Hoje eu venho aqui tratar da importância da Secretaria Municipal de Educação. O Poder Executivo, que é temporário, tem uma Secretaria que vende as escolas do Imperador – Visconde do Rio Branco, algumas delas estão aí em pé, reformadas – que passa por Anísio Teixeira ou Darcy Ribeiro, que se inspira em filósofos da Educação, que se inspira em grandes educadores, como Paulo Freire, não pode simplesmente propor alguma coisa para descontinuar tudo aquilo que vem sendo feito e acumulado através dos anos. Para se ter uma ideia da importância da Secretaria Municipal de Educação, eu gostaria de fazer uma remissão a 1935. Em 1934, a nova Constituição fez a previsão de eleição direta para Prefeito do Distrito Federal. O primeiro Prefeito eleito o seria pela Câmara Municipal. O Partido Autonomista, liderado por Pedro Ernesto, obteve setenta por cento dos votos – Pedro Ernesto, sozinho, obteve quarenta por cento dos votos.
Eu não preciso lembrar que, de toda a história do Rio de Janeiro, nenhum gestor municipal, eu diria, no Brasil, compara-se a Pedro Ernesto. Nenhum! Quando se fala em universalização da Saúde, universalização da Educação, tudo, é Pedro Ernesto! Pedro Ernesto trouxe um jovem educador da Bahia, Anísio Teixeira! Anísio Teixeira tinha 31 anos, e assumiu com Pedro Ernesto em 1931. Iniciou o mais importante Programa Educacional, eu diria, para aquela época, talvez no mundo todo. É um processo! Esse processo começa a produzir reações na direita ideológica, especialmente, nela, na direita católica, que reagiu contra as reformas de Anísio Teixeira, entre elas – e pela primeira vez, de fato – a escola como laica. É a primeira vez que se estabelece, de fato – eu poderia escrever aqui, escrever ali – o ensino laico no Brasil, e foi Anísio Teixeira junto com Pedro Ernesto.
Aquilo gerou uma pressão enorme do Cardeal Paes Leme; uma pressão enorme no Presidente, ditador Getúlio Vargas. Getúlio se dizia agnóstico, mas poucos Presidentes tiveram uma parceria tão intensa com a Igreja Católica, na época uma Igreja muito conservadora que, como Getúlio Vargas, dentro do seu pragmatismo, exigia a cabeça de Anísio Teixeira. Getúlio chama Pedro Ernesto e pede a cabeça de Anísio Teixeira. Pedro Ernesto era um Prefeito eleito indiretamente, conforme previa a Constituição para o primeiro Prefeito eleito, e cede a Getúlio Vargas. Quem Getúlio Vargas nomeia para Secretário Municipal de Educação do Rio de Janeiro? Francisco Campos.
Francisco Campos era Ministro da Justiça, e entra para desfazer aquilo que vinha sendo feito e para implementar uma visão privatista da Escola Pública. Francisco Campos, nessa época, tinha 40 anos, 41 anos, e era um jurista importante.
Getúlio dá o golpe em 1937. E é Francisco Campos, Secretário Municipal de Educação do Rio de Janeiro, ex-Ministro da Justiça… Olha a importância histórica, Presidente, dessa Secretaria! O peso que essa Secretaria tem! O que ela carrega de história, de conhecimento e de ensinamento!
E quem escreve a Constituição, a chamada Polaca, em 1937, é Francisco Campos, o Chico Ferramenta. E a Constituição, no capítulo que trata da Educação e da Cultura, Art.128, diz assim: “A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares. É dever do Estado” – o Estado tem uma função de apoio – “contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de ensino”.
“Artigo 129: A infância e a juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais”.
Pedro Ernesto era presidente do Clube Três de Outubro, onde estava a cúpula dos tenentes, o Tenentismo, a ala mais radical da Revolução de 30, que exigia que esse poder discricionário que Getúlio Vargas tinha permanecesse e continuasse. Pedro Ernesto fazia parte do que se chamava Gabinete Negro. Na época, usava-se a palavra “negro” para dizer que era uma coisa que estava oculta. Esse Gabinete Negro, que tinha o Góes Monteiro, o Leite de Castro, generais, tinha uma força superior aos próprios ministros. Pedro Ernesto era essa expressão, era presidente do Clube Três de Outubro.
Mas o fundamental para as elites brasileiras – aqui era a capital da República – era quebrar a coluna vertebral de uma educação pública de verdade, que se inaugurava e se desenvolvia no Rio de Janeiro. Então, era básico cortar a cabeça de Anísio Teixeira. Cortaram! Trouxe o ministro da Justiça, futuro autor da Polaca, e Pedro Ernesto cedeu. Errou! Errou! Cedeu, quando veio a Intentona Comunista, em 1935. Em seguida, o Getúlio, alegando que Pedro Ernesto era comunista, prendeu-o. Pedro Ernesto foi defendido pelo Escritório Bulhões Pedreira. E o Supremo, finalmente, teve que colocar Pedro Ernesto em liberdade. Ele estava preso na Ordem da Penitência, ali na Conde de Bonfim, na Tijuca. Pedro Ernesto sai da Ordem da Penitência e vem, com seu carro, e isso se transforma em uma enorme procissão.
Pedro Ernesto sofreu, durante o período que esteve preso. Terminou, como sequela, falecendo em 1937. Seu funeral foi certamente o ato político de maior expressão na história desta cidade – mais do que o suicídio do Getúlio, em 1954. Uma multidão, o corpo de Pedro Ernesto, e um silêncio total. Um surdo apenas. E Paulo da Portela cantando, com aquele vozeirão dele, o Hino Nacional Brasileiro.
Há que se ter consciência de que essa Secretaria Municipal de Educação não é mais uma. Ela é uma coluna vertebral da ideologia de Estado nesse país. Pedro II assistia aos exames de prova dos professores da escola. Não se pode, com uma proposta como essa, 442, se entrar numa Secretaria que tem essa importância para o Brasil todo, e para a América Latina, e simplesmente dizer: O passado não vale nada, o que foi acumulado aqui de nada serve.
O que nós queremos é uma Secretaria de Educação privada, nos moldes do que Francisco Campos pensava e escreveu na “Polaca”, de 11/11/1937. Eu confesso minha perplexidade certamente e, acima disso, minha tristeza.