22 de agosto de 2022

STALINGRADO, VERSÕES DE UMA BATALHA!

(Demétrio Magnoli, sociólogo, doutor em geografia humana pela USP – Folha de SP, 19) No 23 de agosto de 1942, 80 anos atrás, começou a Batalha de Stalingrado, ponto de inflexão da guerra mundial no teatro europeu. Desde 2013, Volgogrado reverte a seu antigo nome nos aniversários da batalha crucial. O culto a Stalingrado descortina a evolução do nacionalismo russo, de Stálin a Putin.

A primeira versão sobre a batalha fixou-se em 1943, na Conferência de Teerã, quando Churchill passou às mãos de Stálin a Espada de Stalingrado, oferenda do rei George 6º à cidade heroica. Originalmente, a URSS traduziu a vitória como marco da unidade das potências aliadas contra o nazifascismo.

Durou pouco. Desde 1947, Stálin ergueu uma segunda versão, adaptada à nova rivalidade da Guerra Fria. Os antigos aliados foram reinterpretados como herdeiros do nazifascismo e a batalha transformou-se na certidão de batismo da Grande Rússia soviética. Duas décadas depois, numa cidade já renomeada, Kruschev inaugurou A Pátria Convoca, a estátua de 85 metros de altura, no estilo do realismo socialista, de uma mulher guerreira empunhando uma espada.

Putin, que qualificou a implosão da URSS como “a maior catástrofe geopolítica do século 20”, conserva a versão grão-russa sobre a batalha, mas a recobre com uma tintura especial. A sua Grande Rússia substitui as referências comunistas por uma pasta ideológica inspirada no fascismo. No salto, ocupa lugar destacado o filósofo político cristão Ivan Illyn (1883-1954).

Illyn foi expulso da Rússia soviética em 1922. No exílio, em Berlim e depois na Suíça, conectou-se aos emigrados russos contrarrevolucionários e abraçou o pensamento fascista. Em 1950, escreveu um ensaio que viria a ser repetidamente citado por Putin. Nele, identificava um “experimento hostil”, urdido pelas potências ocidentais, de fragmentação da Rússia num “gigantesco Bálcãs”, que seria “enganosamente exibido como supremo triunfo da ‘liberdade’ e da ‘democracia’…”.

“A propaganda alemã investe dinheiro e esforço singulares no separatismo ucraniano”, alertava Illyn. Em 2005, ano do primeiro levante popular ucraniano contra um governo pró-russo, Putin obteve a transferência dos restos mortais do pensador fascista para a Rússia e, quatro anos mais tarde, depositou flores em sua tumba, no monastério Donskoy. Em 2013, o Kremlin indicou o livro “Nossas Tarefas”, no qual encontra-se o ensaio, como leitura fundamental para os altos funcionários russos.

Segundo Illyn, Hitler cometera o equívoco fatal do ateísmo. As impurezas da modernidade –isto é, o pluralismo e o advento da sociedade civil– teriam exilado Deus e precisariam ser purgadas pela restauração do mundo antigo. A missão redentora caberia a uma nação justa (a Rússia) disposta a seguir um líder descomunal engajado na criação de uma nova totalidade política. Putin tem bons motivos para recomendar a seus cortesãos o estudo da obra de Illyn.

Otan? O pretexto inicial para a invasão da Ucrânia sobrevive apenas no discurso do “anti-imperialismo” ocidental. As vozes ligadas ao Kremlin empregam a linguagem exterminista típica do fascismo. Margarita Simonyan, chefe da rede estatal RT, explica que “a Ucrânia não pode continuar a existir. O ex-presidente Dmitri Medvedev refere-se aos ucranianos como “bastardos e degenerados”. Vladimir Soloviov, âncora de TV premiado por Putin, prefere a palavra “vermes”: “Quando um veterinário desparasita um gato, para ele é uma operação especial, para os vermes é uma guerra e para o gato é uma limpeza”.

A versão antiocidental da Batalha de Stalingrado contada por Stálin celebrava uma Grande Rússia destinada pela história a ser a URSS. A retificação emanada de Putin glorifica uma Grande Rússia eterna: a espada purificadora que Deus cravará num mundo pecaminoso. A adoração devotada pela extrema direita a Putin é normal. Já a simpatia da esquerda solicita investigação.

18 de agosto de 2022

A ESQUERDA ESTÁ DE MÃOS ATADAS NA AMÉRICA LATINA’!

(José Fucs – O Estado de S. Paulo, 18) O cientista político Christopher Garman, não “compra” a ideia de que o avanço da esquerda na América Latina se deve a uma guinada ideológica dos eleitores, como dizem por aí políticos e militantes do grupo. Segundo ele, o que está levando a esquerda a vitórias em série na região é “um profundo sentimento desencanto com o sistema e de revolta contra o status quo”. Nesta entrevista, que faz parte da série sobre o avanço das esquerdas na América Latina lançada pelo Estadão, ele afirma também que, no atual cenário regional e global, os governantes do grupo na região “estão de mãos atadas” e terão dificuldade para cumprir as promessas de campanha.

Como o sr. analisa a atual onda de governos de esquerda na América Latina? O que está levando a esta guinada para a esquerda na região? Isto não está acontecendo por causa de uma predisposição em favor de plataformas de esquerda. É um movimento de revolta contra o status quo. Quando a gente olha as pesquisas, a América Latina aparece no topo do ranking global de desencanto. A geologia da opinião pública está podre. Estamos vivendo um ambiente de insatisfação muito grande com a qualidade dos serviços públicos, com falta de confiança no sistema de forma mais ampla. A confiança nas lideranças políticas, nos partidos, no Judiciário, na mídia, está num nível muito baixo.

Na sua visão, a que se deve este alto grau de desencanto? É fruto de uma expansão brutal da classe média no período de alta dos preços das commodities, do início dos anos 2000 até 2011, 2012. Milhões de famílias saíram da miséria. Isso levou a uma mudança nas demandas eleitorais. A preocupação passou a ser mais segurança, saúde, educação. O eleitor associou a corrupção à má qualidade dos serviços públicos. Antes da pandemia, a corrupção havia se tornado o primeiro ou o segundo tema mais relevante no Brasil, no Chile, na Colômbia, no México, no Peru, e houve esse descrédito total no sistema. No fundo, o que a gente está vendo é uma combinação deste choque de falta de confiança com novas demandas de uma classe média emergente que são difíceis de entregar num contexto de crescimento econômico mais baixo.

Como a pandemia se encaixa neste cenário?

A pandemia pegou a América Latina, em termos epidemiológicos, com mais força do que outras regiões. Então, houve uma queda mais acentuada do PIB (Produto Interno Bruto), a desigualdade aumentou e a capacidade de os governos atenderem a essas demandas caiu. Isso exacerbou esse mal estar. Para completar, veio o choque de inflação global que reforçou a queda de renda das famílias mais pobres. Este é o caldeirão de revolta que está elegendo a esquerda na região. Como mais governos de direita e de centro estavam no poder, eles estão sentindo mais. A esquerda estava mais bem posicionada para navegar nesta onda.

Em que medida esta nova onda de esquerda é diferente da que se propagou pela América Latina do início dos anos 2000 até meados da década passada?

O quadro atual é muito diferente. A primeira onda aconteceu em meio ao boom das commodities e a um superciclo econômico e político que proporcionou uma abundância de recursos e levou a taxas de aprovação muito altas dos governantes. Agora, este ambiente de desencanto vai impactar a esquerda politicamente. Os governantes vão ter uma lua de mel curta e uma taxa de aprovação estruturalmente baixa. A capacidade de os governantes se reelegerem também deve diminuir estruturalmente.

Agora, hoje também está ocorrendo uma alta das commodities. Isto também não pode ter um impacto positivo para os atuais governantes latino-americanos? Sim, isto ajuda o governo do lado da arrecadação. Mas, em termos de trocas, não está ajudando muito, porque o valor das importações, dos insumos, também subiu muito. Os preços das commodities estão elevados, mas a renda caiu no Brasil e em outros países. A sensação de bem estar não está acompanhando este ciclo. Os ganhos políticos, portanto, não são os mesmos que os da primeira onda. Além disso, há um cenário de recessão nos Estados Unidos, na Europa, e de desaceleração na China. Isso deverá conter esta alta das commodities. Todos os países da América Latina aumentaram os juros para tentar controlar a inflação. A conta vai chegar nos próximos 12 meses.

Que efeito isso deve ter? Os mesmos fatores que estão levando líderes da esquerda a ganhar as eleições vão dificultar seus governos e colocar restrições no que podem entregar e fazer. Por isso, o potencial de estrago da esquerda hoje está mais limitado, porque eles não vão ter capacidade de se reeleger, de encaminhar medidas mais ambiciosas, até porque muitas vezes não têm apoio parlamentar e terão de compor com o centro. Então, os governos de esquerda estão com as mãos atadas.

12 de agosto de 2022

OS DEMOCRATAS SALVARAM A CIVILIZAÇÃO?!

(Paul Krugman – The New York Times/O Estado de S. Paulo, 12) Eles realmente conseguiram. A Lei de Redução da Inflação – que é principalmente um projeto legislativo destinado a combater as mudanças climáticas, com um aspecto que favorece uma reforma na saúde – foi aprovada pelo Senado, no domingo; e, segundo todos os cálculos, será facilmente aprovada na Câmara dos Deputados e se tornará lei.

Isso é realmente muito importante. A lei, em si, não é suficiente para evitar o desastre climático. Mas é um passo enorme na direção certa e prepara o cenário para mais ações nos próximos anos. A legislação catalisará progresso em tecnologia verde. Seus benefícios econômicos facilitarão a aprovação de mais leis. Ela dá aos EUA a credibilidade de que o país precisa para liderar um esforço global para limitar as emissões de gases de efeito estufa.

DIFAMAÇÃO. Há, evidentemente, cínicos ávidos para difamar essa conquista. Alguns na esquerda se apressaram em desprezar o projeto de lei, qualificando-o como um prêmio para a indústria de combustíveis fósseis com pose de ação ambiental. Mais importante, os republicanos – que se opuseram à legislação de maneira unânime – estão berrando o que sempre berram: Gastos altos! Inflação!

Mas verdadeiros especialistas em energia e meio ambiente estão exultantes com o que foi alcançado, e economistas sérios não estão preocupados com o efeito sobre a inflação.

Comecemos com o lado ambiental. Muitas pessoas com quem converso acreditam que a agenda ambiental do presidente Joe Biden, conforme definida em sua proposta original do pacote Build Back Better, deva ter sido em grande parte diluída na legislação aprovada.

Afinal, os democratas não tiveram de abrir grandes concessões para ganhar o voto do senador Joe Manchin? E não estão previstos importantes benefícios para os interesses do setor de combustíveis fósseis, como ajuda para um controvertido gasoduto?

GANHOS. Mas analistas da indústria de energia acreditam que qualquer efeito climático adverso decorrente dessas concessões será obliterado pelos ganhos de créditos fiscais para a energia limpa. O Repeat Project, compilado pelo Zero Lab, de Princeton, produziu uma comparação lado a lado dos cortes de emissão sob a Lei de Redução da Inflação (LRI) e sob a versão mais branda do Build Back Better (BBB).

Até 2035 a LRI, estimam os pesquisadores, terá ocasionado mais de 90% das reduções de emissões que o BBB teria alcançado. Depois daquele drama legislativo, a política ambiental de Biden emergiu essencialmente intacta.

Como isso foi possível? Logo em seu início, o governo Biden decidiu que sua política ambiental seria movida a cenouras, em vez de chicotes – isso proveria incentivos para fazer a coisa certa, não penalidades por fazer a coisa errada.

Essa estratégia, esperava-se, se provaria factível politicamente de uma maneira que, digamos, impostos sobre emissões de carbono não seriam capazes. E essa esperança foi reivindicada.

DIVIDENDOS. Além disso, tratase de uma estratégia que, aparentemente, renderá dividendos políticos no futuro. Um novo estudo, de E. Mark Curtis e Ioana Marinescu, constata que “o crescimento da energia renovável leva à criação de empregos relativamente bem remunerados, que são com bastante frequência localizados em áreas que têm a perder com o declínio dos empregos na extração de combustíveis fósseis”.

Então, o que o governo Biden perdeu? Infelizmente, grande parte do gasto social que o BBB original previa – créditos fiscais em benefício de crianças, creches públicas universais e mais – foi cortada. Isso é trágico, apesar de o aumento nos subsídios para seguro-saúde – que ajudaram a produzir uma redução recorde no número de americanos não segurados – ter sido estendido. Mas os democratas cumpriram quase todas as suas promessas em relação ao meio ambiente.

INFLAÇÃO. E o que diz a crítica da direita? Além da patética tentativa de retratar a LRI como uma grande escalada nos impostos da classe média, republicanos como Mitt Romney estão tentando associar a legislação com o Plano de Resgate Americano, do ano passado, que, afirmam eles, causou aumento na inflação.

Não importa se essa alegação é verdadeira ou não. Importante é fazer a conta. A Lei de Redução da Inflação prevê gastos inferiores a US$ 500 bilhões ao longo de uma década, e o Plano de Resgate Americano determinou o gasto de US$ 1,9 trilhão em um único ano – e na realidade reduzirá o déficit. É por isso que analistas independentes consideram que a LRI influenciará pouco a inflação.

Mas se o gasto não é tão grande, como é capaz de surtir tamanho impacto? A resposta é que, neste momento, estamos numa espécie de limiar. A tecnologia em energia renovável fez um progresso revolucionário, e fontes renováveis já são mais baratas do que combustíveis fósseis em muitas áreas.

Um estímulo moderado da política pública basta para ocasionar a transição para uma economia muito mais verde. E a Lei de Redução de Inflação vai dar esse empurrão.

IGNORÂNCIA. Mas, diante tudo isso, por que todos os senadores republicanos votaram contra a LRI? Nem todos eles são ignorantes e alguns sabem fazer contas – estou bem certo que Romney, por exemplo, sabe que está falando besteira.

Diferenças ideológicas também não podem ser facilmente invocadas. O esforço ambiental da LRI depende principalmente de créditos fiscais – e os próprios republicanos usaram créditos fiscais para cumprir metas sociais, como os (tão abusados) créditos em Zonas de Oportunidade previstos no corte de impostos aplicado por Donald Trump em 2017.

Quase certamente, o que vemos agora é a política do despeito. Todos os senadores republicanos se mostraram dispostos a acabar com nossa melhor chance de evitar um desastre climático simplesmente para negar uma vitória ao governo Biden.

A boa notícia é que a lei foi aprovada a despeito de seu despeito. E o mundo se tornou um lugar com mais esperança do que era semanas atrás.

10 de agosto de 2022

A GUERRA FAZ A CLAREZA!

(Alastair Crooke, ex-diplomata britânico – Les Crises) O acidente de trem é esperado há tanto tempo que nos tornamos confortáveis ​​vivendo sob sua sombra. A vida continuou; os mercados estavam otimistas de que o subsídio ao estilo de vida de mercado fornecido pelos Bancos Centrais continuaria inabalável. E não sem uma boa razão também: qualquer decepção do trader com a ação do Banco Central, qualquer queda nos mercados, provocava um chilique coletivo no mercado que geralmente forçava os Bancos Centrais a um apaziguamento imediato. Fomos pressionados a imaginar de forma diferente.

Agora, no entanto, estamos em uma nova era, de muitas maneiras. O Ocidente entrou em guerra com a Rússia e a China. O Ocidente, no entanto, não fez sua lição de casa primeiro, e agora está descobrindo que a ‘guerra’ está revelando cruelmente a rigidez estrutural e as falhas inerentes ao seu próprio sistema econômico, em vez de explorar as fraquezas de seus rivais.

Por que essa nova era é tão grave? Em primeiro lugar, por causa do que está ‘debaixo das pedras’. Essas contradições estruturais vêm se acumulando ao longo de décadas, espreitando no lado escuro e úmido das pedras. Mantidos escondidos da vista pelo resultado econômico fortuito (para os EUA) da Segunda Guerra Mundial, e a combinação igualmente fortuita de fatores que mantiveram a inflação baixa (tão baixa que os economistas ocidentais acreditavam ter encontrado o ‘santo graal’ da ‘flexibilização’ monetária – eles baniu as recessões para sempre). Tão simples, realmente, basta ligar a impressora de dinheiro!

Salvar o navio, é claro, é imperativo. Assim, a América decidiu cuidar ‘dos ​​seus’. O plano de Davos-Bruxelas de eventualmente transformar os bancos comerciais europeus superendividados em uma única moeda digital controlada por Bruxelas de repente é visto – como se escamas tivessem caído dos olhos – como potencialmente ameaçando furar o casco abaixo da linha d’água .

O que isso revela é que o ‘jogo dólar forte-dólar fraco’ – em conjunto com as sanções do Tesouro – não foi ‘tão ruim’ para os grandes bancos de NY! Por que deixar os europeus recolherem todos esses ativos em dificuldades que surgem em tempos de crise? Por que permitir que a grande esfera bancária dos EUA se dissolva em um mundo de aplicativos fin-tech? Por que privar o primeiro de seus direitos históricos de invasão? Por que parar agora porque os europeus querem ‘Davos’.

Assim, os grandes bancos dos EUA estão pensando, deixe o BCE – e por extensão a Zona do Euro – ‘cair sob o ônibus’. De qualquer forma, coordenar a política com o BCE amarrou as mãos do Fed para administrar os assuntos em seu próprio benefício.

É a guerra, estúpido (para citar erroneamente o presidente Clinton). Se você levar um martelo de sanções a uma rede de fornecimento complexa e frágil ‘just in time’, você terá bloqueios de fornecimento – e a inflação de custos é inevitável . Abrir a torneira do dinheiro quando você enfrentar a inflação gerada pela oferta apenas retornará a dinâmica inflacionária ao sistema. O que o Fed está tentando fazer é manter intactos alguns benefícios de uma moeda de reserva, em um momento em que o valor da mercadoria como meio de negociação chama a atenção do mundo.

O que isso pode significar em termos de política prática? Bem, as crises de custo de vida já estão aqui, assim como o início das ruínas políticas que se seguiram. O BCE anunciou na semana passada o fim das compras de ativos e não colocou mais nada no lugar. Tudo o que o BCE disse foi que trabalharia em um ‘instrumento de emergência’.

Então, claramente, há uma emergência – mas não há um novo instrumento e não haverá um. O BCE pode usar uma ferramenta de QE existente para comprar uma quantidade ilimitada de títulos soberanos ou não. É uma escolha, não uma ferramenta nova.

O Euro é apenas um derivado do dólar (que em si é um derivado da garantia subjacente). O Euro-sistema (para usar uma metáfora militar) foi construído para proteger as linhas defensivas estáticas existentes: não é uma força militar expedicionária móvel e itinerante.

A base sistêmica para a zona do euro tem sido o compromisso absoluto do BCE de manter o Bund alemão de 10 anos com um prêmio gerenciado sobre os títulos do Tesouro dos EUA de 10 anos (estes são, respectivamente, as duas ‘âncoras de valor’ que sustentam o funcionamento da zona do euro) .

E, à medida que as taxas de juros sobem nos EUA, isso deve ser refletido no Bund (para preservar seu ‘valor’) – pois os títulos soberanos representam a garantia altamente alavancada sobre a qual está (ou não) o edifício bancário europeu. Se o valor, digamos, das garantias italianas cair, um ciclo de destruição financeira se instala – como aconteceu em 2012. Em uma palavra, a Zona do Euro potencialmente entraria em colapso.

Com uma inflação de 2%, os títulos soberanos europeus poderiam ser mantidos mais ou menos alinhados. Em 8% eles não podem. E o mercado de títulos está se fragmentando. Os spreads entre os títulos dos estados dispararam nas últimas semanas. Como paliativo, o BCE parece estar vendendo bunds alemães para comprar dívida italiana.

O que isso prenuncia para o futuro? Uma dica do que pode estar por vir foi quando Christine Lagarde não deixou dúvidas de que o BCE pelo menos tentará resistir. Ela disse durante uma conversa na London School of Economics que o BCE não se sujeitaria ao domínio financeiro. O domínio financeiro é um conceito mais amplo do que o de ‘domínio fiscal’ porque inclui o resgate de bancos e outras instituições financeiras, bem como as necessidades de empréstimos do governo.

Isso efetivamente poderia, pelo menos, salvar um núcleo para o ‘projeto’ do euro, eliminando os estados mais fracos e reservando o euro para as economias do norte menos endividadas. A consequência seria uma Europa imitando o que Wall Street fez com a Rússia durante a era Yeltsin: ou seja, imagine-a como a Itália, com seus ativos ‘privatizados’ e vendidos por US$ 1 (como Draghi fez uma vez com o Banco Popular, que ele ‘ assumiu’ como chefe do BCE e depois vendeu ao Santander por 1 euro).

Nos EUA, já existem indícios de tais ações armadas decorrentes de fragmentos do movimento pró-aborto, mas na Europa (e particularmente na Alemanha), podemos ver a raiva derivada de ativistas climáticos radicais, furiosos ao descobrir que é o Transição de energia que será jogada sob o ônibus, enquanto os estados lutam para fazer o melhor possível para manter um sistema à tona, o mais barato possível. A auto-sobrevivência invariavelmente tem prioridade, deixando outros interesses de lado.

Um livro do acadêmico e ativista climático sueco Andreas Malm, observou Wolfgang Münchau , traz o título “ Como explodir um oleoduto” . Sua mensagem mais importante foi um grito de guerra para os ativistas climáticos queimarem e destruirem todas as máquinas emissoras de CO2. Também invocou a declaração mais famosa de Meinhof – que era hora de uma transição da oposição para a resistência.

09 de agosto de 2022

SEGURANÇA DO CELULAR: AS DICAS VÃO DO NÍVEL BÁSICO ATÉ O AVANÇADO!

(O Estado de S. Paulo, 07)

Nível básico •

1) Use senhas alfanuméricas (incluindo símbolos e combinando letras minúsculas e maiúsculas) diferentes para cada cadastro;

2) Use sequências numéricas aleatórias em instituições financeiras, como senhas de cartões ou credenciais em aplicativos bancários;

3) Ative a verificação em duas etapas por celular ou e-mail; 4) Coloque senha no chip (SIM) da operadora, o que irá impedir que ladrões insiram o cartão em outro aparelho e tenham acesso ao seu número; 5) Não clique em links duvidosos ou dê informações pessoais, mesmo que o pedido seja de um contato conhecido; 6) Ative todas as biometrias do seu aparelho, como leitores de digitais e de rosto, que criam camadas a mais de segurança.

Nível intermediário •

1) Tenha senhas aleatórias, complexas e impossíveis de decorar: use apps específicos (1Password, Last Password) ou ferramentas de navegadores (Google Chrome e Safari) que criam senhas e as colocam em um “cofre” na nuvem;

2) Ative senhas de uso único como outra etapa de verificação. São números aleatórios que funcionam como segundo código. São criadas por apps próprios (Google Authenticator, Microsoft Authenticator, Authy, 1Password);

3) Entre em contato com a instituição financeira e diminua limites diários de transferência (DOC, TED e Pix), saques e empréstimo pré-aprovado; 4) Considere incluir um contato de confiança em sua família iCloud (Apple), permitindo que familiares possam apagar o dispositivo a distância em caso de roubo – Android (Google) não tem o recurso.

• Nível avançado

1) Comprar uma chave de segurança física para recuperação de senha e logins, como Titan (do Google), Yubico e OnlyKey — os preços, no entanto, podem ultrapassar a faixa dos R$ 800. Esses objetos são pequenos e podem ser guardados em chaveiros, por exemplo;

2) Gere e imprima códigos de backup alternativos, senhas criadas automaticamente pelo próprio cadastro dos serviços. Devem ser guardados em casa em local seguro; 3) Caso tenha adotado um app gerador de senhas, apague as senhas salvas dos navegadores para evitar brechas; 4) Crie um “e-mail secreto” a que só você tem acesso: essa conta não pode estar salva em nenhum dispositivo do cotidiano, deve ter senhas fortes e autenticação em dois fatores ativada. Por esse e-mail, você fará recuperação das contas mais importantes;

5) Deixe um dispositivo em casa (como um tablet ou celular velho) para ser o local por onde você acessa seu e-mail “secreto”, apps próprios de senhas ou até de instituições financeiras menos utilizadas.

08 de agosto de 2022

CRIANÇAS E ADOLESCENTES NUM PAÍS FAMINTO!

(Raquel Franzim e Ana Claudia Cifali respectivamente, diretora de educação e culturas infantis do Instituto Alana e coordenadora jurídica do Instituto Alana – O Estado de S. Paulo, 07) Ao longo dos primeiros 18 anos de vida, a criança e o adolescente vivem transformações físicas, cognitivas e emocionais que estruturam os anos que seguem e a vida adulta. Esse período, que é breve, produz efeitos duradouros. É por isso que o dado revelado de que o número de pessoas passando fome dobrou do final de 2020 para o começo de 2022 em lares do País com crianças de até 18 anos (25,7% das famílias) é o anúncio da tragédia humanitária que vivemos no presente com potencial de arruinar uma geração inteira no futuro. Durante as férias escolares, com a interrupção da oferta de merenda escolar, este quadro se agrava ainda mais.

Apenas 26% das crianças de 2 anos a 9 anos no Brasil fazem três refeições por dia. Famílias negras e chefiadas por mulheres são as mais impactadas, escancarando como a raça e o gênero são características decisivas para uma vida de privações e para a desigualdade na garantia de direitos em nosso país. A alimentação é o direito social mais básico da vida humana. A interrupção do acesso regular e permanente à alimentação de qualidade e em quantidade suficiente gera um efeito cascata nos demais direitos, impactando o desenvolvimento e freando a autonomia humana, essencial para um Estado Democrático de Direito.

Uma criança que passa fome não deveria preocupar apenas sua família: é a demonstração de que toda a responsabilidade compartilhada prevista no artigo 227 da Constituição federal falhou. Falhamos nós, sociedade e suas instituições, e falham os governos, que deveriam protegê-la acima de tudo, em primeiríssimo lugar, de toda ordem de violência e crueldade que a fome provoca.

Entre os direitos sociais mais afetados ao passar fome encontra-se o direito à educação. Tanto não há condições para aprender, participar e se desenvolver integralmente que o País criou ainda em 1954 o consolidado Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Posteriormente, foi incorporado como direito na Constituição federal de 1988 nos artigos 205 e 208 como um programa suplementar, ou seja, fundamental na garantia de qualidade na educação.

Responsável por garantir 15% das necessidades nutricionais básicas da vida, o programa é uma política pública baseada em evidências que comprovam que, do ponto de vista cognitivo, a desnutrição infantil prejudica o desenvolvimento da atenção, a memória, a leitura e a aprendizagem de linguagens como um todo.

A equação é simples: com menos energia e nutrientes, a performance ao participar da vida escolar diminui e as dificuldades de aprendizagem aparecem. Importante destacar que a fome provoca efeitos sistêmicos no desenvolvimento da criança, desde o crescimento neuromotor abaixo do esperado até, também, prejuízos em habilidades socioemocionais como iniciativa e tomada de decisão. Além disso, permanecer na escola nessas condições se mostra difícil, em alguns casos gerando o abandono escolar para busca de trabalho na tentativa de ampliar a renda familiar, como aponta relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2020.

Por isso, uma boa alimentação escolar é fundamental, inclusive no período de férias, com programas próprios e específicos para alcançar as crianças e adolescentes que passam fome. Ainda que não responda a todo o problema da fome e da pobreza, a alimentação escolar faz parte da adoção de uma estratégia multidimensional, que inclui a elevação da agenda como prioridade política, com programas consistentes de redistribuição de recursos, assistência, renda e trabalho, sobretudo para as famílias mais afetadas. Infelizmente, dados revelam que o País não apenas deixou de apresentar essas soluções, como, em virtude das escolhas políticas recentes do governo federal, empurrou mais pessoas para a privação alimentar.

Com baixa competência técnica do Ministério da Educação (MEC) para resolver os problemas estruturais do setor durante a pandemia de covid-19, o governo federal tem priorizado questões irrelevantes para a população, entre elas o ensino domiciliar, e passa a escrever, agora, mais um capítulo desesperador. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão técnico vinculado ao MEC, palco recente de disputas políticas, vem nos últimos anos reduzindo a previsão e a execução orçamentárias do Pnae. Segundo dados do próprio governo federal no Portal da Transparência, a tendência é de diminuição de recursos destinados à alimentação escolar. Tudo isso em meio ao agravamento do cenário da fome.

Em outubro, o País passará por eleições para os governos federal, estaduais e para o Legislativo. Sem ter os direitos de todas as crianças e os adolescentes (especialmente os que passam fome) priorizados hoje, no centro do debate e das políticas públicas, o amanhã pode ser tarde demais para eles e para todos nós como sociedade e país.

02 de agosto de 2022

O BUMERANGUE FISCAL!

(O Estado de S. Paulo, 01) O Maranhão deu a largada para uma reação mais do que esperada dos governadores contra a perda de receitas imposta à força pelo presidente Jair Bolsonaro. O Estado foi o primeiro a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento de dívidas garantidas pela União. Ao analisar o caso, o ministro Alexandre de Moraes concordou com os argumentos do Estado e considerou que as leis que impuseram um teto para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis e mudaram a base de cálculo do tributo devem acarretar “um profundo desequilíbrio na conta dos entes da federação”. Com um pedido semelhante, Alagoas também obteve uma liminar, e é questão de tempo para que outros Estados também apelem ao Supremo. É a crônica de um desastre anunciado, que certamente vai custar muito caro para o País.

O aumento da arrecadação dos Estados não é algo estrutural – está relacionado a efeitos temporários, caso do aumento dos preços do petróleo e derivados em razão da guerra na Ucrânia. Qualquer presidente responsável e dotado de articulação política veria nesse contexto uma oportunidade para liderar esforços pela aprovação de uma ampla reforma para simplificar e unificar impostos, eliminar regimes especiais e garantir uma tributação progressiva com vistas a impulsionar o crescimento econômico. Por óbvio, as negociações são difíceis, mas é mais fácil chegar a um acordo quando as partes envolvidas estão com o caixa cheio. O governo federal, no entanto, fez exatamente o contrário. Usou os combustíveis como pretexto para iniciar uma campanha difamatória contra os governadores, jogou Câmara e Senado contra os Estados e optou pela chantagem pública. Encurralados pela disputa eleitoral, os governadores não quiseram correr o risco de serem vistos como inimigos. De forma irresponsável, decidiram se antecipar e arcar com as perdas. Agora que a conta começou a chegar, recorreram ao socorro do STF.

São várias as consequências desse improviso tributário generalizado. Para começar, suas consequências são definitivas: tanto a imposição do teto de 17% quanto a mudança na base de incidência do ICMS continuarão a vigorar mesmo que os preços do petróleo eventualmente despenquem de uma hora para outra. Muitos Estados que iriam encerrar o ano com as contas no azul já projetam um déficit, e investimentos em saúde e educação, que fazem diferença na vida da população mais carente, terão de ser reduzidos. Os municípios, que historicamente têm contas mais ordenadas, podem em breve se tornar uma nova fonte de problemas financeiros, já que uma parte da arrecadação de ICMS fica com os prefeitos. Após anos de negociação para aderir a planos de recuperação fiscal, os Estados mais endividados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,

Goiás e Minas Gerais, dificilmente conseguirão atingir uma trajetória de equilíbrio das contas públicas no médio prazo. O fato de que os acordos foram fechados considerando receitas que não mais se realizarão abre margem para que as contrapartidas com as quais eles haviam se comprometido tampouco sejam cumpridas, como o veto a reajustes de servidores, a aprovação de reformas e a privatização de estatais.

Ainda que sejam tratados como inimigos por Bolsonaro, Estados e municípios são parte da Federação. Sem autorização para emitir dívida, eles não têm muitas alternativas para arrecadar receitas a não ser a cobrança de impostos – como vinham fazendo por meio do ICMS sobre bens essenciais – ou com empréstimos em instituições financeiras públicas e multilaterais. Essas operações, no entanto, precisam do aval do Tesouro Nacional, e, em caso de calote, quem herda a conta é a União. É o que deve ocorrer se todos os Estados que apelarem ao STF tiverem sucesso em seus pleitos. É, portanto, um despropósito que Bolsonaro tenha atuado para corroer as finanças de Estados e municípios quando sabe (ou deveria saber) que o custo dessa política recairá sobre o próprio governo federal. O desastre fiscal dos entes federativos é, em última instância, a ruína do País.

01 de agosto de 2022

BIDEN MOSTRA QUE SE PODE GOVERNAR DO CENTRO!

(Fareed Zakaria – Washington Post/O Estado de S. Paulo, 30) Se o compromisso alcançado na quarta-feira entre o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, democrata de Nova York, e o senador Joe Manchin, democrata de Virgínia Ocidental, for aprovado, acarretará no maior investimento no combate às mudanças climáticas já realizado pelo governo federal e será o maior pacote de redução de déficit em uma década.

O acordo – obtido após a aprovação da Lei para Chips e Ciência, que prevê investimentos massivos e pesquisa de base em tecnologias cruciais – se seguiu à aprovação da primeira legislação bipartidária para controle de armas de fogo em uma geração. E isso foi precedido pela aprovação do pacote trilionário de infraestrutura, uma das promessas mais emblemáticas da campanha de Donald Trump.

CENTRISMO. No mundo atual, governar a partir do centro parece muito diferente do que foi no passado. Quando o Congresso se uniu, nas décadas de 80 e 90, para aprovar grandes pacotes bipartidários, salvando o sistema de bem-estar social, reformulando impostos, ajudando americanos com deficiências e reduzindo a poluição atmosférica, os autores dos projetos com frequência foram idolatrados pela mídia e dentro de próprios partidos.

Hoje, o mote no Congresso americano é jamais abrir concessões. Resistir ao outro partido, que não é considerado apenas oposição, mas inimigo, é uma distinção de honra. É isso que permite aos congressistas levantar financiamentos com os elementos mais radicais de cada lado do espectro. Um grande esforço bipartidário de empreender uma reforma migratória empacou no início dos anos 2000, ferozmente atacada pelos extremos de ambos os partidos.

REVOLUÇÃO. O Dream Act teve apoio dos dois dos senadores mais opostos ideologicamente, Edward Kennedy, democrata de Massachusetts, e Orrin Hatch, republicano de Utah, que também eram bons amigos.

Eles estavam entre os mais antigos membros do Senado e talvez encarnassem uma antiga maneira de governar, desalinhada em relação a tempos em transformação. A revolução Gingrich (de Newt Gingrich, republicano ex-presidente da Câmara), dos anos 90, tinha transformado o Partido Republicano e,

Os democratas têm mais chances do que os republicanos de se tornarem um grande partido guarda-chuva

posteriormente, a própria Washington. Abrir concessões era considerado se vender – ou até uma traição.

Ao tentar ressuscitar aquele antigo modelo de governo, Biden está remando contra a maré. Mas, surpreendentemente, de maneiras modestas, mas significativas, ele está vencendo. Se mais projetos de lei bipartidários forem aprovados e se os legisladores não forem punidos por cooperar através das linhas partidárias – ou forem recompensados por isso –, esse movimento poderá começar a transformar alguns motes e reduzir a toxicidade em Washington.

Para os democratas, há um real lado positivo aqui. Eles estão mais bem posicionados do que os republicanos para se tornar um grande partido guardachuva. Conforme mostrou um notável estudo Brookings, em 2020, “a vitória de Biden veio dos subúrbios”, e esses eleitores são presumivelmente mais moderados e centristas do que, digamos, a base do Partido Democrata.

LEGISLATIVO. Eleitores dos subúrbios parecem cada vez mais insatisfeitos com as posições dos republicanos sobre temas como aborto e armas de fogo. Após a Suprema Corte reverter Roe versus Wade, a disputa da eleição de meio de mandato para o Congresso deixou de favorecer os republicanos para virar, essencialmente, um empate.

Ser um grande partido guarda-chuva é difícil. Significa manter coalizões unidas, incluindo pessoas que você discorda diametralmente. Mas em um país enorme e diverso, com mais de 330 milhões de habitantes, esta é a única maneira de formar maiorias eficientes. Algumas das maiores realizações dos democratas foram alcançadas com esse espírito.

Franklin Roosevelt postergou ações sobre direitos civis para conseguir aprovar o New Deal. Lyndon Johnson convenceu o Sul segregacionista a apoiar grande parte de seus programas da Grande Sociedade.

Bill Clinton teve de governar durante a maior parte de seu mandato com um Congresso controlado pelos republicanos. E, quando Barack Obama teve maioria no Congresso, ele escolheu priorizar assistência de saúde universal em detrimento de muitas outras questões sociais, incluindo casamento entre pessoas do mesmo sexo.

CONCESSÕES. Às vezes, fazer concessões pode levar a desfechos melhores. Por exemplo, o projeto de lei sobre imigração era um plano melhor do que qualquer dos partidos poderia ter aprovado independentemente, porque ambos os lados possuíam preocupações legítimas e argumentos válidos que foram representados.

Alguns dos argumentos de Manchin no passado, de maneira similar, foram críveis. Ele argumentou, por exemplo, contra fazer os pacotes parecerem baratos, prevendo vários programas, mas os financiando apenas por um ano, na esperança de que eles sejam estendidos anualmente.

Sobre o meio ambiente, a visão dele de que não devemos parar de usar combustíveis fósseis antes de termos tecnologias verdes suficientes e em escala para substituí-los pode até servir a interesses egoístas do senador da Virgínia Ocidental, mas também resulta de uma leitura precisa do momento que vivemos atualmente. REVIRAVOLTA. Mais importante, se lembre, por favor, que Manchin representa um Estado em que Trump venceu por cerca de 40 pontos porcentuais em 2020. A surpresa é Manchin estar disposto a chegar até onde já chegou até agora. Pense nele como um teste decisivo.

Se os democratas conseguem manter Manchin do seu lado, por definição, eles estão construindo um grande guarda-chuva, com capacidade de abrigar a maioria dos americanos.

29 de julho de 2022

OS VENTOS ESTÃO MUDANDO NA AMÉRICA LATINA’!

(Ilan Goldfajn – ex-presidente do BC e diretor do FMI – O Estado de S. Paulo, 29) Depois de o Fundo Monetário Internacional (FMI) elevar a projeção de crescimento da América Latina para este ano de 2,5% para 3%, o diretor do órgão para o Hemisfério Ocidental, Ilan Goldfajn, afirmou que a tendência é de desaceleração a partir deste segundo semestre. “A percepção é de que os ventos estão mudando de direção. Vamos ter aperto das condições internacionais, com os Estados Unidos subindo a taxa de juros. Isso significa que o fluxo de capital diminui para a região e que o dólar fica mais forte.”

O ex-presidente do Banco Central (BC) do Brasil disse que a inflação – o “grande problema” do mundo hoje – deve demorar para cair. Questionado sobre o aumento dos gastos públicos no País, que podem pressionar a inflação ainda mais, Goldfajn afirmou que “a questão fiscal tem de contribuir para este momento que estamos vivendo” e destacou que o BC está trabalhando para que o Brasil enfrente os “ventos contrários”. Confira, a seguir, trechos da entrevista.

Apesar da deterioração financeira global, o FMI está com uma projeção melhor de crescimento econômico para a região agora, de 3%, do que em janeiro, quando era de 2,4%. O que está por trás dessa mudança?

Observamos que a recuperação econômica de 2021, que foi forte na região, continuou no primeiro semestre de 2022. Temos países em que o turismo voltou. Temos países que dependem das forças globais, e os EUA e outros países continuaram crescendo. Tivemos um período, no primeiro semestre, em que as commodities estavam mais altas. Isso também contribuiu. Agora, temos de separar a tendência do começo do ano e o que a gente percebe daqui para frente. A percepção é de que os ventos estão mudando de direção. Vamos ter aperto das condições internacionais, com os Estados Unidos subindo a taxa de juros. Isso significa que o fluxo de capital diminui para a região e que o dólar fica mais forte. Temos uma revisão de crescimento para os EUA para 1% em 2023 (antes, a projeção era de 1,7%). Esse crescimento dos EUA menor, a China e a Europa também crescendo menos, significa que a região deve, daqui para frente, ter uma desaceleração. Por isso, houve uma revisão da projeção de crescimento para o ano que vem (de 2,5%) para 2%.

Devemos esperar instabilidade política e social na América Latina como consequência da inflação?

Inflação é o grande problema global, não só do Brasil ou da região. Você vê as altas taxas de inflação nos EUA e na Europa. Até mesmo o Japão, que tinha sempre o problema de pouca inflação, está começando a ter mais inflação. O aperto das condições monetárias deve levar à desaceleração. Nesse contexto, a região, até por sua história, teve atuação relativamente mais rápida do que a dos países avançados. O Fed (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA) está subindo a taxa de juros neste ano, quando a maioria dos BCs da região, inclusive o do Brasil, subiu antes. Não significa que a inflação esteja resolvida. Significa que, em termos de credibilidade, a reação ocorreu. Os BCs estão tentando reagir, e há uma percepção de que, ao menos em perspectivas de longo prazo, eles têm sido relativamente bem-sucedidos. Não estamos vendo as expectativas completamente desancoradas. Vemos expectativas mais altas agora e nos próximos dois ou três anos. É o efeito do choque. Vai demorar para voltar, mas os BCs estão reagindo. Acho que a institucionalidade nos últimos anos, os BCs autônomos, os regimes de meta de inflação e a ideia de que inflação é um bem público, que tem de ser cuidado, ajudaram – aí houve essa reação. Agora, a política monetária e a do governo têm de continuar.

Nos momentos em que o Fed eleva juros, crises graves ocorrem em países da região. Vocês veem esse risco?

Toda vez que há aperto de condições monetárias, há uma consequência. A consequência clássica é a reversão dos fluxos de capitais (em direção aos países avançados), o que já está ocorrendo. Segundo, o dólar fica mais forte. Isso leva a um custo interno maior. As taxas de juros domésticas sobem, e as moedas se depreciam, o que pressiona a inflação. Essa combinação leva a mais aperto monetário dentro dos países. Aí a desaceleração mundial acaba se transformando também numa desaceleração local. Estamos reduzindo a previsão de crescimento para a região porque vemos esse desenrolar.

Como fica o Brasil nesse cenário?

O Brasil se encaixa como outros países da região. Quando elevamos a projeção para este ano, o Brasil se encaixa nisso. Mas o País também vai enfrentar um cenário global mais difícil: taxas de juros globais mais altas e dólar mais forte, o que significa pressão maior sobre a taxa de câmbio, em um ambiente em que provavelmente vai ter uma desaceleração de crescimento. As commodities, que foram um fator mitigador no choque anterior, podem não ter esse efeito agora. Isso gera desafios para o Brasil e para a região.

Qual será o maior desafio para o próximo ano no Brasil?

É o mesmo desafio global. Vamos ter um 2023 com crescimento dos EUA e do resto do mundo bem menor do que em 2022. Em compensação, a região podia se colocar – e acho que está fazendo isso – como parte da solução. Se o mundo está precisando de mais alimento e de energia verde, a região pode se colocar como uma grande vendedora. Ao mesmo tempo que temos um desafio conjuntural, que é o desafio desse aperto das condições monetárias e da desaceleração da economia global, temos oportunidades.

26 de julho de 2022

OS PATRONOS DA INDEPENDÊNCIA!

(João Luiz Sampaio – O Estado de S. Paulo, 24) O momento não comporta mais delongas ou condescendências. Com essas palavras, José Bonifácio de Andrada e Silva escrevia no dia 1.º de setembro de 1822 a d. Pedro. “Fique”, segue o texto, exortando o príncipe regente a não retornar a Portugal. “E, se não ficar, correrão rios de sangue nesta grande e nobre terra.”

A carta chegou às mãos de d. Pedro em 7 de setembro, mesmo dia em que mais tarde, às margens do Ipiranga, ele declararia a independência. Ele se tornaria, então, d. Pedro I, imperador do Brasil. E o herói mais vistoso do movimento que teve Bonifácio como principal teórico e artífice.

“A deles era uma relação de confiança e de convergência de ideias”, diz a historiadora Miriam Dolhnikoff, biógrafa de Bonifácio. Mas não uma relação fácil. “Eles tinham personalidades muito fortes, a diferença de idade era grande. Bonifácio podia ser autoritário e d. Pedro, instável, temperamental”, lembra a historiadora Isabel Lustosa, autora de biografia do imperador.

CIÊNCIA E RITOS.

Bonifácio e d. Pedro tiveram formações bastante diferentes. Bonifácio nasceu em Santos em junho de 1763, mas logo seguiu para a Europa. Em Portugal, graduou-se em Filosofia Natural e Direito Civil na Universidade de Coimbra, na qual deu aulas de geognosia (estudo da composição das rochas) e metalurgia.

A serviço do governo português, viajou pela Europa pesquisando sobre mineralogia e foi nomeado em 1802, pelo príncipe regente d. João, intendente-geral das Minas e Metais. “Bonifácio se formou no início do liberalismo e via o cientista como alguém que deve colocar o seu conhecimento a favor de um projeto de modernização, alguém capaz de influenciar políticas de Estado”, conta Dolhnikoff. “Ele ocupou cargos públicos com objetivos pragmáticos, como pesquisar sobre a produção de ferro ou a exploração de minas.”

Bonifácio lutou como comandante contra os invasores franceses, em 1807. E, em 1819, após se aposentar na universidade, começou a pensar em um retorno ao Brasil, para “viver e morrer como simples roceiro” em seu sítio em Santos.

A essa altura, d. Pedro havia acabado de celebrar seu casamento com Leopoldina, garantindo assim a aliança entre Portugal e Áustria e mantendo o reino próximo dos países que haviam derrotado Napoleão – de quem a corte portuguesa fugira em 1808, mudando-se para o Brasil.

Com d. João e Carlota Joaquina, seus pais, d. Pedro chegou à colônia com 9 anos. Biógrafos dão conta de uma infância e adolescência difíceis, com pouco interesse pelos estudos, convulsões causadas pela epilepsia e uma relação hesitante com o pai. “D. Pedro cresceu no Rio de Janeiro, não era um homem inculto, mas gostava de andar pelas ruas, tinha certo desprezo pelos ritos oficiais da monarquia”, lembra Lustosa.

A proximidade com as questões de Estado surgiu no início dos anos 1820. Em abril de 1821, a Revolução Liberal do Porto fez com que d. João VI retornasse a Portugal, deixando d. Pedro no Brasil como príncipe regente. “É só então que ele vai aprender na marra, no dia a dia mesmo, o que significava uma atuação política”, acredita o historiador Paulo Rezzutti, autor do recém-lançado Independência – A Construção do Brasil: 1500-1825. E é nesse momento que as trajetórias do príncipe e de José Bonifácio vão se cruzar de modo indissociável – ao menos de início.

FICO I E FICO II.

A Revolução do Porto teve consequências diretas no Brasil. Se o discurso por lá era liberal, na prática, no que se referia ao País, o movimento só reforçava o espírito colonialista, com a crença de que a reestruturação econômica de Portugal se daria com a subjugação completa da colônia. Entre 1820 e 1821, tentou-se proibir que ela negociasse com qualquer outro país além de Portugal (o que significava um baque para agricultores que mantinham relações comerciais com a Inglaterra). A metrópole chamou de volta as repartições instaladas no Brasil. E novas tropas foram enviadas ao País.

Bonifácio a essa altura já havia desistido da breve vida pacata em Santos, envolvendose com a política nacional. Em 1821, tornou-se vice-presidente da Junta Governativa de São Paulo. E esteve ao lado do príncipe regente quando nova ordem chegou de Portugal: d. Pedro deveria voltar à Europa. Enquanto grupos defendiam o retorno do príncipe e o respeito às decisões tomadas pela corte – ou, então, a implementação de um improvável modelo republicano –, Bonifácio pregava a instalação de um regime monárquico constitucional.

Ao lado da princesa Leopoldina, ele foi fundamental no processo de convencimento que levaria à decisão do regente de ficar no País, tomada no dia 9 de janeiro de 1822, data que ficou conhecida como o Dia do Fico. E d. Pedro fez dele o primeiro brasileiro a ocupar um posto de ministro de Estado, na importante pasta dos Negócios do Reino, Justiça e Negócios Estrangeiros.

Os dois não concordaram com o passo seguinte: a convocação de eleições e de uma assembleia constituinte ainda em 1822. Mas ela aconteceu e teve um significado concreto: o afastamento cada vez mais iminente entre metrópole e colônia. Qualquer possibilidade, anteriormente aventada pelo próprio Bonifácio, de negociação com Portugal, esvaziou-se.

Em agosto, d. Pedro determinou que qualquer nova tropa enviada por Portugal seria considerada inimiga. E partiu para viagem a São Paulo. Enquanto isso, a corte enviou documentos ao Brasil determinando mais uma vez o seu retorno imediato e revogando os decretos do príncipe.

Leopoldina, que ficara no Rio como regente durante a viagem, e Bonifácio enviaram a ele cartas contando do acontecido, recebidas pouco antes da declaração da independência – os originais se perderam, mas há transcrições sobre as quais trabalham os historiadores.

“Pedro, o Brasil está como um vulcão. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos, humilham-vos. (…) Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa”, escreveu Leopoldina. “O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio, ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida”, completa. A carta de Bonifácio, por sua vez, insistia na urgência do momento: a revolução estava preparada.

PROJETOS.

“José Bonifácio tinha uma ideia de nação bem definida. Em seu período em Portugal, ele sentiu que não conseguiu realizar tudo o que imaginava e culpou a burocracia e a ignorância. Agora, era como se a independência fosse uma nova oportunidade, de caráter ainda mais político, de colocar em prática um projeto. E de estar à frente dele”, diz Dolhnikoff.

Entre as propostas de Bonifácio estavam o fim da escravidão, a mudança na forma de apropriação da terra e a organização do Estado, sem a qual, acreditava, não poderia existir uma nação de fato moderna.

“Era um projeto reformista, que levava adiante as ideias do modelo norte-americano, já colocando em pauta a questão do negro e do indígena, por exemplo”, explica Rezzutti. “Se Bonifácio é o artífice da independência e de uma nova ideia de país, d. Pedro I será capaz de congregar como líder esse movimento.”

Para Isabel Lustosa, não se pode menosprezar o papel de d. Pedro I nesse processo. “Bonifácio imaginou e ele levou o projeto adiante. D. Pedro já entendia que o Estado precisava ser organizado em torno de uma Constituição capaz de manter a integridade nacional. Era um príncipe do antigo regime, mas que fez um movimento em direção ao constitucionalismo.”

A questão da integridade seria central após a independência – e uma que preocupou Bonifácio em especial. Em 1822, 1823 e 1824, foram debeladas revoluções no Pará, em Pernambuco, na Bahia e outras províncias, que resolveram se posicionar a favor de Portugal. “D. Pedro I vai demonstrar nesses episódios enorme força e determinação, mas precisamos lembrar também que esse projeto de unificação territorial era autoritário e se deu por meio da violência”, explica Lustosa.

Bonifácio não participou de todo o processo: ele e d. Pedro I se desentenderam em 1823, quando se formou a Assembleia Constituinte responsável por criar uma Constituição.

“A relação entre os dois passou a enfrentar problemas quando diferentes forças começaram a se impor no jogo político. Tanto Bonifácio quanto d. Pedro I acreditavam que o poder executivo precisava ser forte, enquanto outros grupos que participaram da constituinte preferiam dar ao parlamento o maior peso. Esses grupos eventualmente conseguiram afastar o imperador da presença constante de seu ministro. E não por acaso. Afastar Bonifácio era uma maneira de afastar também a ameaça das reformas radicais que ele pregava”, observa Dolhnikoff.

Ainda em 1823, d. Pedro fechou a constituinte e começou a preparar, com o apoio dos militares e de alguns deputados, uma Constituição que seria promulgada em 1824. Bonifácio foi preso e mandado para o exílio na Europa. De lá, retornaria apenas em 1829. Retirou-se para a Ilha de Paquetá, até que, entre 1831 e 1832, serviu como deputado pela Bahia.

Também em 1831, a relação dos dois viveu um novo episódio curioso, como diz Dolhnikoff: foi quando d. Pedro I chamou Bonifácio para ser tutor de seus filhos. “Bonifácio foi muito duro em suas críticas ao imperador, a quem xingou e desprezou em textos na imprensa. E, em troca, foi exilado. Ou seja, havia entre os dois enorme antagonismo. Então, como saber o que motivou esse convite? A hipótese que levanto é a de que Bonifácio também era inimigo da ala que, em 1831, forçaria a abdicação. E d. Pedro I não queria que a educação de seus filhos ficasse nas mãos desse grupo.”

Isabel Lustosa vê a questão por outro ângulo. “D. Pedro foi figura profundamente contraditória. Era um homem violento, mesquinho, pouco gentil no trato, traía a esposa. Mas também entendia que um rei não valeria mais só por si mesmo, preocupação que influenciou na educação dos filhos”, reflete. E Rezzutti completa: “Nas cartas dele para os filhos, mesmo os que teve fora do casamento, o imperador insistia muito na questão da educação. Havia acabado a época em que o lugar que se ocupa é determinado só por privilégios. E ele talvez soubesse que Bonifácio era o homem mais bem preparado para orientar seus filhos”.

21 de julho de 2022

O POPULISMO E A DERROCADA ARGENTINA!

(Helio Beltrão, presidente do instituto Mises Brasil – Folha de SP, 19) É assustador como a paixão pelo populismo —identificado em particular com o caudilho e general Perón e mais recentemente com o kirchnerismo— tenha arrasado o glorioso passado econômico da Argentina.

Cunhada por uma brilhante Constituição —promulgada em 1853 e inspirada por liberais—, poucas décadas depois despontou no século 20 como um dos países mais ricos do mundo. Hoje, um século mais tarde, o país tem 50% da população na pobreza e uma inflação que pode fechar o ano acima de 80%. O que ocorre e como afeta o Brasil?

O povo argentino nutre uma espécie de insanidade continuada, de idolatria a salvadores da pátria que empurrem soluções de cima para baixo. No laboratório de testes de políticas públicas, a Argentina figura como o maior fracasso mundial, com mais de cem anos de declínio.

Desde pelo menos os anos 1940, os políticos argentinos adotam políticas tóxicas ao empreendedor, à poupança, à propriedade privada, à moeda, e à ética do trabalho, o exato oposto ao que fizeram os países que mais prosperaram. O kirchnerismo dobrou a aposta.

O Brasil, rodeado por países governados pela esquerda carnívora, tem DNA parecido. Por longos períodos adotamos o intervencionismo e políticas de cunho socialista. Corremos o risco de tomar o mesmo caminho novamente, portanto é preciso entender o que ocorre nos pampas. Toda atenção é pouca ao “efeito Orloff”: “Eu sou você amanhã”.

O “hoje” da Argentina é tenebroso. O decadente governo de Alberto Fernández assinou um acordo de US$ 44 bilhões com o FMI. Apesar do selo do Fundo, o título soberano (“bond”) em dólares, que vence em 2030, o AL30, está rendendo 50% ao ano ao investidor que encarar o risco. A taxa surrealista indica altíssima probabilidade de mais um calote (default), o nono de sua história.

A inflação está descontrolada: o banco central segue financiando o governo com dinheiro criado do nada. Ato contínuo, tenta enxugar a liquidez emitindo títulos seus (os Leliq) e lançando operações similares às compromissadas que conhecemos aqui. Mas a operação-enxuga é uma bomba-relógio, com pouca toalha e muita liquidez. O frágil represamento dessa enorme liquidez, de quase duas vezes o tamanho da base monetária, vaza continuamente com o pagamento de juros altíssimos, que aumenta a massa monetária e a inflação. O iPhone 13 Pro topo de linha já é encontrado por mais de 1.000.000 (1 milhão) de pesos, por exemplo, e um óleo de cozinha sai mais caro que a cédula mais alta, de 1.000 pesos.

Na política, a oposição já lidera nas pesquisas para presidente. O kirchnerismo (“Frente de Todos”) despencou, pontuando abaixo da aliança JxC (“Juntos por el Cambio”) de Macri, Larreta e do liberal López Murphy, e empatando com a novidade da terceira via, o “Avanza Libertad”, dos libertários Javier Milei e José Luis Espert (que buscam agregar os conservadores em seu apoio).

Os argentinos estão fartos da mesmice da alternância entre o peronismo kirchnerista e o socialismo vegetariano da UCR e aliados (que fracassaram no governo Macri em mudar a agenda econômica e combater os privilégios).

Javier Milei, que lidera em algumas pesquisas, tem mérito ao demonstrar didaticamente, há tempos, que as políticas inflacionárias, de Estado grande, e antinegócios são prejudiciais aos pobres e à prosperidade.

As duas forças de oposição têm uma oportunidade única de se aliar nas próximas eleições e escantear o kirchnerismo de uma vez por todas. Será excelente para a Argentina, e para o Brasil.

18 de julho de 2022

JOSÉ BONIFÁCIO QUERIA CIVILIZAR ELITE BRANCA E CRIAR NAÇÃO MESTIÇA!

(Miriam Dolhnikoff, professora do Departamento de História da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Folha de SP, 14) Súdito do império português nascido em sua porção americana, José Bonifácio de Andrada e Silva viveu em um mundo em transformação que abria diferentes possibilidades para conceber e implementar reformas políticas e sociais. Não queria, a princípio, a independência. Defendia um império luso-brasileiro renovado por mudanças estruturais, no reino e na colônia, que o conduzissem para o que se afigurava ser uma nova era.

Nasceu em Santos, na capitania de São Paulo, em 1763, e passou a maior parte da sua vida adulta na Europa. Como muitos filhos da elite colonial, embarcou para Portugal aos 20 anos para estudar na Universidade de Coimbra, mas, ao contrário da maioria, só retornou ao Brasil com 56 anos.

Cursou a Faculdade de Direito, como era usual entre os jovens vindos da América, e a Faculdade de Filosofia, que incluía o estudo das ciências naturais. Especializou-se em mineralogia, campo que incorporava geologia, química e metalurgia, atividades essenciais no contexto do desenvolvimento da indústria da época.

Formado na Ilustração, acreditava no poder da razão e do conhecimento científico para moldar os homens e seu meio. Por isso, ao seu ver, o cientista não poderia ficar preso em seu gabinete, envolto em livros e absorto em teorias, mas deveria se dedicar à resolução dos problemas que afligiam a sociedade e obstruíam o progresso material.

José Bonifácio fazia parte do grupo de letrados portugueses reunidos na Academia das Ciências de Lisboa que, sob a liderança de dom Rodrigo de Souza Coutinho, ministro de dom João, se empenhou em desenhar políticas para a modernização da economia.

A partir de 1801, dez anos depois de uma viagem de estudos por vários países europeus, recebeu de dom Rodrigo a incumbência de ocupar diversos cargos públicos, de modo que o mineralogista pudesse converter seu saber em políticas concretas. Procurou dinamizar a exploração de carvão, a fundição de ferro e outras atividades que estimulassem a manufatura. Foi também responsável por criar a cadeira de metalurgia na Universidade de Coimbra.

Sua vida seria alterada com a invasão de Portugal pela França em 1807, resultado da guerra entre franceses e ingleses, dos quais Portugal era aliado. A Corte fugiu para o Brasil, e Bonifácio permaneceu no reino para lutar contra os invasores.

Vencidos os franceses em 1810, demorou-se ainda alguns anos em Lisboa. Porém, expressava profundo desgosto e desilusão por ver seus esforços, no exercício dos cargos que ocupava, frustrados por seguidos entraves burocráticos. Era a hora de se aposentar e voltar à terra natal.

Encontrou um Brasil diferente quando chegou em 1819. Com a vinda da Corte, o Rio de Janeiro foi elevado à capital do império lusitano e o Brasil não era mais colônia —adquirira o estatuto de reino, o mesmo de Portugal. A intenção de Bonifácio era se retirar da vida pública. No entanto, em 1820, a revolução constitucionalista do Porto o impeliu para a política.

Os revoltosos exigiam a transferência da Coroa para Portugal e a instauração de uma monarquia constitucional. Com esse fim, convocaram as Cortes, assembleia que deveria escrever a Constituição do novo regime. As províncias da América elegeram seus deputados. O liberalismo unia os portugueses dos dois lados do Atlântico e inaugurava um novo tempo.

Bonifácio participou desses acontecimentos em São Paulo. Não se candidatou a deputado, mas escreveu uma espécie de programa para orientar os representantes paulistas na sua atuação nas Cortes. Nele, defendia o império luso-americano.

O Brasil permaneceria subordinado a Lisboa, mas contaria com um governo autônomo para tomar as decisões referentes à América. Sua direção caberia ao herdeiro do trono, dom Pedro, tornado príncipe regente depois que o rei dom João 6º obedeceu às ordens dos rebeldes vitoriosos e voltou a Portugal.

O cenário, contudo, foi de disputa. Os portugueses do reino não aceitavam a autonomia pretendida pelos brasileiros. Insistiam no retorno de dom Pedro a Lisboa e no desmonte das instituições instaladas no Rio de Janeiro quando para lá se transferiu a Coroa lusitana.

Em reação, setores da elite luso-brasileira, entre eles Bonifácio, se articularam em um movimento que reivindicava a permanência do príncipe, estabelecendo com ele uma aliança em nome de objetivos comuns: impedir que a América portuguesa seguisse o exemplo de seus vizinhos que optaram pela independência e assegurar sua unidade diante do perigo de fragmentação territorial.

Para Bonifácio, isso significava ainda garantir as condições para a adoção das reformas que defendia. Dom Pedro permaneceu no Rio de Janeiro e, em janeiro de 1822, nomeou Bonifácio ministro do Reino e Estrangeiros.

Diante da intransigência das Cortes, dom Pedro e Bonifácio caminharam juntos para a Independência, que passou a ser uma alternativa concreta em agosto daquele ano. Ele estava no centro das articulações que levaram à ruptura com a metrópole, atuando para que todo o território da América portuguesa fosse integrado em um novo país, o que incluiu o envio de tropas para províncias que resistiam a aderir ao Rio de Janeiro.

A Independência trazia consigo o desafio de construir um Estado e uma nação. Não havia, entretanto, consenso entre aqueles que estavam à frente desse processo sobre o perfil das instituições a serem organizadas, do país a ser constituído, do tipo de sociedade que deveria prevalecer.

Concordavam com a adoção de um regime liberal, com separação entre os Poderes, eleição de representantes para o Parlamento, súditos que se transformariam em cidadãos portadores de direitos individuais e políticos. Como, no entanto, materializar esse regime em uma sociedade escravista e marcada por uma profunda hierarquia social?

Bonifácio acreditava ter a resposta com seu projeto nacional, uma renovação profunda a ser conduzida pelo governo com o objetivo de civilizar uma população que, para ele, estava imersa na barbárie. Ele pretendeu amalgamar os metais de que dispunha em seu laboratório social para obter a têmpera de uma nação europeizada.

A natureza e a história forneceriam os elementos necessários, bastando os instrumentos da razão e do saber, postos a serviço do poder forjador do Estado, para sua transmutação em metal nobre. O Estado, em sua visão, seria o agente que, de cima para baixo, irradiaria essas mudanças. Por essa razão, a monarquia constitucional que defendia era altamente centralizada, com um Executivo forte e capaz de implementar as reformas que tornariam o país viável.

Não só o povo deveria ser civilizado antes de poder ser senhor de si, mas também a elite branca, por viver da exploração de escravizados.

Dela, resultava a violência, o ócio e o isolamento que marcavam o cotidiano dos grandes proprietários, incapacitados, portanto, para o exercício da cidadania e do compromisso com o bem comum. Em razão da escravidão, aferravam-se ainda a práticas agrícolas tradicionais, com a devastação das matas que empobrecia os recursos naturais, e resistiam à modernização das técnicas utilizadas na agricultura.

As medidas que deveriam ser adotadas eram radicais: abolir a escravidão, integrar o indígena, disseminar a educação e promover a mestiçagem. Todas visavam criar um povo homogêneo, a única forma de gerar um sentimento nacional e a aptidão para a cidadania.

Por meio da mestiçagem, surgiria uma nova raça com um repertório comum, moldado pela educação, meio para que a massa miscigenada adquirisse os valores, os costumes e os hábitos dos povos cultos. Os brancos teriam contribuição fundamental nesse projeto, ao inocular o sangue europeu na mistura que também seria cultural.

O pressuposto de Bonifácio era que todos os homens tinham capacidade intrínseca para alcançar o estágio superior que idealizava, inclusive os negros e os indígenas, mas só se tivessem condições de vida que propiciassem o desenvolvimento de suas potencialidades.

Por isso, era imperativo emancipar os negros e integrar os indígenas “selvagens”. Os primeiros, em razão da escravidão, eram refratários a uma civilização da qual só conheciam o trabalho excessivo e o açoite. O negro africano era, assim, um bárbaro em terras brasileiras, não por sua natureza, mas por ser escravo. Era a escravidão que o barbarizava, não sua origem, cor ou raça.

Além de empecilho para o exercício pleno da cidadania por negros e brancos, a escravidão ainda representava um permanente perigo para a manutenção da ordem. Bonifácio alertava para o risco de manter uma parcela da população em situação de inimiga interna, já que escravizada. Em vez de inimigos, seriam alçados a cidadãos, reconhecendo, dessa forma, o Estado e o pertencimento à nação brasileira.

A principal beneficiária seria, afinal, a própria aristocracia dirigente. No entanto, não era suficiente libertar os escravos: era preciso que o governo tomasse para si a tarefa de integrá-los à sociedade, fornecendo-lhes terras, o que lhes proveria meios de subsistência.

Nenhum bem resultaria se os negros fossem simplesmente abandonados à própria sorte. Na visão de Bonifácio, a profunda hierarquia social seria preservada dessa forma, porque educação e meios de subsistência seriam distribuídos na medida certa para converter ex-escravizados em trabalhadores disciplinados.

Bonifácio era uma exceção no seio do grupo dirigente, e suas convicções reformistas atraíram uma oposição feroz a ele. Em julho de 1823, foi demitido do ministério em função das desavenças com aqueles que disputavam o poder e o programa de nação.

Assumiu, então, sua cadeira de deputado na Assembleia Constituinte, que se reunira em março de 1823 para escrever a Constituição brasileira, e apresentou um projeto de lei, propondo o fim do tráfico negreiro e a abolição gradual da escravidão. Enquanto a emancipação não ocorria, caberia ao governo mediar a relação entre senhores e escravos, regulando-a de modo a retirar do primeiro o pleno arbítrio sobre a vida de seus cativos. Essa mediação, por si só, já seria uma novidade.

Os artigos da lei que apresentou estipulavam normas para reger o trabalho dos negros então escravizados, com restrições à exploração de menores e mulheres, determinação da jornada de trabalho e previsão de fornecimento de alimentação e vestuários adequados pelos senhores.

Além disso, Bonifácio prescrevia medidas paliativas, para diminuir o risco de revoltas e preparar os escravizados para serem livros no futuro, e que ficaria a cargo do poder público, não mais dos senhores, o julgamento e a punição de infratores.

Porém, antes que o projeto entrasse em discussão e que a Constituição fosse promulgada, dom Pedro fechou a Constituinte, em novembro de 1823. Bonifácio foi condenado ao exílio na França, onde amargou sua derrota.

Para ele, haviam sido derrotados tanto o regime liberal, com a outorga de uma Constituição pelo imperador em 1824, quanto seu projeto nacional, com a continuidade da ordem escravista.

De volta ao Brasil anos depois, Bonifácio obteve certo protagonismo ao ser nomeado tutor de dom Pedro 2º, depois da abdicação do pai, em 1831. Mais uma vez, sofreu forte oposição de políticos que não concebiam que o jovem imperador fosse formado pelas ideias reformistas de Bonifácio. Destituído da tutoria em dezembro de 1833, foi colocado em prisão domiciliar em Paquetá e morreu em 1838.

A maior ilusão de Bonifácio foi, talvez, a volúpia voluntarista que o fez acreditar que o homem poderia escrever o futuro segundo exclusivamente sua vontade. Ele sabia, por outro lado, que não podia prescindir do apoio daqueles que compartilhassem sua visão ilustrada e tentou convencer a elite brasileira do que seriam seus reais interesses: aceitar o fim da escravidão e integrar os negros à sociedade para garantir a ordem, tendo na base da hierarquia social uma população homogênea e devidamente instruída.

Bonifácio falava aos grupos dominantes e só poderia ter sido bem-sucedido se contasse com a adesão de seus pares, mas encontrou uma forte resistência da elite, que não estava disposta a pagar o preço das reformas que supostamente a beneficiariam.

A alternativa que restava era inconcebível para um membro da elite branca brasileira do século 19: a mobilização de parcelas da população excluídas do poder. Ele acreditou ser possível transformações de fundo, econômicas e sociais, por meio de um projeto político que não era capaz de incorporar como agentes efetivos os diferentes setores de uma população heterogênea. Acabou derrotado.

15 de julho de 2022

LEI DE ORÇAMENTO TRAVA ANTECIPAÇÃO DE ELEIÇÃO!

(The Washington Post/O Estado de S. Paulo, 15) A Itália teve 67 governos desde a 2.ª Guerra, mas nunca realizou uma eleição durante o verão (no Hemisfério Norte). E há uma razão muito específica para isso. Mesmo que o governo do premiê Mario Draghi entre em colapso, é muito improvável que uma votação antecipada ocorra antes do fim de setembro (outono).

A razão se deve principalmente às etapas estabelecidas na Constituição italiana para formar um governo e à necessidade de ter um novo orçamento a cada ano, em meados do outono. Isso significa que, se uma eleição ocorresse antes disso, não haveria tempo suficiente para formar um governo estável, negociar e aprovar um orçamento no prazo.

Analistas do Goldman Sachs veem um risco baixo de eleições antecipadas e escreveram em uma nota recente que esperam que o atual governo continue até o primeiro semestre do próximo ano.

PRAZOS. O primeiro passo formal para convocar uma nova eleição é o presidente italiano, Sergio Mattarella, dissolver o Parlamento. Depois disso, deve-se esperar 45 dias para que os italianos sejam convocados às urnas.

Os mecanismos políticos italianos são notoriamente bizantinos e sujeitos a longos atrasos. Mas mesmo sob um cenário muito eficiente, uma votação não ocorreria até meados de setembro, no mínimo. Ainda assim, isso seria apenas o início de um longo processo para ter um novo governo com plenos poderes. Após a votação, um Parlamento recém-nomeado ainda precisaria consultar possíveis primeiros-ministros, e só depois disso iniciaria os trabalhos para uma nova lei orçamentária.

Se um processo de votação antecipada fosse acionado, Draghi ainda atuaria como uma espécie de zelador, mas seus poderes seriam limitados. Seria difícil elaborar um orçamento para 2023, que por lei precisa ser apresentado à União Europeia até meados de outubro.

“Eleições antecipadas são um resultado improvável”, disse Stefano Ceccanti, professor de direito constitucional da Universidade La Sapienza e legislador do Partido Democrata. “Draghi provavelmente permanecerá para preparar o terreno para a lei orçamentária, seguindo a pressão internacional para manter as contas econômicas sob controle.”

13 de julho de 2022

O BRICS NUMA NOVA ETAPA!

(Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior – O Estado de S. Paulo, 12) O Brics, grupo de países que inclui o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, reuniu-se em junho pela 14.ª vez, em nível presidencial, virtualmente, em Pequim. Precedido de reunião de chanceleres, o encontro buscou aumentar a parceria entre o grupo e atuar por uma nova era para o desenvolvimento global, com base em três pilares: governança global, economia e comércio e interação da sociedade civil.

O peso crescente das economias emergentes e em desenvolvimento encontrou no Brics uma representação que tenderá a se tornar, numa visão de médio e de longo prazos, cada vez mais visível no cenário internacional. Duas das três maiores economias do mundo (China e Índia), uma das duas maiores potências nucleares (Rússia) e um dos maiores produtores agrícolas globais (Brasil) fazem parte do grupo. O Brics, além de representar um fator de dinamismo econômico no cenário internacional, contribui para a geração de empregos e renda nos países-membros. Criado há 16 anos, o grupo, que não deve ser identificado como uma aliança política, tem contribuído para ampliar o conhecimento mútuo e as oportunidades de cooperação entre as respectivas economias, por meio de centenas de reuniões técnicas anuais.

O Brics passou a viver, desde fevereiro, um momento delicado pelo fato de um de seus membros estar envolvido num conflito militar de grande repercussão e alcance. Seria estranho se a crise não fosse tratada na reunião presidencial de Pequim, mas referência direta à guerra na Ucrânia foi evitada pelo Brasil, assim como pela Índia e pela África do Sul. Há uma referência direta ao conflito no comunicado final, notando que a situação na Ucrânia foi discutida, que foram lembradas as posições nacionais expressas nos fóruns apropriados – nomeadamente, o Conselho de Segurança da ONU e a Assembleia-geral das Nações Unidas – e que foram apoiadas as conversações entre a Rússia e a Ucrânia.

A China e a Rússia usaram a reunião de cúpula anual do Brics para criticar os países do Ocidente e as sanções aplicadas contra Moscou em razão da guerra na Ucrânia. O grupo deveria “assumir a responsabilidade” e trabalhar pela “igualdade e justiça” no mundo, disse o presidente chinês, Xi Jinping, em seu discurso de abertura. Ele apelou para que os países do Brics se oponham às sanções impostas pelo Ocidente. Xi já havia feito comentários semelhantes, pouco antes, no fórum empresarial do Brics, quando disse que as sanções eram “um bumerangue e uma espada de dois gumes” que afetavam todos os países do globo e advertiu contra a “expansão de alianças militares”, como vem ocorrendo com a Otan, com a inclusão da Suécia e da Finlândia.

O presidente russo, Vladimir Putin, por sua vez, culpou “ações impensadas e egoístas de certos países” pela crise econômica global e disse que “cooperação honesta e mutuamente benéfica” seria a única saída para essa crise. “Esta situação de crise que se configurou na economia global devido às ações impensadas e egoístas de certos Estados que, usando mecanismos financeiros, essencialmente transferem a culpa por seus próprios erros de política macroeconômica para o mundo inteiro”. O líder russo também afirmou que a autoridade e a influência do Brics em nível mundial estariam “aumentando constantemente” à medida que os paísesmembros aprofundavam sua cooperação e trabalhavam para “um sistema verdadeiramente multipolar de relações interestaduais”. No fórum empresarial do bloco, Putin havia ressaltado o aumento de parcerias comerciais e da exportação de petróleo russo para países do Brics.

Para o Brasil, segundo Bolsonaro, o Brics é um modelo de cooperação com ganhos para todos, inclusive para a comunidade internacional, e, por isso, as prioridades devem ser escolhidas com responsabilidade e transparência.

Embora enfatizando que o grupo não pretende lutar contra ou substituir as organizações multilaterais, no comunicado final, os países-membros consideram importante somar esforços para tornar as instituições multilaterais, políticas e econômicas, mais eficazes, transparentes e democráticas. Menciona-se de forma especial a reforma do

Conselho de Segurança da ONU, com vistas a torná-lo mais representativo, eficaz e eficiente, e para aumentar a representação dos países em desenvolvimento de maneira que possa responder adequadamente aos desafios globais. China e Rússia reiteraram a importância que atribuem ao status e ao papel do Brasil, da Índia e da África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração de desempenhar um papel mais importante na ONU.

Por iniciativa da China, foi discutida a possibilidade de expansão do número de participantes. Sem contar com o apoio do Brasil e da Índia para o aumento de membros do grupo, os países decidiram continuar as discussões e esclarecer os princípios, critérios e procedimentos para o exame do processo de adesão. Tendo em vista as incertezas que cercam a evolução do Brics em razão da crise militar com a Rússia e seus possíveis desdobramentos, não parece oportuna agora a discussão sobre a expansão do número de seus membros.

O Brics não deverá se dividir nem desaparecer. A duração da guerra na Ucrânia e a evolução geopolítica global vão influir nas etapas futuras do grupo.

12 de julho de 2022

QUEM FOI HARRIET MARTINEAU, A POUCO CONHECIDA FUNDADORA DA SOCIOLOGIA!

(Folha de SP, 09) No começo dos anos 1980, quando cursava ciências sociais na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Celso Castro foi apresentado aos autores considerados fundamentais para quem quisesse se aventurar naquela disciplina. Não é difícil imaginar que todos eram homens brancos nascidos nos Estados Unidos ou na Europa.

Castro conheceu pensadores como o alemão Karl Marx (1818-1883), o francês Émile Durkheim (1858-1917) e o alemão Max Weber (1864-1920), apontados como pais fundadores daquela que viria a ser sua área de pesquisa.

Essa trinca, no entanto, nunca foi unânime. O francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) não teria lugar entre os pioneiros, já que seu volumoso “Da Democracia na América”, cujas duas partes saíram em 1835 e 1840, é um clássico da ciência política?

E o que dizer do também francês Auguste Comte (1798-1857), que lançou mão da palavra sociologia ainda em 1839 para designar uma nova ciência? Segundo ensinou na 47ª lição de seu “Curso de Filosofia Positiva”, à sociologia caberia analisar as leis fundamentais específicas aos fenômenos sociais.

Quase meio século depois, Durkheim afirmou em seu curso de ciências sociais que Comte tinha apenas empregado a palavra e indicado o propósito da sociologia, sem, contudo, ter criado de fato uma nova área do conhecimento.

A crer nessa linha de argumentação, o marco inaugural da sociologia poderia ser a publicação de “As Regras do Método Sociológico”, de 1895, livro no qual Durkheim defende que os fatos sociais devem ser tratados como coisas.

Essa foi a história que Celso Castro aprendeu, assim como os demais estudantes que vieram antes ou depois dele, em um ciclo que se retroalimenta: professores ensinam esses autores, alunos os estudam e, quando se tornam professores, voltam a indicá-los para seus próprios alunos.

Como uma serpente que morde o próprio rabo, ninguém tinha a boca livre para perguntar: onde estão as mulheres, onde estão as pessoas não brancas e os pensadores não ocidentais?

Talvez venha à mente a hipótese de que o mundo do século 19 era ainda mais excludente que o de hoje, de modo que apenas homens brancos ocidentais teriam condições materiais de se dedicar a uma carreira acadêmica e produzir conteúdo digno de nota. Opressão gerando mais opressão.

Essa explicação funciona para boa parte dos casos, mas não para todos. Quem duvidar pode tirar a prova com o livro “Além do Cânone: para Ampliar e Diversificar as Ciências Sociais”. Na obra, ele apresenta 16 pensadores e pensadoras que fogem ao estereótipo dessa tradição ocidental, muitos dos quais o próprio Castro desconhecia.

“Não tenho vergonha alguma de reconhecer isso. Foram meses intensos de descoberta e de aprendizado que me fizeram ver, 40 anos depois de ter iniciado o meu curso de graduação, a enorme dimensão da minha ignorância em relação às possibilidades que as ciências sociais podem nos oferecer como instrumento de conhecimento da realidade social”, diz.

“Em décadas recentes, ampliou-se a ‘descoberta’ e inclusão de autoras, de não brancos e não ocidentais, mas principalmente em disciplinas mais especializadas, de pós-graduação etc. O que não se ampliou até hoje foi o cânone”, afirma Castro, que é professor da FGV, onde dirige o CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) e a Escola de Relações Internacionais.

Sua proposta é justamente essa: ampliar o cânone, não substituí-lo. Há bons motivos para que os clássicos sejam considerados clássicos, mas não há boa justificativa para que mulheres e negros, por exemplo, fiquem sempre alocados em nichos, como feminista, decolonial ou do Sul. Por que não poderiam pertencer à “grande tradição”?

“Acho necessário e importante inserir essas autoras e autores que estão no livro não para manter um ‘equilíbrio’, uma ‘cota’, ou por razões de afirmação identitária em relação ao cânone tradicional, mas sim porque são muito bons e porque nos ajudam a entender melhor a realidade social”, afirma Castro.

Seu livro, mais uma vez, serve de prova. Após a apresentação de cada um dos 16 pensadores, Castro inclui trechos de seus textos, boa parte dos quais inéditos no Brasil. Assim, o leitor pode julgar por conta própria o pioneirismo, o impacto e a qualidade de intelectuais que bem poderiam pleitear um lugar entre os pioneiros das ciências sociais.

Castro não está sozinho. A socióloga Fernanda H. C. Alcântara, professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), considera o apagamento de Martineau uma injustiça histórica.

“Não existe um motivo para que Martineau não tenha o seu reconhecimento como fundadora da sociologia. Ela não foi apenas mais uma pessoa que participou do processo. Em 1838, ela já falava da necessidade de sistematizar os estudos da ciência da sociedade e escreveu um livro a esse respeito”, diz.

A fim de divulgar a obra de Martineau e garantir o ingresso dela na agenda das ciências sociais no Brasil, Alcântara se dispôs a traduzir por conta própria alguns livros da pioneira britânica.

Em 2021, saiu “Como Observar: Morais e Costumes”, disponível para compra no blog da autora. Em julho deste ano, terá à mão o primeiro volume de “Sociedade na América”, que ela pretende publicar em quatro partes, em vez das duas originais, mantendo intervalo de três a quatro meses entre cada uma delas.

Alcântara afirma que Martineau teve elevado reconhecimento no século 19, mas depois, sem que fique nítido por qual motivo específico, ela passou a ser negligenciada.

“O processo de construção do cânone foi um movimento sobretudo de exclusão e de suposta criação de uma identidade para a nova ciência, que já nem era tão nova assim. Vários autores e autoras foram apagados da história da sociologia nesse processo”, diz a socióloga. “Embora façamos sempre essa associação entre o cânone e a fundação da sociologia, existe entre esses dois elementos ao menos meio século de diferença.”

Dentro dessas escolhas políticas para formação do cânone, não há de ser coincidência que a britânica tenha ficado de fora. “Trata-se de uma visão muito diferente quanto aos elementos que constituem a sociedade, com destaque para o fato de que Martineau não excluiu da análise as mulheres e os escravos. Suas contribuições consideram a possibilidade de objetividade, sem negligenciar todas as possíveis formas de interferência no processo de produção do conhecimento”, afirma Alcântara.

Celso Castro celebra o empenho de Alcântara em passar o trabalho de Martineau para o português. “É importantíssimo que sejam feitas mais traduções, pois de outro modo o acesso a estudantes de graduação ficará muito limitado”, diz.

“Espero que o ‘Além do Cânone’ ajude a formar cientistas sociais em uma perspectiva mais ampla, diversa e colorida que aquela que presidiu minha formação. E, mais importante, que desperte nos seus leitores o mesmo sentimento que tive: paixão pelo mundo, vasto mundo, das ciências sociais”, afirma Castro.

O seu livro de fato permite uma degustação bastante saborosa de outros pensadores em geral não considerados entre os clássicos. São intelectuais do Haiti e do México, da Índia e do Japão, do Irã, da Turquia e da antiga Rodésia do Sul; são homens e mulheres, brancos e não brancos.

Compõem um quadro muito mais abrangente e diversificado das ciências sociais e da sociedade que aquele no qual só aparecem os mesmos de sempre.

Dada a qualidade dos trechos selecionados em “Além do Cânone”, resta esperar que mais pesquisadores se proponham a traduzi-los para o português, de forma que possam ser apreciados não como aperitivo, mas como prato principal.

11 de julho de 2022

O CÍRCULO VICIOSO LATINO-AMERICANO!

(O Estado de S. Paulo, 08) O grupo The Economist produziu um dossiê sobre a América Latina. O tema rendeu uma matéria de capa na revista. O título não poderia ser mais eloquente: Como as democracias declinam – Estagnação econômica, frustração popular e polarização política estão reforçando umas às outras.

Há não muito tempo o futuro era promissor. O superciclo das commodities possibilitou novos programas sociais. A redução da desigualdade reforçava a redemocratização. Mas os governantes não empenharam seu capital político em modernizações estruturais (políticas, tributárias, administrativas) e desperdiçaram o capital físico que deveria ser investido nas engrenagens de um crescimento sustentável, como infraestrutura, educação, produtividade e diversificação econômica.

Se aquele círculo virtuoso era frágil, o atual círculo vicioso é forte. Uma década de estagnação acentuou a frustração, especialmente entre os jovens, com a falta de oportunidades. A ira popular se voltou não só contra os incumbentes políticos, mas contra a política. A esperança em salvacionistas autoritários cresce. Mas, além de serem tão ou mais ineficientes que seus pares moderados, eles dilapidam o Estado Democrático de Direito. Mesmo países que logravam um razoável desenvolvimento econômico e, em parte, social, como Chile, Peru ou Colômbia, foram tomados pela febre populista.

O Financial Times publicou um editorial com um título igualmente sugestivo: O tumulto político na América Latina durará até que suas economias sejam reformadas. Com efeito, a combinação de privilégios oligopolistas e protecionismo perpetua a baixa produtividade do setor privado e a falta de investimentos e inovação que são chave para a mistura tóxica de desigualdade e baixo crescimento – tornada explosiva pela violência política, criminal e social.

Mas, na esfera pública, o centro desmorona, a direita, em nome da “liberdade”, se aferra a regalias elitistas e a esquerda, em nome da “igualdade”, a manias utopistas e ultrarregulatórias (exacerbadas quase a ponto da caricatura, por exemplo, na Constituinte do Chile).

“A política está marcada não apenas pela polarização, mas também pela fragmentação e a extrema fraqueza dos partidos políticos, tornando difícil congregar maiorias governantes estáveis”, diagnostica a Economist. “Essa espiral descendente é acelerada pela influência maligna das redes sociais e pela importação de políticas identitárias do Norte.”

O Brasil é um caso exemplar do círculo vicioso latino-americano. Exasperados com a precariedade dos serviços públicos, a corrupção e a deterioração socioeconômica, os brasileiros elegeram o (supostamente) anti-establishment Jair Bolsonaro. Mas a sua mistura de autoritarismo político e indigência administrativa só piorou essas condições. Para sustentar seu mandato ele franqueou as cartas do Executivo aos fisiologistas do Congresso, e para renová-lo inflama sua ideologia reacionária e disruptiva. Resta pouca esperança quando o favorito às eleições, Lula da Silva, só tem a oferecer os mesmos hábitos e ideias retrógrados que gestaram as condições para a ascensão de Bolsonaro.

A armadilha do subdesenvolvimento latino-americano é tanto mais dramática porque não faltam recursos para desarmá-la. Afastada de conflitos geopolíticos graves, a região é rica em culturas multiétnicas e em alimentos, minérios e energia renovável que a colocam em uma posição-chave para tirar proveito de grandes tendências políticas e econômicas globais, como a disputa entre China e EUA ou a alta das commodities, e solucionar grandes desafios do século 21, como a segurança alimentar ou as mudanças climáticas.

“A tentação será ignorar o mal-estar econômico e político e simplesmente surfar no novo boom das commodities detonado pela guerra na Ucrânia. Isso seria um erro”, adverte a Economist. “Não há atalhos. Os latino-americanos precisam reconstruir suas democracias de baixo para cima. Se a região não redescobrir a vocação para a política como um serviço público e reaprender o hábito de forjar consensos, seu destino só piorará.”

08 de julho de 2022

ESQUERDA VOLVER?!

(Roberto Teixeira da Costa, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do Conselho Empresarial da América Latina – Estado de S. Paulo, 07) Sem surpresa, ainda que por margem estreita, Gustavo Petro foi eleito presidente da Colômbia no segundo turno, em 19 de junho, e será o primeiro político de esquerda a governar o país. Em sua juventude, participou do extinto grupo guerrilheiro M-19, foi senador durante dois mandatos e prefeito de Bogotá. A Colômbia era vista como um dos últimos redutos conservadores de nossa região. Em suas primeiras declarações, Petro indicou que irá priorizar o problema da fome, já que 39% da população da Colômbia vive em situação de pobreza extrema.

A vice-presidente na chapa de Petro, Francia Márquez, é a primeira mulher negra a ser eleita no Poder Executivo da região.

Com a eleição de Petro, temos agora seis presidentes de esquerda na região.

Relembrando: López Obrador, no México; Gabriel Boric, no Chile; Pedro Castillo, no Peru; Luis Arce, na Bolívia; e Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas eu também incluiria Alberto Fernández como sendo de esquerda, o presidente da Argentina que acaba de declarar apoio a Lula, fala em buscar uma política comum de atuação na região e passa por momento difícil, pois Cristina Kirchner continua tendo muita influência no governo. Caso Lula seja eleito, confirmando as pesquisas eleitorais para 2/10/2022, teremos oito presidentes de esquerda na região e um governo ditatorial na Venezuela.

No Equador, o presidente Guillermo Lasso, da direita, vem enfrentando violentas manifestações de grupos indígenas, que têm presença política relevante, contra a alta nos preços dos combustíveis, que, aliás, é uma constante mundo afora.

Assim, as eleições recentes indicam nova guinada para a esquerda, num movimento pendular, como vimos no passado?

Uma possível explicação para essa guinada seriam a pandemia, a guerra na Ucrânia e, mais recentemente, a inflação, que vieram a agravar os desníveis de renda e colocaram nossa região numa posição crítica e inaceitável. Assim, não me parece que seja um movimento simplesmente pendular, mas tenho dúvidas se os novos governantes conseguirão alterar o quadro descrito. Tentarão reformas mais agressivas para mitigar os efeitos perversos da desigualdade, mas terão de enfrentar Congressos divididos, sem um matiz ideológico claro. E, nesse contexto, registro a grande descrença nos políticos e, inclusive, no regime democrático, que é questionado.

Este quadro não é exclusivo de nossa região. A reeleição de Emmanuel Macron, na França, foi dificultada pela extrema-direita liderada por Marine Le Pen, que nas eleições parlamentares de 19 de junho conseguiu ampliar para 89 seus representantes (antes eram 8), e a frente de esquerda, liderada por Mélenchon, terá a segunda força na Câmara. Assim, Macron terá de fazer concessões para poder governar e cumprir seus projetos, entre eles a reforma da previdência, que continuará enfrentando grande resistência.

A maior democracia, os EUA, passa também por momentos difíceis, buscando recuperar-se do desastroso governo de Donald Trump e com Joe Biden constatando perda de popularidade. Fareed Zakaria, importante articulista do The Washington Post, em recente artigo, sob o título A intrigante impopularidade de Biden, aponta a inflação como fator predominante, com o consequente enfraquecimento da liderança de Biden em seu próprio partido. Os republicanos também não estão tornando sua vida nada fácil num quadro de altas taxas de juros e ameaça de recessão no médio prazo. Para surpresa de muitos, mesmo com o desgaste de Trump, que está sofrendo uma CPI que analisa a invasão ao Capitólio, existe um bolsão republicano que continua apoiando o ex-presidente.

Assim, os democratas nos EUA correm o risco de perder a maioria nas eleições de meio do ano (8 de novembro). Ficou muito difícil a aprovação de medidas apresentadas por Biden e ele corre o risco de não ser reeleito em 2024.

É nesse complexo cenário mundial que a democracia está sendo questionada, e quando teremos nossas eleições em 2 outubro. Precisamos, mais do que nunca, escolher um presidente que tenha o perfil de estadista capaz de implementar não só políticas internas para mitigar os efeitos da pobreza e da desigualdade social que assolam o País, mas, ao mesmo tempo, que dê a devida atenção à nossa política externa, para que estejamos em condições de reposicionar nosso país na nova geopolítica mundial. Certamente, contaremos com as consequências da guerra na Ucrânia e teremos de reparar os desgastes sofridos em anos recentes em nossas relações internacionais. É condição essencial para que o Brasil volte a ocupar uma posição condizente neste novo cenário, com o potencial que temos a oferecer. Infelizmente, nenhum dos atuais candidatos parece ter esse perfil.

Temos de admitir que a política externa não tem peso no julgamento dos eleitores e, consequentemente, nos programas dos candidatos, e a gravidade da política interna será mais relevante para quem for eleito, herdando uma situação fiscal que será de difícil solução no curto prazo.

Concluiria ser razoável imaginar que a predominância da esquerda em nossa região enfrentará dificuldades, não apenas na coordenação de suas políticas entre os diferentes países, mas também em como lidar com Congressos divididos.

07 de julho de 2022

RESSONÂNCIA DO MOVIMENTO PERMANECE NO PAÍS COMO SIMBÓLICA’!

(Boris Fausto, cientista político e historiador – O Estado de S. Paulo, 04) Com o livro A Revolução de 1930, o cientista político e historiador Boris Fausto provocou uma mudança nas análises sobre o tenentismo. Ele vê nos jovens militares um espírito que, “em grande linha, não era democrático”. “Era salvacionista. Propugnarão a manutenção da ditadura do Getúlio (Vargas).”

Que balanço o sr. faz dos impactos do tenentismo?

Foi um movimento que teve grande impacto na história da Primeira República. Foi um primeiro movimento armado de envergadura – houve outros, localizados – que rompe com a tradição de acomodação. O episódio do Forte de Copacabana, a revolta em São Paulo e a coluna Prestes-miguel Costa tiveram uma ressonância do País que permanece atualmente como simbólica. Mas o movimento teve limites. Nenhum tenente assumiu o comando do País.

Como ele atuou na luta política entre as oligarquias?

Após 1930, o grosso do tenentismo se acomoda no getulismo. A tendência, desde o início, é restritiva ao regime democrático. Eles querem reformar o País, acabar com o Brasil oligárquico, centralizar o poder. Era salvacionista. Propugnarão a manutenção da ditadura do Getúlio. Eles não queriam a Assembleia Constituinte, pois temiam a volta das oligarquias ao poder. Daí porque desejavam prolongar o governo provisório, que era uma ditadura.

Quem de fato os tenentes representavam?

Esta é uma chave da minha interpretação da Revolução de 1930 e do tenentismo. Ele não representava as classes médias. Hoje ninguém duvida disso. Ele era visto pelas classes médias urbanas com grande esperança. A coluna era simbólica da redenção do País. Mas era um movimento de militares, com ética e ótica militar e, embora não desvinculado das classes, deve ser investigado pelo que era, não como instrumento das classes médias.

06 de julho de 2022

POR QUE A INFLAÇÃO DEVE SEGUIR ACIMA DO NÍVEL PRÉ-PANDEMIA!

(O Estado de S. Paulo, 03) As más notícias a respeito da inflação continuam chegando. Nos países ricos ela está acima de 9% ao ano e não ficava tão alta desde a década de 1980 – e nunca houve tantas “surpresas com a inflação”, com dados maiores do que o previsto pelos economistas. Isso, por sua vez, está afetando fortemente a economia e os mercados financeiros. Os bancos centrais estão aumentando as taxas de juros e encerrando programas de compra de títulos, devastando as ações. Em muitos países, a confiança do consumidor está menor do que nos primeiros dias da pandemia de covid-19. Indicadores de todos os setores, desde a habitação até a produção industrial, sugerem que o crescimento econômico está desacelerando de forma acentuada.

O que acontecerá com os preços ao consumidor é uma das questões mais importantes para a economia global. Muitos analistas esperam que a inflação anual diminua em breve, em parte porque os preços das commodities devem cair na comparação ano a ano, após aumentos significativos em 2021. Em projeções econômicas mais recentes, o Federal Reserve, por exemplo, espera que a inflação anual nos EUA (medida pelo índice de despesas de consumo pessoal) caia de 5,2%, no final de 2022, para 2,6% até o final de 2023.

É perdoável não levar essas previsões tão a sério. Afinal, a maioria dos economistas não foi capaz de ver a onda inflacionária chegando e, depois, previu erroneamente que ela desapareceria depressa. A futura trajetória da inflação está, em grande parte, cercada de incertezas.

As preocupações com a inflação podem apontar para três outros indicadores que sugerem ser improvável o mundo rico retornar tão cedo ao padrão anterior à pandemia, de crescimento de preços baixo e estável: aumento salarial crescente e expectativas de inflação maior tanto de consumidores como de empresas. Se prolongados, juntos, poderiam contribuir para o que o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), o banco central dos bancos centrais, descreveu em relatório de 26 de junho como um “ponto crítico”. Além disso, advertiu o BIS, “uma psicologia inflacionária” poderia se espalhar e se tornar “arraigada”.

INDEXAÇÃO. Há evidências crescentes de que os trabalhadores estão começando a negociar por salários mais altos. Isso poderia criar outra rodada de aumentos de preços conforme as empresas repassam as despesas extras. Uma pesquisa do Banco da Espanha sugere que metade dos acordos de negociação coletiva assinados para 2023 contém “cláusulas de indexação”, o que significa que os salários estão automaticamente vinculados à inflação, uma alta em comparação aos 20% antes da pandemia.

Na Alemanha, o sindicato IG Metall solicitou aumento salarial de 7% a 8% para quase 4 milhões de trabalhadores no setor de metais e de engenharia (provavelmente ele conseguirá cerca de metade disso). No Reino Unido, os trabalhadores ferroviários entraram em greve enquanto demandavam aumento de 7%, embora não esteja claro se vão alcançar o objetivo.

Tudo isso torna o crescimento salarial um tema ainda mais atual. Um índice que monitora o grupo de países do G-10, compilado pelo Goldman Sachs, já está subindo quase verticalmente. E os pisos salariais também estão subindo. A Holanda está propondo aumento do salário mínimo. A Alemanha aprovou lei aumentando seu mínimo em 20%. A agência de relações industriais da Austrália aumentou o piso salarial em 5,2%; mais que o dobro do aumento de 2021.

O crescimento salarial mais rápido reflete, em parte, as expectativas mais altas do público para futuros aumentos de preços – a segunda razão para se preocupar que a inflação possa se mostrar mais duradoura. Nos EUA, as expectativas de curto prazo estão aumentando depressa. Os canadenses dizem estar se preparando para uma inflação de 7% no próximo ano, o maior número entre qualquer país rico. Até mesmo no Japão, onde os preços raramente sofrem alterações, as crenças estão mudando. Um ano atrás, pesquisa do banco central japonês apontou que apenas 8% das pessoas acreditavam que os preços subiriam “significativamente” no próximo ano (os preços ao consumidor, de fato, aumentaram apenas 2,5% até abril). Agora, no entanto, 20% das pessoas supõem que isso vá acontecer.

VAREJO. O terceiro fator diz respeito às expectativas de inflação das empresas. No setor de varejo, elas estão em uma máxima histórica em um terço dos países da União Europeia. Pesquisa do Banco da Inglaterra sugere que os preços de roupas para as coleções de outono e inverno serão de 7% a 10% maiores que há um ano. O Fed de Dallas encontrou evidências preliminares de que os consumidores estão menos dispostos a tolerar aumentos. Um entrevistado do setor de aluguel e leasing reclamou que “está ficando difícil repassar os aumentos de preços de 20% a 30% dos fabricantes”. Mas isso apenas aponta para um nível mais baixo de inflação alta.

A grande esperança de uma inflação mais baixa está relacionada ao preço dos bens. Aumentos nos preços de carros, geladeiras e itens semelhantes, ligados em parte aos transtornos nas cadeias de suprimentos, motivaram o aumento inflacionário no ano passado. Agora há alguns indícios de mudança. O custo para enviar algo de Xangai para Los Angeles caiu 25% desde março. Nos últimos meses, diversos varejistas gastaram muito com estoques para manter suas prateleiras cheias. Vários agora estão reduzindo os preços para atualizar o estoque. Nos EUA, a produção de automóveis está finalmente melhorando.

Em teoria, a queda dos preços dos bens poderia ajudar a apagar as chamas inflacionárias no mundo rico, aliviando o custo de vida, dando aos bancos centrais espaço para respirar e estabilizando os mercados. Mas, com indicadores de preços futuros apontando para a direção contrária, as chances de isso acontecer aumentaram. Não se surpreenda se a inflação continuar feroz durante um tempo ainda.

05 de julho de 2022

HÁ UM SÉCULO, TENENTISMO DAVA INÍCIO À DERROCADA DA 1ª. REPÚBLICA!

(O Estado de S. Paulo, 04) O tenente Antônio de Siqueira Campos, de 24 anos, um dos responsáveis por preparar o Forte de Copacabana para o combate que se avizinhava, esperou um pouco depois que o canhão de 190 mm disparou contra a Ilha de Cotunduba, perto da entrada da Baía de Guanabara. Era 1h20 do dia 5 de julho de 1922, um ano tenso, marcado por uma sucessão de boatos entre os fardados de que “a ‘procissão’ (revolução) ia sair”. O estrondo na escuridão era um anúncio que ecoou pela cidade.

Na sala de bilhar do Palácio do Catete, prédio de estilo neoclássico encimado por sete harpias de bronze, o presidente Epitácio Pessoa, prevenido por agentes que vigiavam os conspiradores, tirou o relógio do bolso. Olhou e comentou: “Estão 20 minutos atrasados”. Começava a rebelião que um dia e meio depois seria debelada à baioneta, na praia abaixo da fortificação.

A reportagem do Estadão consultou os arquivos do Exército, documentos e jornais da época para reconstruir a revolta que inaugurou o tenentismo e abriu caminho para pôr abaixo a Primeira República. Naquela noite, o forte começou a atirar, mas a procissão não saiu. Ele atingiu de novo a ilha, e acertou a base do Forte do Vigia, no Leme, e o 3.º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha. Mas não houve salvas de outras guarnições avisando que também se revoltavam. A conspiração dos militares (e alguns civis) fora – ou estava sendo – desmontada pelo governo, com base na ação de “secretas” e infiltrados. O Catete se antecipara aos rebeldes, ocupava quartéis, prendia suspeitos.

Um levante articulado na Vila Militar, no 1.º Regimento de Infantaria, foi sufocado após tiroteio que resultou na morte do capitão Barbosa Monteiro. Os cadetes da Escola Militar de Realengo, rebelados, também fracassaram. Parecia que tudo dava errado para os rebeldes.

O levante no 1.º Batalhão de Engenharia foi sufocado, assim como na Escola de Sargentos. A Fortaleza de Santa Cruz, em vez de aderir, dispararia contra o Forte de Copacabana. Até o acaso parecia estar com Epitácio. A 1.ª Companhia Ferroviária, em Deodoro, não se movimentou. Seu comandante, o tenente Luiz Carlos Prestes, estava com tifo. Anos depois, confessou a frustração por não poder sublevar. Enfraquecido, não conseguiu ficar de pé e se fardar.

Poderoso
Com os fracassos e as desistências, restou só na capital, tentando derrubar a velha ordem, o Forte de Copacabana. Era unidade poderosa. Construído sobre um rochedo que avança pelo mar e inaugurado em 1914, ele tinha cúpulas giratórias e canhões 75, 190 e 305 mm, importados da alemã Krupp. Como rodavam, as armas podiam atingir alvos em terra e mar, em um raio de 20 quilômetros.

Naquela manhã, o forte tinha 300 homens rebelados. No comando estava o capitão Euclydes Hermes da Fonseca. Os revolucionários ergueram barricada no portão do quartel, eletrificaram redes de arame farpado, minaram o corpo da guarda. O governo isolou o bairro, um balneário de casas distante do centro. O Exército instalou baterias em morros próximos e deslocou tropas para o Túnel Novo e a Praça Serzedelo Correia. Montou uma Força de Ataque e mandou dois ultimatos aos revolucionários.

Ao longo do dia 5, os revolucionários acertaram alvos no centro e na zona sul com projéteis lançados por cima dos morros. Um dos pontos atingidos foi o Quartel General do Exército, onde morreram um sargento e dois soldados. Foram vítimas de um tiro corrigido, ironicamente, com a ajuda involuntária de Pandiá Calógeras, o ministro da Guerra. Ele telefonou para o Forte. Queria reclamar que uma casa na Rua Barão de São Félix tinha sido atingida por um petardo dos revolucionários. Em consequência, três pessoas – inclusive uma criança de dois anos – morreram sob os escombros.

O Forte corrigiu a mira e disparou de novo, atingindo a ala esquerda do QG. Acertou mais duas vezes, uma do lado oposto do prédio, outra no pátio. Depois, visou a Ilha das Cobras, o Forte do Vigia, o Túnel Novo. E acertou um tiro no navio São Paulo, da Marinha, que disparara contra os revoltosos.

Mas os revoltosos também eram bombardeados. Até por aviões. Os problemas do movimento iam além do cerco. O canhão de 305 mm fora sabotado. O governo cortara água e energia do quartel. Antes das 7h do dia 6, diante da perspectiva do ataque do governo, Euclydes liberou os subordinados que quisessem deixar o Forte. Mais de 250 homens aceitaram. Em roupas civis, pularam a barricada e se dispersaram.

Marcha
Ficaram no Forte 28 homens. Decidiu-se que o capitão Euclydes iria conversar com Calógeras, para negociar uma rendição “com honra”. Levaria uma pauta escrita por Siqueira Campos: garantia de vida para os revolucionários; baixa do Exército; passagens para a Europa. O capitão passou o comando a Siqueira Campos. Em seguida, saiu do quartel e pegou um táxi.

Foi preso. Siqueira reuniu os comandados. Decidiram abandonar o Forte para enfrentar os governistas. Houve então um ritual. Com uma navalha de barbear, o comandante cortou uma bandeira do Brasil em 28 pedaços. Distribuiu a maioria deles entre os presentes. Ficou com três: um para si, um para Euclydes e um para Newton Prado, que montava guarda na barricada. Alguns revoltosos usaram os fragmentos para escrever. Eram bilhetes póstumos: despediam-se de parentes e amigos.

Após 13h30, começaram a marcha pela Avenida Atlântica. A eles incorporou-se um civil, Octavio Correia, que ganhou um fuzil e um pedaço da bandeira – o reservado a Euclydes. Depois de uma parada no Hotel Inglez, onde beberam água, o grupo seguiu em frente, segundo depoimento de Siqueira Campos. O tenente disse que “oficiais e praças do 3.º Regimento” gritavam de longe que se rendessem, ao que os revoltosos respondiam que atirassem.

Outros depoimentos, de militares, relatam o encontro, na altura da Rua Barroso – atual Siqueira Campos – do grupo de rebeldes com os legalistas. Ali, o tenente governista Segadas Viana estava com um pelotão. O comandante do 2.º Batalhão do 3.ª Regimento de Infantaria, major Pedro Chrysol Fernandes Brasil se aproximou, mas os revolucionários diziam que iriam ao Catete, ameaçando-o. “Vocês estão cometendo um ato de loucura”, disse o oficial ao depor. Brasil afirmou ter insistido, mais de uma vez, para que os rebeldes se rendessem, garantindo suas vidas. Não foi obedecido, e a tensão crescia. O oficial legalista, então, deu a Segadas ordem de fogo.

Foi quando, segundo sua versão, os revolucionários se dividiram em dois grupos e atiraram. Primeiro de pé. Depois pularam para a praia. Siqueira viu os companheiros caírem feridos: Eduardo Gomes, Octávio Correia e Prado. Em seguida, foi a sua vez.

Começou então o ataque final com baionetas autorizado pelo general Tertuliano Potiguara e comandado por Brasil. Ferido, Siqueira contou no processo ter visto que Prado, deitado e ferido, atirava de revólver. “Levantem os que estão vivos!”, gritavam os legalistas. A revolução acabara. Siqueira e Gomes sobreviveram. Prado morreu seis dias depois. Correia, ferido no peito, não sobreviveu. Ao menos três praças morreram.

O mesmo aconteceu com o tenente Mário Carpenter. Com ele foi achado seu fragmento da bandeira. Trazia a mensagem que escrevera pouco antes. Ela está guardado em caixa envidraçada, no Forte de Copacabana – hoje um centro cultural ligado ao Exército. Diz, em letras desbotadas: “Forte de Copacabana – 7 de julho de 1922. Aos queridos pais ofereço um pedaço da nossa bandeira em defesa da qual resolvi dar o que podia… minha vida”.

Governo bombardeou São Paulo em 1924 e proibiu o ‘Estadão’
Em 5 de julho de 1924, São Paulo foi o palco de nova rebelião dos tenentes. O governo do Estado deixou a cidade, e os rebeldes ofereceram a direção civil do movimento a empresários, entre eles Julio Mesquita, que declinou. Com o passar dos dias, as dificuldades na cidade – bombardeada pelas tropas federais – aumentaram.

O presidente da Associação Comercial, Macedo Soares, propôs a criação de uma Guarda Municipal e uma Comissão de Abastecimento Público, formada pelo arcebispo d. Duarte Leopoldo, pelo prefeito Firmiano Pinto, por Mesquita e outros. A revolta durou 22 dias e deixou 503 mortos e 4,8 mil feridos. Ao retomar a cidade, o governo prendeu e processou civis acusados de simpatizar com o movimento, entre eles Mesquita e o jornalista Paulo Duarte, redator do Estadão, e proibiu o jornal de circular.