Da revista ISTO É
Com mais de meio século de vida política — iniciada em 1964 com sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) —, Cesar Maia, 71 anos, agora é identificado como “o pai de Rodrigo Maia”, o atual presidente da Câmara dos Deputados e peça-chave da política brasileira por duas razões: é Rodrigo quem pode dar andamento aos processos de impeachment de Michel Temer e será ele homem a ocupar a cadeira presidencial caso o afastamento ocorra até mesmo pelo TSE. Na entrevista à ISTOÉ, o ex-prefeito do Rio em três gestões afirma que o filho faz parte da base aliada ao governo e que lealdade é uma de suas marcas.
Carioca, economista e hoje vereador, Cesar Maia fez as contas para concluir que as possibilidades cogitadas para o afastamento de Temer acabariam coincidindo com as eleições de 2018. Para ele, o impeachment levaria à aceleração da crise.
O que o senhor acha da possibilidade de seu filho Rodrigo Maia ser presidente da República?
O Rodrigo não admite tratar desse assunto. Ele é presidente da Câmara dos Deputados. O foco dele são as reformas. Esse é um assunto que ele não trata nem em casa.
O senhor acredita que o Rodrigo Maia possa aceitar algum dos 13 pedidos de impeachment do presidente Michel Temer?
O Rodrigo nem pode aceitar porque os presidentes dos poderes em nenhum momento são produtores de aceleração de crise. Ele também não será. Ele faz parte da base do governo. Então, não está lá para acelerar nada que signifique antecipação desse processo sobre o presidente da República. Se cair a bola na frente dele para chutar nessa direção, ele vai dizer: tira essa bola da minha frente. Não vai querer isso de jeito nenhum.
Creio que os pedidos de impedimento e de eleições diretas só serão concluídos no ano que vem. São inviáveis, são mais agitação política do que alternativa. O presidente faz uma afirmação que não renuncia e reitera. Isso é a garantia. Como a questão será resolvida, é a luta de Michel Temer e sua equipe.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon disse que não renunciaria em 7 de agosto de 1974. Renunciou no dia 9.
A situação do Nixon era completamente diferente. Ficou impossível para ele. Também a do Jânio Quadros (presidente de janeiro a agosto de 1961), que renunciou, aos 44 anos, confiando que voltaria nos braços das Forças Armadas e com apoio público, o que não aconteceu. No sábado 20, a conversa lá em Brasília entre líderes do PSDB e do DEM era que o tempo é curto para sair do barco, retirar ministros. O quadro é outro e o presidente já disse que não renuncia.
E as possibilidades de cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral ou intervenção do STF?
Todas as opções aventadas não têm definição em menos de oito meses. Há direito a recursos, emendas… E o Congresso Nacional não gostaria que nenhuma solução, neste momento, fosse dada pelo Judiciário. Há uma sensação, pelo menos entre senadores e deputados, de um empoderamento excessivo do Poder Judiciário.
Caso o TSE tome uma decisão no dia 6, isso vai gerar incômodo no poder Legislativo porque o Judiciário, mais uma vez, dará um decisão política. Se o TSE vota isso agora, qualquer um dos ministros pode pedir vista, e o tempo se estender. Se o pleno do STF chamasse para ele a decisão, poderia haver o afastamento provisório do presidente. O fator tempo conspira contra o Brasil, mas é um aliado do presidente.
De que forma um aliado do presidente conspira contra o País?
Contra o País porque as reformas trabalhista e previdenciária são necessárias. O tempo é um aliado do presidente porque todas as possibilidades vão consumir muito tempo, o que vai acabar coincidindo com o fim do mandato dele.
O senhor e o Rodrigo são afinados politicamente?
O Rodrigo tem estilo diferente do meu. Eu sou mais tecnocrata, administrativo, e ele desenvolveu mais a capacidade de articulação, de negociação. Eu nunca convivi com meu filho lá na Câmara, embora ele tenha convivido comigo lá, quando eu era deputado federal e o levava, ainda pequeno, nas férias. Hoje, ele carrega a marca de um bom político, que é a coerência e a lealdade. Eu garanto que ele não dará um passo sequer, jamais, fora dessa marca. Se vier eleição direta, ele vai se manter dessa forma e isso permite que seja respeitado tanto pela esquerda quanto pela direita.
Durante a vida inteira, o senhor foi a referência política maior da família. Hoje, virou o “pai do Rodrigo Maia”. Como convive com a mudança?
Ele está no comando. Tenho 71 anos, ele tem 46. É natural que chegue num patamar em que as lideranças são invertidas. Rodrigo desenvolveu aptidões diferentes, habilidades que não tenho. Sempre fui considerado brigão. Já ele tem capacidade de ouvir as lideranças de todos os lados.
Então eu tenho que dizer: “Poxa, esse cursinho eu não dei pra ele, esse doutorado não partiu da minha casa, partiu da experiência de vida dele.” Quando chego em casa, ligo na TV Câmara e fico vendo de que forma ele se comporta em relação a um plenário aguerrido, fico orgulhoso. De um lado, tem o PSOL, com apenas três deputados federais mas com tanta exposição nos meios de comunicação que parece que são 30.
Na contabilidade familiar o senhor ainda tem mais vitórias, pois foi o prefeito que governou o Rio de Janeiro por mais tempo…
Não minimizo minhas conquistas. Tenho dois mandatos de vereador, três de prefeito, dois de deputado federal, constituinte, inclusive. Mas o tempo passa e precisamos acompanhar. Nunca estive em situação como a dele, de ser, hoje, uma peça chave desse xadrez. Ele pode não ser rei ou rainha, mas certamente é um bispo lá em Brasília.
O senhor e seu filho são também alvos de inquérito sobre suspeita de recebimentos irregulares da Odebrecht. No Rio, o senhor também enfrenta processos por improbidade administrativa. Como estão essas questões?
Contra mim, são 13 ou 14 ações civis públicas, não são criminais. Não há risco de prisão, que pode dar inelegibilidade. O primeiro foi arquivado por 5 a 0. O segundo, foi por eu ter contratado meu cunhado como advogado da prefeitura, há divergências de interpretação, está no STF. Todos estão correndo. Sobre a Odebrecht, todas as campanhas, minhas ou do Rodrigo, eram tratadas pelo partido, sem envolvimento pessoal. Vão arquivar.
Por que o Rio caiu neste estado de calamidade geral? Quando haverá recuperação?
‘Quando’ é que é a questão. Os governos do Estado, desde o Sergio Cabral (PMDB, 2007-2014), acreditaram que a proximidade com o governo federal seria a coisa mais importante da política fiscal deles. Lembro que demonstrei preocupação com o governador Luiz Fernando Pezão sobre o déficit primário estar, até agosto de 2014, em mais de R$ 7 bilhões. Ele disse: “Cesar, isso a gente resolve com a Dilma”. Naquele momento, a crise já estava instalada, gerando um imobilismo inevitável do governo e produzindo no Rio essa espiral de déficit.
O Rio está para votar o aumento da alíquota previdenciária de 12% para 14%. O Governo Federal pretende aprovar a reforma ampla da Previdência. Há clima político para essas decisões agora?
A hora é agora. A crise tornou mais fácil de serem aprovadas porque há consciência dos deputados e senadores sobre a necessidade de avançar logo. Daqui a um ano, eles serão candidatos e esse assunto tem que sair de pauta. Não será bom discutir reforma previdenciária em 2018, em que cada um deles será cobrado porque botou o dedinho lá na votação, contra ou a favor do tempo para aposentar. Acho que eles querem aprovar o mais rápido que puderem. O presidente Temer disse que conta com 320 votos e é a pura verdade.
O hábito de o prefeito João Doria (PSDB) realizar serviços básicos nas ruas é associado ao senhor, que também fez isso no passado. Vê similaridades?
No meu caso, eu não era reconhecido nas ruas e resolvi produzir factóides. Durante uns cinco meses foi ótimo. Depois, a imprensa começou a me chamar de maluco e minha taxa de aprovação popular despencou. Saí, então, do padrão de superexposição, que é americano, para o francês, que é ciclotímico. Foi o que elegeu o François Mitterrand (1981-1995): aparecer e mergulhar, aparecer e mergulhar. O prefeito Doria ainda está na fase da superexposição, que não funcionou comigo no Rio. Ele pode aprender mais com os meus erros e menos com meus acertos, porque ele é um craque.
Considera a possibilidade de se aliar ao ex-prefeito Eduardo Paes (PSDB), possível candidato ao governo do Rio ano que vem?
Muito difícil. Ele é padrinho da filha do Rodrigo, eles são amigos há muito tempo. Mas não me envolveria com ele. Fiz uma cirurgia recentemente e retirei a vesícula. Porém o fígado continua intacto. Então é difícil (risos).