houve foi muito mais do que um flerte. A Inglaterra abraçou o protecionismo com vigor por 31 anos, de 1815 a 1846. O enredo é fascinante. Em 1815, a economia britânica se recuperava das guerras napoleônicas. Durante a guerra, barreiras de todo tipo foram erguidas para evitar que a ilha sucumbisse ao continente; entre elas, uma proteção maciça ao comércio de grãos e outros produtos agrícolas. Tarifas elevadas aplicadas a esses produtos conferiram ganhos aos produtores e donos das terras, já que os preços subiram significativamente. Quando a guerra acabou, a pressão para que o protecionismo não fosse eliminado foi enorme e o Partido Conservador, representante dos grandes latifundiários, sucumbiu. As Leis dos Cereais entraram em vigor em 1815 e se mantiveram vigentes por três décadas. Durante esse período, o mercado britânico para determinados grãos ficou completamente fechado, para espanto dos seguidores de Smith e Ricardo. Economias essencialmente agrárias e periféricas, como os EUA e o Zollverein – o conjunto de regiões que viriam a formar a Alemanha, mas que então funcionavam sob uma união aduaneira – já não podiam exportar para o centro da economia global.

Seguindo o pensamento de Alexander Hamilton e Friedrich List, sabemos que os países emergentes da época não viram outra saída para o próprio desenvolvimento senão abandonar o livre-comércio e adotar práticas de substituição de importações para se industrializar. Quando o Partido Conservador britânico rachou em 1846, produzindo a revogação das Leis dos Cereais, os EUA e as regiões do Zollverein haviam conseguido erguer algumas indústrias internacionalmente competitivas, como a têxtil. Assim, quando a Inglaterra resolveu pôr fim à sua era protecionista, seu setor de manufaturas já não tinha mais o monopólio global em diversos produtos. Essa situação haveria de se agravar nas próximas duas décadas, época em que os preços dos grãos e cereais também seriam impactados negativamente. Ou seja, não só a indústria britânica estaria em situação menos privilegiada do que antes da adoção das Leis dos Cereais, como também os setores agrícolas estariam sofrendo com os preços em declínio. Não é surpresa, portanto, que às vésperas da unificação alemã, em 1871, o debate sobre as vantagens do protecionismo na terra de David Ricardo estivesse novamente a pleno vapor.

Há várias maneiras de interpretar as escolhas do Reino Unido no século 19. Uma delas é afirmar que o protecionismo acabou dando impulso à industrialização na periferia à época, prejudicando a Inglaterra, o que é em parte verdade. Contudo, a industrialização desses países ocorreria mais cedo ou mais tarde com ou sem as Leis dos Cereais. Outra maneira, mais controvertida, é afirmar que a ilha do liberalismo castiço errou ao abandonar o protecionismo agrícola. Afinal, se tivesse mantido as restrições ao comércio teria ao menos preservado uma parte de sua economia. Não tenho lado nem tese nessa história. Conto-a apenas para que os leitores tenham claro que o liberalismo teórico, sobretudo o puritano, é muito diferente na prática. Conto-a para ilustrar de forma indireta o equívoco cometido por muitos no Brasil de amarrarem-se a ideias sem entender o contexto em que as medidas por elas suscitadas haverão de ter lugar e sem compreender que, como qualquer outra filosofia ou pensamento, o liberalismo deve evoluir e mudar com o passar do tempo.

15 de janeiro de 2020

FRANÇA DIVIDIDA!

(Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior  – O Estado de S. Paulo, 14) De passagem por Paris, procurei entender a controvérsia em curso hoje na França sobre a reforma da previdência social. O país está dividido entre a pressão de parte da sociedade para preservar regimes especiais de aposentadorias e a necessidade de se ajustar a um mundo em rápida transformação.

A eleição presidencial de 2017 trouxe uma forte renovação na vida política da França. A vitória do presidente Emmanuel Macron contra o establishment e contra os extremos de direita e de esquerda deu-lhe um mandato para reformar o país. Criou-se uma grande expectativa pelo anúncio de reformas muito semelhantes à da atual agenda brasileira: reforma das relações trabalhistas, da previdência social, tributária e da educação, redução de privilégios corporativos e do gasto público, mudanças na economia para melhorar a competitividade dos produtos franceses. Depois de dois nos e meio de governo, não houve muitos avanços: nem os impostos nem o desemprego (8,5%) foram reduzidos, o déficit comercial é crescente e poucas reformas chegaram a ser efetuadas (as 35 horas de trabalho semanal continuam). A crise política e social vivida pelo governo Macron tem como substrato uma rápida deterioração da dívida pública, que em setembro alcançou seu recorde histórico de 100,2% do produto interno bruto (PIB), sem perspectiva de redução do gasto.

As medidas iniciais provocaram forte reação e manifestações dos coletes amarelos. A resposta do governo foi a organização de “grandes debates” para abordar todas as reivindicações populares e as reformas propostas. O resultado dos encontros mostrou algumas áreas de consenso nacional, como a urgência de providências relacionadas à mudança do clima e à redução dos impostos, a melhoria dos serviços públicos e a desburocratização com a redução do papel do Estado. No fim de janeiro Macron apresentará o conteúdo do que chama de “pacto produtivo”. Nele estarão mencionados, entre outros itens, dispositivos fiscais a favor de investimentos no que denominou transição ecológica da economia, o que incluirá pedido para que a União Europeia adote um mecanismo de taxação para evitar a importação de produtos com forte teor de carbono e um programa de investimento voltado para o futuro da indústria 4.0. São esperadas também a redução do Imposto de Renda, medidas na saúde e educação e maior autonomia para governantes eleitos regionalmente.

A apresentação da reforma da previdência levou ao maior movimento grevista depois da 2.ª Guerra Mundial. O país está paralisado há 40 dias e viu ressurgir o poder dos sindicatos, abalado pela ação espontânea dos coletes amarelos, o movimento social mais sério e complexo desde as manifestações estudantis de maio de 1968.

O sistema previdenciário francês mantém muitos privilégios e vantagens, obtidos durante os chamados gloriosos 30 anos que começaram logo depois da guerra e se estenderam durante os anos mais positivos da globalização, de 1989 a 2008. Nesses momentos, reforma significava progresso, avanços sociais para melhorar a vida das pessoas: proteção contra as incertezas, maiores salários, melhor aposentadoria, redução da duração do trabalho. Hoje transformação ou reforma, na visão da oposição a Macron, significa sacrifício e recuo social, isto é, salários reduzidos, mercado de trabalho liberalizado, ortodoxia financeira, orçamentos apertados, aposentadorias retardadas.

A proposta de Macron previa mudanças significativas, em especial o aumento da idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos a partir de 2027, a fusão num só dos 42 fundos de pensão, administrados independentemente e o fim dos regimes especiais (ferroviários, militares, policiais, bailarinos da Ópera de Paris, por exemplo, se aposentam com menos de 60 anos e maiores pensões). Propõe também um regime de pontuação pelo qual quanto mais tempo um trabalhador ficar no mercado, mais pontos ele acumula e maior será sua pensão. Hoje 18% da força de trabalho se aposenta pelos regimes especiais com pensões maiores do que a média.

Depois de 18 meses de governo, Macron parece isolado e com crescente dificuldade política. O primeiro-ministro Édouard Philippe continua a negociação com os sindicatos para poder avançar com a reforma da previdência. No fim de semana, para tentar desbloquear as negociações, o governo cedeu e ofereceu retirar provisoriamente a proposta da idade mínima de 64 anos (dependendo de acordo com os sindicatos sobre o equilíbrio e o financiamento das aposentadorias).

Com isso é difícil que a reforma consiga reduzir o custo crescente previdenciário (14% do PIB). Essa significativa concessão aos sindicatos contraria o pronunciamento presidencial de fim de ano, no qual Macron reafirmou que não recuaria no tocante ao fim dos regimes especiais, mas admitiu que o caráter universal da reforma não significa uniformidade (concessões foram feitas aos militares, policiais e bombeiros, entre outros). A versão final da reforma será submetida à votação da Assembleia Nacional em fevereiro.

O resultado da queda de braço com os sindicatos determinará o futuro do governo Macron e se a França pode ser reformada e modernizada. Tudo indica que, prevalecendo a força dos sindicatos, a reforma saia bastante diminuída. Macron se enfraquecerá e o centro, representado pelo movimento criado pelo presidente francês, tenderá a desaparecer, a exemplo do que aconteceu no Reino Unido.

A crise interna vai debilitar as ações externas do presidente francês. Defensor do fortalecimento da soberania da Europa, Macron vê a unidade europeia diminuir com a saída do Reino Unido da União Europeia, com a emergência de movimentos nacionalistas e populistas de direita em muitos países europeus e com a saída de cena de Angela Merkel, sua principal parceira. Nesse quadro, com a Europa fragilizada, “à beira do precipício”, num mundo hostil, entre os Estados Unidos e a China, é difícil Macron realizar sua ambição de liderar a União Europeia, como ficou claro agora na crise EUA-Irã.

14 de janeiro de 2020

CHEQUE ESPECIAL: TABELAR JURO NÃO RESOLVE!

(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 13) O cheque especial não deve ser entendido como uma modalidade normal de crédito. A ideia é que seja usado apenas para a cobertura de gastos fortuitos, de forma que o correntista não fique sem fundos para realizar suas transações em casos de emergência financeira.

Nessa categoria de crédito costuma ocorrer um problema conhecido na literatura econômica por seleção adversa, inicialmente estudado em seguros. Trata-se da correlação positiva entre a demanda individual por cobertura e o risco de perda do segurado. A analogia com o tomador de recursos do cheque especial é imediata, pois são exatamente estes os clientes com maiores desequilíbrios financeiros e, pois, com maior probabilidade de não honrar sua dívida. Com isso, os bancos cobram altas taxas de juros para se protegerem. Ocorre que, com juros muito altos, aumenta o risco de calote, criando-se um círculo vicioso entre inadimplência e custo do crédito.

Como se sabe, o Banco Central (BC) vem promovendo ações no sentido de aperfeiçoar esse mercado. Através da Resolução n.º 4.765, de 27 de novembro de 2019, instituiu, entre outras medidas, o limite máximo na taxa de juro de 8% ao mês, o que significa uma redução no custo enfrentado pelos correntistas no produto. Em novembro de 2019, segundo dados divulgados pelo próprio BC, as taxas médias cobradas no cheque especial pelas instituições financeiras foram de 306,6% ao ano, o equivalente a 12,4% ao mês.

Do ponto de vista da solvência do tomador, esse tabelamento é inútil, pois o juro máximo de 8% ao mês (mesmo não considerado aqui o IOF) continua a ser uma taxa proibitiva, que inviabiliza a quitação do débito. Um exemplo simples deixa esse ponto claro. Suponha que um cliente, em virtude de despesa inesperada, saque a descoberto R$ 1 mil. Se seu orçamento não permitir a quitação dessa dívida, com a capitalização dos juros, ela crescerá de forma exponencial, chegando a R$ 15.968,17 ao cabo de três anos. Raros são os indivíduos que conseguem sair de um endividamento que cresce a tal velocidade.

A questão é ainda mais grave quando se leva em conta o perfil dos clientes que utilizam o cheque especial. Ainda segundo o BC, cerca de 50% do volume de crédito nessa modalidade se destina a famílias que ganham até dois salários mínimos. É chocante constatar que pessoas nessa faixa de renda sejam submetidas ao pagamento de juros tão exorbitantes.

Não é difícil de entender a razão da grande resistência dos bancos em aceitarem soluções mais drásticas para resolver essa questão. Até mesmo a proposta de autorregulação apresentada pela própria Febraban para minorar o problema não vingou. A verdade é que a receita do cheque especial tem significativa participação no resultado dos bancos. Segundo estudo do BC, essa modalidade corresponde a apenas 1,4% do total de crédito às pessoas físicas, mas contribui com 13,2% para a margem de intermediação financeira líquida.

Nossa proposta é usar mecanismo semelhante ao que foi estabelecido no crédito rotativo do cartão de crédito, para que o cheque especial passe a funcionar apenas como um socorro financeiro emergencial e de prazo curto, não como uma modalidade regular de crédito. Em caso de saldo devedor do cheque especial remanescente por mais de 30 dias, este deverá ser financiado mediante linha de crédito para pagamento à vista ou parcelado, em condições bem menos perversas para o correntista. Para reduzir o risco de inadimplência, o banco credor deveria tentar obter garantias adicionais, além de ajustar o valor das prestações mensais à capacidade de pagamento do correntista.

Finalmente, o banco deve informar o cliente, de forma clara, que sacar a descoberto custa muito caro e, quando for o caso, sobre a possibilidade de utilizar outras modalidades de crédito menos onerosas.

13 de janeiro de 2020

CASO DE HARRY E MEGHAN É OPOSTO À ABDICAÇÃO DE EDWARD 8º!

(Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo, 12) Os Windsor reclamam da imprensa pela invasão de sua privacidade. Porém, a família real britânica deveria agradecer aos meios de comunicação por ajudarem a perpetuar as lendas edulcoradas que ela mesmo criou sobre um passado do qual não há tanto assim de que se orgulhar.

A que vem à tona neste momento é a que diz que Edward 8º abdicou do trono apenas por amor. Partindo dessa farsa, a imprensa mundial estampou em vários idiomas uma comparação absurda. Nela, o afastamento recém-anunciado do príncipe Harry e de Meghan Markle —os duques de Sussex— de suas responsabilidades reais seria similar à abdicação ao trono de Edward 8º, em 1936.

As duas histórias estão sendo vendidas como casos de amor que enfrentaram o “establishment”, verdadeiros contos de fadas. Só que um não tem nada a ver com o outro. Aliás, são exatamente o oposto.

Harry e Meghan são uma peça fundamental para a popularidade da instituição. São jovens, modernos e seguem o modo de pensar de outro ícone dos fãs da realeza, a princesa Diana. Se a monarquia britânica quer continuar sendo relevante, precisa deles.

Já Edward 8º foi pressionado a deixar o trono por conta de sua afinidade com o nazismo. Nos anos 1930, o jovem herdeiro da coroa britânica, com ascendência germânica, celebrou a ascensão de Hitler.

Antes e depois de herdar o trono, seu comportamento foi observado e vigiado de perto pelo “establishment” político britânico e pelo MI5 (serviço de espionagem). Parte do Parlamento, assustada com a expansão do nazismo, era contra o fato de a Inglaterra poder se aliar a Hitler.

Foi nesse contexto que caiu como uma luva para os interesses anti-germânicos na Inglaterra o fato de Edward 8º ter se apaixonado por uma americana divorciada. Isso fez com que a aristocracia, o Parlamento, a Igreja e grande parte da opinião pública ficasse contra o casamento.

É certo que seu relacionamento com Wallis Simpson jogou a favor da abdicação, mas o verdadeiro motivo foi sua afinidade com o nazismo.

Diferentemente de Harry e Meghan, que querem sair por vontade própria, Edward 8º foi expulso do centro das decisões. E, mesmo deixando o trono, continuou sendo uma ameaça por sua amizade com dirigentes nazistas e com o próprio Hitler, a quem visitava em sua casa nos Alpes.

Os britânicos chegaram a temer que, no caso de uma invasão alemã bem sucedida às ilhas, Edward 8º fosse recolocado no trono, virando um rei-títere do Führer.

Outro elemento faz toda a diferença: Edward 8º era o herdeiro da coroa, numa época em que o monarca britânico era bem menos decorativo do que hoje. Já Harry é o longínquo sexto da linha de sucessão, com uma probabilidade mínima de chegar ao trono.

Uma Inglaterra nazista faria com que o mundo em que vivemos hoje fosse diferente. É por isso que, ao colocar a lupa na história de Edward 8º, o afastamento de Harry e Meghan parece apenas mais uma traquinagem tão típica do caçula do príncipe Charles.

10 de janeiro de 2020

OS BATALHADORES DO COTIDIANO!

(Zeina Latif – O Estado de S. Paulo, 09) Têm sido fartas as manchetes sobre as reformas propostas pelo governo, suas cifras ambiciosas e as especulações sobre a agenda econômica. Elas obscurecem, todavia, a boa gestão e o enfrentamento das dificuldades cotidianas da máquina do governo conduzidas por técnicos do governo. Não é só de reformas que vive o gestor público. Há um trabalho cotidiano a ser valorizado.

Há ótimas experiências que ajudaram o governo a navegar 2019 e que colaboraram para um 2020 mais promissor. Cito alguns.

Primeiro, o Tesouro Nacional.

O secretário Mansueto Almeida, remanescente do governo Temer, honra o cargo. Alertou que a reforma da Previdência não seria suficiente para o ajuste fiscal, contrariando a visão de outros tantos. Celebra os resultados fiscais mais favoráveis, enquanto aponta que o rombo é ainda expressivo (1,2% do PIB) e que mais esforços são necessários para estabilizar a razão dívida pública/PIB (superávit primário teria de ser 2% do PIB). Não por acaso, o governo enviou ao Congresso mais medidas de ajuste no Plano Mais Brasil.

Os alertas, certamente, contribuem para afastar as propostas para flexibilizar a regra do teto; um precedente perigoso. Se essa discussão tivesse prosperado, a taxa Selic não estaria nos atuais 4,5%.

As consultas ao TCU ajudam a afastar a pressão para aumento de gastos e benefícios tributários, pela necessidade de definir a fonte orçamentária, conforme previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. O esforço se refletiu na melhora dos indicadores fiscais. Afinal, a boa gestão depende, em grande medida, de impedir decisões equivocadas ou até desastres. Além disso, ajuda-se a construir uma tradição de bom funcionamento das instituições de controle e de valorização da disciplina fiscal. A experiência passada mostra que a letra fria da lei não é suficiente para tanto.

A comunicação transparente sobre os desafios fiscais é importante ingrediente para o diálogo democrático e para apontar a necessidade de ação do governo. Um exemplo recente é o Relatório de Riscos Fiscais da União. O documento mapeia riscos decorrentes do ambiente macroeconômico, o que estimula a agenda de redução da indexação de gastos públicos; e riscos específicos, como os decorrentes de ações judiciais contra União, o que aponta a necessidade de diálogo com o STF.

Segundo, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais.

A lei das estatais de 2016 foi importante passo para a gestão responsável e transparente das empresas, ao estabelecer regras de governança e gestão, incluindo códigos de conduta, gestão de risco e requisitos para nomeação de dirigentes.

Desde o governo Temer, a secretaria comandada por Fernando Soares tem conduzido trabalho competente para o enquadramento das empresas à nova lei. Aqui também se buscou o alinhamento com o TCU. Experiente, o secretário aponta os desafios técnicos do programa de privatização.

Os números falam por si. Em 2016, eram 228 estatais federais; em 2018, 209. O governo Bolsonaro deu continuidade à agenda de saneamento das estatais e desestatização, havendo atualmente 203 empresas. As estatais voltaram a registrar lucro, com alguma melhora no orçamento de investimentos e queda do endividamento. Houve ainda uma redução do quadro de funcionários: está em 481.850 ante 531.159 em 2016. Ajustes salariais têm sido, grosso modo, abaixo da inflação, e há esforço para enquadramento à reforma trabalhista e terceirização.

Finalmente, um terceiro destaque é a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, sob a liderança do incansável Rogério Marinho. Além do trabalho feito na reforma da Previdência e para promover mudanças nas regras trabalhistas, há um grande esforço de revisão das Normas Regulamentadoras (regras associadas à segurança e saúde do trabalho) que pesam no custo Brasil.

São iniciativas silenciosas, que não dependem de aprovação do Congresso, mas têm resultados visíveis. O exemplo precisa ser seguido.

Não é só de reformas que vive o gestor. Há um trabalho cotidiano a ser valorizado.

09 de janeiro de 2020

UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA!

(Basilio Jafet, presidente do SECOVI-SP – O Estado de S. Paulo, 08) Os prognósticos para 2020 são bastante positivos, tanto para o setor imobiliário – que deverá manter um bom ritmo de retomada – como para o Brasil, haja vista conquistas como ajuste fiscal, aprovação da reforma da Previdência e da Lei de Liberdade Econômica, redução da taxa de juros e inflação controlada.

É claro que a agenda nacional é bastante complexa, exigindo do governo e do Congresso redobrado empenho. Em pauta, as imprescindíveis reformas tributária e administrativa. Também deverão ser objeto de discussão (e votação) diversas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) referentes a temas como Pacto Federativo, Emergência Fiscal, mudança do Imposto de Renda, privatizações, reavaliação dos fundos públicos e outras importantes matérias que repercutem na vida de cada um de nós.

E como estamos nós diante deste processo, cujo lastro principal responde pelo nome de democracia?

A história do Brasil e de países que lutaram pelo regime democrático e pelo livre mercado vem revelando sinais que merecem ser devidamente analisados, haja vista uma série de aspectos que estão mudando para pior o cenário mundial, como mostra recente artigo publicado no jornal Le Figaro.

A democracia saiu vitoriosa das três guerras mundiais – a última delas resolvida politicamente (fim da guerra fria). A década final do século 20 viu a universalização do capitalismo, a ascensão da sociedade aberta e o progresso do regime democrático nos cinco continentes.

Trinta anos depois, entretanto, o que existe é um contraste impressionante (e preocupante). A economia global sofre com enormes dívidas e desequilíbrios ocorridos após a crise de 2008. Há pressões causadas por conflitos comerciais e o retorno do nacionalismo, simbolizado pela construção de muros nas fronteiras de países.

Em toda parte, a democracia está na defensiva. Por um lado, é designada como inimiga por chineses, russos, turcos e jihadistas de plantão. Por outro lado, é carcomida por populistas de toda sorte.

Uma enorme fadiga tomou conta dos povos democráticos, que se recusam a assumir o fardo e a responsabilidade pela liberdade. A segurança é, agora, preferível à liberdade e a identidade se sobrepõe à cidadania, o que paralisa as instituições e derrota as nações. As democracias sucumbiram à tentação da complacência e seus cidadãos, à tentação de viver apenas com direitos e sem deveres.

A liberdade deteriorou-se mais ainda com o abandono da educação, o desprezo pelo conhecimento e o desrespeito ao Estado de Direito. O declínio dos valores abriu amplo espaço para demagogos, extremistas e fanáticos. O capitalismo, que sofre com a queda da produtividade, é minado por bolhas especulativas criadas por empresas ditas inovadoras, que sobrevivem por anos sem proporcionar rentabilidade ou distribuir riquezas.

Também a globalização foi fragilizada. Tornou-se um modelo insustentável, que reivindica exportar a produção e os trabalhos para a Ásia e retém o valor e os lucros adicionados no Ocidente, tudo isso num momento em que as mudanças climáticas ameaçam sair do controle, assim como a manutenção da paz mundial.

O triunfo de 1989 se transformou na desocidentalização acelerada do mundo. O liberalismo dissolveu-se no materialismo e no individualismo. As democracias, em nome da euforia provocada pela derrota do sistema soviético, perderam o controle da história mundial, pois pararam de tentar compreendê-la e estabilizá-la.

Diante deste cenário, tudo o que não podemos perder é a esperança. As democracias perderam a batalha pós guerra fria, mas não a guerra do século 21. O que elas precisam é de coragem para reassumir seus valores e a responsabilidade de tornar o mundo um lugar melhor, mais civilizado e, acima de tudo, mais justo.

Somente o povo pode pressionar e exigir de seus governantes as providências para que isso aconteça. Esta é a reflexão necessária que todos nós, brasileiros – aliás, todos os cidadãos do mundo –, temos de fazer. Depois, tudo é questão de agir.

08 de janeiro de 2020

A HORA DA BIOECONOMIA!

(Paulo Hartung – O Estado de S. Paulo, 07) Utilização de materiais de origem fóssil, emissão de gases de efeito estufa, mudanças climáticas, desastres naturais… Precisamos superar o círculo vicioso dessa necroeconomia, que põe o nosso futuro em risco. Já não basta mudar, é necessário revolucionar. Transformar a maneira de fazer negócios, consumir, construir, enfim, viver. Já passou da hora de entrarmos de vez no círculo virtuoso da bioeconomia.

Nesse desafio, é preciso que as instituições – governos nacionais, organismos multilaterais, corporações, empresas, ONGs e outras forças da sociedade, como a academia – apressem o passo para não serem atropeladas pelas mudanças que já estão em andamento. Não há mais espaço para esforços individuais ou desarticulados. O mundo tem urgência por resultados práticos e só a mobilização compartilhada pode garantir um horizonte para o nosso planeta.

Estive na Bélgica, onde conheci o Instituto de Biotecnologia de Flandres – Vlaams Instituut voor Biotechnologie (VIB) –, numa região próxima à fronteira com a Holanda. A entidade construiu um sistema de governança bastante interessante e formatado de modo a reunir diferentes atores sociais em torno da inovação sustentada pelo conceito de bioeconomia. O local é financiado pelo governo, mas atua em parceria com empresas e cinco universidades. São 51 milhões de euros de investimento entre 2017 e 2021.

Em Ghent, também na Bélgica, visitei a Bio Base Europe Pilot Plant, biorrefinaria que é mais um exemplo a ser seguido. Investimento do governo local, o espaço está à disposição de empresas e da academia para pesquisa e desenvolvimento de soluções que tenham em seu DNA o aproveitamento de resíduos biológicos que substituam matéria-prima agressiva ao meio ambiente.

Altamente tecnológica, a biorrefinaria já recebeu mais de 120 companhias da Europa, da Ásia e das Américas que pesquisaram ou desenvolveram soluções inovadoras e fundamentais. Dali já saíram biocombustíveis, bioquímicos, bioadesivos, cosméticos, solventes, ingredientes para alimentos e medicamentos, entre uma infinidade de outros itens que em breve estarão no dia a dia da sociedade ajudando a migração para a bioeconomia. Sem uma companhia por trás da Bio Base Europe Pilot Plant, as empresas sentem-se confortáveis para desenvolver projetos, seguras da confidencialidade necessária para o avanço de pesquisas e obtenção resultados.

No Brasil não falta potencial e temos muito campo para avançar. Dentro do País há potencialidades e cases que demonstram ser possível mergulhar no mundo da bioeconomia e ter um papel de liderança nesse tema.

Quando o assunto é biomassa, as oportunidades são ainda maiores. O setor florestal nacional é referência em árvores cultivadas para fins industriais e seus resíduos têm alto valor.

A economia circular já faz parte do processo produtivo dessa indústria. Tocos de árvores, galhos e outros resíduos são utilizados para gerar energia, por exemplo. Na indústria de papel a reciclagem é muito forte.

O momento é propício. As novas gerações estão mais conectadas à sustentabilidade, conscientes de seu papel e da necessidade de assegurar um futuro para a humanidade. Essa garotada vai definindo novos padrões de consumo, com exigências que já se tornam o novo normal: menos produtos de plástico e de origem fóssil em geral, com explicitação de requisitos como reciclabilidade, renovabilidade e compostagem, com uma visão da circularidade da economia e crescente intolerância ao desperdício e ao single use.

A COP-25, em Madri, resume bem o momento. Não foi realizada no Brasil nem no Chile e coube à Espanha correr contra o tempo para evitar que a conferência se mostrasse de todo irrelevante do ponto de vista de seus resultados concretos e considerando que em aspectos centrais da implementação do Acordo de Paris, especialmente a aprovação do artigo 6 – mercado de créditos de carbono –, persistiu um impasse.

O fato é que a lógica das negociações multilaterais, como são as conferências da ONU sobre mudanças climáticas, por sua própria natureza e dimensão, na prática, estão na contramão de qualquer ideia de urgência.

No Brasil ainda precisamos sentar à mesa e pensar estrategicamente nesses assuntos, que são fundamentais para nosso futuro. Não há problema algum em olhar para fora de nossas fronteiras e nos inspirarmos.

Nesse sentido, a União Europeia lançou em Madri o documento The European Green Deal, com diretrizes para tornar a região neutra de carbono até 2050. A China até poucos anos atrás era um exemplo de degradação ambiental. Hoje se tornou um case de sucesso: suas metrópoles já não apresentam o ar irrespirável de antes, seu sistema de transporte coletivo vai adotando a eletricidade… Nos EUA, circunstancialmente afastados dos debates globais sobre economia de baixo carbono, os Estados subnacionais, a exemplo da Califórnia, já realizaram a reconversão de suas respectivas matrizes energéticas.

Somos uma potência ambiental e sem favor algum estamos predestinados ao protagonismo. Nosso desafio é nos reconectarmos em mutirão de mobilização colaborativa, para que possamos enfrentar e superar problemas inaceitáveis, ainda persistentes quando iniciamos a terceira década do século 21, em áreas decisivas à dignidade da vida, como educação e saneamento.

O fundamental no momento é uma visão cuidadosa, que, de fato, mire um futuro sustentável para o planeta, o que passa pela promoção e valorização de nossa caminhada civilizacional no rumo da economia circular e da bioeconomia. Aqui estou falando diretamente da sobrevivência de todos. Por isso temos de sair do discurso apequenado pelo viés ideológico e atrasado, passando a trabalhar em redes de cooperação em prol da reinvenção dos modos de habitar a Terra. Não podemos vacilar mais. O nosso futuro depende do agora.

Temos de trabalhar em rede em prol da reinvenção dos modos de habitar a Terra.

07 de janeiro de 2020

PARA DESPERTAR A CULTURA NO RIO!

(Marc Pottier – O Globo, 06) Para um curador francês apaixonado pelo Rio, que trabalha desde 1992 para promover a cena artística brasileira, o que está acontecendo no momento não dá para entender. É difícil aceitar como tantos artistas talentosos e lugares cariocas de cultura parecem ser totalmente negligenciados ou mesmo ignorados.

Já há décadas, o Rio de Janeiro tem sido um viveiro. Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape… tornaram-se referências mundiais. É o caso também de vários artistas das gerações seguintes, como Tunga, Ernesto Neto ou Cildo Meireles. Hoje o Rio é a cidade de estrelas reconhecidas internacionalmente como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Luiz Zerbini, Vik Muniz… Continua a ser um incrível centro de criatividade, com uma geração jovem mais do que promissora, da qual Maxwell Alexandre, estrela em ascensão, ou o grande pintor Arjan Martins são ilustrações flagrantes. Escrevi vários artigos para a revista “Ela” celebrando os muitos talentos femininos da cidade, tais como Alice Miceli, Fernanda Gomes, Maria Laet, Maria Nepomuceno, Laura Lima, Vivian Caccuri, Rosângela Rennó, Sonia Andrade…

O Rio de Janeiro tem o privilégio de ter lugares que são verdadeiras pérolas raras. Entre outras, estão o Museu do Inconsciente, o Museu Bispo do Rosário, o Sítio Burle Marx, o Museu do Açude, o Museu Casa do Pontal… No canal Arte1, pude apresentar através de 27 programas “Olhar estrangeiro” estes e outros espaços que temos no Rio. É por conhecer e amar esta cidade há tanto tempo que hoje me permito escrever este artigo para expressar minha tristeza, mas também minha certeza de que a situação pode ser revertida.

Numa das mais bonitas cidades do mundo, os turistas não podem encontrar lugares dedicados aos nossos artistas unanimemente admirados. O Centro Hélio Oiticica são apenas paredes. Ninguém poderá ver nada sobre Lygia Clark ou Lygia Pape. Ninguém pensou em dedicar um lugar permanente ao grande arquiteto Oscar Niemeyer. O MAR ameaça fechar suas portas. O canteiro de obras interrompidas do Museu da Imagem e do Som se deteriora em plena Avenida Atlântica. O MAM tem exposições que se estendem por meses. A Escola de Artes Visuais do Parque Lage acaba de ser decapitada. Um museu afro-brasileiro ainda não viu a luz do dia, e o Instituto de Pesquisa e Memória dos Pretos Novos sofre para permanecer aberto.

Mas se as questões culturais não parecem atrair políticas locais e nacionais, talvez possamos demonstrar que a cultura, além de gerar uma forte imagem de um país, também é um negócio rentável e de futuro? Para dar um exemplo, na França, uma avaliação mostrou que a cultura gerou um faturamento total de 91,4 bilhões de euros em 2018 e representou 2,3% da economia nacional, ou seja, um peso comparável ao da indústria de alimentos e 1,9 vez maior que o da indústria automotiva. O investimento em cultura mostra-se extremamente lucrativo e combina efetivamente com o mundo dos negócios, além de fomentar ainda mais o turismo. O Rio tem tudo em mãos para lucrar com isso.

Acredito que é hora de voltar a dar orgulho aos cariocas, conscientizar as pessoas de que o Rio está deitado em um verdadeiro “berço esplêndido”, mas que a situação é de emergência. Provavelmente, chegou a hora de o mundo civil e empresarial substituir os territórios abandonados pelas autoridades públicas. Não se pode imaginar que numa cidade como esta não se consiga reunir algumas personalidades que se engajem em mostrar que o Rio não é apenas o lugar de “Sea, Sex and Sun”. Algumas iniciativas, como a de Oskar Metsavaht, que abriu o espaço OM.art no Jockey Club, e de Fabio Szwarcwald, que graças a um crowdfunding conseguiu reformar as cavalariças do Parque Lage… Vamos apoiar essas iniciativas promissoras e dinâmicas e imaginar outros projetos que se adaptem a essa cidade e seus grandes talentos. É hora de acordar!

06 de janeiro de 2020

‘FALTA UM CÓDIGO DE CONDUTA PARA AS REDES’!

(O Estado de S. Paulo, 04) Em 2018 e 2019 a discussão sobre o uso da internet e as redes sociais se popularizou. Disparos em massa pelo WhatsApp, disseminação de fake news e o uso de dados pessoais por empresas de tecnologia estão na pauta e, pelo visto, não devem sair tão cedo. Estudioso do assunto, Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab – centro de pesquisa em direito e tecnologia –, conversou com a coluna sobre as perspectivas dessas questões em 2020. A seguir, trechos da entrevista.

Acredita que no ano que vem as pessoas vão ter mais consciência sobre o uso de seus dados pelas empresas de tecnologia?

Sim. No campo do uso de dados pessoais 2020 será um ano superimportante, porque começa a entrar em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Essa lei foi discutida durante longo tempo, teve consulta pública e a colaboração de uma comunidade de especialistas. Quando temos um momento como esse, no qual uma grande lei vai impactar todo mundo, existe também um salto de consciência da importância desses direitos, da cultura da privacidade.

Como vê o cenário atual?

Estamos vivendo a transição da privacidade como ideia do direito de estar só, de não ser perturbado, para uma noção de privacidade que é o controle de suas informações. Como elas estão circulando por aí. Daqui por diante, isso vai ser ainda mais dinâmico.

A ideia da liberdade de expressão é muito usada pelas empresas para justificar o livre conteúdo. O que pensa a respeito?

O uso que faz uma empresa sobre a liberdade de expressão não é vazio. Porque o modelo de negócio dessas empresas é muito diferente, é um modelo que anda entrelaçado com a liberdade de expressão. Mesmo assim, muitas empresas já retiram milhares de conteúdos por dia. A discussão é: como os termos de uso conseguem ser aplicados de maneira transparente e com respeito aos direitos do usuário.

Tem algum exemplo de medidas que as empresas estão tomando nesse sentido?

O Facebook anuncia que vai criar uma espécie de “suprema corte” para atuar nos casos difíceis. Trata-se, ao que parece, de um coletivo de juristas, jornalistas e outros profissionais que vão analisar o conteúdo, o contexto local, o timing e tomar uma decisão de um jeito coerente. Estamos caminhando para maior transparência, mas ela não virá sem uma pressão decidida da sociedade.

Precisa existir regulação de conteúdo? Em caso positivo, qual é o critério?

Precisa ter regulação, mas também se deve tomar cuidado porque, se todo mundo que ficar ofendido com qualquer conteúdo conseguir retirá-lo de circulação, dá para imaginar? Em 2020 será julgado o caso da constitucionalidade desse modelo, que foi construído com muita participação. Fraturar esse modelo, achando que se está resolvendo um problema das fake news e dos discursos de ódio, pode levar a criar um ainda maior – em um momento no qual a manifestação é muito importante e em que ameaças a ela não vão faltar.

Como vê o uso das redes sociais pelos políticos no Brasil?

Antes os políticos eram performers de TV. Agora, são performers de rede social. Acho que talvez seja necessário pensar um código de conduta para servidores públicos no uso das redes, por exemplo. Isso não é uma discussão para as empresas de tecnologia, quem tem de fazê-la é a sociedade brasileira. Um assessor de parlamentar pode ter um perfil falso e controlar esse perfil durante o horário de trabalho? Ele tem alguma diligência? Não são questões fáceis, mas é uma discussão importante de trilhar, que vale para quem é de direita ou esquerda. Regulamos a comunicação pública na TV e no rádio. Existem padrões éticos, licitações e práticas institucionais que modulam o assunto. No caso das redes sociais ainda não temos. É preciso rever isso.

03 de janeiro de 2020

DESPROVIDAS DE CONTROLE!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 02) Um quarto das capitais brasileiras não dispõe de uma estrutura completa de controle interno, que serve tanto para identificar ilícitos como para preveni-los.

Um quarto das capitais brasileiras não dispõe de uma estrutura completa de controle interno, revela levantamento do Estado, feito a partir de dados do Instituto Não Aceito Corrupção. Essa estrutura é composta de quatro unidades: ouvidoria, auditoria governamental, corregedoria e controladoria. Por exemplo, sete capitais não têm uma corregedoria, que é o órgão encarregado de apurar desvios de servidores e de recursos públicos.

Esse quadro revela que administrações municipais de capitais estão desprovidas de um sistema de combate à corrupção. Mais grave que os ilícitos identificados fiquem impunes é o fato de que essas prefeituras são incapazes, por falta de estrutura administrativa, de identificar os ilícitos. Simplesmente elas não fazem ideia, porque não controlam, se o dinheiro público sob seus cuidados é utilizado dentro dos parâmetros legais.

É assombroso que, mesmo após o combate à corrupção ganhar especial relevância na agenda do País – há anos que a população pede um novo patamar de moralidade e legalidade na gestão do dinheiro público –, sete prefeituras de capitais ainda não tenham se dado ao trabalho de criar uma corregedoria. Destaca-se que o caso não se refere a municípios pequenos, com reconhecida incapacidade técnico-administrativa. O levantamento refere-se a capitais de Estados. São prefeituras que, de um modo ou de outro, funcionam como referência para as outras administrações municipais do Estado. Pois bem, o que deveria ser padrão falha primariamente.

Segundo o levantamento do Estado, as unidades de controle interno mais frequentes são a auditoria e a ouvidoria, que é o canal de interlocução entre o cidadão e a administração pública. A auditoria é responsável por avaliar a legalidade e a legitimidade da administração, verificando aspectos como eficiência e economicidade na utilização dos recursos públicos por meio de contratos com terceiros. No entanto, nem mesmo esses dois órgãos estão presentes em todas as capitais. A prefeitura de São Luís (MA), por exemplo, não dispõe de ouvidoria. No momento, tramita um projeto de lei para a criação da ouvidoria municipal. Por enquanto, é a Controladoria-Geral do Município que responde como unidade de ouvidoria.

Em 2017, o Congresso aprovou a Lei das Ouvidorias (Lei 13.460/2017), com o objetivo de fortalecer e proteger os direitos do usuário dos serviços públicos. “A consolidação do acesso do usuário dos serviços públicos à gestão, por meio do recebimento e tratamento oportuno de manifestações, bem como de pedidos de acesso à informação, favorecem o controle social”, lembrou Ada Barbosa Derze, auditora-chefe da Controladoria-Geral do Município de Rio Branco.

Uma estrutura adequada de controle interno serve tanto para identificar ilícitos como para preveni-los. Gustavo Ungaro, controlador geral de São Paulo, adverte que o investimento em órgãos de controle é também uma forma de recuperar recursos e deixar de gastar indevidamente. No caso da Controladoria Geral do Município de São Paulo, estima-se que o órgão gerou, desde 2013, uma economia de R$ 274,9 milhões, por meio da revisão de contratos e da recuperação de desvios após apurações internas.

Aprimorar o funcionamento do sistema de controle interno inclui também reorganizar as carreiras públicas, criando funções específicas e diminuindo os cargos em comissão. “Nos municípios, sobretudo nos menos organizados, o sujeito que cuida dos contratos em geral entrou lá com o prefeito e assumiu um cargo genérico. Quando o prefeito sai, o funcionário vai embora”, lembra Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito da FGV-SP.

A submissão da administração pública à lei é parte integrante do Estado de Direito. Como definiu a Constituição, a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Por isso, o controle interno não é um acessório e tampouco ornamento. Sua inexistência significa grave omissão.