BRASIL 2015-2016: CHILE 1971-1972!
1. No início dos anos 1970, as ideias econômicas de maior sucesso na esquerda latino-americana eram as do polonês Michal Kalecki, que havia chegado à teoria da demanda antes mesmo do que Keynes. O que fascinava mais a esquerda é que as ideias de Kalecki eram naturalmente operacionalizadas como política econômica de governo, entusiasmando a esquerda democrática.
2. Dois conceitos eram particularmente caros à esquerda. Num deles, a capacidade ociosa geral na economia, tendo vasos comunicantes, podia ser inteiramente aproveitada com injeções de demanda, estimulando o crescimento econômico e reduzindo a taxa de desemprego.
3. Em outro conceito, na medida que num certo momento as decisões de investimento e gasto dos capitalistas já estão tomadas, o aumento da tributação sobre eles incrementa a demanda agregada, pois eles usarão, para cobrir, suas reservas ou recorrerão a empréstimos.
4. A estatização do cobre no início do governo Allende garantia as divisas que flexibilizariam as importações para responder a algum excesso de demanda setorial. E o mais importante para eles: se confundiriam com as receitas tributárias, gerando flexibilidade fiscal.
5. Assumindo em novembro de 1970, as medidas foram imediatamente implementadas em 1971. A resposta da economia chilena correspondeu ao que a teoria projetava. Em 1971 a economia chilena cresceu mais de 7% e o desemprego baixou a níveis residuais.
6. Ao enfrentar a crise financeira internacional de fins de 2008, Mantega e Dilma, fiéis discípulos do Keynesianismo de esquerda, ou seja de Kalecki, implementaram a teoria da demanda efetiva de Kalecki no Brasil.
7. A resposta da economia brasileira foi igual a do Chile. O crescimento superou o PIB potencial em 2009 e em 2010, cresceu -por coincidência- os mesmos mais de 7% que a economia chilena em 1971. A taxa de desemprego também diminuiu aos mesmos níveis residuais da economia chilena em 1971. Lula, empolgado e desinformado, esnobou a crise internacional chamando de marolinha.
8. O milagre kaleckiano não durou 2 anos, pois o fator político acelerou o esgotamento do modelo adotado no Chile à época. A receita kaleckiana aplicada no Brasil teve um fôlego maior em outro quadro político. Durou um pouco mais: quase 3 anos.
9. Em março de 1973, 2 anos e 3 meses depois da posse, os partidos de apoio a Allende obtiveram um pouco mais de 40% dos votos. Em outubro de 2014, 3 anos e 10 meses depois da posse de Dilma, esta obteve pouco mais de 40% nas eleições.
10. A desintegração econômica do Chile em 1972 e 1973 é a que todos se lembram. E agora, no Brasil? Bem, o Brasil -pelo menos- está vacinado contra golpes de estado: as instituições do Estado funcionam.
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VIDA LONGA A BACHAR EL ASAD?
(El Pais, 08) 1. Quem é o inimigo? Qual é o objetivo? O que acontece depois da vitória? Qualquer guerra que se inicia deve se responsabilizar por estas questões básicas. Não é o caso do conflito sírio, ainda mais quando Bashar al-Assad mudou de inimigo absoluto para aliado necessário sobre os cadáveres e escombros deixados nesses quatro anos de derramamento de sangue.
2. O ditador brutal deve se sentir reconfortado com a sua reabilitação. Ela foi proporcionada pela ferocidade do Estado Islâmico (EI) na medida em que a “comunidade internacional”, uma abstração geopolítica, incorreu em um exercício de amnésia para desculpar o massacre de civis, a destruição de cidades, a aberração das armas químicas e a morte de crianças parecidas com o refugiado Aylán, muitas delas com o uso de gás tóxico.
3. John Kerry, secretário de Estado dos EUA, já declarou que Assad era um seguidor de Hitler. Ele fez isso como estratégia para ajudar a derrubada, ainda na ingenuidade da Primavera Árabe, que trouxe recursos militares para o Exército Sírio Livre e que fez surgir uma coalizão na qual Israel fazia parte, naturalmente porque essas guerras sobrepostas exigiam retratar os aliados de Assad como pertencentes ao eixo do mal, na companhia do Irã e do braço armado do Hezbollah.
4. Ficava exposto o velho antissionismo, assim como ficava ainda mais clara a encenação do conflito entre xiitas e sunitas, ainda que não se precise recorrer à religião para explicar o papel de Vladimir Putin. Ele protegeu Assad no Conselho de Segurança da ONU. Ele o apoiou militarmente. E empregou a única base da Rússia no Mediterrâneo para redundar na Guerra Fria com os EUA.
5. O czar começa a comemorar sua vitória. Toda a fragilidade que Assad dissimula na Síria – uma população exausta, uma guerra civil devastadora – contrasta com sua onda de credibilidade internacional. O ministro García Margallo, por exemplo, declarou que se deve negociar com ele, levando em consideração que Assad é “o nosso filho da puta”.
6. Não é um gesto gratuito, mas a extrapolação geopolítica, ou seja, o cinismo com que o Ocidente tem sido leniente com ditadores sanguinários quando se quer resolver um problema maior. Ou tão grande quanto à ameaça do Estado islâmico, cujo surgimento na Síria parecia interessante porque competia pela hegemonia do jihadismo e porque engrossava a frente comum anti-Assad, ignorando que havia chocado a serpente de Al Baghdadi.
7. O presidente sírio já não é o inimigo. Nós gostamos do seu terno, sua gravata, seu laicismo, sua esposa. Nem mesmo os EUA podem condená-lo. Porque a abertura diplomática ao Irã tende a suavizar o regime de Damasco. E porque o Estado Islâmico representa agora (vamos ver por quanto tempo) a própria arbitrariedade do Ocidente em seu variado catálogo de antagonistas e filhos da puta.
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PORTUGAL: DEBATE PRESIDÊNCIAL NA TV (09)!
1. Terminou o único debate entre os dois candidatos ao cargo de Primeiro Ministro nas eleições do próximo dia 4. Impressionou a importância concedida por ambos ao tema da previdência social, em particular às pensões atuais e futuras. Mas isso é natural num pais de população envelhecida, como a portuguesa.
2. Antonio Costa (PS) criticou muito a pressão exercida pela UE (troika) sobre Portugal com vistas à adoção de um programa de austeridade.
3. Já Passos Coelho (CDS/PSD) ressaltou os sacrifícios incorridos por Portugal e a melhoria nos dois últimos anos do quadriênio do cenário econômico-social.
4. A impressão é que Antonio Costa bem explorou as contradições incorridas por Passos Coelho. Já este acentuou de modo feliz as propostas populistas e irrealistas do candidato socialista.