(André Singer – Folha de SP, 10) 1. O que está acontecendo no Brasil? Cabeças cortadas em presídios, mulheres arrastadas até a morte, linchamentos malucos que viram parte do cotidiano. É certo que o país sempre foi muito violento por baixo da capa cordial, terna e alegre –verdadeira, mas parcial–, usada para construir uma ideologia adequada aos trópicos. Só que agora a brutalidade parece exacerbada.
2. O que torna estranho o aumento do brutalismo, é que houve, na última década, uma evidente, ainda que moderada, melhoria das condições sociais. Pode-se argumentar que tais avanços significam pouco em face do tamanho da pobreza e da desigualdade brasileiras, o que não deixa, também, de ser verdade. Porém deve-se considerar que tendo conseguido mantê-los ao longo de toda uma década, os efeitos são cumulativos. A esta altura já existe toda uma geração formada em ambiente menos excludente.
3. Por que, então, os traços de barbárie social, nos quais é possível enxergar a perversidade específica que a escravidão legou, não vão sendo atenuados? É como se em um contexto de lento desafogo, as relações fossem tomadas por uma onda barbarizante, quando se esperava um progresso civilizatório, mesmo que incremental. Com sinceridade, não sei responder à pergunta.
4. Estou convicto de apenas uma coisa: é preciso politizar o problema. Os candidatos e os partidos precisam por a questão da violência em suas agendas. O Estado deve desenhar novas políticas públicas a respeito. As instituições e organizações da sociedade que estiverem do lado da civilização precisam refletir a atuar sobre o assunto. O pior que pode acontecer é deixarmos a brutalidade se naturalizar, enquanto cada um se esconde em casa, tentando fingir que o mundo lá fora não existe.