18 de setembro de 2020

A HIPÓXIA DA AMÉRICA LATINA!

(Monica de Bolle – O Estado de S. Paulo, 16) Na lista de países com o maior número de mortes diárias por milhão de habitantes, vidas ceifadas pela Covid-19, os dez primeiros lugares pertencem à América Latina. Na lista de países com o maior número de casos diários por milhão de habitantes, há sete países da região entre os mais afetados. O primeiro lugar não pertence aos Estados Unidos, mas à Argentina. O segundo lugar é da Costa Rica, o quarto lugar é do Peru, o quinto do Panamá, o sexto da Colômbia, o sétimo do Brasil. Os EUA aparecem na nona posição, já que a décima pertence ao Chile.

A pandemia chegou à região em fevereiro de 2020, tendo, assim, dado dois meses para que os governos se preparassem. Poderiam ter usado esse tempo para traçar planos de resgate econômico, estratégias de saúde pública, medidas para proteger as centenas de milhões de pessoas vulneráveis da região. Do desperdício emergiram os pulmões dilacerados da América Latina.

Foram muitos os erros. Lideranças frágeis, instituições em crise permanente, presidentes como Andrés Manuel López Obrador no México e Jair Bolsonaro no Brasil que negaram com veemência a gravidade de um vírus novo e letal sobre o qual pouco se sabia. O caso mexicano surpreende bem mais do que o brasileiro já que López Obrador, apesar de algumas limitações, fez campanha como “defensor dos pobres” e prometeu uma agenda de priorização da proteção social em seu país. Até agora, pouco fez. Bolsonaro…bem, com esse já aprendemos tudo o que não devemos esperar que faça.

O resultado do fracasso latinoamericano está estampado nos números. Até o dia 11 de setembro contabilizavam-se quase 7 milhões de casos de covid-19 nas 5 maiores economias da região, a saber: Brasil, México, Colômbia, Argentina, e Peru. São centenas de milhares de mortos, sem contar que os números estão subestimados devido à má qualidade da coleta de informações, a falta de testagem, a ausência de protocolos para o rastreamento de contatos. As quedas registradas da atividade econômica jamais foram tão fortes, o desemprego está em alta, e a crise humanitária tem recaído, sobretudo, na população mais pobre. Tudo isso na região que é campeã da desigualdade no planeta e cujos níveis de pobreza são dramáticos.

Em conferência recente aqui em Washington – o evento anual da Confederação Andina de Fomento (CAF) – ouvi dos meus colegas de painel relatos semelhantes aos que escuto no Brasil. Descaso de governantes, políticas mal elaboradas, aberturas prematuras de locais de grande aglomeração, descontrole da pandemia. Em algumas partes da região fala-se em desordem social, igual ou pior do que aquela que testemunhamos na segunda metade de 2019 – parece uma eternidade, mas foi outro dia.

A economia da América Latina já estava abalada antes da pandemia. As duas maiores potências econômicas da região, Brasil e México, resfolegavam para crescer em meio a contas públicas desarranjadas e ausência de perspectivas para o resgate do desenvolvimento. Nesse contexto, quase todos os países da região cometeram exatamente o mesmo erro: o de tentar evitar medidas sanitárias mais drásticas – como quarentenas rigorosas – para “salvar” as economias. O resultado foi o pior possível: não houve controle da epidemia, tampouco da crise econômica.

Como já escrevi em outras ocasiões nesse espaço, não há retomada econômica na ausência de medidas para controlar as epidemias. Contudo, como muitos países voltaram à seminormalidade nos últimos meses, mantendo escolas fechadas, porém abrindo bares, restaurantes, shopping centers, medidas sanitárias restritivas não têm apoio social ou político.

Tal quadro significa que epidemias descontroladas serão a norma ao longo dos próximos meses, com consequências, evidentemente, desastrosas em termos de vidas perdidas e abalos socioeconômicos nestes países da América Latina.

Os pulmões dilacerados da América Latina continuarão a afligir a população vulnerável e a elevar os índices de desigualdade e pobreza já tão altos nessa trágica região do planeta. Roubando as palavras de Caetano e Gil, parece difícil que sejamos capazes de escapar de um destino. Desse destino: o Haiti é aqui.

17 de setembro de 2020

11 LIÇÕES DE ROBERT McNAMARA QUE SERVEM AOS POLÍTICOS E GESTORES, SEMPRE, E SÃO GERAIS!

1. “Sob a Névoa da Guerra – Onze Lições da Vida de Robert McNamara”, documentário de 2003 vencedor do Oscar, deveria ser obrigatório para os políticos de todas as idades e em todos os níveis de responsabilidade.

2. O título se refere à uma expressão popularizada por Clausewitz no seu clássico “Da Guerra” e destaca a nuvem de incerteza antes e durante os conflitos. Clausewitz cunhou o ensinamento que “a guerra é a política por outros meios”. A guerra também ensina aos políticos e, com estes, aos militares.

3. O fator chave das teorias de gestão e de administração é o processo de tomada de decisões. Na crise política, e ainda mais na guerra, além de ser o fator chave, ele é contínuo com um tempo escasso para reflexão. Na política e na guerra, o processo de tomada de decisões também se dá através de equipes.

4. Mas em períodos de crise profunda e continuada, é inevitável o afunilamento desse processo. Na Guerra -política por outros meios- e em crises profundas que agregam as questões políticas, econômicas, sociais e morais, esse afunilamento é radical. É -por exemplo- o caso do Brasil nestes últimos anos.

5. Após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o governo americano selecionou estudantes fora de série em universidades e os colou às equipes dos generais do alto comando nos setores mais críticos. McNamara foi para equipe do general MacArthur, na Guerra do Pacífico contra o Japão após o bombardeio de Pearl Harbor.

6. Passou a fazer os estudos de probabilidade relativos aos riscos de perdas de vidas de seus militares e de perdas de vidas de seus alvos. Um exemplo destacado foi baixar a altura do aviões bombardeios B29 para conseguir mais precisão com o custo da vida de pilotos.

7. Após a Guerra do Pacífico, ainda com 30 anos, foi contratado pela Ford que, paradoxalmente, enfrentava uma forte crise no período pré e de guerra.  Rapidamente ascendeu à presidência e com análises de situação e popularização do uso do automóvel (do Cadillac ao Falcon), deu enorme lucratividade a Ford.

8. Levado por John Kennedy, compulsoriamente, à sua equipe como secretário de Defesa, trocou uma remuneração anual de 800 mil para 25 mil dólares. Foi peça chave nas decisões sobre a crise dos mísseis com Cuba e URSS, que beirou a guerra nuclear mais ainda do que hoje, pois o contraponto era EUA-URSS.

9. Viveu ao lado de Kennedy o início da guerra do Vietnã e, em seguida, após o assassinato de Kennedy, com Lindon Johnson, com quem terminou se desentendendo a saindo do governo para o Banco Mundial em 1967.

10. Os diálogos, principalmente a partir de Kennedy, passaram a ser gravados, o que registra as responsabilidades nos processos de tomada de decisão.

11. No documentário “Sob a Névoa da Guerra”, McNamara registra as 11 lições maiores que aprendeu em sua vida e que são os capítulos do documentário:

1. Cause empatia no inimigo
2. A racionalidade não nos salvará.
3. Existe algo além de si próprio.
4. Maximizar a eficiência.
5. A proporcionalidade deve ser uma diretriz da guerra.
6. Obtenha dados.
7. A crença e a visão costumam estar erradas.
8. Esteja preparado para rever seu raciocínio.
9. Para fazer o bem talvez seja preciso fazer o mal.
10. Nunca diga nunca.
11. Não se pode mudar a natureza humana.

É um documentário imperdível para todos, especialmente para a formação dos políticos, e mais ainda em posições de tomada de decisões e -certamente- em situações de crises profundas.

16 de setembro de 2020

KEN STARR E JOSEPH MCCARTHY!

Escândalos envolvendo políticos são tão antigos quanto a própria história. Hoje esses registros, feitos com imagens, vozes e documentos gravados, são multiplicáveis ao infinito. Investigados e investigadores são atores deste drama. Os poderes têm regras para investigar e penalizar.

As pessoas, associações civis e meios de comunicação podem ser parte desses processos, investigando, denunciando ou opinando. A luminosidade dada a certos fatos, destacando os que investigam, denunciam e acusam, algumas vezes os atrai para o “estrelato” e o objetivo passa a ser a autoexaltação.

Dois documentários tratam de situações desse tipo. Um deles, “A Caça ao Presidente”, de H. Tomason e N. Perry, é sobre o promotor que tratou por anos de escândalos com Clinton. O outro, “Os Anos McCarthy”, especial da CBS com Walter Cronkite, é sobre o embate entre o legendário jornalista Ed Murrow e o senador McCarthy.

No primeiro, a “estrela” era o promotor Ken Starr, investigador pleno da vida de Clinton, das amantes até o caso Whitewater (um negócio imobiliário do qual os Clinton participaram). A busca desesperada por depoimentos terminou com polpudas indenizações às “namoradas”, com um suicídio e a condenação a dois anos de prisão de quem nada tinha a ver com nada. Os “namoros” de Clinton não implicavam em seu impedimento para governar. O caso Whitewater terminou em tragédias pessoais por efeito colateral, sem chegar ao alvo alucinante de Ken Starr: Bill Clinton.

O senador Joseph McCarthy (1950 e 1954) abriu fogo contra tudo e todos os que poderiam ter qualquer relação com o que ele entendia por comunismo. Fatos de 20 anos antes, mera leitura de jornais sindicais etc., eram evidências pré-julgadas.

Ed Murrow -com seu foco no detalhe- destacou dois casos de pessoas simples incluídas pela mente doentia de McCarthy: um tenente, cujo pai e irmã teriam tido algum contato socialista, foi julgado e expulso da Aeronáutica; uma servente que teria trabalhado no setor de decodificação do Pentágono e cujo marido teria comprado, uma vez, um jornal de esquerda.

Ed Murrow desintegrou as duas acusações, gerando uma solidariedade ampla com os acusados (“poderia ser qualquer um de vocês”).

O tenente foi readmitido. A servente não havia trabalhado no setor -era homônima. Desmoralizado nos dois casos, McCarthy declina e termina denunciado pelos excessos, no próprio Senado. Ed Murrow, na última locução sobre o caso, olhando como sempre para a câmera, em diagonal, de baixo para cima, arrematou: “A fronteira entre a investigação e a perseguição é uma linha tênue”. Anos depois, essa mesma máxima serviu para vestir Ken Starr.

15 de setembro de 2020

FIDELIZAÇÃO E INQUISIÇÃO!

1. Lá se vão mais de 2 mil anos que o uso da criminalização do contrário é um recurso usado para produzir unidade interna e apoio nos governos, igrejas, associações, seitas, ordens… Antes valia a retórica e as marcas pintadas. Com o desenvolvimento dos instrumentos de reprodução gráfica, este recurso se multiplicou. E o que dizer depois com o som e imagens. Nas religiões e na política foi usado intensamente. A inquisição contra ateus e hereges é um exemplo de vários séculos. Hitler demonizava bolcheviques e judeus e pedia apoio do povo. Stalin demonizava o imperialismo e pedia apoio do povo. Durante a guerra fria, o recurso de criminalizar comunistas era rotina. Até a democracia americana sofreu desse mal logo após a Segunda Guerra.

2. Esse recurso é usado em várias graduações, por políticos, pela imprensa, pelas religiões, associações, seitas e ordens. Recurso esse que não parou de ser usado. Na imprensa, nos últimos cem anos, adotou-se o nome de FIDELIZAÇÃO o uso e abuso da identificação de um contrário, um alvo, um foco, permanentes e sistemáticos de forma a que um perfil de leitor se mantenha atraído pelas notícias que estão ou que virão. Uma vez conhecendo sua audiência e num mercado de retração ou muito competitivo, se abusa desse recurso.

3. Nos anos 50 e 60 isso ocorria mesclado com a política e pelos dois lados. Um recurso muito comum é simplificar a sociedade num binário; ricos e pobres, honestos e corruptos, guerra e paz, agressores e agredidos, ordem e desordem, jovens e delinquentes… Nos anos 50 e 60 era um recurso intensamente usado. Agora também, mas de forma mais suave e às vezes mais sutil, na medida em que a associação entre política e imprensa não é tão orgânica quanto antes.

4. Mas é exatamente essa suavidade e essa sutileza que tornam o instrumento da criminalização do contrário muito mais perigoso, pois não é percebido pela audiência que excita. Fazer cumprir a lei é algo necessário. Mas quando o objetivo da repressão é exaltar o repressor com fotos e imagens, há um desvio “goebelliano” perigoso, pois excita o binário.  Seja por quem o faz, seja por quem divulga.

5. Num momento de crise isso tudo se torna mais agudo, pela perda ou defesa de mercado, incluindo aqui os mercados de informação, bens e serviços e da política. O risco do abuso com a fidelização é num momento futuro, a equação ser dissolvida e com isso desintegrar o emissor, seja qual for.

14 de setembro de 2020

OS DESAFIOS DO PLANEJAMENTO URBANO!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 13) Mais de 50% da população mundial vive em centros urbanos. No Brasil, esse número chega a 85%. No Estado de São Paulo são mais de 95% da população. A cidade de São Paulo, a maior da América Latina, pode ser considerada uma espécie de avatar dos desafios urbanos enfrentados pelas cidades do País. Pensando neles, o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi) congregou uma série de entidades para elaborar um pacote de propostas aos candidatos à Prefeitura. A mera enumeração dos tópicos evidencia a complexidade da questão: reativação da oferta de moradias; requalificação de imóveis; inclusão; economia criativa; saneamento; meio ambiente; mobilidade; e governança.

O ano de 2021 é particularmente importante em vista da previsão de revisão do Plano Diretor. É o momento de corrigir algumas distorções na lei de uso e ocupação a fim de incentivar o adensamento equilibrado do centro expandido. Uma melhor calibragem das restrições de gabarito em Zonas Mistas e de Centralidade; das cotas máximas de terreno em Zonas de Estruturação Urbana; e dos números máximos de vagas de garagem por unidade residencial pode frear a expansão da fronteira habitacional para as periferias, abrindo, ao mesmo tempo, mais espaço para a implantação de áreas verdes.

Outra prioridade é reverter a degradação do centro por meio da requalificação de imóveis.

Regras claras; incentivos para a implantação de habitações de interesse social; isenção do ISS; ou mudanças de uso e subdivisão de imóveis em zonas residenciais podem garantir a segurança jurídica e o dinamismo necessários para a requalificação de imóveis, sobretudo os abandonados e subutilizados.

Se a diversidade é o corpo de toda grande metrópole, a inclusão deveria ser a sua alma. Isso pressupõe a criação e requalificação de espaços públicos (calçadas, praças, mobiliário, estações de transporte); estímulo aos usos mistos e à conjunção dos serviços; fortalecimento dos conselhos gestores locais; pacotes de serviços para idosos; programas de conectividade digital; e uma intensa diversificação e conexão entre modais de mobilidade urbana.

“Cada vez mais as cidades deverão estimular a criação de polos de criatividade, como lugares para se viver e trabalhar; lugares onde os produtos culturais são produzidos e consumidos”, lembra o Secovi. Tais “polos criativos” representam “uma importante alternativa, não só para a indução de crescimento econômico, mas também para a regeneração de espaços urbanos”, além de criar ambiências atrativas para o turismo.

As populações carentes devem ser amparadas por legislações específicas e incentivos fiscais (como os recursos da outorga onerosa e da Cota de Solidariedade) que subsidiem a habitação social e a regularização fundiária. Para que o Município promova políticas públicas de saneamento e meio ambiente que não se restrinjam a água e esgotos, mas atuem na correção da drenagem dos assentamentos, coleta e destinação do lixo e manutenção das áreas verdes, o Secovi propõe a consolidação de um Pacto pelo Saneamento a ser gerido por uma entidade executiva que congregue os organismos do poder público.

Como mecanismo transversal a todos estes processos, é preciso modernizar as estruturas de governança para promover a participação democrática, a desburocratização e o suporte e zeladoria segundo as prioridades da administração pública. O Secovi sugere a criação de uma Unidade de Gestão multidisciplinar composta por representantes do poder público e da sociedade civil, com competência para deliberar sobre pautas como as elencadas acima e gerenciar projetos de interesse público de naturezas diversas, como PPPs; concessões; cooperações; e coordenações de trâmites administrativos.

“Cidade” e “cidadania” não podem estar unidas apenas pela sua raiz etimológica. Propostas como as elaboradas pelo Secovi deveriam ser criteriosamente consideradas por todos os paulistanos, em especial aqueles que se propõem a chefiar a Prefeitura, a fim de promover o vigor de sua cidade por meio do fortalecimento da cidadania.

11 de setembro de 2020

EM POLÍTICA É POSSÍVEL TOMAR QUALQUER POSIÇÃO: MENOS A POSIÇÃO FETAL!

1. DREW WESTEN, DW, é consultor de psicologia social. O foco de DW é nunca baixar a guarda nem deixar o outro lado controlar a mensagem e as narrativas da campanha. Ele critica a estratégia usual do Partido Democrata (PD) de não ter posição firme.

2. Quando se tem uma escolha entre opções, diz DW, décadas de pesquisas em psicologia social mostram dois princípios da persuasão: chegar à frente para contar o seu lado da história e preparar-se para atacar o que o outro deve dizer. Lista z maneiras de evitar que o PD tenha mais um final triste.

2.1. Na política não há criacionismo: use o conhecimento acumulado em comunicação de massa. O PD acha que responder a um ataque é realçar o ataque. Deve atentar à psicologia social sobre o que funciona ou não.

2.2. Pare de jogar damas se o outro lado joga xadrez. Os republicanos pensam seis lances à frente. O PD, um de cada vez.

2.3. Não confundir mensagens positivas/negativas com éticas/antiéticas: “Eleitores votam com suas emoções, e se você se recusa a falar verdades negativas sobre o seu oponente, está enganando o eleitorado e pondo em risco sua eleição. Emoções positivas e negativas estão independentes dentro do cérebro. Se não bater logo, você cederá metade do cérebro. E não se ganha eleições com meio cérebro”.

2.4. Se os ataques de seu adversário refletem um problema de caráter, ataque o caráter dele.

2.5. Focalize em “nós” se o adversário quer falar sobre “eles”. Não deixe dividirem os valores entre “nós e eles”.

2.6. Conte três histórias sobre o adversário, nem mais, nem menos.

2.7. Fortaleça a mensagem de mudança com dois ou três assuntos de impacto. Acredite nas campanhas políticas emocionalmente evocativas, embasadas em valores.

2.8. Prepare-se. Seu publicitário pode não servir para os debates.

2.9. Dirija-se ao olho do furacão, ao centro da tempestade. Não fuja.

3. Por anos, o PD fugiu da controvérsia, abandonou o conflito, preocupado com temas “radioativos”. Fale claramente sobre os valores que o levaram a tomar a posição que tomou. DW lembra que, de uma perspectiva psicológica, poucas ações são determinadas por um único motivo. O PD sempre ofereceu razões elevadas para não responder atacando. Suas razões vêm com evasivas: “Projetam covardia”. E finaliza dizendo que, na política, é possível tomar qualquer posição, exceto uma posição fetal.

10 de setembro de 2020

FORMADORES DE OPINIÃO!

1. Lukacs, em “Cinco Dias em Londres”, analisando a designação de Churchill para primeiro-ministro, em maio de 1940, e a queda de Chamberlain avalia a dinâmica da percepção dos ingleses. A impopularidade de Churchill vai até a ocupação de Praga, em março de 1939. Os fatos legitimaram sua radicalidade. Lukacs fala de um binômio -opinião pública/ sentimento popular-, válido até os dias de hoje. “Opinião pública” seria um processo de convergência entre as pessoas a partir da informação sistematizada, difundida pela imprensa e por líderes de opinião.

2. “Sentimento popular” seria a reação das pessoas aos fatos, produzindo uma sensação mais ou menos difusa. Essa reação pode ser uma onda que vai chegando à emoção das pessoas. Como tomar decisões que requerem apoio de massa num quadro de transição desses? Churchill vai ao Parlamento e às rádios e propõe um jogo da verdade: “Sangue, suor e lágrimas”. Mas como acompanhar o processo e saber com que velocidade vai cristalizando consciência na população?

3. As pesquisas de opinião eram um instrumento embrionário nos anos 30. Mas não eram suficientes, porque captariam, no início, uma reação ainda superficial. Lukacs usa os arquivos da Un. de Sussex (GB) sobre “mass observation” (MO). Em 1937, dois ingleses criam um sistema de observações diretas nas ruas. “Em 1938, estenderam suas atividades aos campos da política e da guerra”, diz Lukacs. Não são pesquisas de opinião, mas “relatos de primeira mão por observadores de senso comum”. “Não há um ponto de vista que se possa rotular como opinião pública, ela varia muito e não está ainda formada; a única coisa que resta é a crença de que a Inglaterra no fim acabará triunfando”, anota um observador.

4. Não é simples separar, numa pesquisa de opinião, “opinião pública” de “sentimento popular”. A TV estimula o “sentimento popular”, que, depois, aparece como “opinião pública”. O que muitas vezes não é ainda -ou nunca. A TV, na lógica da audiência, é muito mais indutora de sentimentos do que formadora de opinião. Os líderes de opinião, intelectuais e políticos, ainda são formadores de opinião, mas não como antes.

5. O processo, hoje, se dá horizontalmente, por fluxos de “opinamento”, onde os líderes de opinião estão no meio da massa, e não “por cima” dela. Mas não são menos importantes. Os fluxos em que intervêm podem ser filtros formadores de opinião, o que exige suor. Não falam mais desde um “altar”.

09 de setembro de 2020

1870: ONTEM E HOJE!

1. Henry Kissinger, em “Diplomacia”, usa todo o capítulo quinto para comparar as características de Napoleão 3º e Bismarck. Ainda vale a abertura de Marx (1852) no capítulo 1 do “18 Brumário”: “Hegel observa que os personagens de grande importância na história ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Napoleão 3º governou a França por mais de 20 anos (1848-1870), e Bismarck a Prússia e em seguida a Alemanha, com a unificação, por quase 30 anos (1862-1890). Marcaram estilos e políticas que, reproduzidas hoje, dão razão a Marx.

2. Kissinger afirma que Napoleão 3º não abria mão de nada para ser popular na França. Internamente, fez um governo bem-sucedido, com a reforma de Paris e a economia. Mas a sua política externa se desfez. “Seu desejo de publicidade o levou a impulsionar uma série de objetivos contraditórios”. Segue: “As ações empreendidas pelo capricho do momento e sem relação com uma estratégia geral não podem sustentar-se indefinidamente, (…) pois o êxito é tão esquivo que os governantes que o perseguem rara vez puderam avaliar seus próprios castigos”.

3. Napoleão 3º dirigiu sua política externa como os líderes de hoje, diz Kissinger, que medem seus êxitos pela reação dos noticiários de TV. “Ficou prisioneiro do puramente tático, enfocando objetivos de curto prazo e resultados imediatos”. Kissinger diz que “Napoleão 3º foi precursor de um fenômeno moderno: a figura política que tenta desesperadamente descobrir o que deseja o público. Seu legado para a França foi uma paralisia estratégica”. E finaliza: A tragédia de Napoleão 3º foi que “sua ambição sobrepassou sua capacidade”.

4. O contraponto com Bismarck marca a dicotomia entre ambos. Bismarck, na sua Realpolitik, atualiza a “raison d’Etat” de Richelieu. Explica Kissinger que “a ordem estabelecida não é capaz de perceber sua própria vulnerabilidade quando a mudança tem um caráter conservador, pois as instituições não são capazes de defender-se de quem esperam que as defendam”. Bismarck, diz Kissinger, “representou uma política divorciada de todo o sistema de valores”.

5. Para ele, a utilidade vinha por cima da ideologia, e “a vantagem estratégica justificaria o abandono dos princípios”. Por isso, o “poder leva consigo sua própria legitimidade”. “Aumentar a influência do Estado era seu objetivo”. É dele a conhecida assertiva: “Política é a arte do possível e a ciência do relativo”. A repetição descontextualizada dos fatos, na forma do texto de Marx, tem risco muito maior quando se dá sem sequer a consciência dos mesmos.

08 de setembro de 2020

UM POUCO DE TEORIA PARA CANDIDATOS QUE ACREDITAM NO BOCA A BOCA PARA FORMAR OPINIÃO!

GABRIEL TARDE (1843-1904), sociólogo francês, pai da microssociologia (e da micropolítica), viu suas ideias serem atropeladas pelas escolas estruturalistas, como as de Marx, Durkheim, Weber etc., que prevaleceram no século 20. Sua obra capital foi “Les Lois de l’Imitation” (1890), texto fundamental para entender a lógica da internet 110 anos depois.

Em “Leis da Imitação”, Tarde analisa o processo de formação de opinião a partir das relações entre os indivíduos. Nos termos de hoje: os meios de comunicação, sistemas de publicidade, vocalizadores etc… distribuem informações, que são filtradas pelos indivíduos. Para assumi-las como opinião sua, o indivíduo as testa com alguém em cuja opinião confia.

Na medida em que haja coincidência, ele afirma a informação como opinião e a repassa. Esse processo ocorre em pontos infinitos, que vão formando fluxos de opinamento. Alguns são linhas tênues, que desfalecem. Outros fluxos se ampliam e vão avançando com diversas intensidades viróticas.

Para Tarde, há três tipos de indivíduos: os “loucos”, que iniciam fluxos de opinamento; os “tímidos” ou “sonâmbulos”, que são repassadores de fluxos, ou imitadores, na expressão de Tarde; os “tolos”, ou “descrentes”, que pouco repassam os fluxos recebidos.

Para Tarde, a imitação difunde-se em ondas concêntricas. Por esse processo se formam as instituições e a opinião pública. Se um grupo social afirma ideias, outros podem repassá-las por “imitação”. Olhando para os meios de comunicação de hoje, que são os mais importantes distribuidores de informação, estes obedecem à lógica da audiência, pois esta define suas rentabilidade e competitividade.

Estrito senso, os meios de comunicação não formam opinião, mas reforçam opinião formada. Mas, como estão inseridos socialmente, por sensibilidade, estudos ou pesquisas, dão conta de fluxos de opinamento em formação sustentada.

Quando propagam esses fluxos, aceleram enormemente a velocidade de transformação deles em opinião pública. Fluxos que constituiriam opinião pública em, por exemplo, dois anos, podem ser acelerados pela TV e formar opinião em duas horas, como ocorre algumas vezes.

A lógica da internet e de suas redes é essa, agregada à diversidade informacional de hoje. “Louco” é quem cria um fluxo e vê sua repetição às centenas e aos milhares nas redes, no YouTube…

“Tímidos” são os mais importantes para os iniciadores e estimuladores de fluxos (políticos entre estes).

São os “tímidos” que garantirão aos fluxos os múltiplos acessos e a aceleração na formação de opinião -e o voto. Um processo muito mais complexo e difícil que na TV dos anos 70/80.

04 de setembro de 2020

COVID-19 NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO!

Em algumas regiões do Rio de Janeiro, o COVID-19 tem sido chamado de “doença de rico”.

A quantidade de casos por habitantes realmente é maior nos bairros da Barra/Zona Sul. Dentre os 15 bairros com maiores números de casos por habitantes, 9 estão na Zona Sul e Barra.

Porém, a taxa de mortalidade, que ontem era de 11,31% no município, é definitivamente mais alta em bairros que não são os chamados “ricos”. Os 20 bairros com pelo menos 100 casos e maiores taxas de mortalidade são Acari 20,83%, Costa Barros 20,00%, Cavalcanti 18,90%, Santíssimo 18,78%, Cidade de Deus 18,60%, Senador Camará 18,36%, Bangu 18,34%, Padre Miguel 17,88%, Coelho Neto 17,77%, Guaratiba 17,74%, Realengo 17,44%, Anchieta 17,18%, Oswaldo Cruz 17,02%, Paciência 16,87%, Parada de Lucas 16,74%, Senador Vasconcelos 16,61%, Vaz Lobo 16,57%, Inhoaíba 16,34%, Jardim América 16,14% e Maré 16,03%.

Apenas o Cosme Velho, dentre os bairros do eixo Barra/Zona Sul, tem taxa de mortalidade acima da média, com 11,57%.

A taxa de mortalidade nas faixas etárias acima de 70 anos é particularmente alta (36,62% contra 18,99% para 60-69 anos, 7,74% 50-59, 3,55% 40-49, 1,46% 30-39, 1,08% 20-29, 1,01% 10-19). Desta forma, regiões com mais habitantes acima de 70 anos deveriam apresentar maiores taxas de mortalidade pelo COVID-19. Contudo, entre os 10 bairros com maiores concentrações percentuais de habitantes com mais de 70 anos, 7 estão na Zona Sul, além de Méier, Tijuca e Maracanã, o que sugere que outras variáveis influenciam a taxa de mortalidade além da idade.

Dos 20 bairros com taxas de mortalidade mais altas, apenas 1 possui Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) acima da média, sendo que 3 estão entre os 5 bairros com piores índices (Costa Barros, Acari e Maré). Ao observar o Índice de Renda (IDH-R), nenhum dentre estes 20 bairros apresenta índice acima da média, o que indica que a renda também pode ser uma variável importante para entender a mortalidade por COVID-19 na cidade do Rio de Janeiro.

03 de setembro de 2020

AUTORIDADE LEGITIMADA PELA AUSÊNCIA: “A CORTE DOS ANJOS”!

“Governar é fazer crer”, dizia Maquiavel. As lideranças míticas, sejam políticas, sociais ou religiosas, se afirmam por dois caminhos distintos.

De um lado, os líderes cuja autoridade se afirma como guias de seus povos. São os detentores da legitimidade pelas ideias que conduzirão seus povos ao paraíso. Perón e Vargas são exemplos.

Outras lideranças legitimam a sua autoridade pela ausência. Representam divindades. O que os legitima está ausente deles, está em outro plano. padre Cícero, no Ceará, e Santa Dica, em Goiás, são exemplos. Maria de Araújo, beata de padre Cícero, em transe, ao meio de milagres, conversava com os anjos.

Santa Dica, em transe, ia até a “corte dos anjos” e voltava com as orientações a serem seguidas. Padre Cícero elegia e elegeu-se. Santa Dica elegeu seu companheiro. O monopólio da legitimação pela ausência trouxe e traz conflitos interreligiosos.

A autoridade legitimada pela ausência não é restrita à esfera religiosa. Líderes políticos, em diversas épocas, ao se incluir no universo dos deuses, assim se legitimavam.

Ramsés 2º, Júlio Cesar e Hirohito são exemplos. Em outros, a própria nação é uma divindade. Agitam com símbolos milenares, cenografia e coreografia relativas. Representam essa divindade-nação ausente. Hitler (a raça germânica superior) é um caso.
Outras vezes, essa divindade é um autor cujas ideias são estruturadas como dogmas. A legitimação pela ausência se refere a eles e a suas ideias. O líder é quem representa essas ideias da forma mais autêntica. Marx foi usado assim. Depois vieram as suplementações de legitimação derivada: leninismo, stalinismo…

Outro tipo de legitimação da autoridade se dá pela contra-ausência. Ou seja uma ausência que coloca em risco o país e exige a delegação de todos ao líder. O “perigo vermelho” foi usado assim, legitimando líderes e ditadores. “O imperialismo ianque”, idem.

Mas há um tipo de liderança mítica que se parece com a do tipo guia dos povos. Apenas se parece. Na verdade, legitima-se também pela ausência. O povo, em abstrato, passa a ser uma divindade. Um povo amalgamado que incorpora todos os valores de fé, justiça e de esperança. E de dentro desse amálgama surge o líder, que é ele, o próprio povo, encarnado em sua pessoa, como redentor. As lideranças míticas são desintegráveis pelo fracasso, pela desmistificação (falsos profetas), pela força ou por outros tipos de líderes míticos. Num regime democrático, a força se exclui. Quando a alternância acontece em uma conjuntura de sucesso, a desmistificação não é tarefa simples. Nessas condições, um líder racional alternativo precisaria de alguma dose de legitimação de sua autoridade pela ausência.

Quaisquer delas.

02 de setembro de 2020

1932: ONTEM E HOJE!

Em 1932, Mussolini destacava-se como único líder, chefe de governo de expressão no mundo ocidental. Com formação teórica muito acima da média, poliglota, leitor de filósofos e de grandes escritores, conhecedor de historia, impressionou Emil Ludwig, escritor alemão, biógrafo de Bismarck, Napoleão e Goethe.

Mussolini deu absoluta privacidade, dez tardes seguidas em seu gabinete, para uma entrevista com Ludwig. Esta foi publicada e se transformou em livro logo em seguida: “Colóquios com Mussolini”.

Ludwig explora os conceitos do entrevistado -liderança, governo, autoridade, nacionalismo, poder, países, história, artes, atributos do líder, Estado… Mussolini passou a ser referência para outros líderes políticos. Salazar mantinha seu busto na mesa de trabalho. Getúlio usou na “Constituição” de 1937 o conceito de Parlamento corporativo num governo autoritário. Mussolini mitificava a ação, mas refletia e cristalizava seus conceitos.

Esses, difundidos, formaram e formam gerações de lideranças populistas-autoritárias, com ou sem consciência da escola de influências que receberam. Com a ascensão do populismo autoritário na América Latina, cumpre ir a essas raízes, até para que esses saibam de que fonte vem a água que bebem.

Diz Mussolini que, “para governar as massas, temos que usar duas rédeas: o entusiasmo e o interesse. Confiar em uma só é estar em perigo. O lado místico e o lado político estão subordinados um ao outro. Este sem aquele se torna árido. Aquele sem este se desfolha ao vento das bandeiras”.

Numa afirmação, desnuda a base do populismo: “A massa não deve saber, mas crer. Só a fé remove montanhas. O raciocínio não. Este é um instrumento, mas jamais motor da multidão”. Sobre sua relação direta com as massas, diz: “Deve-se dominar as massas como um artista domina sua arte”. E ensina: “Deve-se ir do místico ao político, da epopeia à prosa”.

É nessa entrevista que Mussolini usa uma frase que marcou seu machismo: “A multidão adora homens fortes.

A multidão é feminina”. Ludwig, vendo sua chegada ao balcão de seu gabinete no palácio Veneza para saudar a multidão, comenta: “No balcão, olhando as massas, ele tem o ar de autor dramático, que chega ao teatro e vê os atores impacientes para o ensaio”. Mussolini segue: “Cumpre tirar dos altares sua santidade, o povo. A multidão não revela segredos. Quando não é organizada, a massa é um rebanho de ovelhas. Nego que ela possa se reger por si só”.

Ludwig registra o que ele ensina e que deveria servir ao mesmo Mussolini e a tantos outros, especialmente os de aqui e agora: “Veja só o que Brunsen disse de Bismarck: ‘Tornou a Alemanha grande e os alemães pequenos'”.

01 de setembro de 2020

DICAS PARA A CAMPANHA ELEITORAL!

1. O fracasso é certo quando se tenta agradar todo mundo. Escolha o seu lado, o seu discurso.
2. O seu adversário de votos é quem pensa como você ou se dirige ao mesmo perfil de eleitor.
3. O seu antagônico é atacado só para lhe dar nitidez.
4. Primeiro o eleitor decide em quem não se deve votar. Ajude.
5. Eleição é como lavoura. Os meios de comunicação irrigam. Mas só o contato direto semeia.
6. Candidato que se explica, perde.
7. Tenha sempre a iniciativa. Jogue com as peças “brancas”.
8. Discuta só o tema que você propôs. O tema proposto pelo adversário deve ser simples ponte para você chegar ao seu.
9. Candidato tem que se comprometer.
10. Em debates perguntar é sempre mais arriscado que responder. Na resposta você fala por último. A pergunta tem que imobilizar o adversário e impedi-lo de mudar de tema.
11. O tema honestidade é visto pelo eleitor de outra forma. O tema certo é CONFIANÇA.
12. A comunicação de campanha tem que mostrar que os valores do candidato são os mesmos do eleitor. Valores e crenças básicas são a base da campanha.
13. A linguagem do marketing político é a do marketing de valores e não do marketing comercial.
14. O eleitor vota racionalmente, embora com pouca informação. Ou seja: relaciona causa e efeito.
15. O centro é o alvo, não é o ponto de partida. Ou seja, se parte desde posições nítidas para se atingir espaços políticos de centro.
16. O voto mistura crenças e conjuntura. Esquecer quaisquer das duas é perder a eleição.
17. Não necessariamente divulgue a agenda. Só a que interessa.
18. As pesquisas mexem com o animus de campanha. E com o financiamento.
19. Não ataque diretamente. Use “ouvi falar”, “dizem”, “soube”, ou na TV locutor ou testemunhais.
20. Os ataques devem ser desconcertantes, surpreendentes. As agressões (gritos e palavras chulas) ofendem o eleitor.
21. Currículo não ganha eleição. O que ganha eleição é capacidade de desenvolver a campanha. É a campanha.
22. O eleitor vota pragmaticamente. Ele já sabe como usar as pesquisas. O voto útil é fundamental e já ocorre no primeiro turno.
23. Não ataque todas as candidaturas no primeiro turno. Você precisará de uma delas, pelo menos, no segundo turno.
24. As Redes Sociais são muito mais fortes para o NÃO que para o SIM.

31 de agosto de 2020

FIM DO TETO: NÃO SE, MAS COMO!

(Arminio Fraga – Folha de S.Paulo, 30) A emenda constitucional nº 95 de dezembro de 2016 instituiu o teto de gastos públicos, que congelou em termos reais os gastos do governo federal. O teto sinalizou um bem-vindo entendimento quanto à necessidade de se lidar com o crescimento ininterrupto dos gastos a partir dos anos 1990.

Foi parte de uma guinada na gestão macroeconômica do país em resposta ao colapso fiscal que ocorreu a partir de 2014. A partir da guinada, as taxas de juros entraram em trajetória de queda, chegando aos inéditos níveis que prevalecem hoje.

Parecia claro desde o primeiro momento que a manutenção do teto por mais do que alguns anos seria difícil sem que se encarasse de frente a absoluta rigidez dos gastos obrigatórios. Um exemplo pode ajudar aqui. Sob as regras da EC 95, se o PIB crescesse a 2,5% por dez anos, o gasto federal cairia de 19% para 15% do PIB. Se todos os gastos públicos ficassem congelados, em termos reais, teríamos uma queda de 35% para 27%. Não faz muito sentido.

Havia esperança de que reformas mais profundas ocorreriam, o que permitiria em algum momento uma flexibilização do teto, sem grandes estresses. Mas não foi o caso. Algo se fez, como a reforma da Previdência aprovada no ano passado, mas não foi o suficiente: o espaço para cortes nos gastos correntes discricionários praticamente se esgotou e o investimento público está próximo de zero, o que é política e economicamente insustentável.

Não surpreende, portanto, que um exame mais detalhado dos fatos sugira que não se exagere o impacto causal do teto sobre as taxas de juros: a Selic (a taxa de curto prazo fixada pelo BC) está em 2% e a taxa dos títulos do Tesouro de dez anos em torno de 7,5%.

Ambas caíram bastante desde 2016. Parece razoável atribuir parte relevante da queda na Selic à enorme recessão que nos assola há sete anos. As taxas de longo prazo embutidas na curva de juros estão em torno de 9%.

Ou seja, o prêmio de risco segue elevado, espelhando juros reais acima de 4% e ainda algum medo de inflação. E isso num período em que as taxas de juros equivalentes para as economias avançadas caíram em cerca de 1,5 p.p..

Conclusão: o futuro macroeconômico do país ainda está longe de ser confiável. Quem vai investir em um país com indicadores tão incertos? O que fazer então com o teto?

Há quem acredite que um caminho seria abandonar o teto e seguir gastando e acumulando dívida (presume-se que por mais algum tempo). Alguns cogitam prorrogar o orçamento de guerra. Outros entendem que, no limite, seria possível reduzir a taxa de juros de curto prazo a zero (se a inflação permitir) e encurtar ainda mais o perfil de vencimento da dívida (na prática, “emitir moeda”).

Acreditam também que haveria espaço para abrir novas frentes de investimento público e privado de boa qualidade. Essa opção conta com o atraente apelo de dispensar a definição de prioridades, bem como parece não impor custos.

Seria bom, mas não para de pé. Falta combinar com os russos. Não há confiança na capacidade de o governo executar bons investimentos. Tampouco há confiança interna e externa para financiar tal caminho. E não sem razão. Nas atuais condições, nem se fala. Seria mais crise na certa. Já vimos esse filme. O Brasil não é uma economia avançada. Os reais problemas seguiriam intocados.

Restam então duas alternativas: defender a ferro e fogo o teto ou buscar uma saída mais equilibrada. Não creio que a defesa pura e simples do teto seja uma solução viável por muito mais tempo, pelas razões que expus acima. Melhor planejar o quanto antes uma saída organizada e crível. A operação é muito delicada. Flexibilizar o teto sem uma nova âncora traria consequências dramáticas.

O quadro geral é bastante complexo. O país apresenta déficits primários há sete anos. O Ministério da Economia sinaliza compromisso com o teto. O presidente da República, pensando na reeleição, aposta suas fichas políticas no Renda Brasil e se opõe a cortes em outros benefícios e aumentos de impostos.
A PEC Emergencial, que ganharia algum tempo para o teto, não parece contar com o apoio do Executivo, pela mesma razão. Claramente a conta não fecha. O que fazer?

Tenho defendido uma estratégia de ajuste estrutural que começou com as reformas do BNDES e da Previdência (3 p.p. do PIB) e que ao longo de dez anos liberaria recursos crescentes, que poderiam chegar a mais 8 p.p. do PIB no décimo ano.

Perdoem-me a repetição, mas não vejo saída para o Brasil que não passe por alguma redução simultânea do nível e das distorções de uma parcela relevante do gasto público.

A economia viria da eliminação de subsídios e brechas tributárias regressivas, de ajustes na folha de pagamentos do setor público e de mais ajustes na Previdência. Boa parte dos recursos ficaria livre para gastos e investimentos em áreas de alto retorno social como saúde, assistência social, pesquisa básica, educação e infraestrutura, sempre que possível alavancados por capital privado. Ficaria livre também para reduzir a carga tributária.

Seria fundamental que a economia com o funcionalismo fosse obtida por meio de uma reforma de recursos humanos do Estado, que promovesse um salto na qualidade nos serviços públicos, seu principal objetivo e importante alavanca para o desenvolvimento.

O lobby do funcionalismo se opõe, mas se espera que o entendimento de que há muito privilégio e desperdício a eliminar acabará prevalecendo. O Brasil é um ponto fora da curva global no que tange ao peso do funcionalismo no gasto público. É prerrogativa do Executivo federal encaminhar ao Congresso uma proposta, mas aqui também a reeleição parece atrapalhar.

Parte do resultado da estratégia acima se destinaria à obtenção de um superávit primário capaz de viabilizar uma queda gradual do endividamento público, hoje elevado pelas barbeiragens, emergências e recessões dos últimos sete anos. O ajuste do primário deveria ser gradual, atingindo cerca de 3 p.p. do PIB em três anos.

Notem que o espaço de manobra seria limitado. No curto prazo haveria um (pequeno) aumento real no gasto público e um aumento da carga tributária. Com o correr dos anos, na medida em que as reformas mostrassem resultado, seria possível aumentar os gastos em termos reais, mas reduzi-los como proporção do PIB. O mesmo vale para a carga. Seria uma decisão política.

Como o único caminho que enxergo é gradual e a nossa credibilidade, baixa, me parece de todo essencial que se aprove o quanto antes uma versão da PEC Emergencial que ofereça ao governo as ferramentas necessárias para se desenhar e executar um orçamento plurianual crível.

Esse orçamento deveria indicar com clareza as metas mencionadas acima para o gasto público e o superávit primário. Só assim seria possível uma flexibilização segura do teto.

A bem-vinda discussão em curso sobre uma renda básica universal, que ampliaria e consolidaria os programas de assistência social existentes, teria que obrigatoriamente acontecer no bojo desse orçamento plurianual. Um igualmente desejável reforço do SUS teria que fazer parte do processo, disputando espaço com outras prioridades. A discussão de temas isolados é má prática econômica e política.

O tempo é curto e o espaço de manobra, ainda menor. Mas ainda temos a oportunidade de reduzir privilégios, buscar a saúde fiscal do Estado e perseguir um crescimento inclusivo. Isso requer metas claras e factíveis e um plano integrado como esboçado aqui. Requer também liderança política com visão de longo prazo.

28 de agosto de 2020

COMO TORNAR AS CIDADES MAIS SUSTENTÁVEIS!

(Priscila Mengue – O Estado de S. Paulo, 27) A tendência são urbes policêntricas, em que serviços, lazer, trabalho e transporte estão próximos. Nas capitais latino-americanas, é preciso adensar áreas bem servidas.

Vivemos o século das cidades. É nelas que estão a maioria dos problemas, das soluções e das pessoas. Cada vez mais. Até 2050, seremos 70% da população mundial em ambientes urbanos. Uma retomada verde passa, portanto, por transformações profundas no modo de viver, trabalhar, transitar, se divertir, de socializar – e tudo isso depende do planejamento urbano.

Cientistas, biólogos, engenheiros, urbanistas e políticos de metrópoles mundo afora tentam organizar as mudanças. Os exemplos se espalham, mas vêm muito mais de realidades que apostaram em transformações do que de iniciativas de novas cidades erguidas em áreas hoje sem uso. Para muitos especialistas, uma cidade mais sustentável, do futuro, é aquela que souber se reinventar.

Isso ocorre com mudanças de paradigma, de ações para liquidar desigualdades e da tecnologia, para vivermos de novo em sinergia com o ambiente. “Se quisermos manter algum senso de equilíbrio com a natureza, precisamos integrá-la de modo muito mais presente”, defende Fabiano Lemes de Oliveira, professor na universidade Politécnico de Milão e autor do livro Green Wedge Urbanism: History, Theory and Contemporary Practice (Urbanismo de Cunhas Verdes: História, Teoria e Prática Contemporânea), sem edição em português.

Para ele, a mudança virá com um planejamento de cidades policêntricas, em que serviços, lazer, trabalho e transporte estão disponíveis em deslocamentos curtos. Em Paris, a ideia é de uma cidade de 15 minutos para resolver todas as necessidades, o que inclui mudar espaços públicos, das calçadas às escolas.

Nas capitais latino-americanas, cuja urbanização foi mais desordenada, a mudança passa também por adensar áreas mais bem servidas. “O desafio fundamental é a necessidade de se pensar cidades que tenham capacidade de acolher mais gente, fazer isso de um modo com que não aumentemos o impacto no planeta e, se possível, aumentar a presença da natureza nas áreas urbanas”, diz Oliveira.

Esse adensamento deve ocorrer junto de melhorias do ambiente urbano. Uma das aplicadas, em cidades como Estocolmo e Copenhague, é a da implementar cunhas verdes, áreas naturais que começam mais reduzidas no centro e se expandem em direção às periferias. Elas reúnem potenciais para lazer, agricultura urbana, corredor ecológico (ao atrair a fauna) e ambiental (por facilitar a drenagem urbana, absorver dióxido de carbono e reduzir o efeito das ilhas de calor).

Para o coordenador do programa USP Cidades Globais, Marcos Buckeridge, serão necessários ainda novos materiais e tecnologias, na construção civil e no transporte. Entre os exemplos, estão o uso da canade-açúcar para gerar energia elétrica, concretos que absorvem menos calor e redes de gerenciamento de energia para redistribuição em horários de menor consumo. “A ideia é que se aplique a ciência. Não adianta fazer um prédio maravilhoso, que seria considerado sustentável, se chega uma energia poluidora.”

Essa transformação também envolve oferta diversificada de transporte para todos, destaca Luis Antonio Lindau, diretor do programa de cidades do WRI Brasil, instituição internacional de desenvolvimento sustentável. “Não dá mais para a gente ficar pensando que um veículo ou um único modo vai resolver a questão do transporte. A gente deveria ter como meta uma rede integrada e multimodal.”

Isso inclui restringir a circulação de veículos, como inspeção veicular (e taxar os mais poluentes), trocar ônibus a diesel por opções mais sustentáveis, controlar vagas de estacionamento e até zonas de ar limpo, que proíbem certos transportes.

Outro conceito difundido no planejamento urbano sustentável é o de soluções baseadas na natureza. “Vem através de soluções em várias escalas. Começa com os chamados jardins de chuvas – canteiros (feitos com técnicas) que podem atuar na drenagem usando a natureza –, com a integração com áreas verdes, (vai até) a recuperação dos rios”, afirma Henrique Evers, gerente de desenvolvimento urbano na WRI Brasil.

No caso de intervenções menores, por exemplo, o impacto pode ser no microclima e no acesso ao lazer. É o caso, por exemplo, dos pocket parques no México, em que terrenos baldios e antigos estacionamentos foram convertidos em pequenos jardins e áreas verdes.

Rios. Também no conceito de soluções baseadas na natureza, a urbanista Perola Brocanelli, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende a renaturalização de rios e da mata ciliar. “Não é plantar árvore bonita. É deixar o capinzão de várzea, meio alagado”, diz. “Grandes áreas verdes ao longo dos rios podem se transformar em células de purificação”, afirma.

Ela argumenta que é preciso conhecer mais a hidrografia das cidades, para entender onde estão várzeas e outras áreas alagáveis e vetar novas construções no entorno. Com a renaturalização e o tratamento da água, esses espaços também se tornam áreas de lazer, espécie de praias urbanas. “Crescer sobre os rios é uma sentença de morte.”

26 de agosto de 2020

CAIXA DE PAPELÃO!

(Pedro Fernando Nery – O Estado de S. Paulo, 25) A ciência mostra que toda a sociedade se beneficia de investimentos na primeira infância.

Ontem celebramos no Brasil o Dia da Infância. Nos próximos dias, o governo federal deve anunciar programas que são essenciais para estes brasileiros, incluindo o aguardado Renda Brasil. Ele deve substituir o Bolsa Família, programa que ajuda com R$1,39 por dia as crianças que vivem abaixo da linha da pobreza. A relativa indiferença do Estado brasileiro com a infância contrasta com a ênfase de países desenvolvidos. Nesse sentido, poucas coisas são mais emblemáticas do que a Finlândia e sua caixa de papelão entregue para todos os pais de recém-nascidos.

A caixa ganhou notoriedade internacional pelo seu uso como berço alternativo, permitindo que bebês dormissem próximos aos pais em uma superfície estável. A distribuição, desde antes da 2ª Guerra, contribuiu para a redução da mortalidade infantil em um país que era então pobre. Atualmente, a caixa de papelão é popular na verdade pelo conteúdo que vem dentro dela: dezenas de itens para as necessidades dos recém-nascidos em seus primeiros meses – de roupas adequadas a produtos de higiene, passando pelo primeiro livro.

A caixa distribuída universalmente é vista como um símbolo da valorização de cada criança pelo Estado e um símbolo de igualdade, e passou a ser adotada recentemente no estado americano de Nova Jersey, no Chile, na Irlanda e na Escócia (“para que toda criança, independentemente das circunstâncias, tenha o melhor começo na vida”). Os desafios da primeira infância – os anos iniciais da vida – são cada vez mais contemplados por governos do mundo todo seguindo uma literatura científica robusta sobre os resultados expressivos de intervenções nessa fase.

Como mostram pesquisadores internacionais na The Lancet, os primeiros anos de vida são particularmente importantes porque o desenvolvimento do cérebro ocorre em vários domínios – e a pobreza é um fator de risco para este desenvolvimento. Problemas de nutrição, estresse, estimulação e interação social afetam a estrutura e funcionamento do cérebro, com consequências duradouras para o cognitivo e o emocional.

O desenvolvimento infantil é preditor do desempenho na escola e no mercado de trabalho – não à toa os pesquisadores ressaltam que a indiferença com a primeira infância dos mais pobres afeta o próprio “desenvolvimento nacional”.

Economistas se interessam cada vez mais pelo tema. Aqui é influente o trabalho do Prêmio Nobel James Heckman: embora tenha sido desafiado recentemente na academia, seu eixo central se mantém. Como explicam Naercio Menezes e Bruno Komatsu: “O desenvolvimento infantil é um processo ordenado de obtenção de habilidades interdependentes e nos primeiros mil dias de vida as crianças adquirem capacidades que servirão como fundamento para o aprendizado e aquisição de habilidades em fases posteriores da vida, até a adolescência e a fase adulta.” Pode, assim, quebrar o ciclo de pobreza que passa de uma geração para a próxima.

Os economistas propõem uma reformulação do Bolsa Família para que crianças de até 6 anos recebam R$ 800, a ser custeado com tributação maior sobre os mais ricos, reduzindo a pobreza no grupo a um terço do que é hoje. É este o teor do Projeto de Lei Complementar no 213, da senadora Eliziane Gama, que cria a renda básica da primeira infância.

Nesta semana o governo apresenta a sua proposta, o Renda Brasil. Ele deve trazer um bem-vindo aumento nos valores e no público do Bolsa Família, mas que pode ser considerado modesto na esteira do auxílio emergencial. Outras iniciativas importantes para a primeira infância neste pacote incluiriam a expansão do atendimento em creches, inclusive usando as particulares; a ampliação do Criança Feliz, uma iniciativa de visitação domiciliar com enorme potencial; e programas de emprego para os pais – sobre representados nas taxas de desemprego e informalidade.

O que a ciência tem mostrado é que toda a sociedade se beneficia de investimentos na primeira infância, tendo como retorno adultos mais prósperos no mundo do trabalho. Para usar a frase do ativista queniano Kennedy Odede, “o talento é universal, mas as oportunidades não são”. Que as reformas na rede de proteção social levem o Brasil para mais perto da caixa de papelão.

Pobreza é um fator de risco para o desenvolvimento do cérebro infantil.

25 de agosto de 2020

DEMOGRAFIA E POLÍTICAS PÚBLICAS!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 24) As mudanças demográficas observadas atualmente resultarão em sensíveis mudanças na estrutura da população do Estado de São Paulo. O que exigirá políticas públicas condizentes.

As mudanças demográficas observadas atualmente resultarão em sensíveis mudanças na estrutura da população que reside no Estado de São Paulo. Elas implicarão alterações nas exigências e demandas de serviços públicos pela sociedade, o que exigirá, em consequência, políticas públicas condizentes. Nos próximos anos, enquanto a população de menores de 15 anos diminuirá, a de maiores de 65 anos continuará crescendo. Assim, em menos de uma década e meia, de acordo com o mais recente estudo do Sistema Seade de Projeções Populacionais sobre o tema, esses dois contingentes populacionais serão iguais numericamente. A Fundação Seade, instituição do governo do Estado que produz estatísticas econômicas e sociais de São Paulo, prevê que isso ocorrerá em 2034. Já a população em idade de trabalhar, entre 15 e 64 anos, deve estar alcançando seu número máximo no corrente ano e deverá se manter nesse nível até 2040.Haverá menor demanda de gastos públicos com educação básica, mas o número de jovens que demandam o primeiro emprego ainda será alto, o que tenderá a manter as pressões para a geração de oportunidades de trabalho.

Gastos com saúde preventiva e curativa, bem como com previdência e assistência social, tenderão a crescer com o aumento mais rápido do número de idosos na população. Mudanças recentes nas regras previdenciárias evitarão que o sistema entre em colapso nos próximos anos. Mas, em algum momento no futuro, o novo padrão demográfico do País, que aponta nitidamente para o envelhecimento da população, imporá novas regras para o sistema de aposentadorias e pensões.

Novas demandas por serviços de assistência social e de saúde, de sua parte, exigirão novos programas públicos. Haverá maior demanda, por exemplo, por pessoal preparado para atendimento geriátrico.

O aumento da idade média da população residente em São Paulo será notável nos próximos anos, como já vem sendo observado desde o final do século passado. Em 2000, segundo a Fundação Seade, a média de idade era de 30 anos. Hoje é estimada em 36 anos. Em 2050 chegará a 44 anos.

Nos próximos 30 anos, a participação dos jovens com até 15 anos na população total cairá pela metade, enquanto a de maiores de 65 anos será multiplicada por 3,7. Haverá mudanças significativas na participação de outras faixas etárias na população total. A de menores de 39 anos diminuirá sua participação em 20%; a de 40 a 59 anos aumentará 5%. O grupo de 60 a 79 anos dobrará e o de maiores de 80 anos triplicará. Hoje, o maior volume populacional está na faixa de 20 a 39 anos; em 2050, será o de pessoas com idade entre 40 e 59 anos. A taxa de crescimento da população, já baixa em todo o País, continuará a diminuir em São Paulo nos próximos anos. De acordo com a Seade, entre 2020 e 2050, a população passará de 44,6 milhões para 47,2 milhões. Será um aumento de apenas 5,8%, ou de menos de 0,2% ao ano. As projeções indicam que, em algum momento entre 2040 e 2045, a população residente em São Paulo começará a diminuir (de 47,62 milhões em 2040 para 47,59 milhões em 2045 e 47,20 milhões em 2050).

Será uma evolução semelhante à projetada para a população de todo o País. Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de instituições vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que, depois de atingir seu pico entre 2042 e 2047, a população brasileira passará a decrescer. A população máxima do País projetada por essas instituições varia de 228,4 milhões a 238,3 milhões de pessoas.

Entre 2050 e 2060, a população brasileira deverá ser bastante próxima da de hoje (de 211,9 milhões de pessoas), mas sua estrutura será muito diferente. A população idosa terá triplicado e a de crianças terá diminuído.

São transformações que parecem ainda distantes, mas boa parte delas já vem ocorrendo, algumas podem se acelerar e todas impõem, desde já, o reconhecimento de sua importância pelas autoridades e pela sociedade, para que as futuras gerações estejam preparadas para elas.

24 de agosto de 2020

ECONOMIA DO PERU CAI 30,2%, PIOR QUEDA DA HISTÓRIA!

(El País, 20) El confinamiento social obligatorio, el toque de queda, el cierre de fronteras y la restricción a actividades económicas consideradas no esenciales durante el inicio de la pandemia de la covid-19 llevó a una dura contracción de la economía de Perú entre abril y junio, de acuerdo con el Instituto Nacional de Estadística e Informática (INEI). El Producto Interno Bruto (PIB) cayó en 30,2% respecto al mismo periodo del año anterior, su mayor desplome desde que se tiene registro.

Hasta la fecha, la mayor caída anual en el PIB en el país se había registrado en 1922 y fue del 13,5%, mientras que la peor caída trimestral, del 20%, ocurrió en la época de la hiperinflación, en 1989, según los datos del Banco Central de Reserva. “Es una cifra inédita, brutal: nunca hemos tenido caídas en la producción como ahora, ello significa que la caída anual podría ser de 15% o más”, advierte la economista Giovanna Aguilar, profesora principal de la Universidad Católica del Perú.

Esta es también la caída más profunda registrada entre las mayores economías del mundo, de acuerdo con la agencia Bloomberg. La agencia Reuters reportó que el país entró ya en recesión técnica. El Banco Mundial advirtió en un informe reciente de que Perú sería una de las economías más lastimadas por la pandemia.

La recesión se ve afectada, en gran parte y de acuerdo con datos del propio INEI, por una baja del 57,7% en la inversión bruta fija, motor de las industrias. Además, la demanda interna se contrajo en 27,7% y las exportaciones disminuyeron en 40,3%. En comparación con sus pares en la región latinoamericana, Perú impuso un confinamiento obligado estricto desde los inicios de la pandemia para prevenir un colapso en el sistema de salud.

La pérdida del empleo se estima que alcanzó los 6,7 millones de puestos de trabajo, de acuerdo con el INEI. Esto representa una destrucción de casi el 40% de los empleos formales. Expertos apuntan ya a una posible “década perdida” para toda América Latina, ya que antes de la llegada del coronavirus, el crecimiento en los países era débil. En mayo, el Gobierno peruano inició un levantamiento gradual de las restricciones para reactivar la economía, pero los datos oficiales demuestran que no todos los sectores vieron un repunte a partir de la flexibilización del confinamiento.

”Se han destruido los empleos y las actividades productivas, hay un shock y las consecuencias de lo ocurrido toman un tiempo en expresarse. Ello ha ocurrido porque el Gobierno no ha atendido bien la crisis: los bonos [subsidios para los más pobres y quienes perdieron empleo] y el crédito barato para las empresas están llegando con retraso”, explica Aguilar.

Entre marzo y agosto, el Gobierno de Martín Vizcarra aprobó medidas de apoyo como parte de un plan económico por 128.000 millones de soles (36.000 millones de dólares), el equivalente al 18% del PIB nacional. Los recursos se han enfocado en el gasto público, alivio en pago de impuestos y liquidez al sistema bancario. El plan para 2021, de acuerdo con el Gobierno peruano, es que el gasto público incremente durante el primer trimestre para impulsar una recuperación. A finales de mayo, el banco central peruano anunció que el Fondo Monetario Internacional aprobó una línea de crédito “preventiva” por 11.000 millones de dólares.

La Administración de Vizcarra entregó un subsidio de 212 dólares a unos 5,5 millones de familias, y prevé entregar un segundo bono por el mismo monto a partir de septiembre al mismo grupo, además de a otras 2,5 millones de familias adicionales que no recibieron la primera ayuda. En general, los beneficiarios denunciaron múltiples problemas con el subsidio como retrasos, aglomeraciones en los bancos para recibirlos y, en el caso de las poblaciones rurales y amazónicas, el contagio de la covid-19 en los viajes a los centros poblados para hacer el cobro.

Por otra parte, poco más de 97.000 empresas recibieron créditos con tasas bajas de interés, llamados Reactiva Perú, con las que, según Aguilar, pudieron pagar a sus proveedores para no cortar la cadena de pagos. “Pero si no hay reactivación de la demanda, con el crédito que recibieron una sola vez, no van a poder continuar”, advierte la economista.

Entre los beneficiarios de ese plan están los principales grupos económicos de Perú, y compañías investigadas por corrupción o por lavado de activos o que figuran con alertas en el sistema de inteligencia financiera. Los filtros del Ministerio de Economía no fueron eficientes. ”El sistema financiero está advirtiendo que tiene problemas, pero tarde o temprano se va a reflejar el impacto [de la caída de la economía]: ello será a fin de año cuando sincere sus números sobre los créditos que no fueron pagados”, agrega Aguilar. Para ella, la recuperación puede tardar unos tres años, pero llegar a los niveles anteriores a la pandemia podría demorar una década.

Por su parte, el exministro de Producción y también economista, Piero Ghezzi, estima que en un “escenario realista o moderadamente positivo habrá que esperar hasta finales de 2022 para regresar a los niveles del primer trimestre de este año”. “En la medida en que no haya un control significativo del contagio, la recuperación será lenta, y efectivamente las cifras pueden ser peores en el siguiente trimestre”, apunta. “Hay un descontrol del contagio y el Gobierno no está logrando una política para ubicar a los contagiados y detener la propagación. La solución no está en más bonos ni créditos sino en el lado sanitario”.

Desde julio, alrededor o más de 200 personas fallecen a diario por la covid-19 y el número de infectados oscila entre los 2.500 a 4.500. El Ministerio de Salud ha reportado este jueves 27.034 defunciones confirmadas por la enfermedad, pero la ministra Pilar Mazzetti estima que la cantidad real supera las 47.000.

21 de agosto de 2020

O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS!

(Celso Ming – O Estado de S. Paulo, 20) Os ricos ficam cada vez mais ricos, mesmo durante a pandemia. Se para uma política de redistribuição de renda é preciso taxar os que têm, por que então não implantar de uma vez o Imposto sobre Grandes Fortunas, já previsto na Constituição de 1988 e até agora não regulamentado? Ou, por outra, por que esse imposto não consegue decolar?

Esta Coluna já comentou esse assunto. É preciso voltar a ele. Isso é como o tema da liberação das armas à população. É preciso combatê-la e não desistir de expor as razões pelas quais não se pode brincar com esse fogo.

A verdade é que esse imposto não é o que parece. Trata-se de um instrumento inadequado de fazer justiça social. Não vem dos endinheirados a principal resistência a ele. Bilionários conhecidos, como Abigail Disney, Arnold Hiatt, Chris Hughes e George Soros, já se manifestaram a favor dessa taxação. As maiores dificuldades a seu funcionamento são técnicas.

É um imposto de alta complexidade e nada eficiente. Sua base tributária é de quantificação difícil, qualquer que seja o tamanho da fortuna que viesse a ser objeto dessa taxação. É, também, de cobrança muito complicada e seu retorno arrecadatório, muito baixo. O custo de manutenção da máquina para fazê-lo funcionar é mais alto do que a receita por ela proporcionada.

Quando é medido em preços de ações de empresas abertas, é fácil saber quanto vale um patrimônio. As cotações estão disponíveis todos os dias nas bolsas de valores. O problema está em avaliar o resto. Até mesmo grandes empresas de sociedade limitada ou pequenas e médias indústrias, estabelecimentos comerciais, imóveis, obras de arte, semoventes (rebanhos, por exemplo) e intangíveis (como marcas, patentes, logotipos, pontos de venda) são de difícil avaliação. Uma coisa é o que você acha que vale e outra, bem diferente, é o preço que consegue obter, caso coloque à venda. Basta conferir o que acontece com os leilões de objetos, imóveis, de gado ou de áreas de prestação de serviços, mesmo quando pré-avaliados por especialistas. E vá botar tudo isso num patrimônio tributável. As divergências entre o Fisco e o contribuinte, sobre o tamanho da fortuna a ser submetida à taxação, podem ser objeto de demandas infindáveis na Justiça.

Mesmo que essa dificuldade seja transposta, com base numa declaração de patrimônio feita previamente pelo contribuinte ou outro recurso qualquer, difícil também é cobrar esse imposto. No caso dos chamados bens de raiz, será preciso que o contribuinte venda sua fazenda ou seus imóveis, mesmo num mercado deprimido, para fazer caixa suficiente e, assim, ter como quitar suas novas obrigações?

Também complicado é submeter uma fortuna financeira a essa taxação. O resultado mais conhecido é a fuga de capitais, como aconteceu na França, no tempo em que havia esse imposto, quando ficaram conhecidos os conflitos do fisco francês com o ator Gérard Depardieu. Ou, então, haverá desistência de novos investimentos no país. A enorme propensão à debandada de patrimônio financeiro tenderia a concentrar a cobrança sobre bens cuja propriedade já é taxada, como veículos (IPVA), imóveis urbanos (IPTU) e imóveis rurais (ITR).

Não se pode confundir esse imposto com o imposto sobre herança, hoje cobrado pelos Estados. Chama-se Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD). Para que possa ser cobrado, o proprietário primeiro tem de morrer ou doar em vida.

Também é ponto pacífico entre os especialistas que a capacidade de receita é baixa. Não compensa o trabalhão que dá para arrecadá-lo (veja o gráfico). O manejo do Imposto de Renda parece muito mais eficaz como instrumento redistributivo.

Essas são as principais razões pelas quais esse imposto só foi adotado por um grupo restrito de países. E, na maioria deles, onde passou a ter vigência, foi logo abandonado. Assim aconteceu no Japão (1950), na Áustria (1994), na Alemanha, Irlanda e Dinamarca (1997), na Finlândia (2006), na Suécia (2007), na Grécia (2009) e na França (2018).

A OCDE publicou em 2018 um extenso documento (The Role and Design of the Wealth Taxes in the OECD) em que expõe suas dúvidas sobre a utilidade desse imposto. Entre os países da OCDE, atualmente só funciona na Suíça, na Espanha e na Noruega.