19 de outubro de 2020

SAVONAROLA: “TODO BEM E TODO MAL VÊM DE CIMA”!

“Todo bem e todo mal vêm de cima. Se os de cima pudessem mudar seu modo de proceder, transformariam essa república. Mas são tiranos, pois são orgulhosos, amam ser bajulados e não dão retorno de seus ganhos.

Tomam decisões secretas, favorecem os seus próprios, se rezam é por pessoas importantes, cobram tributos imorais ou injustos, não ouvem os argumentos dos pobres, ficam ao lado dos ricos e permitem aos seus a imposição de tarefas não remuneradas aos camponeses e aos miseráveis.  Atrasam processos judiciais. Deixam de punir funcionários corruptos e chegam a adulterar moedas.

Em vez disso, deveriam tentar fazer o povo feliz e empenhar-se pela paz, tentar alcançar a igualdade entre os cidadãos e lutar contra a avareza para assim reduzir as causas da inveja, do ódio e da dissensão”.

6 de abril de 1491 – Florença
Frei Girolamo SAVONAROLA.
Pregão aos chefes do governo no Palácio da Sinhoria.

16 de outubro de 2020

DIFERENCIAL DELTA E A FRAUDE ELEITORAL!

1. Na eleição para governador do Estado do Rio de 1982,  a consultoria responsável pelo processamento dos votos -Proconsult- ao meio de uma enorme polêmica sobre a fidelidade da apuração, destacou seu principal técnico para explicar. Este desenhou uma equação em que procurava demonstrar por que as pesquisas estavam equivocadas e o candidato do PDS -Moreira- venceria o candidato do PDT -Brizola.

2. Afirmava ele, e escrevia sua demonstração, que as pesquisas não levavam em conta o fato que a vinculação total do voto levava o eleitor de Brizola, em geral de menor instrução, a errar um dos votos, ao escrever seu voto na cédula. Com isso, o voto todo seria anulado, conforme a lei determinava.

3. As pesquisas não poderiam pré-identificar isso. E ele escrevia no papel a expressão: DELTA DIFERENCIAL. Ou seja, DELTA seria a diferença a menor para Brizola e a maior para o total dos nulos. E por essa razão ganhava Moreira.

4. A Rádio JB (Procopio Mineiro…) apurava o que podia, e mesmo sem poder concluir todos os votos, interrompeu a apuração e projetou que Brizola venceria. Mas o assessor de apuração do PDT -Cesar Maia- havia recolhido todos os boletins e, seu processamento dos votos, apenas um pouco mais atrasado que a Proconsul, demonstrava com provas documentais que o DELTA DIFERENCIAL era apenas uma hipótese, mas que não estava ocorrendo.

5. Na verdade, o que ocorria era uma fraude. O “diferencial delta”, era um desvio incluído no software, que ia transferindo votos válidos para nulos e, com isso, reduzindo a votação de Brizola e produzindo a vitória do candidato do PDS.

6. Ao meio da confusão e da polêmica, o presidente do TRE convocou as partes e perguntou o que diziam a respeito. Cesar Maia respondeu mansamente: “O PDT quer apenas a cópia das listagens da Proconsult, urna a urna, pois estamos processando tudo, boletim a boletim”. O ex-coronel responsável pelo CPD -centro de processamento de dados- de forma cortante disse: “Então começa tudo de novo”. O Presidente do TRE colocou a mão na cabeça e disse: “Meu Deus”! A foto desse momento foi colhida pela imprensa, que estava do lado de fora do pleno.

7. Nessa mesma eleição de 1982, o processamento do PDT demonstrou que, pelo menos, uma deputada havia tido seus votos subtraídos pelo sistema. O TRE acatou e lhe deu o mandato.

8. Quase quarenta anos depois, a memória desses fatos se faz necessária, pois essa fraude abriria um forte golpe no processo de democratização. Poucos anos depois, Brizola pediu que Cesar Maia assessorasse a deputada Erundina na apuração para prefeito de SP. Outra vez se evitou uma fraude, e o coordenador da campanha de Maluf registrou isso na entrada da TV BAND. Erundina entrevistada por Jô Soares foi acompanhada de Cesar Maia para qualquer dúvida a respeito.

9. Nos estudos realizados em série anterior, para a eleição de Erundina, Cesar Maia deduziu que o “diferencial delta” já havia sido usado antes, e pelo menos na derrota de FHC para Jânio.

15 de outubro de 2020

AULAS MAGISTRAIS DE TOMADAS DE DECISÕES!  FILMES  “DESTINO DE UMA NAÇÃO” E “THE POST”!

1. Oos filmes “Destino de uma Nação” e “The Post” deveriam ser usados nas aulas de administração, MBA…, na medida em que tratam do ponto crucial para a gestão, seja privada ou pública, em todos os campos e de todos os tipos.

2. Esse ponto fulcral é o processo de TOMADA DE DECISÕES, especialmente num ambiente, num cenário, de ampla incerteza e alto risco.

3. Por mais que os livros de administração e gestão abordem este tema, não conseguem alcançar a complexidade da realidade viva e vivida.

4. Os diretores Joe Wright e Steven Spielberg tratam de momentos complexos como o pré-Segunda Guerra Mundial e a liberdade de imprensa, quando os líderes ao meio de pressões externas e internas e conflitos com suas equipes tomam decisões que poderiam comprometer o Reino Unido e o ocidente, mudando a dinâmica do poder em nível mundial e a sobrevivência do jornal Washington Post e da própria liberdade de imprensa, se dobrando ao interesse do governo dos Estados Unidos.

5. Com a Alemanha nazi penetrando no norte da Europa e a desmontagem das grandes lideranças britânicas e primeiros ministros, Churchill, que antecipou por anos os riscos da emergência nazi, é convidado pelo Rei a assumir o poder. Organiza um governo de união nacional com a oposição trabalhista e com os ex-primeiros ministros, seus desafetos.

6. E tem um tempo exíguo, de dias -num quadro de total incerteza- para tomar a decisão de buscar um acordo com a Alemanha, defendido pelos ex-primeiros ministros que fazem parte de seu gabinete, ou romper com esta possibilidade e declarar guerra. Ao meio disso, seu exército está acuado nas praias de Dunquerque e não há frota para resgatar quase 400 mil homens.

7. No limite, Churchill, com apoio do Rei, convoca os barcos de todos os tipos -uma frota civil- para fazer este resgate e vai ao Parlamento declarar guerra à Alemanha. E toma a Decisão solitariamente, na medida em que os países europeus estavam imobilizados, os Estados Unidos se negavam a entrar na Guerra e a União Soviética tinha um tratado de não agressão com a Alemanha. E seu gabinete pressionava contra.

8. Joe Wright desenha em detalhes este cenário e Gary Oldman incorpora Churchill.

9. The Washington Post, um jornal de pequeno porte na época, enfrenta o desafio de investigar simultaneamente ao The New York Times como este acessou informações secretas sobre a Guerra do Vietnam. Depois do falecimento do dono do Washington Post, sua esposa, Kay Graham, assume a direção ao lado do editor Ben Bradley.

10. O cenário é de alto risco. Sem a estrutura do NYT, realizar uma investigação que terminou chegando ao conjunto dos documentos sobre os erros sequenciais de todos os governos de Truman a Johnson em relação ao Vietnam e as mentiras que usaram. Ao chegar aos documentos, Kay Graham -Meryl Streep- vive um drama de consciência pela amizade pessoal que ela e seu marido mantiveram e ela mantinha com McNamara.

11. A justiça americana proíbe o NYT de continuar com as matérias e aceita uma ação criminal proposta por Nixon pelos riscos que enfrenta o país com a abertura de documentos secretos. Os advogados do Post e a maioria de seu conselho de administração pressionam duramente Graham para não publicar os documentos. Bradley a apoia. O risco seria a falência e o fechamento de seu jornal.

12. Graham tem que tomar uma decisão sob quíntupla pressão: do governo Nixon, da justiça, de sua consciência pela amizade com McNamara, dos advogados e do conselho de administração do jornal. No final, no limite, ela toma a decisão de publicar os documentos e enfrentar o governo e a justiça. E Toma a Decisão solitariamente. A Justiça, por 6 x 3, apoia as teses do POST e do NYT em defesa da liberdade de imprensa.

13. As faculdades de administração, os MBAs, os mestrados e doutorados deveriam passar os filmes em auditório com debates simultâneos entre professores e alunos, com as interrupções necessárias para aprofundar os detalhes.

14 de outubro de 2020

“O PESSIMISMO DA INTELIGÊNCIA NÃO DEVE ABALAR O OTIMISMO DA VONTADE”!

1. Romain Rolland, escritor francês pacifista, prêmio Nobel de Literatura de 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, morando na Suiça, produziu textos e realizou os contatos que pode, no exterior, rompendo as barreiras que transformavam pessoas em inimigos por serem de países em guerra.

2. Stefan Zweig, em sua autobiografia, narra sua aproximação com Rolland e sua admiração. Em plena guerra, vai a Suiça para se encontrar-se com Rolland e intensificar os contatos entre intelectuais em defesa da paz.

3. Lenin, quando parte de trem blindado da Suiça (protegido pelos alemães interessados em desintegrar a Rússia czarista)  para finalmente chegar em Sâo Petersburgo, convidou Romain Rolland para acompanhá-lo nessa viagem e na Rússia. Rolland agradeceu, mas disse que sua luta não poderia ter cor partidária e permaneceu na Suiça.

4. O filósofo marxista Antonio Gramsci, em seus escritos quando estava preso, citou aquela frase de Rolland.

5. Esta frase passou a ser uma bandeira para todos os políticos –que a conhecem- e que num momento de dificuldades, crise e desafios, não se deixem impregnar pelo pessimismo que toma conta de muitos intelectuais.

6. É certamente a situação do Brasil, hoje: “O PESSIMISMO DA INTELIGÊNCIA NÃO DEVE ABALAR O OTIMISMO DA VONTADE”!!!!!

13 de outubro de 2020

GENERAIS MOLTKE E SCHLIEFFEN!

1. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, dois dos principais generais do exército alemão apresentaram seus planos para o conflito em duas frentes: oeste/França e leste/Rússia.  O Plano  Moltke -sobrinho do invicto general Von Moltke, de Bismarck- previa dividir o exército em duas partes iguais nas duas frentes.  Em ambas se colocaria na defensiva.

2. A França atacaria Alsacia-Lorena. Frustrada essa ofensiva, se passaria para o terreno político – a paz de compromisso, avançando os interesses germânicos.  Na Rússia faria o mesmo. Uma ocupação em fronteira, provocando a ofensiva russa. Após a inevitável vitória alemã, se passaria para o terreno político – a paz de compromisso em torno dos interesses alemãs.

3. O plano Schlieffen -chefe do estado maior do exército germânico- rechaçou a preferência de Moltke pelo compromisso político por cima da vitória total. Seu objetivo era uma vitória militar e  rendição incondicional. O  Plano levaria a uma vitória rápida e decisiva numa frente (oeste/França) e, em seguida, concentraria todas as forças no outro adversário (leste-Rússia), logrando a vitória em ambas as frentes.

4. Schliefen atacaria pela Bélgica, rompendo a sua neutralidade. Em seguida tomaria Paris e atacaria o exército francês pela retaguarda. E avançaria para o leste/Rússia com enorme superioridade. A vitória seria exclusivamente militar. Moltke lembrava que a Grã-Bretanha não admitiria quebrar a neutralidade dos países baixos. E que a ocupação da capital –Paris- obstruiria qualquer acordo de paz posterior.

5. Prevaleceu o Plano Schliefen. Um ciclo de mobilização e entusiasmo totais, da população, ofensiva…, até o desastre completo em 1918, retratado no clássico “Sem Novidade no Front (Lewis Milestone, 1930)”.

09 de outubro de 2020

CICLOS POLÍTICOS!

Há certa tendência do eleitorado em dar aos governos um prazo maior que o de um mandato para mostrar a que vieram. A reeleição é percebida como um mandato de oito anos, com “recall” no quarto.

Só um governo desastrado não consegue a reeleição. Mesmo aqueles com avaliação regular tendem a conseguir o segundo mandato, projetando expectativas a partir do tempo que precisam. E do uso da máquina. Nos regimes parlamentaristas, estes ciclos costumam ir além dos oito anos, mas raramente acima de 12 anos. Helmut Kohl, na Alemanha, foi uma exceção: governou 16 anos.

As razões para o esgotamento dos ciclos decenais sãoconhecidas. As expectativas excedem, e vem umjulgamento muito mais enérgico que no primeiromandato. O eleitorado muda, com a inclusão dos queeram jovens sem direito a voto antes. É o conhecido “desgaste de material” que o exercício do poder impõe.

“Desgaste de material” é quando o governante passa a ter a intimidade do eleitor e perde a capacidade de criar expectativas e de surpreender.

A sensação de que as mudanças, ou mais mudanças, não virão estimula o eleitorado a buscar a alternância.

No entanto, nada disso é automático, e menos ainda compulsório. Depende da oposição. Quando uma força política, ou uma coligação, vê seu ciclo terminar e toma isso como fracasso seu, e não como a alternância de ciclos, produto da tendência natural do eleitor, se precipita e passa a se autoflagelar. E, assim, transforma em desastre uma derrota natural e previsível.

O novo ciclo, que poderia ser mais curto, termina sendo mais longo, pela fragilização da oposição. A entrada de um novo ciclo político exige das forças políticas questão fora da nova onda paciência e talento. Paciência para entender esse processo e não ter crises de ansiedade. Talento para encurtar a duração da nova onda.

Por aqui, um novo ciclo atrai políticos de um lado paraoutro. Nos países em que o voto é distrital ou em lista, com poucos partidos, isso não ocorre. Num país federado e continental como o Brasil, esses ciclos se dão também em nível regional. E o que se vê, país afora, é uma ingênua e imprudente autoflagelação dos perdedores. Paciência e talento aos perdedores.

08 de outubro de 2020

A ILUSÃO DOS APOIADORES FAMOSOS NAS CAMPANHAS ELEITORAIS!

1. O ciclo dos marqueteiros, a partir do processo de democratização, trouxe para o centro do palco testemunhais de dois tipos. De um lado a impessoalidade dos que seriam beneficiários potenciais com as medidas a serem adotadas no caso de vitória. De outro os famosos, apoiadores –artistas, esportistas, intelectuais…- que além de legitimar a candidatura, ainda atrairiam votos. Será?

2. Certas campanhas eram quase que uma disputa entre times de apoiadores.  O recorde foi conseguido por Lula no segundo turno da eleição presidencial de 1989.  Um enorme coro de famosos cantando o seu jingle. Progressivamente, os apoiadores famosos passaram a dar depoimentos contundentes.  O contraponto FHC x Lula – mãe e filha atrizes, em 1998 em torno dos riscos de uma eleição de Lula, ganhou destaque.

3. O tempo foi mostrando que a importância dos apoiadores famosos, para atrair novos votos, novos eleitores, era mínima ou nula. Como elemento de legitimação para os próprios eleitores do candidato, funcionava, não aumentando o número de eleitores, mas dando entusiasmo e justificativa aos que já eram eleitores do candidato.

4. Os exemplos são múltiplos. Como dizia um marqueteiro anos atrás: “Se fosse por apoiadores famosos, Maluf não ganharia uma eleição”.

5. Quando um apoiador famoso aparece na TV defendendendo um candidato, há uma regra de ouro, mesmo para a legitimação. Só funciona quando apoiador e apoiado têm um perfil convergente – seja ideológico, seja programático. Quando o apoiador famoso aparece na telinha testemunhando a favor de um candidato cujo perfil é o inverso do seu, o candidato não ganha nada, mas o apoiador pode perder. Os testemunhais de apoio a Collor, em 1989, são exemplos disso.

6. Em nível municipal –pela proximidade dos temas- estes dois fatores dos testemunhais de famosos –inutilidade por perfis distintos, ou legitimação para os mesmos- se dá de forma muito mais intensa. No Rio, quatro eleições para prefeito foram paradigmáticas nestes sentidos: 1992, 1996, 2000 e 2008, por se tratarem de eleições competitivas. E ficou demonstrado o binômio: inutilidade e legitimação.

7. Ou seja, por um lado, nem um voto a mais foi conquistado pelos testemunhais de famosos. Por outro, em casos específicos, a legitimação por perfis convergentes gerou entusiasmo.

07 de outubro de 2020

FOUCHÉ: DESTAQUES DE SUA BIOGRAFIA, POR STEFAN ZWEIG!

Joseph Fouché (1759-1820). Ministro durante a Revolução Francesa e a Era Napoleônica. Criticado por sua falta de caráter. Citado como fundador da Ciência Polítca Contemporânea. Para Balzac, era “um gênio singular”. Na lista de políticos que traiu estão Robepierre, Barras, Collot, Talleyrand e Napoleão. Sempre à sombra do poder.

1. Porque só conhece a vida quem já mergulhou nas profundezas. Só um revés confere ao homem sua força impetuosa integral. Principalmente o gênio criador precisa desta solidão temporária forçada para medir, das profundezas do desespero, do exílio distante, o horizonte e a extensão de sua verdadeira missão.

2. Também na esfera inferior, terrestre, do mundo político, uma retirada temporária confere ao estadista uma nova percepção, uma reflexão mais aguda e uma forma melhor de calcular o jogo das forças em ação. Por isso, nada de melhor pode acontecer a uma carreira do que a sua interrupção temporária, pois quem sempre vê o mundo do alto de uma nuvem, do alto da torre de marfim e do poder.

3. Só conhece o sorriso dos submissos e a sua perigosa solicitude. Quem tem sempre nas mãos o poder esquece o seu verdadeiro valor. Nada enfraquece mais o artista, o general, o estadista do que o sucesso permanente de acordo com a vontade e o desejo.

4. Só no fracasso o artista conhece a sua verdadeira relação com a obra, só na derrota o general reconhece seus erros e só na desgraça o estadista adquire verdadeira clarividência política. Uma riqueza constante torna o homem frouxo, aplausos constantes entorpecem, só a interrupção confere nova tensão e elasticidade criadora ao ritmo que se desenrola no vácuo.

5. Só a desgraça abre uma perspectiva profunda e larga da realidade do mundo. O exílio é uma dura lição, mas todo exílio significa ensinar e aprender: ele forma a vontade do fraco, torna decidido o indeciso e torna mais rígido ainda quem já é severo. Para o homem verdadeiramente forte, o exílio não reduz, antes aumenta sua força.

06 de outubro de 2020

ESTABILIDADE DO PERCENTUAL DE INTENÇÃO DE VOTO NÃO SIGNIFICA ESTABILIDADE DOS ELEITORES!

1. Quando se lê uma pesquisa de intenção de voto, onde um candidato mantém seu percentual, não se pode imaginar o movimento dos que abandonam a candidatura e dos que entram na candidatura. Uma mesma porcentagem não significa que sejam os mesmos eleitores.

2. Para identificar esses movimentos, institutos de pesquisa nos EUA realizam uma volta ao entrevistado. O instituto GPP, no Brasil, usa essa metodologia, que chama de Grupo Controle.

3. Como é feita? Durante uma pesquisa, o entrevistador pergunta ao entrevistado se poderia dar seu telefone e ser contatado posteriormente. Numa pesquisa de 800 entrevistas, umas 150 a 200 concordam em dar seu telefone. O entrevistador marca o questionário.

4. Quinze dias depois, se telefona a estes e se pergunta em quem vai votar, numa pesquisa telefônica de intenção de voto. Se o eleitor confirma o mesmo nome que marcou antes, apenas se arquiva. Se o eleitor informa um nome diferente, o entrevistador pergunta por que fez agora essa opção. As respostas sobre saídas e entradas são anotadas.

5. Depois se agrupam -entradas e saídas- e se tem um quadro das razões, que subsidiarão a comunicação eleitoral do candidato adversário.

6. Para que serve o Grupo Controle? Primeiro para se analisar as razões de saída e de entrada de eleitores e, com isso, orientar a comunicação. Segundo, para se avaliar a efetiva estabilidade das intenções de voto. No caso citado, numa grande capital, os 20% de volatilidade do voto, mantida a mesma intenção de voto, significa que um fato novo pode desestabilizar o favorito.

7. A mera pesquisa de intenção de voto pode significar uma falsa estabilidade e a surpresa para muitos de mudança no final da campanha, já era perfeitamente previsível antes. E reforçada e acelerada pelo uso, por outro candidato, das razões de saída do voto do líder das pesquisas.

05 de outubro de 2020

RECADOS AOS NOSSOS POLÍTICOS!

1. Felipe Gonzalez (2002): Os partidos são projetos de ideias e não aglomerado de interesses. São também sentimentos compartidos internamente, e com a sociedade.

2. Charles De Gaulle (1932): Não pode haver prestígio sem mistério. Ninguém é herói de seu companheiro de quarto. \ O preço que um líder tem que pagar pela liderança é a incessante e obsessiva auto-disciplina, a
disposição constante de correr riscos, e uma perpétua luta interior.

3. Friedrich Nietzche (1890): Substituir o homem que tenta conservar-se pelo criador, pelo inovador.

4. Paulo Coelho (2003): É assim que se sustenta uma história: através do inesperado. Sempre através do inesperado.

5. David Walker (2001): A medida da qualidade de um político está em levar os eleitores e correligionários a agirem contra seus juízos anteriores. Nesse sentido, Disraeli e Robert Peel foram maiores que Churchill.

6. Groucho Marx (1930): Estes são meus princípios. Mas, se você não gostar…, tenho outros.

7. W. Shakespeare (1604): Não existe virtude que a calúnia não saiba atingir.

8. Marcel Ragner: Culpados? Melhor escolhê-los do que procurá-los.

9. François Mitterand (1990): A política é sempre frágil.

10. J. Goebells (1937): A diversão (entretenimento, distração) é a base da propaganda. \ Ironia é para intelectuais; o homem simples não a entende. \ As grandes mentiras acabam aparecendo.

01 de outubro de 2020

ILUSÃO DE INTIMIDADE!

Numa consulta em 1992, Glorinha Beuttenmüller disse que a TV produzia uma intimidade entre espectador e “ator”. E que isso valia para os políticos. Portanto, estes, no contato pessoal, deveriam retribuir esta intimidade.

Nestes cinco anos, o impacto da TV na política diminuiu: menos TVs ligadas, zapeamento, troca com a internet, pela sensação de uma novela já vista várias vezes. No Brasil, isso foi sentido em 2004; nos EUA, demonstrado na eleição de 2008. O uso crescente da internet na política é causa e efeito disso. Vale a pena retornar ao auge da TV na política e a seus pesquisadores, comparando aos dias atuais.

Destaco aqui um clássico dessa época: “The Reasoning Voter” (1991), de Samuel Popkin (traduzido para circulação restrita). Popkin dizia que o eleitor usava atalhos para obter informações e, com esses, decidia. Hoje há uma excitação do fator emocional em campanhas. A questão dos “atalhos” de Popkin pode ajudar a entender melhor o processo de formação de voto, sem abusar da emoção.

Popkin dizia que o crescimento na audiência dos noticiários da TV produziu uma guinada histórica em direção a uma política centrada no candidato. Esse jornalismo político mostrou-se mais nacional e mais centrado nos políticos individualmente do que nas instituições. As questões regionais foram perdendo força. A intensidade maior é na pessoa do presidente, mesmo quando se trata de assunto econômico, o que faz os eleitores relacionarem a maior parte dos fatos ao próprio presidente. A TV ressalta o presidente como um politico sempre em eleição.

O uso da TV pelos candidatos  reforça essa regra: na hora do voto, quanto mais dinheiro se gasta em mídia, mais os fatores pessoais predominam sobre os fatores partidários. As considerações políticas são mero pano de fundo sob o qual se desenrolam as questões pessoais.

O noticiário na TV retrata a política como conflitos entre pessoas, e não entre instituições ou princípios. Os debates tornaram-se uma espécie de seriado universal. E conclui com Scott Keeler (texto do mesmo nome, 1987) afirmando: a TV cria uma “Ilusão de Intimidade”.

Desse ponto, voltemos à percepção recente de que a TV perdeu impacto sobre a política. É verdade, muito menos pela comunicação em si e muito mais pelas novas interveniências. O texto de Popkin continua atual. Só que hoje o mesmo impacto da TV na política sofre interferências de outros meios, seja por alternativa, seja por espalhamento, seja por interação.

A mesma TV, com os mesmos elementos, só produzirá o mesmo impacto se usar bem essas relações.

30 de setembro de 2020

RUPTURA DO DESASTRE!

Dois conceitos deveriam ser caros aos políticos. Um de Gladwell -“Tipping Point”- e outro tendo como referência a Teoria da Catástrofe de René Thom. O primeiro é quando um evento de pequena escala produz um ponto de ruptura ou inicia esse processo. O segundo estuda as causas de eventos naturais em ruptura quando tudo parecia normal.

As equações de previsão são de alta complexidade. No final de um pequeno livro, Woodcock e Davis a adaptam para a política. Exemplificam com a militarização do Império Romano, transformando as relações de produção no campo pelo uso de escravos, formando um exército de cidadãos. O sistema foi ruindo silenciosamente. É como um processo político onde os elementos de ruptura são correntes submersas. Quando afloram, sugerem imprevisibilidade.

Na Primeira Guerra Mundial, quando a Alemanha mudava o quadro a seu favor, decidiu por um bloqueio naval, pela dificuldade em ocupar a ilha. O que não previa é que estava mexendo com os exportadores dos EUA. A pressão empresarial para entrar na guerra foi irresistível.

A combinação desses dois conceitos é básica na política, pela diversidade e velocidade dos fatos, e com isso a possibilidade de pequenos impactos, invisíveis, se tornarem viróticos.

29 de setembro de 2020

PROGRAMAS/COMERCIAIS ELEITORAIS NA TV, NO BRASIL, E AS LIMITAÇÕES PARA A COMUNICAÇÃO!

1. A professora e pesquisadora norte-americana Kathleen Jamieson, uma das mais importantes autoridades em comunicação política e autora de vários livros, realizou, no início dos anos 90, uma enorme pesquisa desde a Universidade da Pensilvânia sobre as eleições presidenciais norte-americanas de Kennedy a Clinton. Trabalhou com 5 mil pesquisadores.

2. No final, as conclusões da pesquisa foram publicadas em um livro com o nome “O que você pensa que sabe sobre política e por que você está errado”. Esse livro não foi ainda traduzido para o português.

3. Uma das conclusões mais importantes foi testar que tipo de comercial de trinta segundos é o mais efetivo sobre os eleitores. Jamieson agrupou os comerciais em três tipos: comerciais defensivos, comerciais negativos e comerciais de contraste.

4. Os comerciais defensivos são aqueles que os candidatos dizem o que fizeram, dizem o que pensam, enfim, falam bem de si mesmos e de seus governos ou de seus mandatos. Os comerciais negativos são aqueles que os candidatos atacam seus adversários, mostrando os erros em seus governos ou no exercício de seus mandatos.

5. Finalmente, os comerciais de contraste são aqueles que os candidatos, ao afirmarem suas posições, contrastam com as posições dos adversários sobre aquele tema. Os amplos testes feitos foram agrupados como conclusões. Os comerciais que menos efeito tem sobre a decisão de voto e a memória do que foi dito são os comerciais defensivos.

6. Os comerciais negativos criam certo desconforto no expectador quando são vistos. Mas depois disso, geram muito mais memória que os defensivos e têm muito maior efeito sobre o voto. Jamieson considera os comerciais defensivos fracos sobre o voto e a memória e os comerciais negativos regulares sobre voto e memória, mas de bem maior impacto que os defensivos.

7. Finalmente, os comerciais de contraste de longe são os que produzem maior impacto sobre a memória e a decisão de voto.

8. No Brasil, a legislação eleitoral proíbe os ataques de uns –em seus programas- sobre outros, especialmente com o uso da imagem dos adversários, coisa que é liminarmente proibida com perda de tempo de TV e direito de resposta. Dessa forma, proíbem, e por proibir, inibem os comerciais negativos e de contraste.

9. Sendo assim, abrem-se todas as portas e janelas para quem tem mais tempo de TV, pois pode falar a vontade de seus feitos –mesmo que ficcionais- e se sentem protegidos pela legislação. Com isso, com estas limitações, os eleitores ficam pouco informados diretamente pelos programas/comerciais eleitorais e ficam dependentes da imprensa.

10. Ou seja, a legislação termina estimulando a ficção eleitoral e a desinformação do eleitor –impedindo o debate publicitário entre candidatos. Para ativar a crítica ou o contraste, resta contar com a imprensa. Ou, agora, as redes sociais.

28 de setembro de 2020

PESQUISAS ELEITORAIS!

Sempre que as pesquisas eleitorais são publicadas, surgem os questionamentos. Em geral as críticas se baseiam nos resultados diferentes entre institutos, além da margem de erro. Uma pesquisa de opinião pública, sobre qualquer questão, depende de a informação ter chegado às pessoas. Fazer uma pesquisa de opinião no Brasil sobre os conflitos subnacionais na Bélgica neste momento não dará nenhum resultado, mesmo que parte das pessoas marque uma resposta. Da mesma forma, quando a informação a ser pesquisada é restrita, a pesquisa não testa opinião pública. Por exemplo: você acha que o Copom vai aumentar, diminuir ou deixar os juros iguais?

O processo básico para que uma pesquisa eleitoral traduza o que pensa a opinião pública é que o “jogo de coordenação” (expressão técnica) tenha se desenvolvido. Num processo eleitoral, a opinião das pessoas vai se formando em contato com a opinião de outras pessoas.

Elas recebem informações dos candidatos e dos meios de comunicação e conversam entre si. É esse processo de tomada de decisão, a partir das conversas entre as pessoas, o que se chama de “jogo de coordenação”. Longe do processo eleitoral, quando os partidos ainda não iniciaram suas campanhas, sem sua própria TV/rádio, e a imprensa ainda não priorizou a cobertura, as informações que chegam aos eleitores ainda são diluídas. Vale a memória dos nomes.

Mas quando o processo se abre e a mídia amplia os espaços eleitorais é que se inicia o “jogo de coordenação”. Os candidatos procuram colocar seus nomes e propostas no meio desse “jogo”, assim como desqualificar os seus adversários. As pessoas passam a tratar do tema progressivamente. O “jogo” esquenta quando entra a TV dos candidatos.

As pesquisas, portanto, medem, de início, opiniões frias, e vão retratando de forma crescente a tendência efetiva da opinião eleitoral, a meio do “jogo de coordenação”.

Os fatos eleitorais vão afetando esta opinião pública, mantendo ou alternando tendências. Dessa forma, as pesquisas divulgadas nestes meses falam da opinião pública, antes do “jogo de coordenação”.

Os candidatos, em suas campanhas, vão influenciando esse “jogo” de maneira a que as conversas estimuladas pela propaganda, direta e indireta, produzam, no final, decisões a seu favor.

E as pesquisas, que no início apenas faziam diagnóstico, no final passam a fazer prognóstico.

25 de setembro de 2020

URSS: A LIBERTAÇÃO!

Em 1971, a TV soviética realizou uma superprodução cobrindo os anos 1943-45: “Libertação”. Esquecida nos anos 80, recuperada em 2003, foi remasterizada em 2009.

Sob a direção de Yuri Ozerov, e supervisão de militares, é uma série tipo HBO, onde as cenas e os atores buscam a fidelidade dos fatos, nomes e imagens. Os atores falam a língua dos personagens. A tradução ao russo vem em locução simultânea, facilitando a reprodução com sublegenda.

A série dá a versão oficial da URSS. Em julho de 1943, a batalha de Kursk dá início à ofensiva do Exército Vermelho, que só terminará em Berlim, em abril de 1945.

Stálin é suavizado e exaltado como estrategista militar, alterando decisões de seus marechais. Assim como Stálin, que após a guerra reduziu a importância do marechal Zhukov, a série vai igualando Zhukov aos outros marechais.

Com os soviéticos já na periferia de Berlim, Stálin ordena dois marechais a desviarem suas tropas e avançarem para a cidade, para que Zhukov não tenha a glória sozinho.

Equilibrando a versão ocidental das “resistências” francesa e italiana, o filme destaca os “partisans” de Belarus (antiga Bielorrússia), da Ucrânia, da Polônia e da ex-Iugoslávia, mostrando-os sincronizados com o Exército Vermelho e incorporando-se aos batalhões.

Na reunião de Teerã, Churchill defende a segunda frente nos Bálcãs, enquanto Stálin e Roosevelt, na Normandia.

Roosevelt comenta que Churchill já está preocupado com o pós-Guerra e a presença soviética. Há a cena do encontro de Allen Dulles [da CIA] com um enviado de Hitler, onde discutem uma trégua de cem dias, para que o Exército alemão concentre todas as forças no leste, contendo o bolchevismo. Em Ialta, Stálin mostra a foto que seu agente tirou e pede lealdade. Roosevelt não nega, mas afirma que não aceitou. Stálin rasga a foto.

Churchill e Stálin mostram satisfação com o fracasso da Operação Valquíria, que poderia ter impedido a vitória total e arrasadora. Seis meses após a invasão da Normandia, Stálin recebe uma correspondência de Churchill, pedindo que acelere a ofensiva, pois a situação é grave pela contra-ofensiva dos alemães.

Churchill aceita o pedido e antecipa a ofensiva, sabendo que produzirá baixas adicionais pelas condições do tempo e uso de aviões. Com os russos próximos a Berlim, o Estado-Maior anglo-americano dá ordem para avançar a toda velocidade, evitando o controle total pela URSS.

O filme dá nova versão das mortes de Hitler e Goebbels: não se suicidaram, sendo mortos por sua guarda. E fecha com estatísticas, contrastando os 350 mil mortos, cada, de ingleses e americanos, com 7 milhões de poloneses, 10 milhões de alemães e 20 milhões de soviéticos. Uma série para ver e avaliar.

24 de setembro de 2020

SEGUNDO TURNO!

Uma eleição em dois turnos tem uma dinâmica própria. Em 1999, o Instituto Friederich Nalmann, da Alemanha, realizou em Montevidéu um seminário sobre os mistérios da “balotage” num quadro pluripartidário.Esses mistérios são como desenvolver o primeiro turno de forma a construir a ponte para agregar forças num segundo turno.

Isso terá que se dar na comunicação dos candidatos e suas propostas. Uma primeira análise é saber para quais dos demais candidatos os seus eleitores poderiam, num eventual segundo turno, serem atraídos para a sua candidatura. De nada serve escolher um candidato de amaciamento, se seus leitores são antípodas à sua candidatura.

Entre as hipóteses de amaciamento, há que se escolher uma delas. Esta escolha terá dois aspectos. Primeiro, não pode chocar os seus próprios eleitores. Segundo, deve ser uma candidatura com lastro de forma, que valha a pena amaciar.

Amaciamento é encontrar qualidades num adversário ou, no mínimo, não atacá-lo e deixar isso claro aos eleitores dele. Mas há um risco.

Se o candidato de amaciado tem lastro, ou seja, intenções de voto significativas, esta tática sempre ajudará que este cresça e o ultrapasse. De qualquer forma, esse amaciamento é decisivo, pois esta agregação de votos no segundo turno é que trará a vitória. O desespero de ir para o segundo turno, muitas vezes, torna inviável a própria candidatura no segundo turno.

Portanto a agressividade deve ser medida, pela oposição ou pelos candidatos da base do governo. Em geral, os candidatos só se fixam no primeiro turno, deixando o segundo para depois, e isso pode ser fatal.A ansiedade sempre vem, pois a escolha do amaciado atrasa a agregação de votos. Mas será a pedra de toque da vitória no segundo turno.

Quem será escolhido para amaciamento? Se for quem troca votos com ele, essa troca poderá lhe ser incômoda, mas necessária. O adversário favorito para o segundo turno é que não poderá ser, pois esse deveria chegar ao segundo turno com o máximo desgaste.

23 de setembro de 2020

POLÍTICA E CONTROLES!

O sistema de controles sobre o Poder Executivo é subdividido em externo -exercido pelos Tribunais de Contas (TCs)- e interno, exercido pelo próprio Poder Executivo.

O controle interno tem duas vertentes: a jurídica e a financeira. São quatro instâncias: 1) a contabilidade/auditoria, que realiza e analisa os registros, 2) a Procuradoria, que faz a advocacia do Executivo junto ao Judiciário, 3) as assessorias jurídicas, que avaliam a legalidade dos atos, e 4) as inspetorias de finanças, que inspecionam e auditam a legalidade sob os prismas financeiro e orçamentário.

As duas últimas são subordinadas aos ministros ou secretários estaduais/municipais de cada pasta. Esse tipo de controle interno tradicional nada garante.

Os assessores jurídicos e inspetores de finanças são cargos de confiança dos ministros/ secretários e funcionam como “legalizadores” dos seus atos.

As procuradorias atuam para fora. O sistema de contabilidade, em geral, se limita a analisar a formalidade das informações recebidas.

Essa ausência, de fato, de controle interno explica grande parte das distorções e desvios que ocorrem no setor público brasileiro.

O controle externo não tem a capilaridade do interno. Os dois deveriam ser complementares, mas, para isso, o interno deveria ser profissional e independente.

O controle interno jurídico inexiste, uma vez que as procuradorias atuam para fora. Se as procuradorias atuassem como controle jurídico interno -de forma independente-, seria possível obter a capilaridade requerida.

As reformas do Estado para dentro ainda não foram realizadas. As reformas para fora -a fiscal, a monetária, a patrimonial, as agências reguladoras- atingem as relações dos governos com a sociedade.

Não se criou ainda um efetivo controle interno. Esta é uma reforma urgente: o controle interno como função de Estado.

As procuradorias devem exercer simultaneamente a advocacia externa e o controle jurídico interno, assumindo as assessorias jurídicas com procuradores concursados, sem indicação política.

A contabilidade/auditoria deve ser transformada em controladoria -com a centralidade da contabilidade e das auditorias- e, de modo descentralizado, com contadores/auditores concursados e sem indicação política nas inspetorias de finanças.

Numa etapa mais avançada, os assessores/procuradores e inspetores/auditores deixariam de ter alocação por pasta, passando a funcionar em “pool” com os processos de qualquer área, em rodízio.

Os desvios de origem seriam minimizados, o que evitaria a maior parte dos fatos e atos ilegais e irregulares que aparecem todos os dias na imprensa.

 

22 de setembro de 2020

JACQUES SÉGUÉLA: “POLÍTICO QUE MUDA DE PERSONAGEM NÃO PRODUZ MAIS EMOÇÃO”!

1. Jacques Séguelá –por décadas- foi o principal especialista em comunicação política na França. Assessor de Imagem de François Mitterrand, nunca tocou no perfil, seu timbre de voz, seu estilo, enfim, seu personagem e assim ajudou Mitterrand a ser considerado o melhor político europeu no uso da TV.

2. Jacques Séguéla escreveu um clássico da comunicação política narrando sua experiência de anos com Mitterrand: “Em nome de Deus”, infelizmente não traduzido para o português.

3. Dois pontos podem ser destacados do livro. Um deles, quando analisa a influência do publicitário na imagem existente do político. Séguéla diz: A cena política apenas parece com a cena teatral. Mas há uma diferença fundamental. Quando o ator muda de personagem, continua a provocar emoções. Quando o político tenta mudar de personagem, não produz mais nenhuma emoção.

4. Séguéla fundou a escola francesa de comunicação política. Essa tem uma diferença básica da escola norte-americana. Para a escola americana (lembrar Reagan, Clinton…), todo dia é dia de eleição. Ou seja, a exposição do ‘presidente’ deve ser diária. Séguéla pensa de forma contrária. Ele diz: “A exposição do político é como se expor ao sol. Um excesso de exposição produz queimaduras, às vezes de terceiro grau.

5.  O aconselhável é como nado borboleta ou golfinho: levanta, aparece, mergulha se protege. Assim, nunca terá uma queimadura com essa exposição alternada ao sol”.

21 de setembro de 2020

DEMOCRACIA, VERACIDADE E ‘FAKE NEWS’!

(Celso Lafer – O Estado de S. Paulo, 20) Uma das dualidades do significado da palavra política é a da interconexão de política-realidade com política-conhecimento. O desafio resulta de que a percepção da realidade integra a realidade política. A percepção das realidades políticas leva a avaliações, mais elaboradas ou mais toscas, que vão guiar a ação e a sensibilidade das pessoas.

A democracia parte do pressuposto do exercício em público do poder comum, pois o que é do interesse de todos deve ser do conhecimento de todos. Daí o tema da transparência do poder, que enseja a avaliação pela cidadania da atuação dos governantes. Por isso informações exatas e honestas são fundamentais na democracia, para a apropriada percepção da realidade.

Nessa linha, afirma Rui Barbosa: “O poder não é um antro, é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol”. Por isso, “o maior, o mais inviolável dos deveres do homem público é o dever da verdade: verdade nos conselhos, verdade nos debates, verdade no governo”. Daí sua crítica à mentira nas instituições e às falsificações públicas e o papel da imprensa como a “vista da Nação”. Por ela, esclarece, é que “a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que se lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam”.

É inegável que, nas circunstâncias atuais, com a plena liberdade de expressão, a imprensa de qualidade em nosso país tem cumprido a função de “vista da Nação”, preconizada por Rui.

Nas sociedades urbanas industriais do século 20 nunca foi simples para a imprensa ser a “vista da Nação” e assegurar a difusão da informação exata e honesta. Ela sempre operou no tempo do incessante metabolismo de dar notícias e informar com regularidade, tendo como foco aquilo que capta a atenção de seus múltiplos destinatários. Os meios de comunicação de qualidade, no entanto, sempre se preocuparam nas suas atividades com a sua reputação e confiabilidade.

As sociedades contemporâneas do século 21 operam numa nova realidade trazida pelo advento da era digital, que ampliou de maneira inédita e positiva o acesso à informação. No entanto, o fragmentário de sua difusão e circulação sem as tradicionais pautas de responsabilidade confiável tem o seu impacto na vida da democracia.

A democracia requer, como diz Bobbio, confiança. A confiança recíproca entre os cidadãos e a confiança da cidadania nas instituições. Esta confiança, por sua vez, requer a transparência, que pressupõe no espaço público a boa qualidade da informação necessária para a adequada percepção da realidade política.

Essa confiança está em falta. Esse desafio confere nova dimensão ao tema da veracidade na esfera pública vitimada pelo esconder e pelo destruir, propiciado pela técnica. É o que coloca em novos termos a clássica reflexão sobre a mentira na política e os modos de operar da razão de Estado, seja como atualmente se oculta a informação para impedir a transparência do poder, seja como se falsifica a informação que circula no palácio e na praça para atingir finalidades de política interna e externa.

A verdade da política é a verdade factual, a dos fatos e eventos a partir dos quais se avalia a realidade e se formam as opiniões. O oposto da verdade factual não é o erro, a ilusão ou mesmo a opinião, mas, sim, a falsidade e a mentira, como ensina Hannah Arendt.

A verdade factual é uma verdade frágil, porque pode ser vítima da manipulação dos fatos para denegar a aceitação da realidade. Pôr em questão a estabilidade da realidade factual pelo negacionismo tira das pessoas o chão da tessitura do real, a partir do qual se constrói na democracia o terreno comum, inerente à pluralidade da condição humana. Compromete a confiança que requer a boa-fé, seja na acepção subjetiva de uma disposição de espírito de lealdade e honestidade ou na acepção objetiva da conduta norteada por essa disposição.

A fragilidade da verdade factual aumentou exponencialmente na era digital. É o que acontece com o impacto falsificador das fake news, que se tornaram a má moeda do livre curso na vida política, que amplia, pelas redes sociais, a intransitividade da Torre de Babel, impedindo a comunicação de boa-fé.

É o que também acontece com a ampla circulação das máquinas de ódio e os linchamentos virtuais, que ensejam as “bolhas” autorreferidas que impedem a interconexão da cidadania no espaço público, favorecendo a “ascensão aos extremos” clausevitzianos da guerra.

Neste contexto cabe preconizar, sem censura, um direito à verdade da informação exata e honesta. Entre os caminhos que têm sido aventados está o da autorregulação regulada das plataformas digitais, que têm caráter eminentemente público, apesar da dimensão privada de sua propriedade e de seus usuários.

Diz um provérbio judaico que a verdade nunca morre, mas leva uma vida miserável. É preciso, na era digital, conter a miserabilidade que vitima a verdade factual e compromete a democracia.