20 de agosto de 2020

TEM­PES­TA­DE MAIS QUE PER­FEI­TA!

(Josef Barat, eco­no­mis­ta, Con­sul­tor de En­ti­da­des Pú­bli­cas e Pri­va­das, Co­or­de­na­dor do Nú­cleo de Es­tu­dos Urbanos da As­so­ci­a­ção Co­mer­ci­al de São Pau­lo – Estado de SP, 19) O dis­cur­so inau­gu­ral de Chur­chill no Par­la­men­to co­mo pri­mei­ro-mi­nis­tro, em maio de 1940, foi cla­ro, du­ro e re­a­lis­ta, pre­pa­ran­do os in­gle­ses pa­ra os tem­pos som­bri­os que vi­ri­am. A Eu­ro­pa es­ta­va sen­do ocu­pa­da ra­pi­da­men­te pe­las tro­pas na­zis­tas e Lon­dres, sen­do al­vo de ata­ques aé­re­os. Sua fra­se mais con­tun­den­te foi: “Eu di­ria à Ca­sa, co­mo dis­se àque­les que se jun­ta­ram a es­te go­ver­no: na­da te­nho a ofe­re­cer se­não san­gue, tra­ba­lho, lá­gri­mas e su­or”. Não re­ce­beu aplau­sos, mas com co­ra­gem e vi­são pre­pa­ra­va os bri­tâ­ni­cos pa­ra o que es­ta­va por vir: cin­co lon­gos anos de guer­ra e so­fri­men­to.

Co­mo um gran­de es­ta­dis­ta e es­tu­di­o­so da His­tó­ria, par­ti­cu­lar­men­te da his­tó­ria das guer­ras, sa­bia mui­to an­tes da mai­o­ria o que se pas­sa­va na Ale­ma­nha: re­co­nhe­ceu o po­der do ini­mi­go e a im­por­tân­cia de en­fren­tá-lo. Mais do que a de­fe­sa do seu país, tra­ta­va-se da lu­ta pe­la li­ber­da­de e pe­los va­lo­res mais ca­ros à ci­vi­li­za­ção. Com o po­der da pa­la­vra, con­se­guiu mo­bi­li­zar e unir o po­vo pe­la de­fe­sa da sua li­ber­da­de e va­lo­res. Ou­tros lí­de­res tam­bém de­mons­tra­ram es­sa ca­pa­ci­da­de em ou­tros con­tex­tos di­fí­ceis e de va­ri­a­das for­mas. Ro­o­se­velt e De Gaul­le. Tam­bém Gandhi e Luther King, por exem­plo, con­se­gui­ram unir pe­la pa­la­vra. Es­ses gran­des es­ta­dis­tas e lí­de­res, por­tan­to, em mo­men­tos crí­ti­cos, ti­ve­ram a ca­pa­ci­da­de de unir, de cri­ar con­ver­gên­ci­as, de dar es­pe­ran­ça e trans­mi­tir em­pa­tia e hu­ma­ni­da­de com seu po­vo.

A de­mo­cra­cia exi­ge que gran­des lí­de­res sai­bam, den­tro das re­gras do Es­ta­do de Di­rei­to, mo­bi­li­zar e unir, mos­tran­do a re­a­li­da­de dos fa­tos. Em re­gi­mes to­ta­li­tá­ri­os ou au­to­ri­tá­ri­os, não é a re­a­li­da­de que con­ta. A ve­ra­ci­da­de dos fa­tos é trans­mu­ta­da de acor­do com a von­ta­de do di­ta­dor e seu en­tou­ra­ge. Por is­so, corta-se o aces­so ou ma­ni­pu­la-se a in­for­ma­ção, fan­ta­sia-se a re­a­li­da­de e nun­ca se re­ve­la a di­men­são das tra­gé­di­as. As­sim, pre­o­cu­pa o que es­tá acon­te­cen­do no Bra­sil du­ran­te a as­cen­são da pan­de­mia do co­ro­na­ví­rus. Co­mo se não bas­tas­sem a an­gús­tia, o me­do e a in­se­gu­ran­ça, e an­te a fal­ta de ca­pa­ci­da­de de aten­di­men­to di­an­te da pro­gres­são ge­o­mé­tri­ca do con­tá­gio, o go­ver­no op­tou in­sis­ten­te­men­te pe­lo des­cum­pri­men­to das ori­en­ta­ções da OMS e das ad­ver­tên­ci­as de mé­di­cos, bió­lo­gos e pes­qui­sa­do­res. Ri­di­cu­la­ri­zou evi­dên­ci­as ci­en­tí­fi­cas, fez pou­co ca­so do so­fri­men­to das fa­mí­li­as e deu de­mons­tra­ções ex­plí­ci­tas e in­fan­tis de re­bel­dia con­tra as evi­dên­ci­as do avan­ço da pan­de­mia.

Co­mo to­da lou­cu­ra me­tó­di­ca, vão se jun­tan­do as­sim os ele­men­tos pa­ra a for­ma­ção de uma tem­pes­ta­de mais que per­fei­ta. Di­ga-se, de pas­sa­gem, que al­guns ele­men­tos já es­ta­vam pre­sen­tes nes­te go­ver­no an­tes de a pan­de­mia che­gar ao País: a re­ces­são econô­mi­ca pro­lon­ga­da, o de­sem­pre­go ele­va­do, uma in­fla­ção um tan­to fo­ra de con­tro­le e o de­se­qui­lí­brio das con­tas pú­bli­cas. Ob­vi­a­men­te que a pan­de­mia os agra­va. Mas in­sis­tir na di­co­to­mia eco­no­mia ver­sus pan­de­mia é in­sis­tir no des­vio da aten­ção e fal­ta de ações con­cre­tas nos dois pro­ble­mas. Mu­dar mi­nis­tros, fal­si­fi­car da­dos, não en­fren­tar a re­a­li­da­de e fa­zer pro­nun­ci­a­men­tos com du­plas men­sa­gens não vão con­tri­buir em na­da pa­ra de­ter o co­ro­na­ví­rus e ati­var a eco­no­mia. Co­mo não se fez o que ti­nha de ser fei­to, os da­nos já es­tão pre­ci­fi­ca­dos. E pa­ra quem se pre­o­cu­pa tan­to com a eco­no­mia, uma sur­pre­sa: vai le­var mais tem­po pa­ra a re­cu­pe­ra­ção, com o ca­os já ins­ta­la­do.

Nes­ta guer­ra que es­tá sen­do per­di­da pa­ra o co­ro­na­ví­rus, os pro­nun­ci­a­men­tos im­pul­si­vos do pre­si­den­te – ao con­trá­rio de gran­des lí­de­res e es­ta­dis­tas – não têm a ca­pa­ci­da­de de unir, dar es­pe­ran­ça ou trans­mi­tir em­pa­tia, hu­ma­ni­da­de e com­pai­xão. Com mais de 100 mil mor­tos e 3 mi­lhões de con­ta­mi­na­dos, su­as falas ge­ram con­fu­são, di­ver­gên­cia, des­cum­pri­men­to de re­gras de ci­vi­li­da­de e o re­la­xa­men­to pre­ma­tu­ro. Es­te des­pre­zo pe­lo so­fri­men­to é uma ofen­sa aos pro­fis­si­o­nais de saú­de, tra­ba­lha­do­res em ser­vi­ços es­sen­ci­ais e ao po­vo em ge­ral. Em meio ao ca­os e di­an­te de in­for­ma­ções ma­ni­pu­la­das, men­sa­gens du­plas qu­an­to ao dis­tan­ci­a­men­to so­ci­al e re­a­ber­tu­ra do co­mér­cio, os eco­no­mis­tas não têm mui­to o que fa­zer no mo­men­to.

19 de agosto de 2020

REFORMA AMPLA!

(Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal – Estado de SP, 18) É muito importante que as alterações no sistema tributário do País sejam aprovadas.

Em segundo lugar, é verdade que a inclusão do ICMS e do ISS na reforma tributária pode exigir o aporte de recursos da União para o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), o que gera alguma complexidade política. Mas essa é uma equação muito mais fácil de ser resolvida numa reforma ampla que numa reforma apenas dos impostos subnacionais, em que a União tem menos interesse no resultado.

Se o custo do FDR para a União não for muito elevado, o impacto positivo do maior crescimento resultante da reforma sobre as receitas federais certamente será mais que suficiente para financiá-lo. O que não faz sentido é a União alegar que não tem recursos para financiar o FDR ao mesmo tempo que se discute a destinação de 30% dos recursos da partilha do pré-sal para os Estados e municípios, sem nenhuma contrapartida.

Por fim, os autores mencionam que a alíquota de 12% da CBS seria um indicativo de que a alíquota do IBS criado pela PEC 45 seria muito elevada, o que dificultaria sua aprovação. O que os autores esquecem é que a alíquota do IBS, ao contrário da CBS, é exatamente aquela que mantém a carga tributária atual, apenas explicitando o que a população já paga. Adicionalmente, há várias características do modelo da PEC 45 que fazem com que a alíquota seja mais baixa (como a dedução da receita da Cide-combustíveis, que será calibrada para manter a tributação atual da gasolina), além de haver fortes indícios de que a alíquota de 12% da CBS está superestimada.

Em suma, ao contrário do que alegam os autores, tudo indica que a aprovação da CBS, deixando para um segundo momento a discussão sobre o ICMS e o ISS, mais atrapalha que ajuda. De um lado, porque consumiria a energia política disponível para a aprovação de uma reforma ampla. De outro, porque, depois de criada a CBS, o governo federal tende a perder o interesse na criação de um IVA subnacional. Por fim, porque o desenho da CBS é tal que exige uma alíquota mais alta que a necessária para garantir a mesma receita no IBS – o que pode gerar resistências à extensão do modelo para o ICMS e o ISS.

18 de agosto de 2020

FALANDO SÉRIO!

(Elena Landau – O Estado de S. Paulo, 14) Salim Mattar deixou a Secretaria de Desestatização com um saldo positivo: uma estatal a mais. Nestes 19 meses que esteve no comando do programa, descobriu que os tempos no setor público são diferentes do privado, que o establishment resiste à venda de estatais e Bolsonaro não gosta de privatização. E os Beatles são realmente os Reis do Iê-iê-iê.

Falando sério. Sair atirando no presidente é fácil. Ao choro dos descontentes se junta seu chefe, Paulo Guedes. Vou usar uma palavra forte. Hipocrisia. Guedes foi fiador do candidato Bolsonaro. Dizia que faria em um ano o que os outros não tinham conseguido em 30. Prometeu trilhões com venda de ativos. Mattar nunca contestou esses números, ainda que não tenha incluído nenhuma estatal relevante no programa de desestatização. Nem Valec!

Na eleição de 2018, havia muitas opções liberais entre candidatos e assessores. Nomes de primeira linha e com experiência comprovada na vida pública, como Henrique Meirelles, Persio Arida e Gustavo Franco. Guedes fugiu de todos os debates. Afinal, era o “liberal dos liberais”. Não precisava dar explicações. Dizia que bastava convicção, o que teria faltado a todos antes dele, para mudar o País.

Conhecido por sua inabilidade política, inexperiência em gestão pública e falta de contribuição acadêmica na área macroeconômica, foi recebido com muito ceticismo por alguns, mas abraçado por boa parte dos eleitores “liberais” de Bolsonaro.

Com amplos poderes criou um supergabinete. Sem modéstia, trouxe para si a responsabilidade de gerir sete secretarias, antes espalhadas em pelo menos quatro ministérios. Teve liberdade para compor uma equipe com técnicos de sua confiança. Nunca um governo e um ministro assumiram com tanto poder para impor uma agenda própria.

Mas, para espanto de muitos, aquele que passou anos se preparando para assumir a liderança da economia do País, não tinha projeto. Sua obsessão com a capitalização quase inviabiliza a reforma da Previdência, deixada na cara do gol por Temer. A mesma obsessão com a CPMF pode desmontar o apoio, de toda a sociedade, à reforma tributária. Reforma administrativa não veio. Nem mesmo a PEC Emergencial, entregue em novembro do ano passado, recebeu dele qualquer atenção. Abertura comercial nem sequer foi mencionada. A palavra privatização saiu dos seus discursos megalomaníacos. Voltou durante a pandemia, pior momento possível. A culpa é sempre dos outros.

Ninguém chega a um alto cargo executivo apenas por sua bagagem técnica. Habilidade negocial, trabalho de equipe, respeito pelos stakeholders e firmeza na implementação de uma estratégia são parte das qualidades de um líder. No setor privado e no setor público. Não se ganha apoio no grito ou na chantagem. No discurso sobre a debandada desta semana, Guedes mostrou que ainda não aprendeu nada sobre a arte da política ao colocar o presidente contra a parede. Desprezo pela política e pela burocracia estatal explicam o fracasso da sua gestão. Sem falar da falta de liderança para convencer seus colegas da alta administração, incluindo o chefe, da importância da agenda reformista.

As pressões corporativas em um país patrimonialista são parte do jogo. Não há novidade. Se esse é o motivo de Mattar para sair, ele nem deveria ter entrado. Se há uma pressão para a volta de um modelo intervencionista e política fiscal contracíclica é porque não existe um plano econômico que dê esperanças de retomada. Nada que acene com aumento da produtividade e eficiência no País.

Quando a pandemia chegou, já estávamos à deriva. A crise econômica gerada pela covid-19 deu uma sobrevida ao ministro, que havia perdido o apoio político com o pífio resultado do PIB de 2019. De âncora do governo Bolsonaro, se tornou uma pedra no sapato. Está próximo de perceber que “Posto Ipiranga” não é exatamente um elogio.

No meio do furacão econômico e político, Bolsonaro saiu do armário e abraçou o populismo de vez. Caminho sem volta. A saída de Mattar não terá impacto na desestatização, aquela que foi sem nunca ter sido. Bom lembrar que participações minoritárias não são empresas, nem sua venda privatização.

Se Guedes tivesse reconhecido o trabalho de governos anteriores poderia ter sido diferente. O PND foi criado formalmente por Collor, continuado por Itamar e ampliado por Fernando Henrique. Como Bolsonaro, Itamar não era entusiasta da privatização, mas delegou ao seu hábil ministro da Fazenda a decisão. Com sua equipe, FHC implementou reformas modernizantes. Soube explicar e convencer seu presidente e a sociedade da importância delas para a estabilização da moeda.

Esses três presidentes fizeram uma verdadeira reforma do Estado. Nos anos 90, foram privatizados todos os setores de fertilizantes, petroquímica, siderurgia, além da Rede Ferroviária, Embraer, Vale, Telebrás e Eletrosul. Foi com firmeza, governança, transparência e respeito aos protocolos que se obteve esse resultado. Aprender com o passado, ajuda muito. Mais fácil aprimorar a partir daí. Só precisa convicção.

17 de agosto de 2020

DO TEXTO “O CAPITÃO E O MOÇO”, DE ALESSANDRO FREZZA!

“- Capitão, o menino está preocupado e muito inquieto devido à quarentena que o porto nos impôs!
– O que te inquieta, menino? Não tens comida suficiente? Não dormes o suficiente?
– Não é isso, Capitão. É que não suporto não poder ir à terra e abraçar minha família.
– E se te deixassem sair do navio e estivesses contaminado, suportarias a culpa de infectar alguém que não tem condições de aguentar a doença?
– Não me perdoaria nunca, mas para mim inventaram essa peste.
– Pode ser, mas e se não foi inventada?
– Entendo o que queres dizer, mas me sinto privado da minha liberdade. Capitão, me privaram de algo.
– E tu te privas ainda mais de algo.
– Está de brincadeira comigo?
– De forma alguma. Se te privas de algo sem responder de maneira adequada, terás perdido.
– Então quer dizer, segundo me dizes, que se me tiram algo, para vencer eu devo privar-me de mais alguma coisa por mim mesmo?
– Exatamente. Eu fiz quarentena 7 anos atrás.
– E do que foi que tiveste de te privar?
– Eu tinha que esperar mais de 20 dias dentro do barco. Havia meses em que eu ansiava por chegar ao porto e desfrutar da primavera em terra. Houve uma epidemia. No Porto Abril nos proibiram de descer. Os primeiras dias foram duros. Me sentia como vocês. Logo comecei a confrontar aquelas imposições utilizando a lógica. Sabia que depois de 21 dias deste comportamento se cria um hábito, e em vez de me lamentar e criar hábitos desastrosos, comecei a comportar-me de maneira diferente de todos os demais. Comecei com o alimento. Me impus comer a metade do quanto comia habitualmente. Depois comecei a selecionar os alimentos de mais fácil digestão, para não sobrecarregar o corpo. Passei a me nutrir de alimentos que, por tradição histórica, haviam mantido o homem com saúde.
O passo seguinte foi unir a isso uma depuração de pensamentos pouco saudáveis e ter cada vez mais pensamentos elevados e nobres. Me impus ler ao menos uma página a cada dia de um argumento que não conhecia. Me impus fazer exercícios sobre a ponte do barco. Um velho hindu me havia dito anos antes que o corpo se potencializava ao reter o alento. Me impus fazer profundas respirações completas a cada manhã. Creio que meus pulmões nunca haviam chegado a tamanha capacidade e força. A parte da tarde era a hora das orações, a hora de agradecer a uma entidade qualquer por não me haver dado, como destino, privações graves durante toda minha vida.
O hindu me havia aconselhado também a criar o hábito de imaginar a luz entrando em mim e me tornando mais forte. Podia funcionar também para as pessoas queridas que estavam distantes e, assim, integrei também esta prática na minha rotina diária dentro do barco.
Em vez de pensar em tudo que não podia fazer, pensava no que faria uma vez chegado à terra firme. Visualizava as cenas de cada dia, as vivia intensamente e gozava da espera. Tudo o que podemos obter em seguida não é interessante. Nunca. A espera serve para sublimar o desejo e torná-lo mais poderoso. Eu me privei de alimentos suculentos, de garrafas de rum e outras delícias. Me havia privado de jogar baralho, de dormir muito, de praticar o ócio, de pensar apenas no que me privaram.
– Como acabou, Capitão?
– Eu adquiri todos aqueles hábitos novos. Me deixaram baixar do barco muito tempo depois do previsto.
– Privaram vocês da primavera, então?
– Sim, naquele ano me privaram da primavera e de muitas coisas mais, mas eu, mesmo assim, floresci, levei a primavera dentro de mim, e ninguém nunca mais pode tirá-la de mim”.

14 de agosto de 2020

A TURMA DO GASTO!

(Zeina Latif – O Estado de S. Paulo, 13) Essa turma é composta por vários grupos que sempre encontram uma justificativa para o governo gastar mais. Tem o pessoal “antenado”, que defende seguirmos o exemplo dos países avançados e pisar no acelerador de gastos. Só lembram da experiência internacional quando é conveniente. Silenciam sobre experiências e discussões nos países ricos sobre a qualidade da ação estatal por meio de: avaliação de políticas públicas (cairia bem na discussão sobre renovar a desoneração da folha), identificação de seu benefício para a sociedade (faltou na ampliação do Fundeb, que basicamente privilegiou o aumento da folha de ativos e inativos) e existência de medidas alternativas mais eficazes (políticas mais adequadas que a Zona Franca de Manaus para a preservação da Amazônia e o desenvolvimento da região).

Também fecham os olhos às diferenças entre os países. Os pobres têm menor capacidade de gasto e, portanto, de endividamento do que os ricos, principalmente se exibirem baixo crescimento. Interessante notar que “PIB per capita” e “taxa de crescimento do PIB” são variáveis com grande peso para explicar a nota de crédito dos países. O Brasil, na lanterninha dos emergentes, se sai mal em ambos os critérios.

Há o grupo da “disrupção”, que defende que a teoria econômica caducou, sendo o momento de rasgar os manuais e buscar alternativas como, por exemplo, a emissão monetária para financiar os gastos públicos.

É compreensível algum grau de experimentalismo na política econômica em tempos de crise. É arriscado, porém, prosseguir com eles sem evidência de sua eficácia, especialmente em países emergentes, onde o custo de equívocos é maior. Que a criatividade seja melhor utilizada para boas políticas públicas.

Há a “velha guarda”, de esquerda e direita, que defende maior ação estatal em tempos de suposta crise do capitalismo. Curiosa recomendação em um país de capitalismo capenga, que precisa ser reforçado com vistas a maior liberdade para empreender e à concorrência, e o flagrante fracasso do Estado brasileiro. Aumentar Estado ineficiente é proposta perigosa.

Tem a turma das “bancadas” associadas a interesses setoriais e de segmentos da sociedade que acredita que basta despender mais recursos para se eliminar as mazelas do País. Problemas ambientais, de saúde, educação, segurança, cultura, etc; tudo se resolve com mais gastos públicos. Não discute formas de utilizá-los de forma mais eficiente. A falta de dinheiro é desculpa para tudo: ponte que cai, museu que pega fogo, teste de covid-19 que não chega. Mal comparando, é equivalente a propor a volta da CPMF: uma medida que promete resolver problemas sem muito esforço, mas ao custo de perpetuar distorções.

O aumento de gastos no Brasil tem gerado mais despesas com a folha e desperdício, e não benefício à sociedade.

Finalmente, há o pessoal dos “direitos adquiridos”. A casta de servidores públicos – destacadamente do sistema judiciário – não só não aceita contribuir com a fatura da crise paga pelo setor privado, como também não perde a chance de pedir mais recursos e privilégios. E com o beneplácito da esquerda. Exemplo recente é o TJ-SP que pleiteia um aumento de 55% no orçamento, basicamente para gasto com a folha.

Os grupos parecem não se preocupar com as consequências de suas propostas sobre a carga tributária e os juros, e frequentemente são omissos em relação às reformas necessárias para conter os gastos obrigatórios. Pior, a elite do funcionalismo bloqueia discussões sobre a redução de seus privilégios e, muitas vezes, toma decisões em benefício próprio.

Esse quadro reverbera no Congresso. Aumentar gastos é fácil, sendo que muitos têm caráter permanente. Sua contenção requer consensos, o que anda difícil. Os tachados de “terroristas fiscais” estão isolados.

A turma do gasto tem sido historicamente vitoriosa, pois só fazem ajuste quando se instala uma crise fiscal. Desta vez, corremos o risco de aumentar os gastos mesmo em meio à crise.

13 de agosto de 2020

EQUÍVOCOS E ACERTOS NA REFORMA TRIBUTÁRIA!

(Roberto Luis Troster – O Estado de S. Paulo, 12) Uma tributação bem desenhada é um instrumento poderoso de política econômica para induzir investimentos, criar postos de trabalho e melhorar a distribuição de renda. Quando está mal concebida, causa efeitos perversos que podem ser evitados.

A proposta do Executivo enviada ao Congresso Nacional propondo a substituição das contribuições de PIS e Cofins pela Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) é um manifesto de querer melhorar. Cria a oportunidade para propor aprimoramentos e eliminar distorções na tributação de operações de crédito.

Uma primeira proposta que sugiro é corrigir o equívoco de confundir juros com bens e serviços. Juros, aluguéis, lucros e salários são remunerações aos fatores de produção. São rendas de aplicadores, proprietários, empresários e trabalhadores. É fato consolidado na teoria econômica e na tributária. Tecnicamente, chamar de receita, ou de qualquer outro nome, não muda em nada suas características. Serviços bancários são serviços e devem ser tributados como serviços, e juros são juros e devem ser considerados assim.

Está sendo analisada a criação de uma contribuição sobre transações eletrônicas. Ainda sem um nome definitivo, é o retorno da CPMF. A alíquota ventilada é de 0,2% sobre cada transação. Tomando como base o ano passado e supondo que não houvesse uma monetização das operações, o valor arrecadado teria evitado o déficit primário. Do ponto de vista da arrecadação de curto prazo, é um imposto bom. É fácil de ser implantado e quase impossível de ser sonegado. Mas é, também, um imposto perverso: tira competitividade da economia, aumenta a concentração de renda, desestimula investimentos e destrói postos de trabalho. É uma besteira.

Uma besteira maior, que não está no radar das reformas, é o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no crédito. É um caso único no mundo. Enquanto alguns países tributam fortunas, o Brasil tributa dívidas. É difícil de imaginar um imposto mais perverso do que este.

A tributação dos juros, a CPMF, o IOF e algumas distorções do Imposto de Renda (IR) dos bancos são resultados de uma visão míope e estática da tributação. Há operações de crédito em que a participação do governo no que o tomador paga é maior do que a dos bancos. Soluções míopes de problemas fiscais no passado causaram danos duradouros na economia.

A cada aumento da tributação na intermediação, há uma elevação da taxa de juros e, consequentemente, menos crédito, menos investimentos, menos consumo e mais inadimplência. No curto prazo, a incidência desses impostos é dos tomadores de crédito. No longo prazo, é da economia brasileira, que cresce menos do que poderia.

A questão é o que fazer. É imprescindível debater o impacto da estrutura tributária no crescimento, no emprego e na concentração de renda no médio e no longo prazos. O objetivo final da reforma é aumentar o bem-estar do País; solucionar o déficit fiscal este ano é um objetivo de curto prazo, importante, mas subordinado ao objetivo final.

No debate, é necessário evitar distorções conceituais e respeitar os princípios tributários consolidados na literatura econômica. Deve-se zerar o IOF e a CBS sobre juros e abandonar a ideia de reintroduzir a CPMF. Para que a redução da tributação seja repassada ao crédito, são necessárias novas regras de classificação e de precificação de operações.

A redução da receita pode ser compensada transferindo a tributação para o exigível dos bancos. Tem méritos prudenciais. É uma prática adotada em outros países. Deve-se, também, tributar a renda fixa como renda na fonte e com a alíquota de 27,5% para todos os prazos e títulos. A renda de juros é renda, tributa-se com IR.

O País vive um momento de transformações e de reflexões. O que se está propondo é razoável, factível, mantém o nível de arrecadação, melhora a progressividade da tributação, reduz a cunha bancária, baixa os juros e torna a oferta de crédito mais adequada para ajudar o País a superar a crise.

12 de agosto de 2020

THE ECONOMIST: BIDEN E POLÍTICA DOS EUA PARA A AMÉRICA LATINA!

(The Economist/Estado de SP, 11) “Pela primeira vez na história podemos vislumbrar realmente um hemisfério ocidental seguro, democrático e com uma classe média, do norte do Canadá ao sul do Chile e nos lugares entre os dois”, disse Joe Biden em um discurso na Universidade Harvard, em 2014.

Muita coisa mudou desde então, em particular a destruição de vidas e do sustento das pessoas provocada pela pandemia. Mesmo assim, se Biden for eleito presidente dos EUA, em novembro, para muitos latino-americanos essa será uma perspectiva tranquilizadora e familiar em comparação com o barulho e a fúria imprevisíveis de Donald Trump.

Trump venceu a eleição, em 2016, em parte porque prometeu construir um muro para impedir a entrada de imigrantes latino-americanos, declarando que o México não “é nosso amigo”. Mas acabou por desenvolver boas relações com os mais importantes governos da região. Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, usou o sucesso de Trump como modelo para sua campanha, em 2018. Alinhou a política externa brasileira, normalmente independente, às posições do governo Trump.

Andrés Manuel López Obrador, em sua única viagem ao exterior em 21 meses como presidente do México, foi a Washington e elogiou a “amabilidade e respeito” de Trump. Para manter a fronteira aberta para o comércio, o governo do México tem colaborado com o fechamento dela para os que buscam asilo.

Cautelosos com as ameaças de Trump de impor tarifas e sanções, muitos governos entraram na linha “por necessidade e, especialmente, por medo”, diz uma autoridade latino-americana. Os latino-americanos comuns não se impressionam: a porcentagem dos que manifestam uma opinião favorável a respeito dos EUA caiu de 60%, em 2015, para 45%, em 2017, segundo o Pew Research Centre.

A política de Trump com relação à América Latina se centralizou numa tentativa fracassada (até agora) para derrubar o que seu antigo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, chamou de “troica da tirania”, ou seja, as ditaduras de esquerda na Venezuela, Cuba e Nicarágua. Em seu recente livro de memórias, Bolton diz que o fracasso em derrubar Nicolás Maduro, na Venezuela, decorreu da falta de constância e relutância de Trump dentro do governo.

Também importante, o governo subestimou a dificuldade de afastar o Exército venezuelano de Maduro. Seus críticos dizem que as políticas de Trump para a América Latina têm como base a necessidade que ele tem de vencer, em novembro, no Estado da Flórida, que abriga as maiores diásporas venezuelana e cubana.

“A política interna sempre incorpora as políticas com relação à América Latina, mas nunca a este ponto”, afirma Michael Schifter, analista do Diálogo Interamericano, centro de estudos de Washington.

Se Biden vencer, suas prioridades serão a economia americana e as relações com a China. Mas a América Latina talvez não seja o último item da sua lista. Ele conhece a região muito melhor do que presidentes recentes. No segundo mandato de Barack Obama, Biden, então vice-presidente, assumiu a responsabilidade pelas Américas. “Ele dedicou tempo à América Latina, procurou aprender sobre o continente e conversou com muitas pessoas da região”, diz uma autoridade latino-americana.

Juan Gonzalez, que assessorou Biden nessa área, sublinha que a região e o mundo não são mais o que eram em 2016. “Os desafios são muito maiores”, afirma. No entanto, ele acha que existem oportunidades para os EUA no continente, e não só ameaças a serem administradas. As empresas americanas que retirarem suas cadeias logísticas da China poderão beneficiar México e América Central.

Biden sempre apoiou uma reforma da imigração e, como presidente, ele provavelmente retomará suas ideias quanto à política a adotar para a América Central, com um programa de assistência para combater a corrupção e dissuadir a imigração por meio do desenvolvimento econômico.

Quanto à Venezuela, Gonzalez afirma que as sanções deverão ser parte de uma política mais ampla que incluiria a busca de negociações com vistas a eleições livres. Uma presidência de Biden deve retomar a política com relação a Cuba adotada por Obama, para quem o engajamento teria mais probabilidade de debilitar o regime comunista do que a intensificação de sanções privilegiada por Trump. E deverá pressionar Bolsonaro quanto à sua incapacidade de proteger a Amazônia.

Um problema imediato diz respeito à liderança do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Rompendo com um entendimento de 60 anos de que seu presidente deve ser latino-americano, o governo Trump quer o cargo para Maurício Claver-Carone, membro do Conselho de Segurança Nacional e arquiteto da sua política para a Venezuela.

Ele pode assumir o cargo na reunião dos dirigentes do banco, no próximo mês. Um governo Biden, provavelmente, o obrigará a deixar o posto em favor de uma figura menos polarizadora. Para isso, Biden precisa vencer a eleição. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

11 de agosto de 2020

BRINCANDO COM FOGO!

(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 10) Na reunião ministerial de 22 de abril deste ano, além dos palavrões, o que ficou na lembrança foram as enfáticas demonstrações de que o presidente da República pretendia intervir na Polícia Federal. Poucos se recordam de que o encontro foi solicitado pelo ministro Braga Netto (Casa Civil), para apresentar o Plano Pró-brasil, ou “o Plano Marshall brasileiro”, como ele próprio mencionou. Já então era nítido o desconforto de Paulo Guedes com essa iniciativa, que, além de ser gestada fora do Ministério da Economia, demandaria recursos fiscais adicionais.

De lá para cá, tem ficado cada vez mais claro que a disciplina fiscal corre riscos, desta vez não por pautasbomba do Congresso, e sim por prováveis iniciativas do presidente e de parte do seu Ministério, incluída a ala militar.

É claro que Bolsonaro está determinado a se reeleger e que vê na austeridade fiscal um obstáculo para alcançar tal objetivo. Daí seu apoio aos ministros “desenvolvimentistas”, apesar de, contraditoriamente, insistir em que quem manda na economia é Paulo Guedes. É por isso, também, que pretende criar um programa social que leve sua marca, o chamado Renda Brasil, uma provável ampliação do Bolsa Família, que também demandará novos recursos.

Como disse a colunista Maria Cristina Fernandes, no jornal Valor (6/8), depois que o ministro da Defesa excluiu a empresa de projetos navais da Marinha, a Emgepron, do teto de gastos, mediante sua capitalização, o movimento fura-teto contagiou o governo. O ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, mostra-se inconformado com o minguado orçamento que deverá ser destinado, em 2021, ao Dnit, órgão responsável pela construção e manutenção de estradas. Além disso, Freitas é um dos maiores defensores do programa Pró-brasil. Da mesma forma, Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, também defensor do Pró-brasil, sugere retirar o programa Minha Casa Minha Vida do teto de gastos. E por aí vai.

Além dessas ameaças pelo lado do gasto público, a atuação do governo é bastante confusa e pouco produtiva no encaminhamento e na negociação com o Congresso das reformas estruturais.

Tomemos a reforma tributária. A ideia de apresentar suas propostas fatiadas até seria compreensível caso o governo tentasse tratar separadamente a revisão dos tributos indiretos e dos diretos (renda e patrimônio). Mas não faz qualquer sentido alterar a legislação apenas para a parcela federal dos tributos sobre o consumo, sem que se conheça o que será feito com os impostos estaduais e municipais que incidem sobre os mesmos fatos geradores. Na verdade, a proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) é um verdadeiro natimorto, dado que contraria o desejo do Congresso e dos governadores por uma reforma mais ampla, além da grande oposição que tem recebido do setor de serviços, inclusive de telecomunicações.

Sobre a reforma administrativa, que claramente não conta com a simpatia do presidente, nada se sabe.

O problema maior é que, se essas ameaças para a estabilidade fiscal e para a realização de reformas estruturantes se confirmarem, o governo poderá enfrentar sérias dificuldades para o financiamento da dívida pública, que se materializarão em maior encurtamento do prazo e em significativo aumento do custo de colocação dos papéis.

Na verdade, esses sinais de dificuldade de rolagem da dívida já começaram a surgir, dados o inevitável salto no endividamento público decorrente da crise econômica provocada pela pandemia e a crescente falta de confiança na política econômica. O prazo médio das emissões da dívida pública mobiliária federal em oferta pública caiu de 58 meses, na média de 2019, para 36 meses, em junho último. Sem contar que R$ 1,4 trilhão da dívida em poder do público é composto por operações compromissadas do Banco Central, de prazos curtíssimos.

Parece, realmente, que Bolsonaro gosta de brincar com fogo.

10 de agosto de 2020

PRESIDENTE DA CÂMARA PROMETE BARRAR QUALQUER TENTATIVA DO EXECUTIVO DE BURLAR TETO DE GASTOS!

(O Estado de S. Paulo, 09) Entrevista com Rodrigo Maia, presidente da Câmara

A seis meses de deixar a presidência da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) defende um “muro” para separar militares da ativa e governo. O deputado federal nega que a proposta tenha como alvo integrantes das Forças Armadas que compõem a gestão Jair Bolsonaro, mas diz que é preciso discutir desde já um modelo para o próximo mandato que evite mistura de Estado e governo. Em home office na residência oficial, Maia criticou a atuação do Executivo na pandemia, mas isentou o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, da responsabilidade pelas 100 mil mortes por covid. Na conversa interrompida algumas vezes para olhar desenhos do filho Rodrigo, de 4 anos, ele afirmou ainda que pode ajudar na articulação de um grupo de centro para disputar as eleições presidenciais de 2022, mas seu foco agora é aprovar a reforma tributária. À equipe econômica, mandou um recado: barrará qualquer tentativa de burlar o teto de gastos, regra constitucional que proíbe aumento de despesas em ritmo superior ao da inflação.

A seis meses de deixar a presidência da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) defende a discussão no País de um limite à atuação de militares da ativa na estrutura do próximo governo. Sem apontar diretamente para os generais nos cargos da atual gestão do presidente Jair Bolsonaro, ele ressalta a necessidade de respeitar o “muro” entre o Estado, a quem as Forças Armadas estão vinculadas, e o governo, formado especialmente por agentes públicos eleitos.

Em home office, na residência oficial, ele criticou o enfrentamento da pandemia pelo governo, mas isentou o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, de toda a responsabilidade pelas mais de 100 mil mortes.

Na conversa, interrompida algumas vezes para olhar os desenhos do filho Rodrigo, de 4 anos, revelou que vai ajudar na construção de uma candidatura que se apresente como alternativa à polarização PT x Bolsonaro. À equipe econômica, mandou um recado: vai barrar qualquer tentativa de burlar o teto de gastos, que proíbe as despesas de crescer em ritmo superior à inflação.

Estado de SP: O sr. acredita que a crise entre os três Poderes esteja de fato superada ou ainda é preciso acompanhar com mais atenção?

Rodrigo Maia: Pelo menos nas últimas semanas, há um ambiente de mais respeito e menos estressamento na relação entre Poderes. Espero que continue assim. É bom para o Brasil que a gente continue com as instituições democráticas funcionando. Foi uma coisa que cobramos naquele período de manifestações com faixas contra o Parlamento, pedindo o AI-5.

ESP: Neste momento, não está na hora de discutir a volta dos militares para a caserna e a saída deles desse ambiente político?

RM: É importante separar o Estado e o governo. As Forças Armadas estão no Estado. Os gestores públicos, os ministros, o presidente estão no governo. É importante que fique claro que há um muro. Não é algo contra os militares que estão no governo Bolsonaro, mas esse debate vai acontecer, no mínimo, para o próximo governo, para que fique clara essa separação. Quem vem para cá (governo) vai precisar não ter vínculo com o Estado. Quando um militar da ativa entra no governo ele traz parte do Estado e, muitas vezes, pode misturar as coisas, e é importante que a gente consiga organizar isso.

ESP: De certa forma, o papel dado a alguns militares não se mostrou tão eficiente. Na Saúde, na articulação política…

RM: Eu não acho que o Pazuello tenha sido a melhor escolha, mas não podemos culpá-lo também pelas 100 mil mortes. É claro que há falta de articulação com os governadores e conflitos por causa de posicionamentos equivocados. Isso pode ter prejudicado, certamente, mas transferir 100% dessa responsabilidade para o ministro está errado. O problema é ter um vírus que vai tirar vidas de brasileiros e que vai derrubar a economia. E a economia vai cair porque na hora em que começa a morrer gente próxima, a pessoa deixa de consumir, deixa de ir à rua, querendo o governo ou não.

ESP: O presidente Jair Bolsonaro tem usado o auxílio emergencial e até mesmo o Renda Brasil, ainda em estudo, para se aproximar do eleitorado do Nordeste. O Parlamento vai dar esse capital político ao presidente?

RM: O governo tinha uma proposta tímida para o auxílio emergencial. O Parlamento alterou e o presidente respaldou a decisão de um valor maior. O governo foi beneficiado. Nós vamos ficar brigando pela paternidade com 50 milhões, 60 milhões de famílias sem nenhuma renda? Não dá para ficar nesse jogo político. Cada deputado trabalhou a paternidade do auxílio emergencial, o governo também, mas é claro que os instrumentos do governo são mais fortes que os da Câmara. O Parlamento não tem estrutura de agência de publicidade.

ESP: Bolsonaro está viajando pelo Brasil em ritmo de campanha eleitoral. O sr. sente uma ansiedade de alguns setores para achar um nome que faça o contraponto ao presidente em 2022?

RM: Não é hora de se preocupar com nome. Se anteciparmos o processo eleitoral, aí sim nós vamos interditar o debate, como gosta de falar o Paulo Guedes (ministro da Economia). Infelizmente, o debate da reforma administrativa está interditado desde o ano passado. O da tributária está andando, nós estamos estimulando, diferentemente do que o Paulo Guedes diz. O que nós não queremos é criação de novos impostos e onerar a sociedade.

ESP: O sr. ainda tem seis meses na presidência da Câmara. Quais as prioridades nesta reta final e o que o sr. ainda tem tempo para entregar?

RM: A reforma administrativa eu preciso do governo, mas a tributária eu estou confiante que nós vamos entregar.

ESP: O sr. disse que, mesmo que haja a possibilidade, não disputará a reeleição. O que o senhor fará após deixar a presidência?

RM: Não é minha intenção (concorrer à reeleição).

ESP: O sr. acredita que o presidente Jair Bolsonaro não vai interferir nesse processo?

RM: É difícil não interferir.

ESP: O sr. tem defendido a construção de uma união de centro para as eleições de 2022. Fora da Câmara, o sr. pode ser essa pessoa a construir esse grupo?

RM: Tenho condições e vou querer ajudar a construir um projeto para 2022. Sem desrespeitar o projeto dos outros, mas temos que construir um ambiente que saia dos extremos e procure defender o que é o certo e o melhor para a sociedade brasileira.

ESP: A polarização PT x Bolsonaro vai se repetir em 2022?

RM: Se não surgir um candidato que tenha uma agenda reformista na economia e menos radical na questão dos valores, pode se repetir. A sociedade é conservadora, mas o radicalismo de um lado ou de outro vem gerando essa polarização.

ESP: O governo quer atrelar prorrogar o auxílio emergencial com o Renda Brasil. O senhor concorda?

RM: Eu não posso discutir o que não conheço. O que é o Renda Brasil? Óbvio que será necessário construir alguma solução para saída do auxilio emergencial. É óbvio que o Estado brasileiro não tem condições de suportar a manutenção dos R$ 600 (de auxílio emergencial). Neste momento de crise não podemos fazer política dessa questão. Eu só acho que temos que tomar cuidado para não ampliar ainda mais as despesas públicas para solucionar uma questão urgente e que precisa ser solucionada, mas criar outros problemas para a sociedade.

07 de agosto de 2020

EVERARDO MACIEL: FORA DE FOCO!

A pandemia de covid-19 vem se revelando mais persistente e insidiosa do que previra a mais pessimista previsão. A rigor, estamos sob o domínio da total incerteza, não só em relação às possibilidades de superação da crise sanitária, mas também no que se refere à natureza e dimensão das repercussões econômicas e sociais.

A despeito desse quadro de incertezas, a ONU e o FMI projetam para o Brasil, em 2020, aumento de 45% no contingente de pessoas em condições de pobreza ou extrema pobreza, queda de 9% no PIB e dívida pública se aproximando de 100% do PIB.

Esses alarmantes indicadores são agravados pela severa redução na atividade comercial, iminência de extinção ou redução do auxílio emergencial, problemática liquidação do estoque de tributos cujo vencimento foi postergado e agravamento da crise fiscal, sobretudo nos Estados e municípios, pela combinação de queda na arrecadação com aumento de gastos.

Tudo isso num contexto de recessão mundial, em que se tornam escassas as perspectivas de auxílio financeiro externo. Ao contrário do que se faz no resto do mundo, seguimos executando uma política sanitária com baixa coordenação, promovendo debates sobre trivialidades e abdicando de construir um planejamento mínimo para enfrentar as consequências da crise. Esse alheamento da realidade e consequente abulia sugerem uma patologia.

No âmbito tributário, especificamente, é evidente que temos problemas, como, em maior ou menor proporção, todos os países do mundo. Mas, em vez de aprofundarmos o conhecimento desses problemas e identificarmos soluções, preferimos brandir projetos de reforma tributária fundados em surrados chavões, sem a divulgação de qualquer estudo sobre repercussões setoriais e impactos sobre preços e com agendas ocultas que escondem propósitos polêmicos.

Jared Diamond, pensador contemporâneo, em Reviravolta, ao explicar como indivíduos e nações bem-sucedidos se recuperaram de crises, ensina: “Isolar defeitos, preservar qualidades e superar problemas”. Não é o que temos feito. Entre os chavões preferidos está a pretensão de simplificar. Nenhum projeto, entretanto, simplifica.

Por exemplo, hoje, a apuração do PIS/Cofins (contribuições com a mesma legislação e pagas com um mesmo documento de arrecadação), para os contribuintes optantes do regime cumulativo, se dá mediante a singela multiplicação de uma alíquota por uma base de cálculo, o que demanda conhecimentos obtidos nas classes iniciais do ensino fundamental.

Na proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços, a apuração do tributo devido por esses contribuintes se daria mediante uma complexa apuração de créditos e débitos, visto que haveria receitas que permitiriam ou não o aproveitamento de créditos. Resolver essa intrincada questão demandaria um sistema de contabilidade de custos, que permita uma apropriação integrada e coordenada com a escrituração.

Seguramente, faz-se mau uso do vernáculo simplificação. Os problemas do PIS/Cofins (litígios e regimes especiais) são de fácil solução. Litígios se concentram no aproveitamento dos direitos creditórios de insumos no regime não cumulativo, e são praticamente inexistentes no regime cumulativo. Esse litígio decorre de um erro de interpretação produzido por uma instrução normativa.

Para resolvê-lo, cabe tão somente rever a interpretação, na esteira do que tem sido decidido pelos tribunais superiores. Regimes especiais não surgiram por geração espontânea. Para revogá-los, deve-se recorrer à mesma via legal que os instituiu, respeitados os que foram concedidos por prazo certo e determinadas condições, conforme estabelece o Código Tributário Nacional.

De resto, o que se constata é o propósito dissimulado de promover uma grande redistribuição de carga tributária. Reduz-se a tributação de alguns produtos industrializados e aumenta-se, em meio à pandemia, a da mensalidade escolar, da consulta médica, do agronegócio, dos produtos da cesta básica, etc. Que intrigante lógica é esta?

*Consultor tributário, foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

06 de agosto de 2020

LÍBANO!

O Líbano tem 18 comunidades religiosas.

No Líbano falam-se 3 línguas: Árabe, Francês e Inglês

40 jornais diferentes circulam diariamente.

O nível de alfabetização é de 99 %

Ele tem 42 universidades.

Existem mais de 100 bancos diferentes.

70 % dos alunos estão em escolas privadas.

40 % da população libanesa é cristã (é a maior percentagem do mundo árabe).

Há um médico por cada 10 pessoas. (Na Europa e América tem um médico por cada 100 pessoas)

O nome do Líbano aparece 75 vezes no testamento antigo.

O nome Cedro também aparece 75 vezes no testamento antigo.

Beirute foi destruído e reconstruído 7 vezes (por isso é comparado com Phoenix)

Existem 4.5 milhões de libaneses no Líbano.

Há aproximadamente 14 milhões de libaneses fora do Líbano.

Só em Beirute tem mais de 350 centros noturnos.

O país foi ocupado por mais de 16 países (Egito-Hititas-Asírios-Babilônios-Persas-O exército de Alexandre-O Império Romano Bizantino-A Península Arábica-Os Cruzados-Os Otomanos-França-Israel e Síria).

Byblos é a cidade mais velha do mundo que ainda existe.

O nome do Líbano persistiu por 4,000 anos sem mudar (é o nome mais velho de um país do mundo que ainda existe)

O Líbano não tem desertos.

Existem 15 rios no Líbano e todos vêm de suas próprias montanhas.

Seus sites arqueológicos são dos mais populares do mundo.

O primeiro alfabeto foi criado em Byblos (encontra-se no museu do Líbano e está escrito no túmulo de Ahiram rei de Byblos

O único templo de Júpiter (O mais importante Deus Romano) está em Balbeck.

O Líbano é o único país do mundo árabe que não tem um ditador.

O nome Bíblia vem da cidade de Byblos.

No Líbano foi escrito o maior número de livros relacionados com a Bíblia.

Jesus Cristo fez seu primeiro milagre no Líbano, na cidade de Qana (Transformou a água em vinho).

Os fenícios no Líbano foram os primeiros a construir um navio e os primeiros a navegar na história.

A primeira faculdade de leis no mundo foi construída no centro de Beirute.

Diz-se que os Cedros do Líbano foram plantados pelas mãos de Deus por isso são chamados de cedros de Deus e ao Líbano a cidade de Deus na terra.

05 de agosto de 2020

CADEIA PRODUTIVA ENTRE BRASIL E ARGENTINA SE FRAGMENTA NA CRISE!

(Arthur Cagliari – Folha de SP, 04) A pandemia do novo coronavírus se tornou um novo ingrediente no desgaste da relação entre Brasil e Argentina. Após começarem esta última década com forte cooperações comercial e de investimentos, e ambos com crescimento econômico acima de 3,5%, os dois países chegam em 2020 com a parceria deteriorada e economias apáticas.

Um dos setores que melhor retrata o distanciamento é justamente o que vinha demonstrando capacidade de integração, o automotivo. Nos últimos 12 meses, ao menos sete empresas ligadas ao setor automotivo, o carro-chefe da relação bilateral, anunciaram suspender ou deixar produção na Argentina para concentrá-la no Brasil.

Os sinais já não eram bons. Em 2019, por exemplo, as exportações de veículos, tratores e acessórios do Brasil para o país vizinho recuaram 48,6% em relação ao ano anterior, enquanto as importações tiveram uma queda de 6,5%.

Indo mais longe no tempo é possível identificar que uma fragmentação da cadeia estava em andamento: outras 36 empresas interromperam ou cancelaram a produção de peças ou projetos no setor de automóveis no país vizinho nos últimos 12 anos, segundo dados da Afac (entidade argentina que reúne as produtoras de insumos para a área).

Neste ano, a expectativa é que os números fiquem piores. Na posição de setor fortemente impactado pela pandemia, o automotivo deverá ter na América do Sul a sua maior retração quando se olha em escala global. Enquanto a queda prevista é de 15,3% no recorte mundial, aqui na região a queda projetada é de 37,7%, segundo estimativa mais recente da empresa de pesquisa LMC Automotive.

Grande parte dessa perda deverá ocorrer por conta da queda da produção do Brasil e da Argentina, que devem recuar, respectivamente, 38,9% e 25,7%.

“Com a Argentina, nossas exportações vão demorar muito para retomar, porque lá não há sinal de recuperação, o que não deve ocorrer nem nesse nem no próximo ano. Do nosso lado, vai depender de como a demanda aqui vai se comportar, mas também não vejo mudanças em 2020”, afirma Sandra Rios, diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento).

A advogada brasileira Carla Junqueira, que trabalha na Argentina assessorando juridicamente multinacionais, afirma o fenômeno é mais perceptível na área automotiva, mas que companhias de diferentes setores já pensam em deixar o país.

“Tem empresa de todas as áreas avaliando a permanência. Quem mais vem se questionando são os setores de produtos finais de consumo massivo, em que a demanda caiu demais, como higiene e beleza. Mas tem construção civil também”, diz.

“Ouvi de um gestor de uma multinacional importante que ele só não liquidou [o negócio] e saiu da Argentina, porque ele não tem como tirar os dólares do país.”

O pontapé inicial para desgastar a relação veio da recessão econômica no Brasil, em 2015-2016, cujos efeitos se arrastam até hoje no país e que atingiram o vizinho diretamente. Quando a economia brasileira parecia se recuperar foi a vez dos argentinos viverem uma crise, em 2019.

Além disso, há um fator político que alimenta o distanciamento entre os dois países. Se no começo da década os vizinhos estavam ambos alinhados à esquerda, sob petismo e kirchnerismo, agora a situação é diferente. A esquerda retorna ao poder na Argentina com Alberto Fernández, após experiência liberal com Maurício Macri. No Brasil, o governo Jair Bolsonaro não esconde rejeição às pautas de esquerda e assume desde o início que a região sulamericana não é prioridade, o que acabou criando um vácuo na relação entre os países após a posse de Fernández.

O recente fechamento de empresas do setor automotivo é visto como sinal de desintegração mais avançada nas relações entre os dois países, em especial da cadeia automotiva, espécie de espinha dorsal do comércio bilateral.

“A Argentina teve seu pico de produção de veículos em 2011 e manteve bons níveis até 2013. Em seguida começou a queda porque o foco do setor era a exportação para o Brasil, e o país entrou em recessão. Depois, quando a economia brasileira se recuperava, vimos o mercado interno desaquecer”, diz Raúl Amil, presidente da Afac.

Hoje a Argentina convive com elevada inflação, desemprego em alta e dívida externa explodindo, além do controle de dólares pelo governo para evitar com que os cidadãos façam reservas na moeda americana. Esse limitação acaba por travar o comércio e os investimentos no país, o que afugenta capital estrangeiro.

Mas a fuga de empresários não se justifica só por isso, segundo Amil. Há outros pontos fracos como insegurança jurídica, muitos impostos sobre a indústria e acordos trabalhistas muito antigos e onerantes ao empregador. Tudo isso leva investimentos estrangeiros a buscar por locais mais rentáveis.

Desde agosto de 2019, as marcas alemã Basf, brasileira Aethra, francesa Saint-Gobain e as americanas Axalta, PPG, 3M e MWM International decidiram sair da Argentina e centralizar a produção no Brasil, seja de forma temporária ou permanente.

No caso da primeira, a realocação ocorreu na produção de tintas automotivas do país vizinho para a planta de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A marca alemã no Brasil, no entanto, nega que a decisão tenha alguma relação com a economia argentina e afirma que a medida visa simplificar a estrutura produtiva na América do Sul.

Consultadas pela reportagem, a PPG e a Axalta citam a fraqueza da economia da Argentina, agravada pela pandemia, como motivo da migração para o Brasil. A francesa Saint Gobain afirma que sua suspensão de producão de vidro automotivo no país é um movimento temporário até que haja uma retomada do mercado.

A Navistar, que controla MWM, cita em seu relatório anual do ano passado o fechamento da fábrica na Argentina e reestruturações no Brasil. A produçãono país vizinho teria sido realocada para São Paulo, de acordo com meios de comunicação locais. A marca diz não poder comentar detalhes do assunto.

A brasileira Aethra e a 3M também constam na lista da Afac sobre empresas que deixaram a Argentina no último ano e centralizaram a produção aqui. Ambas, porém, decidiram não comentar o movimento.

“Para o Brasil, em parte, é uma externalidade positiva, porque ganha com a transferência dessas produções, mas para a cadeia regional isso é muito ruim, sobretudo porque nos últimos anos houve uma especialização complementar entre os dois países, com fluxo de intercâmbio muito racional”, diz Amil, da Afac.

Em setembro do ano passado, ainda sob a presidência de Maurício Macri, o governo argentino adotou o controle de saída de dólares do país, em meio a queda de reservas do dinheiro americano pelo banco central.

Reportagem da Folha à época já mostrava que tal medida iria impactar tanto o comércio exterior quanto investimentos e saída de dividendos de empresas brasileiras. Para a advogada Carla Junqueira, o movimento é um sinal de uma quebra na cadeia produtiva regional.

“O Mercosul tenta ter uma cooperação, mas se a Argentina tem limitações, como por exemplo no estoque de dólares, e não consegue importar bens intermediários, o processo todo trava.”

04 de agosto de 2020

O MITO É TUDO QUE É NADA!

(Luís Eduardo Assis – O Estado de S. Paulo, 03) Convém não incluir na lista de defeitos do ministro Paulo Guedes a modéstia excessiva, a fraqueza de ânimo e a falta de ambição. Em 2018, o ministro acenou com a possibilidade de levantar R$ 700 bilhões com a venda de imóveis da União. Também se prontificou a conseguir algo como R$ 1 trilhão com um avassalador programa de privatização. Hoje, o desempenho na venda de imóveis é, digamos, menos que espetacular. Em 2020, o Ministério da Economia deve arrecadar R$ 1,7 bilhão com a venda destes ativos. A privatização também se arrasta. Entre as 614 empresas estatais existentes, apenas 18 projetos estão no Plano Nacional de Desestatização – e a lista inclui três parques nacionais. Não há vestígio de que o governo tenha intenção de entrar no curral das vacas sagradas e privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil ou a Caixa. Avançar nas concessões deve ser ainda mais espinhoso.

O credo liberal fundamentalista abraçado pela equipe econômica assume que a iniciativa privada tomará para si a responsabilidade de prover o País dos investimentos em infraestrutura. A necessidade é premente. A edição de 2019 do World Economic Forum classifica a infraestrutura do Brasil em 71.º lugar numa lista de 141 países, atrás de Armênia, Vietnã e Peru. Estimativas da Consultoria Inter B apontam que este tipo de investimento caiu de 2,3% do PIB, em 2010, para 1,9%, no ano passado. O investimento público murchou de 1,3% para 0,6% do PIB nesse período, ao passo que o gasto privado em infraestrutura aumentou de 1% do PIB para 1,2%. É bom lembrar que a China investe 8% do PIB e mesmo países “prontos” com Austrália, Canadá e Japão gastam mais de 3% ao ano.

Realizar o sonho de preencher o hiato do investimento público com concessões esbarra em vários obstáculos. Ao contrário da venda de imóveis ou da privatização, conceder a exploração de uma atividade significa que o Estado deverá manter relacionamento com o concessionário por décadas. O sucesso dessa iniciativa exige um desenho institucional que garanta impessoalidade, estabilidade de regras, transparência e convergência de propósitos. É melindroso. O governo errou no ano passado quando, na nova Lei das Agências, vetou a proposta de que uma Comissão de Seleção ofereceria três nomes para a escolha dos diretores das agências pelo presidente da República. O propósito era dificultar o loteamento político. O governo também se atrapalhou na negociação da nova Lei de Concessões, que está encalhada na Câmara. Sem definir como será o marco legal, é ainda mais penoso avançar.

Um programa exitoso de concessões pressupõe agências reguladoras fortes, bem estruturadas e dotadas de notável capacidade técnica. Não é o que temos no momento. A Agência Nacional de Águas, por exemplo, não está preparada para exercer suas novas responsabilidades decorrentes da aprovação da Lei do Saneamento. A dificuldade em chamar o setor privado para substituir os investimentos públicos pode ser aferida pelos casos de concessão que fracassaram. Estudo de 2014 (Here to stay: Water Remunicipalisation as a Global Trend, de S. Kishimoto) identificou, só para saneamento, 180 casos em 35 países de retorno de concessões ao setor público, incluindo cidades com Paris, Berlim, Budapeste e Buenos Aires.

Não, conceder nunca é fácil. Mas é ainda mais difícil para um governo que subestima os obstáculos e cultiva mitos, crenças e fábulas. Ser otimista é uma das atribuições do cargo de ministro da Economia. Mas a megalomania e a soberba apenas erodem sua credibilidade. A propósito: alguém sabe do paradeiro dos 40 milhões de testes para o coronavírus que Paulo Guedes anunciou no começo de abril?

03 de agosto de 2020

O FUTURO DO SUS!

(O Estado de SP, 02) Antes da eclosão da pandemia de covid-19, a pressão sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) já era crescente. O SUS há muito é subfinanciado, o que tem consequência direta na qualidade do serviço que presta à população. Agrava este quadro o fato de muitos brasileiros terem perdido o plano de saúde particular em decorrência do desemprego provocado pela crise econômica e passado a depender do sistema público de saúde. Movimento semelhante também pode ser observado no sistema público de educação, dado que a mesma crise reduziu o orçamento de muitas famílias para pagar mensalidades escolares. Nesse contexto, tende a aumentar o grau de exigência da sociedade sobre as contrapartidas estatais à carga tributária.

A chegada do novo coronavírus ao País obrigou as três esferas de governo, além do Poder Legislativo, a pensar, de uma hora para outra, sobre as condições atuais do sistema público de saúde. E, deve-se reconhecer, muito já foi feito nesses quatro meses de pandemia no Brasil. O que se viu nesse curto espaço de tempo não tem precedentes na história de mais de três décadas do SUS.

O Estado apurou que às 18 mil vagas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) do SUS – somados os hospitais da União, Estados e municípios – foram acrescidas cerca de 10 mil para atender à emergência sanitária. Note o leitor que em apenas 16 semanas houve um incremento de 55% nos leitos de UTI do SUS. A bem da verdade, uma parte desses leitos foi instalada em hospitais de campanha, de fácil desmobilização. Mas o fato é que o SUS, hoje, está muito mais bem equipado para atender a população do que jamais esteve. E não só em leitos de UTI. Além dos respiradores, há mais monitores cardíacos, mais máquinas de hemodiálise, mais aparelhos de raio X e tomógrafos. Há mais recursos humanos.

Mas todo esse legado – talvez um dos poucos olhares positivos que se pode ter sobre a pandemia – de nada servirá se União, Estados e municípios não se articularem em torno de propostas para custear o uso de toda essa infraestrutura no futuro, o que, de fato, traria melhorias perceptíveis ao SUS como um todo, não apenas na resposta imediata à pandemia. Como coordenador federal do sistema, cabe ao Ministério da Saúde encampar essa ação. No entanto, questionada pelo Estado, a pasta nada disse sobre o que pretende fazer para aproveitar os equipamentos e os profissionais da saúde que foram alocados em caráter de emergência. Convém lembrar que custa muito caro manter esses recursos inativos, além de ser um imperdoável desperdício diante das necessidades da população.

Ter de contar com o SUS não deveria ser um pesadelo para milhões de brasileiros, que assim veem a prestação do serviço público de saúde. A qualidade do atendimento em algumas ilhas de excelência do SUS – transplantes, vacinas, pesquisas, distribuição de medicamentos – não só pode, como deve ser espelhada em outras áreas do sistema, em especial no setor de atenção básica e exames de média e alta complexidades. O déficit de leitos, antes também um gargalo, agora parece dar sinais de que pode ser, enfim, resolvido.

Ao elevadíssimo custo de mais de 90 mil vidas, o SUS cresceu na pandemia de covid-19 e, pela primeira vez em sua história, encaminha-se para dispor dos meios necessários ao bom atendimento a toda a população que depende do sistema público de saúde, com qualidade e dignidade. A ver se a degradação do corpo técnico do Ministério da Saúde levada a cabo pela política de descaso do presidente Jair Bolsonaro comprometerá muito ou pouco a capacidade da pasta de coordenar no futuro próximo os esforços nacionais para que o SUS seja financiado a contento e esteja apto a realizar sua nobre missão constitucional.

À sociedade também cabe cuidar com denodo do futuro do SUS, uma de suas maiores conquistas sociais. A união de todos os brasileiros em prol de seu mundialmente reconhecido sistema público de saúde é a força vital para que ele se desenvolva cada vez mais. Homenagem maior às vítimas da pandemia não há.

31 de julho de 2020

TETO DE GASTOS E SAÚDE PÚBLICA!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 30) O nível do debate público no País estaria mais civilizado se as discussões fossem pautadas por argumentos, não por gritaria.

O nível do debate público no País estaria em patamar mais civilizado se as discussões sobre os mais variados temas de interesse nacional fossem pautadas por argumentos que, embora divergentes, estivessem mais amparados na verdade factual do que na gritaria dos que têm como único objetivo ter o “domínio da narrativa”. A promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2016, a chamada PEC do teto dos gastos públicos, durante o governo do presidente Michel Temer, é um bom exemplo. À época, os que eram contrários ao marco democrático alardearam aos quatro ventos que a PEC iria “acabar com os investimentos na área da saúde”. Há quem sustente isso ainda hoje. Nada mais falacioso.

Um dos formuladores da PEC do teto dos gastos, o economista Marcos Mendes, do Insper, publicou há poucos dias um estudo mostrando exatamente o contrário. Desde a promulgação da PEC, os gastos federais em saúde foram 2,7% superiores ao que teriam sido caso a proposta não fosse aprovada. Está-se falando de R$ 9,3 bilhões a mais para a saúde entre 2017 e 2019. É muito dinheiro, sobretudo para uma área tão essencial para a cidadania. Naquele triênio, foram gastos R$ 353,8 bilhões na área da saúde, ante os R$ 344,5 bilhões projetados no cenário sem a PEC do teto.

Com toda razão, Marcos Mendes disse em entrevista ao Estado que “a pobreza e o desemprego decorrentes de uma crise fiscal também são prejudiciais à saúde das famílias”. Para relembrar o leitor: a PEC do teto dos gastos proíbe o crescimento das despesas públicas acima do IPCA. Desta forma, evita-se o endividamento crônico do Estado, o que por sua vez ajuda no controle da inflação, na redução dos juros e no aumento da confiança na economia brasileira, entre outros benefícios. Caso o teto dos gastos não seja respeitado – como perigosamente tem sido cogitado dentro e fora do governo –, dá-se o efeito reverso, ou seja, mais inflação, juros mais altos, cenário recessivo e desemprego.

Defender o teto dos gastos, porém, não significa dizer que a área da saúde não precisa de mais investimentos futuros ou não deve ter aumento em suas despesas nos próximos anos, sobretudo em virtude do rápido envelhecimento da população, como bem alertou Marcos Mendes. A pandemia de covid-19 só aumentou a percepção da importância de um sistema público de saúde robusto para atender os milhões de desvalidos deste país.

Nesse sentido, é muito bem vinda a iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de criar um grupo de trabalho nos próximos dias para propor mudanças no Sistema Único de Saúde (SUS), de forma a melhorar o financiamento do sistema e melhorar o processo de compras e fiscalização do emprego dos recursos públicos. O grupo será liderado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), que terá dez dias para montar o plano de trabalho. “A Câmara dos Deputados já debateu muito sobre o SUS. Agora é hora de reorganizar o sistema”, disse ao Estado.

A revitalização do SUS pode ser um dos poucos legados positivos da tragédia sanitária que se abateu sobre o País. Na primeira quinzena de agosto, a ser mantida a média móvel de cerca de 1.100 mortes diárias, o novo coronavírus terá sido o responsável pela morte de 100 mil brasileiros. Não fosse o SUS, seria muito pior. Há muitos anos o sistema clama por melhorias. O SUS presta um serviço de excelência em uma miríade de áreas, como transplantes, pesquisas, vacinação e fornecimento de medicamentos essenciais para a população. Mas há muito a melhorar para que o sistema, além de universal e gratuito, seja reconhecido pela alta qualidade de todos os serviços que presta. E assim não é, em boa medida, pela enorme defasagem da atualização da tabela de remuneração desses serviços, por problemas de gestão e, não menos importante, por crimes cometidos contra a administração pública.

Em boa hora, a Câmara dos Deputados olhará para o SUS com a atenção que o sistema requer.

30 de julho de 2020

O ALCANCE DO PENSAMENTO!

(Monica de Bolle – O Estado de S. Paulo, 29) “A noite cai apenas para aqueles que por ela se deixam encobrir.”

Cornelius Castoriadis, The “End of Philosophy”?

Quis o tempo que eu escrevesse esse artigo para ser publicado na data em que se completam dez anos da morte de Dionisio Dias Carneiro, meu mentor, professor e uma cabeça privilegiada. Dionisio nunca aceitou dogmas de qualquer natureza: ao contrário, sempre questionou princípios da economia. Era um professor sensacional, um grande intelectual público e alguém que tinha a capacidade de incomodar no bom sentido, forçando seus pares a pensar. A noite na epígrafe acima não é, assim, uma metáfora para a morte – ao menos não nesse artigo –, mas uma metáfora para a preguiça de pensar. Deixa-se encobrir pela noite quem perde a curiosidade. Já a curiosidade nos desacomoda da poltrona em que podemos permanecer a contemplar o passado. O espírito dionisíaco, que desacomoda e convida ao prazer de pensar, continua vivo em muitos que conviveram com Dionisio. Não em todos.

Algumas pessoas acomodaram-se no passado. O momento atual requer que o passado passe e dê abertura para o questionamento de princípios que deixaram de valer. A economia não é como as ciências naturais, em que mecanismos metabólicos, ainda que complexos, são governados por estruturas e leis inabaláveis. A glicólise é a glicólise, as diversas vias de sinalização celular dependem da ação inibidora ou ativadora das enzimas. Se algo para de funcionar como deveria, o corpo adoece. A economia é uma construção social, como a política. Suas estruturas têm traços de longa duração, mas também se moldam ao momento. Uma das consequências desse caráter ao mesmo tempo resistente e plástico é a necessidade de economistas buscarem um ajuste mais fino entre conhecimento e sensibilidade, pois é fácil ceder à falsa impressão de que há leis imutáveis na economia e não perceber as mudanças. Elas são raras, porém, acontecem, como na crise de 2008 e, mais ainda, nessa proveniente da pandemia. Nesses momentos o chão se move sob os nossos pés, abalando bases em que se assentavam antigas regras econômicas.

Considerem a segunda metade dos anos 1990. Naquela época, o Brasil tinha acabado de estabilizar a inflação – diga-se – às custas de juros muitos elevados, crítica que Dionisio sempre encabeçou. Países emergentes viviam de crise em crise, enquanto as economias maduras se escoravam em políticas monetárias de sintonia fina. Foi uma era de juros internacionais mais elevados, por certo muito mais elevados do que os vistos no mundo pós-2008. A crise de 2008 acabou com a sintonia fina das taxas de juros como modo de calibragem da política monetária nos países maduros. As políticas “não convencionais”, hoje mais do que convencionais, deslocaram aquele mecanismo sem que muitos macroeconomistas tivessem sido capazes de antever suas consequências. Uma teoria enrijecida e mecânica perdeu para a prática, que responde rapidamente aos desafios do mundo. E a história se repete hoje, com a nova crise que enfrentamos.

No novo ambiente que surgiu 20 anos após a crise asiática de 1997/98, a compreensão sobre os países emergentes também mudou. Ao contrário do passado, esses países já não viviam mais de crise em crise – à exceção da Argentina, é claro, por razões muito particulares ao país. No contexto internacional de juros muito baixos, a capacidade de endividamento dos emergentes se alterou, bem como se alteraram as suas estruturas, que antes desancoravam rapidamente os preços, levando aos processos inflacionários de outrora. Isso não é dizer que emergentes como o Brasil tenham a mesma capacidade de endividamento dos países maduros, uma incompreensão frequente de fiscalistas que insistem nessa comparação. Países como o Brasil ainda precisam ser bastante cautelosos, mas a natureza da cautela mudou.

Em ambiente de juros próximos de zero nos países emissores das principais moedas de reserva, o tempo para corrigir dívidas muito elevadas foi dilatado. As relações entre câmbio e inflação se alteraram. Já não se sabe ao certo quais são os principais determinantes da inflação. Vejam o Brasil: há tempos a dívida é alta, o gasto é elevado, e a volatilidade cambial perdura. Mas a inflação? Mesmo antes da pandemia, a inflação já não reagia a essas variáveis como há 30 anos. Por que? Não tenho a resposta, assim como não tenho resposta para a dilatação do tempo da dívida. As respostas que têm circulado só me lembram de reaprender com Dionisio a cultivar as perguntas, que costumam ser mais importantes. São elas que determinam o alcance do pensamento.

29 de julho de 2020

AS CIDADES ESTÃO SE TRANSFORMANDO!

(Celso Ming – O Estado de S. Paulo, 26) Estes são anos de enormes transformações, algumas em curso. E uma delas é a que já está acontecendo nas cidades. A crise do coronavírus não é a principal causa dessas mudanças, mas está acelerando a percepção de que acontecem.

Os escritórios da XP, por exemplo, estão se transferindo da Avenida Faria Lima, em São Paulo, onde se concentram hoje as instalações do sistema financeiro do País, para São Roque, a 60 quilômetros do centro. Isso não está acontecendo apenas porque a pandemia assim passou a exigir. A corretora está de mudança porque entendeu que poderia obter melhores resultados se se afastasse do sufoco imposto pela cidade grande. O isolamento social ajudou a entender as vantagens proporcionadas pelo trabalho em casa (home office), mas não produziu essas vantagens. Por trás desse movimento, que provavelmente será acompanhado por empresas de todos os setores, está a enorme transformação que está acontecendo no trabalho.

O coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP), Marcos de Oliveira Costa, lembra que a origem e o desenvolvimento das cidades estão fortemente ligados às condições do trabalho do ser humano. Milênios atrás, as aldeias e os aglomerados de pessoas surgiram para facilitar o escoamento dos excedentes de produção obtidos pelas sociedades agrícolas ou para facilitar a contratação de serviços.

Nas sociedades industriais, foi preciso deixar estoques de mão de obra à disposição para executar tarefas no chão de fábrica assim que fossem necessários para garantir e aumentar a produção. As ferrovias atuaram para deslocar para os subúrbios os conglomerados quase sempre caóticos em que se transformaram os centros urbanos.

Mas o encarecimento das moradias e os congestionamentos de trânsito voltaram a infernizar as cidades, por mais que novos centros aparecessem. “Esse paradigma está em crise porque a vida moderna proporcionou a tecnologia de informação e a internet. Com esses instrumentos, proliferaram novas formas de trabalho”, explica o professor. As distâncias dos eventuais centros de decisão nos negócios deixaram de ser relevantes para a vida urbana e para o desempenho de grande número de ocupações e de atividades, desde que se possa contar com boa conexão de comunicações.

“Como o trabalho que garante melhor remuneração será executado remotamente, será inevitável o deslocamento de renda das grandes cidades para municípios menores. As metrópoles ficarão com a parcela da população de mais baixa renda”, aposta Costa.

Por aí se pode ter ideia do impacto potencial sobre o consumo, sobre o mercado imobiliário e sobre a mobilidade urbana, que, por sua vez, está fadada a mudar a paisagem de bairros inteiros. “Localidades com problemas de conexão vão perder atratividade”, especula o professor.

Para Luciano Soares, professor de Engenharia do Insper, a cidade do futuro não terá tanta gente presa em engarrafamentos quilométricos a caminho do trabalho ou na volta para casa: “Idas e vindas dentro das cidades ficarão para o atendimento do lazer, como cinema, restaurantes ou caminhadas no parque”.

São razões que reduzirão a importância de possuir veículo próprio. Os deslocamentos tenderão a se concentrar em serviços sob demanda, como os da Uber ou do Cabify. E Soares avisa: tampouco haverá motoristas de aplicativos. As empresas investem hoje bilhões de dólares para viabilizar projetos de carros autônomos. E aí poderemos ter um efeito colateral positivo: com muitos carros sem condutores nas ruas, tenderá a se reduzir a poluição, tanto a atmosférica como a sonora. E, mais importante, o veículo será mais eficiente.

O antropólogo Lucas Lopes de Moraes, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, adverte que o avanço da tecnologia não deve ser visto como salvação. Muitas vezes, novos aparelhos e melhores possibilidades de conexão apenas reforçam mazelas antigas. Ele lembra que São Paulo mantém os mesmos problemas de mobilidade e de moradia que existiam nos anos 1980, quando a sociedade apenas começava a se informatizar.

Ou seja, por si sós, a chegada de carros autônomos e de drones e o maior emprego de tecnologia podem acelerar mudanças, mas não vão resolver graves problemas urbanos de sempre.

De todo modo, as eleições municipais vêm vindo aí. Um bom momento para debater os problemas urbanos, sejam os antigos, os novos ou os futuros.

28 de julho de 2020

O GRACIAR POLÍTICO!

(Moisés Naím – O Estado de S. Paulo, 27) Há uma certeza sobre o pós-pandemia: a mudança climática transformará o mundo mais do que a covid19.

Sabia que há uma escassez mundial de bicicletas? Um súbito e forte aumento da demanda global de bikes pegou os fabricantes de surpresa, criando um desabastecimento temporário. Este inesperado interesse pelo ciclismo decorre de vários fatores. Muitos dos atuais usuários de ônibus, trens de metrô e táxis se tornaram ciclistas, procurando diminuir o risco de contágio do coronavírus que existe em espaços públicos e fechados.

Os passeios de bicicleta também se tornaram uma opção atrativa para aqueles que estão desempregados. A inatividade, a quarentena e o distanciamento social tornaram um passeio de bike uma opção tentadora. Ruas e avenidas, quase sem carros e fumaça, também são um convite para um passeio de bicicleta. Depois que essa emergência sanitária amainar, o uso das bikes também deve declinar. Mas é muito provável que o número de ciclistas habituais seja maior do que antes da pandemia.

Outra razão para o aumento da demanda é o crescente apetite por opções de transporte “ecológico”, e não só pelas bicicletas. Surgiu também um enorme mercado de carros, ônibus e caminhões elétricos. O fato de a Tesla, a inovadora fabricante de carros elétricos, fundada em 2010, alcançar um valor de mercado superior ao da Toyota e da Volkswagen combinadas, ilustra bem essa tendência. Elon Musk, fundador e atual líder da Tesla, disse ter ficado surpreso com a valorização fora do comum da sua empresa nas bolsas.

A valorização das empresas negociadas em bolsas de valores é influenciada por muitos fatores – incluindo as bolhas especulativas – e os preços de suas ações às vezes não refletem adequadamente o real valor de uma companhia. Mas esses preços também revelam as expectativas dos investidores no tocante ao futuro de uma empresa.

Assim, é interessante observar que a Zoom, empresa de videoconferências, contabiliza um valor de mercado quatro vezes maior do que o da Delta Airlines. No momento, a compra de toda a indústria aérea americana seria menos cara do que adquirir a Amazon. Outro sinal interessante é que, hoje, uma ação da Netflix vale 25% mais do que a da Exxonmobil, maior empresa energética do mundo.

Essa valorização nas bolsas de ações da Netflix em relação à ExxonMobil ilustra duas importantes tendências globais: o chamado cocooning e a descarbonização.

Cocooning (do inglês cocoon, um ninho que cobre e protege) se refere à prevalência de condutas pessoais protecionistas, com as pessoas preferindo ficar em casa, no ninho, para se proteger dos perigos que existem “fora de casa”. O auge da Netflix é uma das manifestações desta preferência.

Por outro lado, a perda de valor da Exxonmobil reflete a queda da demanda mundial de petróleo. Mas os preços relativamente baixos dessa commodity não decorrem da precária economia mundial. A queda se deve também a uma expectativa de que a descarbonização – um movimento no sentido de uma eliminação gradual das emissões de dióxido de carbono resultantes do uso de combustíveis – será uma tendência permanente e acelerada.

Os combustíveis fósseis continuarão a ser a principal fonte de energia num futuro previsível, mas as emergências climáticas serão cada vez mais graves e frequentes, criando enormes pressões políticas para acelerar os esforços com vistas à descarbonização.

Nos últimos tempos, os cientistas têm sido surpreendidos com a velocidade com o que o clima vem mudando e criando fenômenos meteorológicos inéditos e extremos.

Na Sibéria, por exemplo, recentemente ocorreram incidentes climáticos sem precedentes. Em junho, a temperatura da cidade de Verkhoyansk chegou a 38ºc, o nível mais alto nunca registrado no Círculo Polar Ártico.

No primeiro semestre de 2020, a temperatura média na Sibéria foi de menos 12,7ºc, superior às registradas entre 1951 e 1980.

A Antártida também vem esquentando. Os cientistas estão preocupados que o glaciar Thwaites, conhecido como a geleira do apocalipse, esteja sofrendo um derretimento. Se descolar da massa de gelo, esse glaciar, que tem o tamanho da Inglaterra, começará a deslizar para o oceano e não mais servirá como um gigantesco muro de contenção de outros glaciares, que então poderiam começar a se mover e derreter. Tudo isso terá como resultado um aumento de dois a três metros do nível do mar.

Entre todas as incertezas sobre como será o mundo após a pandemia há uma certeza que se perfila como a mais importante: a mudança climática transformará o mundo mais do que a covid-19. Esta pandemia será lembrada como um ensaio geral de um acidente climático global que alterou a civilização do modo como a conhecíamos?

27 de julho de 2020

O FU­TU­RO É A IN­FRA­ES­TRU­TU­RA!

(Adri­a­no Pi­res, di­re­tor do Cen­tro Bra­si­lei­ro de In­fra­es­tru­tu­ra (CBIE) – O Estado de S. Paulo, 25) O B­ra­sil en­fren­ta dé­fi­cits ex­pres­si­vos no ser­vi­ço de es­go­to sa­ni­tá­rio, for­ne­ci­men­to de água po­tá­vel, ge­ren­ci­a­men­to de re­sí­du­os só­li­dos e dre­na­gem. A dis­tri­bui­ção de água ca­na­li­za­da aten­de 83,5% do to­tal de bra­si­lei­ros e 93% da po­pu­la­ção ur­ba­na. No en­tan­to, ape­nas 46% da po­pu­la­ção ur­ba­na tem aces­so a ser­vi­ços de co­le­ta e tra­ta­men­to de es­go­to, en­quan­to 12% usam sis­te­mas in­di­vi­du­ais, 18% têm o es­go­to co­le­ta­do sem tra­ta­men­to e 24% não têm ser­vi­ço de es­go­to sa­ni­tá­rio. A co­le­ta de li­xo al­can­ça 98,6% das re­si­dên­ci­as, mas o des­car­te ade­qua­do é o gran­de pro­ble­ma. Atu­al­men­te, cer­ca de 3 mil li­xões a céu aber­to es­tão em ope­ra­ção e re­ce­bem 41,6% de to­do o li­xo en­vi­a­do pa­ra o des­car­te fi­nal.

A ques­tão do sa­ne­a­men­to bá­si­co te­ve um re­cen­te avan­ço. Após dois anos de dis­cus­são no Con­gres­so Na­ci­o­nal, o no­vo mar­co re­gu­la­tó­rio do sa­ne­a­men­to bá­si­co (Pro­je­to de Lei n.º 4.162/2019) foi apro­va­do pe­lo Con­gres­so. A lei ob­je­ti­va a uni­ver­sa­li­za­ção do sa­ne­a­men­to, com a am­pli­a­ção da co­le­ta de es­go­to pa­ra 90% da po­pu­la­ção e o for­ne­ci­men­to de água po­tá­vel pa­ra 99% da po­pu­la­ção até o fim de 2033. Pa­ra tan­to, fa­ci­li­ta a par­ti­ci­pa­ção pri­va­da na pres­ta­ção do ser­vi­ço, que ho­je é ma­jo­ri­ta­ri­a­men­te re­a­li­za­do por em­pre­sas pú­bli­cas es­ta­du­ais.

O se­tor elé­tri­co é ou­tro seg­men­to da in­fra­es­tru­tu­ra que pre­ci­sa de aten­ção. Em­bo­ra a ele­tri­fi­ca­ção se­ja qu­a­se uni­ver­sal (99,3%), o se­tor foi be­ne­fi­ci­a­do por cri­ses que im­pe­di­ram o cres­ci­men­to da de­man­da, mas a ofer­ta ne­ces­si­ta de pla­ne­ja­men­to só­li­do de lon­go pra­zo. A ma­triz elé­tri­ca na­ci­o­nal é mui­to de­pen­den­te das chamadas fon­tes in­ter­mi­ten­tes, hi­dre­lé­tri­cas a fio de água, eó­li­cas e so­la­res, au­men­tan­do a vul­ne­ra­bi­li­da­de do sis­te­ma às ad­ver­si­da­des cli­má­ti­cas. Com is­so, a ne­ces­si­da­de de as­se­gu­rar o for­ne­ci­men­to de ener­gia exi­ge a com­ple­men­ta­ção das tér­mi­cas fle­xí­veis com GNL e in­fle­xí­veis com gás do pré-sal. Tér­mi­cas na ba­se do sis­te­ma elé­tri­co usan­do o gás na­tu­ral do pré-sal, bem co­mo o gás onsho­re, vão ga­ran­tir um me­lhor ge­ren­ci­a­men­to dos re­ser­va­tó­ri­os e uma ex­pan­são das eó­li­cas e so­la­res. Além do mais, ire­mos di­mi­nuir a vo­la­ti­li­da­de dos pre­ços da ener­gia elé­tri­ca e ga­ran­tir o abas­te­ci­men­to, na me­di­da em que as tér­mi­cas na ba­se fun­ci­o­na­rão co­mo uma es­pé­cie de ba­te­ria vir­tu­al. A di­mi­nui­ção da vo­la­ti­li­da­de do Pre­ço de Li­qui­da­ção das Di­fe­ren­ças (PLD) tam­bém le­va­rá à re­du­ção das ta­ri­fas, já que não ire­mos es­pe­rar o es­va­zi­a­men­to dos re­ser­va­tó­ri­os pa­ra li­gar as tér­mi­cas mais ca­ras e mais po­lui­do­ras do sis­te­ma.

O trans­por­te re­pre­sen­ta qu­a­se 60% do to­tal de cus­tos lo­gís­ti­cos do Bra­sil, cor­res­pon­den­do a 12,3% do Pro­du­to In­ter­no Bru­to (PIB), em com­pa­ra­ção com 7,8% nos EUA. O Bra­sil de­pen­de for­te­men­te de ro­do­vi­as pa­ra o trans­por­te de pas­sa­gei­ros e car­ga, no en­tan­to, o sis­te­ma pa­vi­men­ta­do é pe­que­no pa­ra o ter­ri­tó­rio na­ci­o­nal e so­fre de pro­ble­mas de si­na­li­za­ção, qua­li­da­de e en­ge­nha­ria. Em­bo­ra o País te­nha um dos mai­o­res sis­te­mas ro­do­viá­ri­os do mun­do, com qu­a­se 2 mi­lhões de km de ex­ten­são, so­men­te 12,4% são pa­vi­men­ta­dos. O sis­te­ma fer­ro­viá­rio tem 30,6 mil km e tem gar­ga­los ope­ra­ci­o­nais. As con­ces­sões pri­va­das ain­da não con­se­gui­ram ex­pan­dir a re­de fer­ro­viá­ria, que re­pre­sen­ta 15% do flu­xo to­tal de car­ga. A efi­ci­ên­cia dos por­tos bra­si­lei­ros foi redu­zi­da por equi­pa­men­tos ob­so­le­tos, ter­mi­nais mul­ti­mo­dais li­mi­ta­dos e dé­fi­cits de ca­pa­ci­da­de. E, a des­pei­to do gran­de nú­me­ro de hi­dro­vi­as, o trans­por­te flu­vi­al es­tá en­ga­ti­nhan­do, com in­fra­es­tru­tu­ra e ins­ta­la­ções de bai­xa qua­li­da­de.

A in­fra­es­tru­tu­ra pre­cá­ria au­men­ta o cus­to Bra­sil e im­pe­de o cres­ci­men­to da pro­du­ti­vi­da­de da eco­no­mia. Da dé­ca­da de 1970 até a de 2000, o in­ves­ti­men­to em in­fra­es­tru­tu­ra caiu con­ti­nu­a­men­te, pas­san­do de uma mé­dia de 5,4% pa­ra 2,2% do PIB. A ex­pli­ca­ção da que­da é a au­sên­cia de in­ves­ti­men­to pri­va­do subs­ti­tuin­do o pú­bli­co. É fun­da­men­tal aca­bar­mos com aque­la má­xi­ma que pre­va­le­ceu du­ran­te anos no Bra­sil de que in­fra­es­tru­tu­ra é de­ver do Es­ta­do. Pa­ra is­so, é pre­ci­so ha­ver es­ta­bi­li­da­de re­gu­la­tó­ria atrain­do o se­tor pri­va­do pa­ra fi­nan­ci­ar e ope­rar a in­fra­es­tru­tu­ra. A apro­va­ção do mar­co do sa­ne­a­men­to foi uma pri­mei­ra vi­tó­ria. “A me­lhor ma­nei­ra de pre­ver o seu fu­tu­ro é criá-lo” (Abraham Lin­coln).

24 de julho de 2020

VITÓRIA DA BOA POLÍTICA!

(O Estado de S. Paulo, 23) Com o avanço do Novo Fundeb, o País dá importante passo em direção a um futuro melhor, a despeito da inação do presidente.

A Câmara dos Deputados deu mais uma mostra de que não tem faltado ao País quando o que está em discussão são projetos de grande interesse nacional. Em rápida sucessão, graças a um acordo entre os partidos, a Casa aprovou em dois turnos a proposta de emenda à constituição (PEC) que torna permanente o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta o porcentual de contribuição da União dos atuais 10% para 23% até 2026, de forma escalonada. O texto seguiu para o Senado e deverá ser votado na semana que vem. Não é esperado que os senadores façam alterações de mérito.

A aprovação da PEC foi celebrada por especialistas em educação, organizações da sociedade civil, como o Todos Pela Educação, e pela maioria dos governadores, que antes de o texto ir a plenário assinaram um manifesto em favor do relatório da deputada Dorinha Seabra (DEM-TO). Foi uma vitória da boa política, do diálogo em prol do melhor para o Brasil.

Com as mudanças no fundo aprovadas pelos deputados, estima-se que mais 17 milhões de alunos serão beneficiados pelo novo aporte de recursos nas redes de ensino de Estados e municípios. Esses recursos devem proporcionar valorização salarial dos profissionais de educação, melhoria da infraestrutura de escolas e creches e, portanto, desenvolvimento das condições de aprendizado de milhões de crianças e adolescentes. É do futuro do País que a PEC trata.

O Novo Fundeb reequilibra a distribuição dos recursos e corrige uma série de distorções que, ao fim e ao cabo, mantinham a desigualdade entre as redes públicas de ensino que o próprio fundo tem como missão precípua eliminar. “É um momento histórico. Vai se dar mais (recursos) para quem mais precisa e menos para quem menos precisa”, disse Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação.

O patamar mínimo de investimentos por aluno passará dos atuais R$ 3,5 mil/ano para cerca de R$ 5,7 mil/ano em 2026, ao final do processo de aumento da complementação da União. O Novo Fundeb também altera o foco de distribuição de recursos, antes estadual e agora municipal. É uma mudança importantíssima, pois hoje municípios pobres de Estados ricos não recebem a complementação da União. Pelas novas regras, o repasse dos recursos também será atrelado ao cumprimento de metas de qualidade, o que incentivará as redes de ensino a melhorar seu desempenho para receber mais recursos, alimentando um círculo virtuoso.

No Facebook, o presidente Jair Bolsonaro esbanjou cinismo e associou a aprovação da PEC na Câmara aos supostos esforços de seu governo. “Um governo que faz na Educação. Transformamos o Fundeb em permanente, aumentamos os recursos e o colocamos na Constituição”, escreveu Bolsonaro. A estratégia é a mesma adotada quando da aprovação do pagamento do auxílio emergencial. O governo pretendia pagar apenas R$ 200 aos trabalhadores informais afetados pela pandemia de covid-19. Ao ver que seria derrotado no Congresso, que estava inclinado a autorizar o pagamento de R$ 500, anuiu com R$ 600 e cantou vitória para sua claque.

O governo Bolsonaro não fez rigorosamente nada pela educação. Durante mais de um ano, Dorinha Seabra foi olimpicamente ignorada pelo ex-ministro de triste memória Abraham Weintraub. Até que na noite do sábado passado o governo resolveu ter ideias sobre o Novo Fundeb, para transformá-lo num instrumento eleitoreiro. Não sem razão, foi alijado dos debates na Câmara, que acabou por lhe impor uma derrota acachapante. A única concessão feita pelos deputados foi a aprovação da destinação de 5,25% dos recursos da União – vale dizer, dentro dos 23% complementares – à educação de crianças de 0 a 3 anos, mas sem os tais “vouchers” ou crédito direto para creches propostos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Seria um despautério.

Com o avanço do Novo Fundeb, o País dá um importante passo em direção a um futuro melhor, a despeito da inação de um presidente que parece não saber o que é governar.