15 de junho de 2021

O BRASIL IMPORTA INFLAÇÃO!

(Nathan Blanche, economista e sócio da Tendências Consultoria Integrada – O Estado de S. Paulo, 12) Fomos todos surpreendidos com os últimos dados e previsões da inflação para 2021. No início do ano as previsões da inflação para este ano eram de 3,5%. Nesta semana, os dados acumulados do IPCA em 12 meses em maio já haviam atingido 8,0% e deve fechar o ano na casa de 6,0%.

No mercado internacional o cenário não é muito diferente. Os Estados Unidos e a zona do euro foram surpreendidos com a enorme alta dos preços e indicadores da inflação tanto no atacado quanto no varejo, confirmando essas pressões.

Sem dúvida, este é o resultado do enorme esforço dos bancos centrais (BCS) em incentivar a retomada do crescimento de suas economias.

Conforme dados do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), seu balanço sofreu aumento de US$ 4,15 trilhões para US$ 7,9 trilhões até maio de 2021, representando alta de US$ 3,75 trilhões. O Fed segue comprando US$ 120 bilhões/mês em ativos.

Já na zona do euro, o Banco Central Europeu elevou seu balanço nesse mesmo período em € 3 trilhões.
Somando o aumento de liquidez proveniente desses dois maiores BCS do mundo tem-se US$ 7,35 trilhões, isso equivale a 20% do PIB dessas duas regiões.

A estes poderíamos somar o aumento de liquidez de outros BCS, como o da Inglaterra, do Japão e de outros.

Difícil chegar a um número preciso do aumento dessa liquidez e seus efeitos em termos de oferta de crédito e aumento da demanda agregada no mercado mundial.

Para termos uma ideia da pressão de preços resultado do aumento de liquidez, o preço dos automóveis usados nos Estados Unidos (claramente por falta da oferta de novos) subiu 7,3%.

Sem dúvida, fica mais fácil identificar uma das fontes de pressão para a produção de carros novos, que é a alta no minério de ferro na ordem de 160% entre maio/21 e fevereiro/2020.

Em relação aos preços da tonelada/soja, o aumento foi além de cerca de 80% no mesmo período.

Para completar e entender a alta generalizada dos preços em nível mundial, e principalmente das commodities, o crescimento da China para este ano deve atingir 8,5%.

Essa correlação de preços externos com internos pode ser mais bem observada pela evolução do índice de commodities (IC-BR) produzido e divulgado pelo Banco Central.

Esse indicador é construído com base nos preços das commodities agrícolas, metálicas e energéticas em dólar ($) e convertidos para real (R$).

O movimento das commodities tem como pano de fundo o forte aumento da liquidez nos mercados internacionais.

Esse processo ajuda a explicar a boa performance de nossas contas externas, com robusto saldo da balança comercial. Em 2020, o superávit da balança comercial foi de US$ 50,4 bilhões e para 2021 a previsão é de US$ 70 bilhões.

Se, de um lado, tem promovido um saldo mais robusto da balança comercial brasileira, por outro lado, a alta dos preços pressiona a inflação interna.

Esses indicadores mais favoráveis para a economia brasileira em parte camuflam um quadro fiscal ainda muito delicado que pode comprometer o crescimento do País, se assim continuar.

As incertezas prevalecem na economia, com a falta de solidez nos fundamentos econômicos principalmente em sua dimensão fiscal.

Na comparação do Brasil com quatro países em desenvolvimento na América Latina (Chile, Colômbia, México e Peru), nas contas externas somos campeões, pois o Brasil detém reservas suficientes para pagar 114% da dívida externa, enquanto a média dos quatro países citados é de 54,5%.

Mas onde estamos cada vez mais indo para o brejo é na relação dívida bruta x PIB. Na média dos quatro países a relação é de 48,4%, enquanto no Brasil é de 98,4%, ou seja, um nível quase 50% mais elevado.

14 de junho de 2021

O QUE ESPERAR DE PEDRO CASTILLO!

(Andrea Moncada, analista e coordenadora da seção de opinião do jornal ‘El Comercio’. Leciona Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Esan – O Estado de S. Paulo, 12) Apesar de votos ainda estarem sendo contados, parece que Pedro Castillo, professor de origem camponesa e plataforma socialista, será o novo presidente do Peru. Praticamente desconhecido como candidato antes de subir surpreendentemente nas pesquisas e vencer o primeiro turno da eleição, em 11 de abril, Castillo tem propostas para a economia que causam alarme e incerteza entre as elites econômicas do Peru, que temem que sua presidência porá fim ao modelo econômico de livre mercado que vigora no país desde os anos 1990.

A maior promessa de Castillo tem base numa mensagem simples que ele repetiu várias vezes durante a campanha: “Basta de pobres em um país rico” – querendo dizer que os recursos do Peru deveriam beneficiar toda a população e não, como ele afirma, somente as corporações e as elites que têm explorado e ignorado os peruanos comuns. A maneira de fazer isso, de acordo com seu partido político, Peru Livre, que segue a ideologia marxista, é o Estado controlar a indústria e participar diretamente da economia.

Se essa mensagem pode ter agradado a muitos peruanos e provocado pânico em outros, não está claro se Castillo será capaz de implementar suas políticas da maneira que prometeu. Na verdade, o cenário mais provável para os próximos cinco anos do país pode ser resumido em uma palavra: desgoverno.

Castillo enfrentará altos índices de oposição no recém-eleito Congresso, que se colocará em grande parte contra ele: o Peru Livre conquistou 37 dos 130 assentos do Legislativo, e haverá somente mais um partido de esquerda representado na Casa, Juntos pelo Peru, que obteve apenas 5 assentos. As outras oito bancadas parlamentares são todas de centro-direita ou de direita, o que tornará a maioria das promessas dele difícil de cumprir.

Por exemplo, Castillo quer convocar um referendo nacional para aprovar a criação de uma Assembleia Constituinte, que então redigiria uma nova Constituição. O foco dele na Constituição tem um objetivo principal: mudar o capítulo da Carta a respeito da economia. Conforme o texto atual, o Estado só pode entrar em negócios comerciais quando autorizado por leis específicas e quando isso atende ao interesse nacional.

O objetivo, então, é modificar esse capítulo para que o governo seja capaz de, por exemplo, nacionalizar os setores de mineração e energia ou modificar unilateralmente contratos de empresas, para que elas passem a pagar mais impostos.

O maior problema dele é que a atual Constituição não inclui um artigo que regulamenta a implementação de uma Assembleia Constituinte. Então, o Executivo teria primeiramente de apresentar uma lei ao Congresso para incluir esse mecanismo. A legislação precisaria de 87 votos parlamentares em dois turnos consecutivos, um apoio com o qual Castillo não conta imediatamente.

Também existe a ameaça de impeachment. Desde que Martín Vizcarra foi deposto da presidência, em 2020, sob a acusação de “incapacidade moral”, impedir um presidente passou a ser visto como uma opção viável para muitos peruanos. Tanto que, durante a campanha, muitos eleitores que não quiseram apoiar Keiko Fujimori, mas ainda temiam as políticas de Castillo, argumentaram que era melhor ele ser eleito, pois seria mais fácil removê-lo do cargo. Uma linha de pensamento que, sem dúvida, muitos parlamentares eleitos já têm em mente, considerando-se que são necessários apenas 52 votos no Congresso para aprovar uma moção para discutir a possibilidade de impeachment.

Evidentemente, esses cenários supõem que o presidente Castillo respeitará o estado de direito. Mas, e se ele decidir agir unilateralmente, talvez dissolvendo o Congresso para contornar o “problema” do processo democrático? Nessa hipótese, ele também enfrentará bastante rejeição, de uma agressiva oposição política, um enfurecido setor privado, uma mídia hostil e, mais importante, de um Exército que não tem mostrado nenhum sinal de estar disposto a romper com a ordem constitucional.

E também há Keiko Fujimori. Na quarta-feira, a oponente de Castillo na corrida presidencial solicitou à comissão eleitoral que invalide mais de 200 mil votos que, argumenta sua equipe, sem nenhuma prova crível, são fraudulentos. Tal como vai a coisa, é difícil dizer se as autoridades eleitorais decidirão a favor de Keiko. Se não, ela fará uma oposição bastante agressiva e beligerante contra Castillo – o Ministério Público do Peru pediu um mandado de prisão contra Keiko por ela ter violado o acordo de liberdade condicional que a permitiu deixar a prisão, no ano passado.

O verdadeiro teste para uma presidência de Castillo será sua capacidade de realmente criar uma realidade econômica mais justa e maior inclusão na política para os peruanos comuns. Ao longo dos quatro governos mais recentes, ouvimos as elites afirmarem que o Peru é uma das economias que crescem mais rapidamente, que os números macroeconômicos mostravam grande disciplina fiscal e a prioridade era atrair investimento estrangeiro ao país.

Tudo isso era verdade, mas faltava um ingrediente crucial: garantir que o crescimento econômico melhorasse verdadeiramente a qualidade de vida da população. E nada ilustra melhor o fracasso do Estado em conseguir isso do que o fato de a pandemia de covid-19 ter aumentado a pobreza no Peru em 10 pontos porcentuais, entre 2020 e 2021. O país demorou dez anos para reduzir a pobreza nesse mesmo índice.

Ao longo das duas décadas mais recentes, enquanto muitos países estavam tendendo à esquerda, a economia de livre mercado do Peru parecia imune à mudança. Alguns citavam o medo de políticas esquerdistas após as traumáticas experiências da hiperinflação e do Sendero Luminoso, nos anos 1980 e 1990. Ou talvez o país estivesse vivendo numa oligarquia esse tempo todo.

A combinação entre sociedade civil e sindicatos enfraquecidos depois de anos de políticas neoliberais, somada a partidos políticos informais, permitiu à elite econômica influenciar a formulação de políticas sem ter de participar diretamente da política, e isso reduziu a capacidade da esquerda de desafiar o status quo. Até agora. A eleição de Castillo sinaliza o fim de uma era no Peru, um fim temido e, em igual medida, há muito esperado. Resta ver o que resultará deste novo período.

11 de junho de 2021

FUGA DE CÉREBROS!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 09) O que os membros da comunidade científica brasileira mais temiam, quando a pandemia de covid-19 eclodiu no ano passado, infelizmente vem ocorrendo em ritmo acelerado. Trata-se do chamado fenômeno “brain drain”, também conhecido como “fuga de cérebros”.

Esse êxodo envolve jovens altamente qualificados que buscam no exterior, especialmente em países que mantêm programas de atração de talentos, postos de trabalho que não conseguem ter no Brasil. Um desses países é o Canadá. Para enfrentar problemas de envelhecimento e baixas taxas de fertilidade da população, o governo canadense estabeleceu há dois anos a meta de receber mais de 1 milhão de imigrantes qualificados até 2021.

Chegou, inclusive, a promover, em várias cidades brasileiras, palestras sobre oportunidades profissionais.

Os jovens brasileiros atraídos por programas como esse são altamente qualificados. Em sua maioria, tiveram a formação acadêmica financiada por recursos públicos. Isso significa que, apesar de ter investido nesses jovens, o Brasil não criou condições para que eles possam restituir o que receberam, trabalhando em atividades produtivas na iniciativa privada ou, então, em centros de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico. No caso do pessoal formado em ciências exatas, biotecnologia e medicina, por exemplo, enquanto países como Japão, Coreia do Sul, Israel e Estados Unidos têm mais de 60% do total de seus pesquisadores nessas áreas trabalhando em empresas, no Brasil esse porcentual é de somente 18%.

O êxodo de profissionais jovens e qualificados já vinha sendo notado no Brasil desde a metade da década de 2010, quando a economia brasileira já vinha patinando, e piorou significativamente com a pandemia. Segundo dados da Receita Federal, o número de brasileiros que apresentaram declaração de saída definitiva do País passou de 8.170, em 2011, para 23.271, em 2018 – um aumento de 184%. E, segundo o relatório fiscal dos Estados Unidos, em 2020 aquele país registrou uma elevação de 36% nos vistos de permanência concedidos a brasileiros numa categoria específica – a dos chamados “profissionais excepcionais”.

Ao todo, foram concedidos 1.899 vistos – o maior número em uma década. Já com relação à emissão dos demais vistos a concessão feita pelo governo americano teve uma queda de 48% no período.

O mais grave é que essa fuga se dá, justamente, num momento em que o Brasil mais precisa de pessoal qualificado nas áreas de ciências exatas e biomédicas, por causa da pandemia. Ela se dá, igualmente, num período em que, quanto mais o País necessita de um ambiente favorável à ciência, mais o governo se torna negacionista.

Sem levar em conta as consequências perversas dessa postura irracional, em abril o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) foi obrigado a cortar 87% das bolsas de doutorado e pós-doutorado já aprovadas em 2021.

Com isso, o Brasil, que hoje tem 7,6 doutores por 100 mil habitantes, vai se distanciando de Portugal, com 39,7; Alemanha, com 34,4; e Reino Unido, com 41.

Para um país que precisa urgentemente agregar valor tecnológico aos seus produtos, em vez de apenas exportar matérias-primas, esses números deixam claro o risco de apagão científico a que o Brasil está exposto. “Por tudo que estamos passando, o País convida os bons profissionais a se retirarem”, diz o médico Diego Lima, especializado em infecção pela covid-19 e que está se mudando para os Estados Unidos. “Estamos falando de profissionais da mais alta qualidade e extremamente valiosos.

Neste momento terrível, ainda assim estamos perdendo esses profissionais para o exterior. A pandemia escancarou as péssimas condições de trabalho no Brasil”, afirma o presidente da Associação Médica Brasileira, César Eduardo Fernandes.

Ambos estão certos. Como crescimento e saúde dependem cada vez mais de conhecimento, a “fuga de cérebros” dá a medida do preço que o Brasil pagará pela gestão desastrosa do governo Bolsonaro também no campo da ciência e da pesquisa.

10 de junho de 2021

ENTRE A EUFORIA E A FOME!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 07) Medidas claras, sensatas e bem coordenadas de combate à pandemia, em nível nacional, poderiam ajudar a economia e a criação de empregos.

Com menos carne no prato e mais lucros na bolsa de valores, o tema dos “dois brasis” ganha uma versão atualizada. Já não se trata apenas da diferença entre regiões mais e menos desenvolvidas, mas do contraste agora acentuado entre duas populações, uma ainda bafejada pelos ventos da prosperidade e outra condenada a batalhar, no dia a dia, por uma sobrevivência muito difícil.

Diante de recordes seguidos no mercado de ações, especialistas preveem o Ibovespa em 145 mil pontos até o fim do ano, com elevação de 22% em 12 meses. Enquanto isso, milhões dependem de campanhas de solidariedade para escapar da fome, embora as feiras e supermercados tenham comida mais que suficiente para alimentar todos os brasileiros.

A alimentação é o mais feio indicador dos problemas de milhões de famílias. O consumo de carne por habitante deve ficar em 26,4 quilos neste ano, segundo estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Será o menor volume da série iniciada em 1996. A queda fica mais impressionante quando se toma como referência a média de 2013, pico da série: 96,7 quilos por pessoa.

Mas a carne menos acessível é apenas um símbolo do empobrecimento. A pobreza vem aumentando há anos, especialmente a partir da recessão de 2015-2016, mas o quadro piorou desde o ano passado, quando chegou a pandemia. Apesar do baixo consumo, a inflação subiu e combinou-se de forma desastrosa com o desemprego.

O preço da carne aumentou 35,7% em 12 meses, segundo a última prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor – 15 (IPCA-15). O encarecimento geral do item alimentação e bebidas foi menor (12,2%), mas também essa taxa é muito alta. Além disso, esse dado é uma média. Os componentes são bem piores. O caso da carne é um exemplo expressivo, mas há outros números assustadores. Os preços de óleos e gorduras aumentaram 53,9% nesse período. O item cereais, leguminosas e oleaginosas, incluídos arroz e feijão, encareceu 40,8%. Os preços de leite e derivados subiram 11,3%.

Como outros bens e serviços essenciais também ficaram menos acessíveis, a composição dos gastos ficou mais complicada. Gasta-se energia para cozinhar arroz e feijão. Em 12 meses o item combustíveis de uso doméstico ficou 21,1% mais caro. O principal componente desse grupo é, obviamente, o gás. Também a eletricidade é básica. A tarifa residencial subiu 8%.

A inflação foi em grande parte alimentada pelas cotações externas de alimentos, minerais metálicos e petróleo. Essas cotações, puxadas principalmente pela recuperação chinesa, renderam bons ganhos aos exportadores brasileiros. Mas afetaram os preços cobrados em supermercados e feiras. Além disso, a inflação brasileira foi também turbinada pela alta do dólar, consequência das palavras e atos irresponsáveis do presidente Jair Bolsonaro.

Somada à irresponsabilidade presidencial, a condução precária da política econômica tem favorecido a insegurança nos mercados, o fraco desempenho da indústria de transformação e o prolongamento de altas taxas de desemprego. A desocupação chegou no primeiro trimestre a 14,7% da força de trabalho, com 14,8 milhões de desempregados e, num balanço mais amplo, 33,2 milhões de pessoas subutilizadas. Sem inflação, esses números já indicariam claramente um desastre social.

Mas a inflação, além de já ter infernizado a maioria das famílias desde o ano passado, continua acelerada e poderá estourar neste ano o limite de tolerância de 5,25%.

Medidas claras, sensatas e bem coordenadas de combate à pandemia, em nível nacional, poderiam ajudar a aceleração econômica e a criação de empregos. O País fechou o primeiro trimestre ainda com um recuo econômico de 3,8% acumulado em 12 meses. Mas nada autoriza a expectativa de um surto de sensatez, competência e responsabilidade na Presidência da República. No mercado financeiro, continuasse a festejar a expansão de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no período janeiro-março. Milhões de famílias ainda esperam convite para essa festa.

09 de junho de 2021

ELEIÇÕES MEXICANAS ALTERAM O EQUILÍBRIO DO PODER!

(Augusto Calil – Americas Quarterly/O Estado de S. Paulo, 08) Os mexicanos votaram no domingo em uma eleição que quebrou recordes: pelo número de cargos a serem preenchidos, perto de 20 mil, pelo número de candidatos e, finalmente, pelo comparecimento às urnas, de 52% dos eleitores.

Os resultados foram heterogêneos para o partido governante, o Morena, que conseguiu conquistar o governo de vários Estados, o que confere ao partido uma sólida plataforma política para a eleição presidencial de 2024.

Mas o Morena e seus aliados perderam a supermaioria de 334 assentos que detinham no Congresso, e a coalizão que apoia o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) terá maioria absoluta, de 279 assentos.

Os resultados mostram que a oposição na Câmara dos Deputados poderá “funcionar como freio e contrapeso do Executivo”, de acordo com o Goldman Sachs Research. O Morena e o presidente precisarão negociar para conseguir mudar a Constituição. A Americas Quarterly pediu para alguns observadores compartilharem suas impressões em relação à eleição.

Mudanças institucionais potencialmente disruptivas que poderiam colocar a estabilidade macroeconômica em risco serão, provavelmente, evitadas em razão do resultado da eleição, o que deverá sustentar a economia no curto prazo. Dito isto, ainda esperamos que as políticas se tornem mais intervencionistas na segunda metade do mandato de AMLO.

O partido governante continua sendo o maior bloco legislativo e conquistou a maioria dos governos estaduais em disputa na eleição.

Uma maior intervenção da economia poderia exacerbar os atuais desafios para manter a confiança dos investidores, que pedem políticas monetárias e fiscais mais rígidas.

Com fatores idiossincráticos tornando-se cada vez mais relevantes, os rumos das políticas poderiam continuar a afastar o investimento privado, o que influenciaria a recuperação. Então, o cenário mais provável após as eleições de meio de mandato é de “radicalização contida de políticas”. Ainda que esse cenário implique manutenção da estabilidade macroeconômica, também significa que a economia poderia retornar à secular estagnação após se recuperar do choque da covid-19, o que não é bom presságio para os ativos mexicanos no médio prazo.

Uma coisa para prestar atenção é que uma atividade enfraquecida após a recuperação da pandemia poderia ocasionar um aumento na tensão social. Ainda assim, a alta popularidade de AMLO, provavelmente, dissipará pressões imediatas.

Em relação ao Congresso, o Morena continuou onde estava: o partido e seus aliados não foram capazes de garantir a “supermaioria” de dois terços dos assentos necessária para aprovar reformas constitucionais. A coalizão do Morena, porém, continuará a manter uma maioria absoluta graças a alianças com partidos menores, incluindo o Partido Verde, que aumentou seu número de deputados e foi o grande vencedor entre os nanicos.

Em geral, o Morena avançou nos Estados, vencendo disputas pelos Executivos e, ao que parece, também por Câmaras legislativas locais. Uma grande derrota para o Morena, porém, foi na Cidade do México, típico bastião de apoio a López Obrador. Aqui, o Morena está claramente perdendo votos entre eleitores com mais escolaridade, de classe média. Também em outras cidades, como Monterrey e San Pedro Garza, em Nuevo León, e Zapopán e Guadalajara, em Jalisco, o Morena terá de trabalhar duro para reconquistar esses eleitores.

Olhando adiante, ficarei atento para ver se o Morena interpretará esses resultados como um dever de mediar e negociar mais, convencer, em vez de impor. Também estarei atento à corrida presidencial de 2024. Nestas eleições, a prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, do Morena, ficou enfraquecida após as derrotas do partido em toda a capital. O favorito para disputar a presidência em 2024 continua sendo o ministro de Relações Exteriores, Marcelo Ebrard.

A implicação mais importante disso é que López Obrador e seus aliados não terão mais a possibilidade de mudar a Constituição. O presidente precisará negociar para fazer acordos com os partidos de oposição e não será mais capaz de aprovar seus projetos no Legislativo coma facilidade que teve até agora. Não acho que isso signifique que ele adotará um tom mais conciliatório, talvez ao contrário. Ele poderá ficar mais agressivo, mas isso não passa de especulação.

Outros aspectos importantes: as disputas pelos governos parecem ter representado uma vitória clara para o Morena. Enquanto a coalizão de AMLO perdeu assentos na Câmara Baixa, o Morena não perdeu nenhum. Na verdade, o partido pode ter conquista domais alguns. Mas a expectativa era a de que a legendas e daria muito melhore, nesse sentido, o resultado foi decepcionante. Os apoiadores de AMLO tinham expectativas maiores, afirmavam que ganhariam de lavada.

Em suma, o Morena permanece resiliente na Câmara Baixa, mas a coalizão do governo, como um todo, se enfraqueceu. E a maior derrota do Morena foi na Cidade do México, onde o partido perderá várias municipalidades. A chave agora – e o que precisamos analisar é amaneira com que o “lopez obradorismo” lidará como seu enfraquecimento no Parlamento.

08 de junho de 2021

ACELERA A VACINA!

(Paulo Leme, professor de finanças na Universidade de Miami – O Estado de S. Paulo, 06) Segunda feira passada foi o feriado de Memorial Day nos EUA. Nele, os americanos visitam memoriais e cemitérios para homenagear os ex-combatentes que faleceram a serviço do país.

No ano passado, aterrorizados pela pandemia, muitos americanos, quando não estavam trancados em casa, estavam correndo atrás de produtos de limpeza. E que diferença um ano faz! Com 41% de toda a população (65% da população adulta) já imunizada, o feriadão celebrou o poder da vacinação e da reabertura.

O Memorial Day também marca o início do verão: os americanos voltaram a viajar, desfrutar da vida ao ar livre, e voltar ao comércio. Estradas, aeroportos, hotéis, lojas e restaurantes estavam lotados.

A imunização devolveu a liberdade aos americanos e gerou uma tremenda energia positiva. Vários setores (bancos) já voltaram aos escritórios e, a partir de agosto, as escolas e universidades se reabrirão integralmente às aulas presenciais.

No segundo trimestre do ano passado, o governo americano foi incapaz de articular uma estratégia eficiente de saúde pública. E, o que é pior, algumas autoridades trataram o assunto com desdém e desrespeito ao cidadão e à ciência. Faltavam testes e materiais hospitalares, mas sobravam ideias estapafúrdias, como o uso preventivo da cloroquina e a aplicação intravenosa de cloro para matar o vírus.

Perante tamanho desafio, o setor privado e a indústria farmacêutica cresceram, aumentando a produção e melhorando a qualidade dos testes. Em dezembro, as primeiras vacinas já estavam disponíveis ao público.

Um dos aspectos mais positivos da administração Biden foi levar a sério o desafio da saúde pública. Assim que tomou posse em janeiro, o Presidente Biden definiu que a sua principal meta seria imunizar a maioria da população adulta antes de 4 de julho.

Graças às lideranças e à cooperação entre os setores públicos e privados, os resultados são espetaculares. No início de abril, os EUA aplicaram 4,3 milhões de doses por dia. De acordo com os dados da Universidade Johns Hopkins, com quase 300 milhões de doses aplicadas, 42% da população e 65% dos adultos já estão imunizados.

Comparado ao pico observado em janeiro, no final de maio o número de casos e de mortes por dia caiu 92% e 81%. As taxas de mortalidade dos pacientes que contraíram covid com mais de 80 anos e na faixa de 65 a 80 anos caíram abaixo de 3% e 0,3%.

O governo dos EUA quer alcançar a imunidade de rebanho, o que será possível quando pelo menos 70% da população estiver vacinada. O governo enfrenta dois problemas para atingir a meta. Primeiro, segundo pesquisas de opinião, 20% da população adulta (42 milhões) não quer se vacinar. As razões vão desde ignorância, preconceito, política, religião até status migratório.

Segundo, o acesso à vacina é desigual para diferentes estratos da população, variando de acordo com renda, etnia, educação, e localização (rural). Mesmo reduzindo a idade mínima para 12 anos, a resistência à vacina é tão grande que em maio, o número de doses diárias caiu 70%, para 1,3 milhão.

Infelizmente, seja por falta de recursos ou governança, na maioria dos países emergentes a narrativa sobre a pandemia tem sido muito dura e cruel.

O Brasil é um caso especial: é um país que tem recursos, uma liderança empresarial sofisticada e uma indústria farmacêutica de ponta.

Apesar de o programa de combate à covid estar muito atrasado, nos últimos dois meses o Brasil finalmente conseguiu deslanchar o seu plano de vacinação. Mas o brasileiro merece muito mais.

A maior lição da experiência americana é que a prioridade é vacinar, vacinar e vacinar.
Os benefícios em termos da retomada da atividade econômica e do emprego são óbvios. Mas tendo o privilégio de vivenciar a experiência americana, o maior ganho é reconquistar a liberdade.

Os nossos políticos e empresários têm de fazer muito mais pelo País. Sim, já vacinamos 28% da população adulta, mas o processo ainda é lento, ineficiente e burocrático. O número de casos diários, hospitalizações e mortes ainda é muito alto e inaceitável.

Acelera a vacina! Temos que concentrar todos os recursos públicos e gerenciais para imunizar 70% dos adultos até agosto. Mais do que permitir a reabertura da economia, a imunização devolverá ao brasileiro a sua liberdade, dignidade e autoestima. Por último, a imunização é condição necessária para reeleger qualquer político.

O ex-presidente Trump que o diga.

07 de junho de 2021

O PERIGOSO AFASTAMENTO DA POLÍTICA!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 04) Um estudo realizado pelo Ibope e pela Rede Nossa São Paulo mostrou uma situação preocupante para o regime democrático e o exercício da cidadania.

Segundo o levantamento, 67% das pessoas entre 16 e 24 anos na cidade de São Paulo não têm nenhuma vontade de participar da vida política do Município. Dois terços de uma parcela especialmente relevante da população – a nova geração, que se aproxima da vida adulta – querem distância da política. Apenas 19% disseram ter alguma vontade de participar da vida política e 15%, muita vontade.

Realizada no mês de janeiro com 800 pessoas na cidade de São Paulo, a pesquisa apresentou aos entrevistados uma série de possibilidades de atuação na vida política, que iam desde o compartilhamento de notícias sobre política na internet e trabalho voluntário até a participação em atos de rua e atuação em conselhos municipais. Quase a metade (42%) respondeu que não pratica nenhuma das ações listadas.

Segundo o público pesquisado, a forma mais frequente de fazer política é a assinatura de abaixo-assinados (22%), seguida do compartilhamento de notícias em redes sociais e em aplicativos de mensagens (18%) e atuação no movimento estudantil (15%).

O quadro é especialmente grave tendo em vista que as pessoas reconhecem a importância da participação política, mas mesmo assim não veem sentido nessa atuação. “Sei que é importante acompanhar, mas não me vejo refletida na política”, disse Giovanna Paulo, de 20 anos, que trabalha numa fábrica de automóveis.

Não é, portanto, apenas uma carência de informação. Pode-se dizer que há uma resistência consciente a participar da vida política, por entender que essa atuação seria inútil ou mesmo contraproducente. É a desilusão motivando um desejo de distância da política.

Outro ponto que desperta especial preocupação refere-se ao voto. Questionados se a proximidade das eleições levava a um maior interesse pela política, 43% discordaram totalmente dessa afirmação.

Ou seja, mesmo nesse momento único da democracia, em que o cidadão tem nas mãos o poder de direcionar os rumos da cidade, do Estado e do País, boa parte da juventude sente-se desinteressada da política. É um grave sintoma do desapreço pelo voto. Para parte da população, nem na hora de escolher seus representantes a política adquire algum interesse.

Mais do que simplesmente condenar a juventude pelo distanciamento da política, os resultados da pesquisa devem levar a uma reflexão. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer a existência de um problema grave. O regime democrático não funciona bem quando parcela importante da população está distante da política.

Tal problema tem uma dimensão ainda maior quando são os jovens os que querem distância da política. Já não se trata de uma questão apenas do presente, mas também do futuro. Quem zelará pelo regime democrático nos próximos dez, vinte, trinta anos?

Em segundo lugar, é preciso investigar e, na medida do possível, sanar a causa da desilusão dos jovens com a política. Não basta repetir a importância da participação de todos. Tal consciência, como diz a própria pesquisa, é bem difundida. Trata-se de melhorar a funcionalidade do sistema político, de forma a que as pessoas se sintam estimuladas a participar.

A atuação política não pode ser vista como uma perda de tempo ou uma atividade para quem não tem outros compromissos. É justamente o oposto. Uma democracia pujante deve ser capaz de atrair jovens e adultos ocupados, com carreiras profissionais entusiasmantes, genuinamente comprometidos com o desenvolvimento social e econômico do País.

Como se vê, um sistema político disfuncional não causa apenas danos no curto prazo. Ao desestimular a participação política, ele prolonga seus nefastos efeitos ao longo do tempo, gerando um autêntico círculo vicioso.

É imprescindível, portanto, melhorar continuamente as regras e o funcionamento do sistema político. Um regime democrático saudável deve atrair e promover a participação de todos, especialmente das novas gerações. Não há democracia com distância ou alheamento.

04 de junho de 2021

A INFLAÇÃO SEM GRAVATA!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 30) Para dezenas de milhões de famílias, inflação significa maior dificuldade para comer, morar, manter crianças na escola e pagar contas de água, luz e gás.

Para dezenas de milhões de famílias, inflação significa maior dificuldade para comer, morar, manter crianças na escola e pagar contas de água, luz e gás. No mercado financeiro, a alta de preços é tratada normalmente como um indicador, entre vários outros, da tendência dos juros e da rentabilidade de ações e de outros investimentos.

Por isso, houve recuo dos juros futuros depois da divulgação, na terça-feira passada, da prévia da inflação de maio. Com alta de 0,44%, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) oscilou bem menos que no mês anterior, quando havia subido 0,60%.

Essa mudança foi saudada, segundo noticiário da Agência Estado, como uma “trégua”. Seria muito estranho, no entanto, falar em trégua para quem tivesse de comprar comida, naquele dia, ou liquidar a conta de luz. Fora do tal “mercado”, a realidade prosaica é bem menos confortável.

Para começar, o recuo de 0,60% para 0,44% ocorreu na média da variação de preços. Há detalhes muito mais feios que a média e muito mais incômodos no dia a dia das pessoas “comuns”. Com alta de 0,48%, o custo da alimentação cresceu mais que no mês anterior.

O gás de botijão encareceu 1,45%, menos que em abril (2,49%), mas esse preço aumentou pelo 12.° mês consecutivo. Mas é outro o ponto mais importante, aparentemente esquecido por quem falou em trégua.

Os novos aumentos, mesmo os mais limitados, ocorreram sobre preços já muito elevados. Para as famílias, a situação já era ruim e continuou piorando. Nos 12 meses até maio, o IPCA15 subiu 7,27%. Essa foi a maior variação desse tipo desde aquela registrada nos 12 meses terminados em novembro de 2016, de 7,64%.

Não há como confundir aumento menor e diminuição de preços. Nos 12 meses até maio, o custo da alimentação, medido pelos critérios do IPCA-15, subiu 12,19%. Mas isso também é um número médio. O grupo cereais, leguminosas e oleaginosas, no qual se incluem feijão e arroz, encareceu 40,82% nesse período. Os preços das carnes subiram 35,68%. Leite e derivados passaram a custar 11,32% mais. No caso do gás, a alta chegou a 21,09%.

Esses níveis foram alcançados porque os novos aumentos, grandes ou pequenos, ocorreram sobre bases muito elevadas. Ninguém paga, no supermercado, apenas a variação de preço registrada nos últimos 7 ou 30 dias. Paga o preço anterior mais o novo aumento – ou, na melhor hipótese, o preço anterior menos a variação negativa. Esses detalhes talvez sejam menosprezados quando se cuida do dia a dia dos ativos financeiros, mas sua importância é vital para as famílias.

Nem a fantasia da trégua, no entanto, durou uma semana. O IPCA-15, apurado entre 14 de abril e 13 de maio, foi divulgado no dia 25. Três dias depois, a Fundação Getulio Vargas publicou o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), pesquisado entre 21 de abril e 20 de maio. O indicador subiu 4,10%, contra 1,51% na apuração anterior, e acumulou alta de 14,39% no ano e de 37,04% em 12 meses.

O aumento foi puxado pelos preços no atacado, com alta de 5,23% no mês e 50,21% em 12 meses. Esse componente tem peso de 60% na formação do IGP-M. No mês, as matérias-primas brutas encareceram 10,15%, refletindo principalmente as cotações internacionais. Os bons preços externos de mercadorias agrícolas e minerais têm assegurado uma robusta receita comercial ao Brasil, mas têm afetado perigosamente os preços internos. Esse efeito tem resultado também da relação entre o dólar e o real, uma das moedas mais desvalorizadas do mundo.

Essa desvalorização tem refletido a insegurança dos investidores quanto à evolução das contas públicas e diante das prioridades presidenciais.

Alta de preços no atacado acaba afetando os preços no varejo, embora o aperto das famílias dificulte o repasse. Os preços ao consumidor, segundo componente mais importante do IGP-M, subiram 0,61% na última apuração, bem mais que na anterior (0,44%). Em 12 meses, a alta chegou a 7,36%, número parecido com o do IPCA-15.

Fora do mercado financeiro existe a inflação sem gravata. Esta é muito mais feia.

02 de junho de 2021

DUALIDADE BRASILEIRA!

(Marcos Lisboa, Folha de S.Paulo, 30) Os dados da economia andam a surpreender em muitos países. A produção sofreu menos durante a segunda onda da pandemia do que na primeira. Além das imensas políticas de estímulo, aparentemente o setor privado aprendeu a lidar com o distanciamento social. O resultado tem sido uma forte recuperação da atividade e do comércio exterior.

A tragédia, indicam os dados, teve um surpreendente efeito colateral: o aumento de produtividade decorrente de um experimento natural em que firmas e trabalhadores foram forçados a utilizar e a aperfeiçoar tecnologias de comunicação.

Algumas das evidências estão sistematizadas em um trabalho de Jose Maria Barrero, Nicholas Bloom e Steven J. Davis. A partir de maio de 2020, eles realizaram pesquisas mensais com americanos em idade de trabalhar, coletando cerca de 30 mil respostas.

A maioria reporta que a experiência remota foi melhor do que o esperado. O estudo estima um ganho de 4,6% na produtividade após a pandemia, principalmente em razão da redução do tempo de deslocamento. Isso, no entanto, não é capturado pelos indicadores usuais, que, mesmo assim, devem registrar um aumento de 1%.

A parcela de novas patentes nos EUA para melhorar o trabalho em casa mais do que dobrou entre janeiro e setembro de 2020. O setor de saúde desenvolveu técnicas de consultas a distância.

Pelos resultados, o trabalho em casa no futuro será quatro vezes maior do que antes da pandemia. Na média, as pessoas aceitariam uma queda de 7% no salário para ter essa opção dois ou três dias por semana.

Apenas 28% afirmam que retornarão integralmente à vida presencial após a pandemia. Os demais relatam receio de elevadores cheios, metrô ou restaurantes fechados. A se confirmar a tendência, deve cair a demanda por serviços nos grandes centros urbanos com impacto no mercado de trabalho.

O trabalho remoto beneficia desproporcionalmente as pessoas com maior educação e renda em comparação com a base da pirâmide. O resultado pode ser um aumento da desigualdade.

Esses dados são preocupantes para o Brasil. Grandes empresas e trabalhadores formais aprendem a conviver com uma vida mais remota e mostram boa recuperação. Os menos educados e informais, no entanto, aparecem nas estatísticas de desemprego e desalento.

Para piorar, estudos estimam o prejuízo que as escolas fechadas causam na nova geração. O aprendizado de português e matemática no ensino médio estadual pode ter retrocedido ao nível de mais de uma década atrás.

A pandemia pode agravar a dualidade brasileira, consequência da nossa dificuldade em garantir igualdade de oportunidades e cuidar da saúde pública.

01 de junho de 2021

PESADELO COM A ENERGIA!

(Adriano Pires – O Estado de S. Paulo, 29) Diagnóstico equivocado do governo tem promovido grandes volatilidades nos preços e pode levar a apagões.

Há algum tempo, temos procurado chamar a atenção sobre a necessidade de uma nova visão para o planejamento do setor elétrico. As nossas preocupações têm como alvo as tarifas crescentes, os subsídios e a segurança de abastecimento.

Faz tempo que cometemos erros recorrentes e temos tido a sorte de nos safar de apagões elevando as tarifas, sempre ajudados pela falta de crescimento econômico.

Temos um problema de potência e o planejamento do governo insiste na solução vinda das energias intermitentes e das linhas de transmissão. Diagnóstico equivocado que tem promovido grandes volatilidades nos preços e pode levar a apagões. Neste ano o pesadelo voltou e parece que de uma maneira mais forte.

No fim de maio os níveis de reservatório deverão ser de 31,7%, isso é pelo menos 4,6 pontos abaixo da mínima histórica. Em 2019 e 2020 choveu muito em fevereiro, março e abril, com isso os reservatórios ainda aumentaram o nível. O que não foi o caso em 2021. Se considerarmos a média dos últimos 16 anos, já no fim de agosto poderemos estar com o nível abaixo de 20% e poderemos alcançar valores muito abaixo de 10% a partir de outubro. Isso tem levado a um estresse na operação do sistema de armazenamento do Sistema Interligado Nacional (SIN).

Portanto, precisamos tomar providências de curto prazo e soluções estruturais devem ser implementadas para evitar pesadelos futuros. Mas agora estamos em urgência. E o que fazer no curto prazo? Primeiro, deixar que os preços indiquem a real situação do setor elétrico. Na realidade, hoje nem o PLD a R$ 250/MWH nem a bandeira vermelha nível 1 retratam a realidade do setor elétrico.

O correto é o PLD no seu nível máximo e deveríamos estar em bandeira vermelha nível 2 desde o início de abril. Além do mais deveríamos, também, já estar despachando todas as usinas não hidrelétricas na capacidade máxima, inclusive as a diesel. Como foi feito em 2014/2015 quando tivemos um cenário parecido com o atual.

E a médio e longo prazos. O que fazer? A MP da Eletrobrás (1031) ao propor a implantação das térmicas a gás, com geração mínima de 70%, conta com mecanismos de financiamento de longo prazo, diluindo seu custo no tempo, trazendo os seguintes principais benefícios:

– Redução das despesas com o acionamento das térmicas a óleo e diesel, sistematicamente despachadas, fora da ordem de mérito de custo, para garantia energética;

– Elevação dos níveis dos reservatórios, aumentando sobremaneira a garantia do suprimento de energia e potência, permitindo o uso racional dos reservatórios, preservando a capacidade de atendimento não apenas do setor elétrico, como também do consumo humano, das atividades de lazer, indústria e agricultura;

– Redução do impacto das bandeiras na conta do consumidor cativo e maior estabilização dos preços da energia a curto prazo e médio prazo, permitindo que o modelo de formação de preços de curto prazo dê o sinal econômico mais próximo da realidade;

– Redução da necessidade de geração hidrelétrica para atendimento à demanda, porém com menor impacto financeiro, por causa de uma redução e menor volatilidade do PLD;

– Aumento da segurança elétrica, com a implementação de geração térmica próxima aos centros de consumo, deslocando os acionamentos de termoelétricas

A quem interessa a manutenção da atual situação do setor elétrico no Brasil
a óleo, muito mais caras, por motivos de energia ou restrição elétrica, seja em regiões remotas ou ainda para equacionar a oferta na ponta da demanda;

– Garantir a segurança do abastecimento possibilitando o contínuo avanço das fontes renováveis, intermitentes e sazonais, como eólica e solar;

– Dar uma proteção necessária ao crescimento econômico do País e a potencial eletrificação dos meios de transporte;

– Permitir a participação equilibrada de todos os consumidores, na estrutura de custo necessária a garantir o abastecimento de energia;

– Matriz elétrica mais limpa com a substituição de térmicas a óleo por gás natural.

A quem interessa a manutenção da atual situação do setor elétrico? Aos que se beneficiam com a alta volatilidade dos preços da energia e àqueles que querem manter a anomalia onde os pequenos consumidores subsidiam os grandes consumidores.

31 de maio de 2021

COM PAIXÃO, JAIME LERNER SE TORNOU UM DOS MAIORES URBANISTAS DO MUNDO!

(Mauro Calliari – Folha de S.Paulo, 27) Em 2017, a revista americana Planetizen, especializada planejamento urbano, colocou Jaime Lerner, morto nesta quinta (27), em segundo lugar numa lista com os urbanistas mais influentes da história, atrás apenas de Jane Jacobs e à frente de nomes como Le Corbusier, Jan Gehl ou Ebenezer Howard. A indicação destacava seu legado de planejamento urbano, transporte, programas sociais e ambientais.

Não parece ter sido exagero. Desde a primeira vez que foi prefeito (foram três), Lerner apontou para um caminho de transformação urbana que influenciou centenas de cidade pelo mundo e transformou Curitiba numa referência nacional e internacional.

O sistema de transporte baseado na priorização e vias exclusivas para os ônibus tem um quê de metrô, mas a custo muito mais baixo, e foi a base para o adensamento da cidade desde o final da década de 1960.

Naquela época, Curitiba tinha aproximadamente 450 mil habitantes, mais ou menos o tamanho de Mogi das Cruzes hoje. De lá para cá, a cidade que ganhou fama pela qualidade de vida viu explodir a população, mas ainda é possível perceber nela a estrutura que permitiu que o crescimento não fosse tão caótico como em outras cidades brasileiras: o planejamento do transporte público a partir do BRT, os parques maravilhosos, como o Barigui, bairros arborizados, as calçadas generosas, a preocupação com a vitalidade do centro e a vida pública.

Lerner amava Curitiba, mas amava as cidades. Seus livros, suas palestras, suas ações parecem conter sempre a preocupação de balancear as escalas: do local ao global, sem perder de vista os detalhes que fazem a diferença na vida cotidiana.

Assim, apesar de conhecer o mundo todo, gostava de contar em público como era a rua de sua infância. Narrou inúmeras vezes a história do motorista de ônibus que pensou numa solução caseira para organizar a parada na “estação-tubo”, um dos símbolos das reformas de Curitiba.

Elogiava a diversidade mas não se deslumbrava pelas palavras de ordem. Para ele, o uso misto era qualidade de vida. Sua solução de mobilidade urbana exportada para todo o mundo e tem gente que sai encantada com o que vê em Bogotá, sem saber que o modelo veio de Curitiba.

O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, porém, sempre fez questão de dizer que foi de Lerner a inspiração para o Transmilênio, o premiado sistema de transportes. O modelo de expansão urbana acompanhando as linhas de transporte tem inspirado cidades pelo mundo, inclusive os princípios do Plano Diretor de São Paulo.

Acreditava na simplicidade, mas não abria mão da qualidade nem da velocidade da execução. A obra tem que ser boa e tem que ser rápida. Nessa linha, ele transformou um conceito –a acupuntura urbana, que gerou um livro de sucesso– em um poderoso modelo de transformação urbana. A rua 24 horas, por exemplo, é um projeto relativamente simples, mas de efeito transformador evidente para quem anda de madrugada na cidade.

Ele entendia o valor do carro (e até esteve envolvido com o planejamento de um carrinho que ocuparia menos espaço nas ruas), mas advogava que a cidade boa é aquela que dá mais valor ao transporte público. E sustentava que o uso indiscriminado do carro estava com os dias contados. A rua 15 de Novembro, a ‘”rua das Flores”, em Curitiba, uma das primeiras, senão a primeira rua de pedestres do Brasil ainda hoje é um exemplo de vitalidade urbana, com mobiliário desenvolvido pela sua equipe e usado até hoje.

Do ponto de vista de replicação de boas ideias, talvez a experiência mais interessante tenha sido a concepção do órgão de planejamento da cidade, o Ippuc ( Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), da qual Lerner participou, que sobreviveu a inúmeras gestões municipais, com foco no ordenamento técnico.

Tive a oportunidade de visitar seus escritórios uma vez e era evidente como a independência era ressaltada pelos urbanistas como garantia de que os projetos não fossem alterados a cada mudança de gestão.

Poucas pessoas parecem escapar ilesas da experiência da gestão pública, e o arquiteto-gestor teve que arcar com processos ligados ao seu período como governador do Paraná (duas vezes). Depois, manteve o funcionamento de seu escritório, com projetos para várias cidades brasileiras e internacionais.

Seu maior legado, porém, foi o de transformar em ações práticas o encantamento com a vida urbana e a rua. Parece ser uma inspiração poderosa para qualquer candidato a prefeito, de qualquer cidade.

Em 2016, em um lançamento de documentário sobre sua obra, moderei uma conversa com Jaime Lerner e pude constatar seu carisma ao vivo. Depois do evento, pessoas da plateia subiram ao palco, tiraram selfies, pediram autógrafo, ansiosas por uma palavra e uma atenção, repetindo o que audiências fazem pelo mundo afora.

Deu para entender o porquê desse frisson todo. A “produção de cidades” não pode ser um ato mecânico. Sem paixão, as cidades são ruas, prédios e concreto. Com paixão, como a que Lerner professou e praticou, talvez abriguem vidas mais interessantes e plenas.

28 de maio de 2021

OS IMPACTOS DESIGUAIS DO DESEMPREGO!

(Editorial Econômico – O Estado de S. Paulo, 19) A crise do mercado de trabalho provocada pela pandemia de covid-19 é mais intensa e persistente do que a observada na recessão de 2015 e 2016, causada pelo desastre da política econômica do governo Dilma Rousseff. Mas não é apenas por sua intensidade que a deterioração do mercado de trabalho é mais nociva do que em outras épocas. Algumas de suas características e seu impacto mais acentuado sobre grupos mais vulneráveis a tornam mais perversa.

Em artigo publicado na revista Mercado de Trabalho do mês de abril, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, embora já muito altas, as taxas de desocupação aferidas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não retratam com toda a fidelidade o impacto das medidas de isolamento e restrições às atividades econômicas sobre a população em idade de trabalhar.

Não se trata, obviamente, de insuficiência ou imprecisão da pesquisa do IBGE, que traz o retrato mais completo da evolução do mercado de trabalho do País. Mas, como ressalvam os autores do estudo do Ipea, por se tratar de um indicador que sintetiza o comportamento da oferta e da demanda de mão de obra, a Pnad Contínua tende a atenuar certos aspectos das transformações do mercado de trabalho quando tanto a oferta como a demanda caminham na mesma direção.

Uma das características da atual crise apontada pelo Ipea é que, ao contrário do que ocorria nas anteriores, no caso de perder a ocupação, é mais intensa a passagem de um trabalhador não para a condição de desocupado, e sim para a de inativo. Assim, ele sai da população economicamente ativa (base sobre a qual se calcula a taxa de ocupação), que tende a diminuir. Dessa forma, cai a taxa de participação da força de trabalho (população economicamente ativa como porcentagem da população em idade de trabalhar).

Outra característica é a forma desigual com que a crise afeta os diferentes grupos. “Os grupos em desvantagem são os que apresentam os indicadores mais vulneráveis no momento da crise”, constata o estudo.

A taxa de desemprego cresce mais entre os membros desses grupos, separados por raça, idade e sexo. São negros, jovens e mulheres. Entre eles, as taxas de desemprego e de inatividade crescem mais do que as médias.

27 de maio de 2021

O FIM DA UNIPOLARIDADE!

(Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford – Folha de S.Paulo, 24) Nenhuma dimensão da diplomacia contra a pandemia parece tão estruturante quanto o avanço da China na América Latina. Após atingir um milhão de mortos e com apenas 3% da população vacinada, a região depende, na quase totalidade, da alavancagem econômica e da cooperação sanitária promovida por Pequim para ter chance de sair da crise.

O caso da Colômbia, fortaleza de Washington e membro da OCDE, é o mais ilustrativo desse novo momento geopolítico. A China enviou milhares de insumos e de ventiladores empacotados em campanhas com mensagens de Xi Jinping. Arrasado por uma explosão social, o governo de Bogotá não resistiu à operação de charme e desviou de décadas de alinhamento ocidental em nome da nova amizade.

A solidariedade chinesa é calibrada para atingir objetivos práticos. No caso do Paraguai e de Honduras, a China está aproveitando a pandemia para aprofundar o isolamento de Taiwan, independente desde 1949. Assunção chegou perto de aprovar o fim da aliança com Taipé no ano passado, e Tegucigalpa ameaça seguir o mesmo caminho.

Não deixa de ser curioso que a China avance com tanta facilidade numa região historicamente associada aos EUA. Afinal, uma das premissas das relações internacionais é que uma superpotência precisa, primeiro, controlar a sua própria sub-região. Essa visão tem orientado o projeto hegemônico dos EUA nas Américas desde a Doutrina Monroe.

Como explicar a crise do sistema unipolar? Entre outros fatores, a diplomacia de “alinhamento automático” promovida por Donald Trump e Jair Bolsonaro criou a ilusão de que Brasília atuaria como o primeiro defensor dos interesses de Washington na América Latina. Essa aposta desastrada nos talentos de Ernesto Araújo e de Eduardo Bolsonaro abriu espaço para a China. Na ausência do Brasil e de um poder moderador como o Mercosul, Pequim teve total liberdade para ampliar suas parcerias bilaterais. A administração Biden corre para reverter o desgaste, mas a América Latina parece ter entrado de forma irreversível numa nova era.

Resta saber como os governos latino-americanos vão tirar proveito da competição entre superpotências. O balanço atual é cheio de contrastes.

Enquanto o Chile conseguiu emergir como o “Israel do Sul Global” da vacinação graças à cooperação com a China, Bolsonaro continua infantilizando a política externa brasileira. As últimas semanas foram dedicadas a superar mais um surto verborrágico do presidente, que associou, de novo, a pandemia a uma “guerra química” dos chineses.

Outros já experimentam mudanças nos sistemas políticos. A virada autoritária do governo de extrema direita de El Salvador, criticada pelo governo Biden, não parece trazer constrangimento à China. Da mesma forma, a aproximação do país com Honduras ganhou outro significado desde que o irmão do presidente Juan Orlando Hernández foi condenado por tráfico nos EUA em 2019.

Num passado recente, Pequim deu respaldo decisivo a um projeto de poder antidemocrático na Venezuela. Para os progressistas, o desafio será fazer com que a presença da China potencialize a autonomia da América Latina sem agravar a crise democrática que corrói a região.

26 de maio de 2021

OS DESAFIOS DO NOVO PRESIDENTE EQUATORIANO!

(Sebastián Hurtado – Americas Quartely / O Estado de S. Paulo, 25) Ao assumir a presidência do Equador, Guillermo Lasso finalmente terá a chance de reformular a economia e as instituições orientadas para o mercado que prometeu nas suas três campanhas eleitorais consecutivas. Mas o caminho à frente pode ser mais difícil do que ele prevê.

O ex-banqueiro entrará no palácio presidencial com um mandato frágil, recursos fiscais limitados e muitos oponentes no Congresso. No primeiro turno das eleições deste ano, Lasso conquistou somente 20% dos votos e seu partido perdeu cadeiras no Parlamento. Na verdade, ele venceu o segundo turno, em abril, com menos votos do que na eleição que perdeu, em 2017, graças a um nível histórico de votos de protesto.

Mas os mercados têm muitas esperanças de que Lasso consiga reverter anos de uma estagnação econômica exacerbada pela pandemia. Os títulos públicos do Equador dispararam no mês passado, após a vitória do empresário, derrotando Andrés Arauz, candidato de esquerda do expresidente Rafael Correa. Mas, na presidência, Lasso será forçado a andar numa corda bamba, entre uma agenda de liberalizações, de um lado, e um Congresso de centro-esquerda e uma população frustrada, do outro.

No Congresso, composto por 127 parlamentares, os aliados de Correa formarão o maior bloco, com 49 cadeiras, e o partido de esquerda Pachakutik terá uma influência sem precedentes, com 45 assentos. O partido de centro-direita de Lasso contará com apenas 12 deputados e uma aliança prevista com o Partido Social Cristão, de direita, desmoronou em 14 de maio.

Assim, o novo governo terá de ser moderado em algumas das suas propostas em assuntos-chave, como reformas fiscal, trabalhista e da previdência social, e fazer concessões políticas para conseguir apoio do Legislativo. Por exemplo, apesar de Lasso ter descartado a criação de novos impostos, aliados potenciais no Congresso, provavelmente, exigirão algum tipo de imposto progressivo, mesmo que temporário, sobre a renda, bancados pelos ricos e pelas grandes empresas.

A pandemia já provocou debates similares em outros países latino-americanos e no mundo. Um programa de privatizações ou a favor do livre-comércio também terá forte oposição desses grupos.

O governo Lasso terá de enfrentar um público extremamente frustrado que exige ajuda do governo à medida que depara com uma receita reduzida, perda de emprego e a ameaça do vírus. Muitos equatorianos avaliarão Lasso quanto a se ele será capaz de restabelecer a economia, ajudar os mais vulneráveis e protegê-los contra a covid-19.

Por isso, intensificar a vacinação e fortalecer a rede de proteção social são medidas imperativas para o governo nos seus primeiros dias de mandato. Por exemplo, ajudar logo no início grupos sociais específicos por meio de programas sociais de grande impacto (como transferências diretas de dinheiro, por exemplo), será chave para criar a necessária força política e tentar algumas reformas de longo prazo importantes. Mas não será uma tarefa fácil no contexto da delicada situação das finanças públicas.

O precário contexto social também significa que Lasso terá de ser cauteloso ao propor reformas que pareçam radicais e provocarão uma forte reação contrária. A resistência virá especialmente do eleitorado que votou no candidato de Correa, que ainda desfruta de um grande apoio político, mas também de muitos eleitores indígenas que deverão ter pouca paciência com o novo governo.

Protestos recentes na Colômbia contra uma reforma fiscal realçam o quão delicado é o panorama social em grande parte da região. Embora no Equador a ameaça de protestos maciços tenha ficado latente desde os distúrbios em todo o país, em outubro de 2019, eles podem se materializar facilmente de novo.

Finalmente, o novo governo precisará confrontar muitas instituições de Estado, como a autoridade eleitoral ou a Controladoria-geral, cuja liderança foi substituída durante o controvertido processo de reforma institucional de Moreno, em 2018-2019, e cujo objetivo foi desmantelar a ordem política instituída por Correa e agora vem sendo contestada, não só pelos correístas, mas por muitas outras forças políticas. Instituições públicas frágeis e sem legitimidade podem criar instabilidade política e estimular uma demanda por alternativas populistas antiestablishment no próximo ciclo político, ou mesmo antes.

O complexo ambiente socioeconômico e político exigirá compromissos e cautela do governo de Lasso e limitará o ritmo e a magnitude do seu programa de governo. Entretanto, diante dos desafios populistas enfrentados por candidatos que endossam o liberalismo e a democracia em todo o mundo, o mero fato de um candidato liberal, pró-democracia e favorável às empresas ter sido eleito no Equador é um fato por si só encorajador.

A probabilidade de vitórias populistas em futuras eleições na América do Sul apenas mostrará quão rara é a oportunidade apresentada pelo triunfo de Lasso, oferecendo a chance de o Equador fazer uma transição de quase duas décadas de governos populistas para uma democracia liberal com base no Estado de direito.

25 de maio de 2021

ENTREVISTA: FILÓSOFO ANDRÉS BRUZZONE!

(Estado de S.Paulo, 23) O filósofo Andrés Bruzzone vive seu segundo confronto com a armadilha da polarização na política. Brasileiro nascido na Argentina, nutre desgosto pela divisão que se aprofundou nos anos de kirchnerismo no país vizinho, a partir da década de 2000.

Ele diz que vê, há pelo menos cinco anos, o mesmo ocorrer no Brasil. “Perdemos nuances, estamos entre branco e preto, doença ou saúde, não tem meio-termo”, disse ao Estadão o autor do recém-lançado Ciberpopulismo, um ensaio sobre o uso da tecnologia e das redes sociais pela extrema direita.

Estado de S.Paulo: O tom do seu livro parece pessimista. O sr. diz que expectativas frustradas explicam o surgimento da onda populista à direita, mas os movimentos democráticos ainda não têm uma resposta para isso. Ou têm?

Andrés Bruzzone: Acho que a democracia está encontrando mecanismos para se proteger, mas não sou otimista. Votamos com três órgãos do corpo. Com o coração – nos identificamos com uma pessoa, um partido.

Com o cérebro, fazemos escolhas racionais. Essas duas coisas funcionam, mas o populismo age no terceiro órgão: a tripa, as entranhas. O populismo apela de maneira mais intensa para paixões negativas. As redes sociais são muito mais eficazes para odiar do que para gostar. Há mais haters do que lovers. Quando se juntam esses dois fenômenos – das mídias digitais e do populismo – e os dois apontam para ódio, frustrações e canalização do medo, é muito difícil fugir da armadilha.

ESP: O ciberpopulismo é apenas o uso da tecnologia para promover a polarização, a mesma que já vimos no século 20, ou há mais do que isso?

AB: Ele nasce desse encontro entre o populismo tradicional e a tecnologia. Mas provoca uma mudança estrutural. Primeiro se aproveita de mudanças nos sistemas de meios de comunicação e de partidos e, ao mesmo tempo, acentua essas mudanças estruturais. Não é, provavelmente, um fenômeno provisório e, sim, algo que está instalado.

A democracia vai precisar lidar com esse encontro do populismo com as possibilidades que a tecnologia coloca à disposição dos especialistas em campanhas políticas.

ESP: Mais comunicação é um problema para a democracia?

AB: É um paradoxo. Por enquanto, o maior acesso a informações está enfraquecendo e ameaçando as democracias. Mas não deveria. Acredito que o que está faltando é o poder fiscalizador do Estado, a regulamentação dos processos de produção e distribuição de informações. Não acho que seja sustentável, hoje, que uma desregulação total seja positiva.

A esquerda está aprendendo a usar redes, vemos isso no cotidiano. E vem aí uma eleição que vai ser pautada pelos sistemas digitais de construção de discurso.

Cabe a cada um apostar a favor ou contra Tony Blair. (A eleição) terá, claramente, uma dinâmica de ciberpopulismo. Será uma polarização extrema, na qual quem eu odeio será tão importante quanto quem eu amo. O Brasil vai viver essas polarizações sobrepostas.

ESP: Em um cenário conflagrado como esse, o “centro democrático” ou a “terceira via” perdem?

AB: Estão fora do jogo – o que é muito triste. Perdemos nuances, estamos entre branco e preto, entre doença ou saúde, não tem meio-termo. É muito ruim para a democracia.

ESP: Existe alguma saída para a armadilha do ciberpopulismo?

AB: Diria que somente com um acordo muito claro das forças democráticas. Acho que um pacto democrático seria a única saída para essa armadilha. Havendo esse pacto entre as forças de esquerda e direita democráticas, dá para deixar de fora os antidemocráticos. É preciso fomentar o diálogo. Tem alguém querendo tacar fogo no circo, não podemos deixar. Se o circo queimar, estamos todos incinerados.

24 de maio de 2021

REESTATIZAR O ESTADO!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 23) O caso da manipulação do Orçamento para favorecer políticos aliados do governo é um exemplo da confusão dos limites entre o público e o privado.

O Estado brasileiro há muito tempo foi capturado por grupos de interesse e por frentes políticas que só se formam para explorar as inúmeras possibilidades de se assenhorear de bens e recursos públicos.

O caso da manipulação do Orçamento para favorecer políticos aliados do governo, revelado pelo Estado, é o exemplo de que essa confusão dos limites entre o público e o privado não arrefeceu, a despeito das solenes garantias republicanas dadas pelo presidente Jair Bolsonaro na campanha que o elegeu.

No momento em que se cobra do governo maior celeridade ao prometido programa de privatizações, vendido como base do compromisso bolsonarista de otimizar o Estado, a maior tarefa do País talvez seja, antes, reestatizar o Estado, loteado pelos privilegiados de sempre.

Nenhum projeto de modernização do Estado pode ser levado a sério se o governo desconsidera o caráter público do Orçamento – que deve ser, em essência, o resultado do debate democrático a respeito das expectativas e demandas do conjunto da população.

Se, como parece ser o caso, alguns parlamentares, por sua proximidade do governo, têm poder de definir o destino de recursos orçamentários sem qualquer possibilidade de escrutínio público, então parte do Orçamento está sendo tratada como se coisa privada fosse.

Como se sabe, todos os parlamentares, independentemente de sua filiação partidária ou de sua inclinação política, têm direito de apresentar emendas ao Orçamento para destinar recursos como bem entenderem. Pode-se questionar se essa é a melhor maneira de gerenciar o Orçamento, dado o caráter claramente eleitoreiro dessas emendas, mas ao menos o valor é limitado a R$ 16,2 milhões por ano e, mais importante, é franqueado a todos os congressistas, sem diferenciá-los de nenhuma maneira.

No caso levantado pelo Estado, contudo, o governo abriu a parlamentares camaradas a possibilidade de determinar de que maneira parte dos recursos alocados ao Ministério do Desenvolvimento Regional seria utilizada, embora essa função fosse exclusiva do Executivo. A razão dessa exclusividade é simples: a execução deve ser estabelecida pelo Ministério, e não por um ou outro parlamentar, justamente para reduzir a possibilidade de que interesses privados prevaleçam na hora de estipular o gasto público.

Os governistas têm dito que não há qualquer irregularidade nisso, pois seria parte do jogo político legítimo. No raciocínio do governo, é natural que os parlamentares governistas tenham poder de definir o destino dessa fatia discricionária do Orçamento, no Ministério do Desenvolvimento Regional ou em qualquer outro, porque são, afinal, a base de apoio.

Obviamente nada disso é republicano, tampouco democrático. Nenhuma república democrática é digna do nome quando a administração do dinheiro público está à mercê de influências pessoais de forma tão escancarada.

À semelhança das antigas monarquias absolutistas, em que os cortesãos podiam tudo e os demais súditos deviam se limitar a trabalhar e pagar impostos, esse modelo defendido pelo governismo bolsonarista privilegia os amigos do rei – como se o dinheiro recolhido dos contribuintes, uma vez despejados nos cofres do Tesouro, deixasse automaticamente de ser público.

Essa ratio do governismo atual é sintomática do profundo abismo que há entre o discurso de modernização do Estado e a prática clientelista e personalista do presidente Bolsonaro e do Centrão, que ora coloniza o governo.

São muitas as expressões dessa contradição, desde as gestões do presidente em órgãos de Estado para proteger os interesses de sua família, até o encaminhamento de medidas que privilegiam os grupos que orbitam o presidente – cujo mais recente exemplo foi a portaria do Ministério da Economia que permitiu ao presidente e seus ministros militares acumularem aposentadoria e salário mesmo que o resultado supere o teto constitucional para o funcionalismo.

Sob o governo Bolsonaro, o processo de privatização do Estado foi acelerado, mas não para aperfeiçoá-lo, e sim para rateá-lo entre os amigos e parentes.

21 de maio de 2021

INOVAÇÃO LIDERADA POR PI: PARA ONDE VAI O BRASIL!

(Robert Grant, diretor sênior de assuntos internacionais do Centro de Política de Inovação Global da Câmara de Comércio dos EUA – O Estado de S. Paulo, 19) No começo de abril, o número de mortes no Brasil causadas pela covid-19 ultrapassou a marca de 4 mil por dia, agravado pela segunda onda do vírus e novas variantes. Cerca de 20 dias depois, embora ainda em lenta progressão, esses números começaram a declinar, chegando à metade.

Embora estejamos longe de declarar vitória, pesquisadores, fabricantes e governos avançam no desenvolvimento e distribuição das vacinas, com resultados notórios no combate à pandemia no mundo. Tudo isso foi apoiado por uma estrutura cuidadosamente calibrada de normas e leis: o ecossistema internacional de Propriedade Intelectual (PI). Em apenas um ano, essas regras foram testadas como nunca, comprovando seu valor na abordagem dos problemas mais desafiadores da sociedade global.

Como uma das maiores economias da América do Sul, o Brasil reconhece que uma estrutura de PI unificada pode não apenas ajudar a enfrentar situações tão graves como uma pandemia, mas proporcionar um ambiente saudável para o crescimento socioeconômico.

Por muitos anos, o governo brasileiro endossou essa relevância, promovendo mudanças positivas que se refletiram nos principais estudos globais sobre inovação e PI, como o Índice Internacional da Câmara de Comércio dos EUA. Nas nove edições deste ranking anual, a pontuação do País passou de 38,28% em 2012 para 42,32% em 2021, ocupando o terceiro lugar do Brics em termos de ambiente favorável para a inovação, na frente da Índia.

É preciso destacar que algumas medidas já surtiram efeito, como o esforço para acabar com o grande backlog de patentes, que fazia com que empresas nacionais e internacionais tivessem de aguardar mais de 10 anos para análise e aprovação das solicitações. Houve ainda a modernização de alguns sistemas e redução da burocracia. Mas uma questão recente causa preocupação à comunidade internacional de PI.

Neste período de transição para processos mais eficazes, o artigo 40 da Lei Nacional de Propriedade Intelectual estabelecia o prazo mínimo de validade de 10 anos para as patentes de invenção e 7 anos para modelo de utilidade, a partir da data de concessão. Por causa do atraso que ainda se combate, era uma ferramenta crucial para os detentores de patentes que investem no Brasil e, em última instância, oferecia proteção para todos os setores da economia. Contudo, uma decisão do Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional o artigo 40, modulou o alcance da medida e derrubou os prazos extras para medicamentos e equipamentos de saúde, sob a ótica da pandemia e sua urgência. Independentemente da intenção, a aplicação desta decisão é preocupante por diversas razões.

É consenso que indústrias com uso intensivo de PI dependem de segurança jurídica para fazer negócios em um determinado mercado, por mais relevante que seja. Embora entendamos que a decisão tomada não se aplica retroativamente para a maior parte dos casos, estabelece um precedente de risco perigoso.

Uma estrutura de PI unificada proporciona um ambiente saudável para o crescimento do País – muito parecido, aliás, com a discussão na OMC de renúncia total aos direitos de propriedade intelectual para vacinas e todos os produtos relacionados ao combate à covid-19. Nesta questão, o Brasil se posicionou em sintonia com a estratégia que ora desenvolve para fortalecer seu ambiente de inovação e, por consequência, atrair negócios e desenvolvimento econômico.

É preciso que se estabeleça uma atuação uniforme e coerente também no que tange à proteção assegurada pela Lei Nacional de Propriedade Intelectual. Caso contrário, investimentos e esforços consideráveis em termos de legislação, capacitação, tecnologia e adequação para acordos internacionais podem ser desperdiçados e, em última e prejudicial instância, impedir o progresso econômico e sustentável do Brasil.

20 de maio de 2021

ZEINA LATIF – SILÊNCIO ENSURDECEDOR SOBRE A EDUCAÇÃO!

(O Globo, 12) Sou fruto de um Brasil que poderia ter dado certo. Estrangeiros enxergavam o País como uma terra de oportunidades. A julgar pelas amplas evidências empíricas sobre as razões para as diferentes performances dos países, nosso maior erro histórico foi a atenção tardia e insuficiente à educação básica. Universalizamos o ensino, mas insistimos no erro da baixa qualidade de gestão.

Meus avós eram quase analfabetos. Do lado materno, chegaram ao Brasil como mão de obra braçal no interior longínquo de São Paulo. Os imigrantes valorizavam o estudo mais do que os brasileiros de renda equivalente, além de muitos deles terem maior capital humano.

Assim contribuíram para o investimento estatal na educação, no Chile e na Argentina, e também em algumas regiões do Brasil, como São Paulo e Rio Grande do Sul.

Analisando as imigrações patrocinadas por São Paulo entre o final do século 18 e o início do 19, Rudi Rocha, Claudio Ferraz e Rodrigo Soares encontraram relação entre cidades que receberam estrangeiros e o maior avanço da escolaridade, com benefícios de longo prazo para suas economias.

Na Primeira República, São Paulo tornou-se um dos líderes da educação primária do país, aponta Renato Colistete. Houve reforma no ensino e criação de grupos escolares, favorecidos pela receita orçamentária gerada com a valorização do café – mas não na mesma proporção -, em meio a pressões sociais e ao reconhecimento entre políticos e intelectuais do atraso educacional e suas consequências.

Os indicadores de escolaridade evoluíram bastante, ainda que não o suficiente para equipará-los aos da Argentina, por exemplo, e a evasão era elevada, pois muitas crianças trabalhavam na lavoura de café.

Minha mãe beneficiou-se dos avanços no ensino e escapou da armadilha que reservava às classes populares o trabalho manual – visto ainda hoje com preconceito. Bem formada, pôde ingressar na Universidade de São Paulo (USP). Prestou concorrido concurso para o magistério na rede pública e tornou-se professora do ensino médio em 1961.

Professores eram relativamente bem remunerados, mas a cobrança era grande. Exigia-se dedicação e desempenho em sala. Atrasos, aulas e provas mal elaboradas ou turmas indisciplinadas, por exemplo, eram repreendidos e dificultavam promoções na carreira. Havia concorrência entre diretores de escolas por performance.

Ilustra o grau de engajamento dos docentes o grupo de professoras, do qual Dona Arminda participava, que voluntariamente se reuniu para estudar genética – matéria recém introduzida no ensino universitário com a descoberta e pesquisas do DNA -, e inseriu o tema no currículo do ensino médio nas escolas de Campinas.

O governo militar contribuiu para a extensão da escolaridade obrigatória de 4 para 8 anos e isso implicava a ampliação da rede, mas junto veio a piora paulatina na qualidade de ensino. Minha mãe lamentava as menores exigências a cada concurso público e sofreu o achatamento salarial ao longo dos anos, agravado pela crise econômica e facilitado pela inflação galopante.

Martelava a frase do governador Paulo Maluf, em 1981, “professora não é mal paga, é mal casada”. As prioridades dos militares eram outras, não só o ensino universitário, que se revoltava, mas certamente o impulso artificial à economia. Duplo erro e grande oportunidade perdida.

Na transição democrática, ela se preocupava com a politização nas escolas que comprometia o ensino. As sequelas do regime militar se estendiam à rede pública. Os ressentimentos por conta de perseguições políticas e a desvalorização da carreira alimentaram a sindicalização, enquanto desapareciam as cobranças por desempenho e a meritocracia nas promoções e nas indicações de postos mais elevados na hierarquia.

Salários têm sido recuperados nos últimos anos, mas seguem os problemas de qualidade de ensino, exposto na fraca performance dos alunos.

O desastre da educação está escancarado nos muitos Jacarezinhos espalhados pelo país e a pandemia agrava o quadro seriamente. É necessário corrigir o atraso no ensino e as sequelas da interrupção das aulas, e viabilizar o uso de novas tecnologias.

A adesão das empresas a princípios ESG – o S é de social – precisa se traduzir em oportunidades para a educação básica e para o treinamento e inserção produtiva dos jovens, com envolvimento da comunidade. Enquanto isso, nem uma palavra do governo federal.

19 de maio de 2021

AMÉRICA LATINA SOFREU MAIS COM A COVID-19!

(The Economist/O Estado de S. Paulo, 16) Antes da pandemia, Jaime Alirio Pinilla, um homem de 45 anos que vive em Bogotá, capital da Colômbia, trabalhava em construção. “Mas, por causa dessa porcaria, perdi o emprego e agora ganho a vida na rua”, afirma ele, de trás do carrinho de metal que lhe serve como loja de suco de laranja, doces, cigarros e café. A Colômbia teve um dos lockdowns mais duradouros do mundo; e agora testemunha conflitos diários entre manifestantes e forças de segurança, enquanto protestos contra a situação econômica entram na terceira semana. “Ficamos trancados mais de um ano – e não conseguimos mais suportar essa situação”, afirmou Pinilla. “A economia está arruinada, não vivemos mais, estamos apenas sobrevivendo.”

A pandemia de covid-19 provocou a mais profunda recessão global desde a 2.ª Guerra. Mas uma região piorou mais economicamente do que qualquer outra – muito mais. O PIB mundial contraiu-se em 3% no ano passado, mas a taxa na América Latina e Caribe caiu 7%, o pior resultado registrado em qualquer região monitorada pelo FMI (mas o PIB da Índia, que equivale quase a um continente, caiu mais). Em 2020, os habitantes da América Latina trabalharam 16% menos horas, quase o dobro na diminuição global. Vários países da região tiveram quedas extraordinárias: o PIB do Peru, por exemplo, caiu 11% no ano passado. E ainda que algumas economias estejam agora retomando o ritmo, com o levantamento das restrições, na América Latina o clima é de pessimismo.

A explicação mais simples para o terrível desempenho da região está relacionada a saúde pública. Um modelo de estudo de mortes da Economist estima que América Latina e Caribe têm o mais alto índice de excesso de mortes durante a pandemia em relação à população dentre todas as regiões do mundo. Enquanto as vacinações em outras partes do planeta reduzem a disseminação da doença e os danos que isso causa, em muitas partes da América Latina o coronavírus se espalha livremente. No Brasil, onde o presidente populista, Jair Bolsonaro, se recusa a usar máscara e se vacinar, o número de mortes diárias chegou a ultrapassar 4 mil (agora está em cerca de 2 mil). Mesmo países que anteriormente foram bem-sucedidos em controlar a pandemia, como o Uruguai, estão vendo os números de casos explodir.

A disseminação da doença fez com que alguns governos da região implementassem os mais severos lockdowns do mundo. Uma metodologia de quantificação do Goldman Sachs, um banco, confere uma nota de zero a 100 para avaliar a severidade das regras de lockdown de um país, o grau de adesão às restrições e qualquer tipo de distanciamento social voluntário. Habitantes de nenhuma outra região ficaram tanto em casa durante um ano de pandemia quanto os da América Latina, onde o isolamento social foi 70% maior do que na América do Norte.

Argentina e Chile foram o segundo e o quarto país, respectivamente, com mais restrições no mundo. O Peru ocupa o topo da lista. Por lá, o primeiro lockdown lembrou os dias mais sombrios da guerra contra os insurgentes maoístas, no começo dos anos 1990. Ninguém tinha permissão para sair, a não ser para comprar alimentos. Policiais e soldados faziam cumprir estritamente o toque de recolher. Lockdowns tão severos tornam a atividade econômica impossível, mesmo que muitas das pessoas mais pobres da região não tenham outra escolha a não ser desafiar as ordens de ficar em casa e sair às ruas para tentar ganhar a vida.

De maneira incomum, grande parte dos habitantes da América Latina – uma região de enormes desigualdades – trabalha nas casas dos ricos, o que implica inerentemente numa mistura de lares. Para um artigo recente, Louisa Acciari, da University College London, pesquisou com colegas o trabalho doméstico em vários países e descobriu histórias de uso inadequado de equipamentos de proteção individual e violações de direitos. A primeira morte oficial de covid-19 no Rio de Janeiro, ocorrida em março de 2020, foi de uma empregada doméstica que havia sido infectada por sua patroa, de acordo com autoridades de saúde do Estado, que tinha viajado para a Itália e, segundo o relato, não se incomodou em chamar a empregada para trabalhar em sua casa mesmo sabendo que estava doente.

O fator final por trás do péssimo desempenho econômico da região é política fiscal. Uma maneira de medir se a resposta fiscal de um país à pandemia foi suficiente envolve a comparação de dois elementos: mudança no déficit orçamentário do governo do país e a sua perda na produção de riqueza. Tomando emprestada uma metodologia desenvolvida na pesquisa de um estudo do Goldman Sachs, The Economist calculou a adequação dos estímulos em reação à pandemia em 193 países. Muitos governos ao redor do mundo incrementaram seu gasto em um dólar para cada dólar de produtividade perdido. Uns poucos países, como Estados Unidos e Austrália, foram substancialmente mais generosos. A América Latina, apesar de implementar estímulos fiscais mais generosos do que em recessões passadas, foi mesquinha mesmo em relação a outros mercados emergentes, com países medianos injetando apenas US$ 0,28 em gastos extras deficitários para cada dólar perdido na produtividade.

Estímulos. O planejamento dos estímulos também foi insuficiente. Países com os planos mais bem-sucedidos repassaram enormes quantidades de dinheiro diretamente à população. Isso ajudou a quebrar o ciclo de perda de emprego e cortes em gastos domésticos, o que sustentou as economias. A América Latina, em contraste, concentrou seus principais recursos em outras áreas, incluindo o fortalecimento de mal financiados sistemas de saúde.

Mas nem todos os países latino-americanos tomaram esse caminho. No Brasil, os gastos do governo Bolsonaro compensaram quase completamente as perdas no PIB. Isso ajudou a reduzir a incidência de pobreza extrema mesmo com a pandemia dominando o país, apesar do nível de ajuda emergencial para lares pobres ter diminuído recentemente, apesar da fome e outras formas de privação estarem novamente em ascensão.

Ainda assim, alguns governos agiram de maneira curiosamente austera. Em nenhum lugar isso é tão verdadeiro como no México, liderado pelo autoproclamado esquerdista Andrés Manuel López Obrador. O insignificante programa de estímulo mexicano (de US$ 0,17 para cada dólar perdido) se origina nas sensibilidades monásticas e autárquicas de López Obrador, que o tornam instintivamente esquivo em relação a endividamentos, especialmente quando financiados por estrangeiros.

Na Colômbia, os protestos foram desencadeados por uma tentativa do governo de Iván Duque de implementar uma reforma tributária, em 28 de abril, que cresceram e passaram a abranger muitas outras insatisfações. Grande parte do descontentamento tem origem na percepção de uma resposta inadequada e incorreta à crise da covid-19, que levou 2,8 milhões de pessoas à extrema pobreza.

A carnificina econômica não durará para sempre. Mas o crescimento anual no PIB de 3 a 4% que América Latina e Caribe podem esperar, uma vez que as restrições sejam levantadas com segurança é bem mais baixo do que as taxas esperadas nos EUA e em outros países. Uma recente elevação nos preços da commodities vai ajudar menos do que muitos esperam: o índice geral de preços de commodities no mundo permanece abaixo de onde esteve durante grande parte do período seguinte à crise financeira global. E por causa dos estímulos pífios, os lares não acumularam poupanças significativas como nos países mais ricos, então, não haverá nenhuma onda de gastos pós-pandemia. Como demonstram os protestos na Colômbia, a região mais atingida pela pandemia está diante de mais problemas.

18 de maio de 2021

VITÓRIA DE INDEPENDENTES NA CONSTITUINTE CHILENA CELEBRA REFORMISMO E VIRA RECADO A PARTIDOS!

(Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo, 18) Além de representar uma derrota para os partidos tradicionais e para a gestão do presidente Sebastián Piñera, a eleição da nova Assembleia Constituinte chilena, realizada no sábado (15) e no domingo (16), marcou a ascensão de independentes e de nomes de esquerda e de centro-esquerda, o que deve dar o tom do órgão que reformulará a Carta do país.

O duro revés imposto às legendas de direita não se limitou à composição da assembleia e se estendeu também às disputas de governadores, prefeitos e vereadores —até mesmo em locais importantes que elas dominavam havia décadas. A aliança governista, que concorreu em uma lista única, conseguiu apenas 37 das 155 cadeiras (24%) do órgão constituinte. Já a esquerda, dividida em duas relações, conquistou ao todo 53 assentos (34%), enquanto os independentes elegeram 65 membros (42%).

O desempenho dos conservadores terá efeito direto na formulação da Constituição, uma vez que, para aprovar a inclusão de uma pauta no documento, é necessário o apoio de dois terços do plenário. Assim, as 37 cadeiras obtidas no órgão não oferecem força suficiente para, sem alianças, barrar propostas que não desejam, como a diluição do sistema de pensões privadas, a aprovação do aborto, a gratuidade da educação superior e a maior autonomia aos povos originários.

“Ganham as pautas transversais, que já pertencem aos que querem reformas. E aí se unem independentes de centro e de esquerda, indígenas e até alguns setores da direita. Por isso, a divisão entre esquerda e direita não explica tão bem o processo. O vencedor desta eleição é o desejo de reforma”, diz à Folha Macarena Venegas, que concorreu de modo independente. Ela, no entanto, não foi eleita.

Para o cientista social Octavio Avendaño, da Universidade do Chile, o mecanismo de aprovação via apoio de dois terços da assembleia oferece uma dinâmica de grandes acordos e negociações. “Quem se propõe a tal processo é quem quer reformar, e não quem quer barrar ideias. Ainda que consensos sejam difíceis, foi uma vitória dos reformistas.” Andrés Velazco, da London School of Economics, corrobora a posição de Avendaño, porque “quem ganhou espaço são os que têm grandes convicções em mudanças”.

A redação da nova Carta começa em junho e levará até um ano. Depois, haverá novo plebiscito, no qual a população decidirá se aprova ou não a reformulação. Nesse meio tempo, o país passará por uma sucessão presidencial que escolherá o substituto de Sebastián Piñera, hoje com 9% de aprovação popular.

Em parte, a insatisfação com o atual líder chileno determinou o fraco desempenho dos partidos alinhados ao governo, já que a administração de Piñera foi marcada pela repressão aos protestos que, entre outras demandas, pediam a elaboração de uma nova Constituição. O presidente também é criticado por políticas de ajuste fiscal, oposição aos planos de saques de aposentadoria e pela má gestão da pandemia de Covid-19 quando o vírus chegou ao país. Hoje, por outro lado, o Chile é um dos líderes de vacinação no mundo.

Assim, a coalizão Chile Vamos perdeu espaço em praças importantes, como Santiago, Maipú, Valparaíso e Viña del Mar. Já o pré-candidato à Presidência pelo Partido Comunista e atual prefeito de Recoleta, Daniel Jadue, foi reeleito com mais de 60% dos votos, oferecendo uma boa largada para a corrida de novembro. A rejeição a Piñera também apareceu nas declarações de outra pré-candidata de esquerda, Pamela Jiles, do Partido Humanista, que, ao acompanhar o marido na votação neste domingo, xingou o presidente.

Ainda que a proposta de elaborar uma nova Carta tenha surgido nas intensas manifestações que tomaram diversas cidades do país a partir de outubro de 2019, o furor das ruas não se refletiu no comparecimento ao pleito deste final de semana. A baixa participação, de 43,4%, índice inferior ao do plebiscito que autorizou a escolha da composição da Constituinte (50,95%), é vista por especialistas como a diferença entre a raiva de quem pede mudanças e o engajamento num processo político formal.

A cientista social Claudia Heiss Bendersky, por exemplo, argumenta que hoje, no Chile, “não há uma associação direta entre a rua e a urna”. “Saiu às ruas quem não queria mais o atual estado das coisas. Não necessariamente significa que queriam ir votar”, diz ela. “Por outro lado, apesar de ser um comparecimento baixo, [a votação] exigiu muita informação. Os votos refletem informação, gente que leu e refletiu sobre os candidatos, porque não eram escolhas fáceis de fazer entre tantas ofertas.”

Entre as novidades desta eleição, a paridade de gênero, mecanismo instituído para garantir a participação de homens e mulheres na mesma proporção, acabou gerando um efeito curioso. Tradicionalmente menos votadas em outros pleitos, as mulheres receberam, em alguns distritos, mais apoios, e o órgão eleitoral teve de fazer 17 correções de resultados para garantir igualdade —em 13 delas, foi preciso tirar uma candidata eleita para colocar um homem, de acordo com dados do Servel, o serviço eleitoral chileno.

O mesmo ocorreu em relação à cota de 17 assentos dos povos originários, o que favoreceu quatro homens. À Folha o líder mapuche Adán Cheuquepil chamou a presença de indígenas na assembleia de histórica e celebrou o desgaste dos partidos de direita que “sempre negaram os nossos direitos”.

“Não acreditamos que uma cota de indígenas possa mudar nada sozinha, mas entramos com a determinação de usar todos os espaços possíveis, pensando numa mudança a longo prazo do nosso país. Não vamos ter dois terços sozinhos para aprovar nada. Mas estaremos presentes e seremos ouvidos.”

No fim da noite de domingo, Piñera fez um pronunciamento. No Palácio de La Moneda, o presidente disse que o país havia enviado “uma mensagem clara e forte para o governo e para todas as forças políticas tradicionais”. Naquele momento, já frente aos números que indicavam de modo claro a rejeição às suas alianças, o líder chileno admitiu que a administração “não está sintonizada adequadamente com as demandas e desejos da população”. “Sua voz será escutada, porque para isso serve a democracia.”