Publicado em 28.02.2009 em Folha de São Paulo
AS ANÁLISES sobre o gasto público brasileiro tratam das despesas registradas na forma da lei, em execuções orçamentárias e balanços. Nos estudos sobre a crise do século 17, Hugh Trevor Roper (ed. Top Books) mostra que o ônus para a população vai muito além disso.
Na Inglaterra e na França, as coroas criaram sistemas autorizados de extorsão e corrupção, como a “purveyance” e a “paulette”, em que o Estado (a coroa) autorizava a “cobrança” indireta, fora do sistema formal de tributação. O processo foi sendo ampliado, e certos cargos públicos e mandatos passaram a ser formalmente vendidos aos interessados.
Roper mostra que o “Estado da Renascença” no século 17 foi inchando e o fausto tomou conta de palácios públicos e privados, templos e igrejas. O custo formal do Estado cresceu. E o informal, ainda mais. O sistema de aluguel de cargos produzia uma arrecadação paralela por força de extorsão aos contribuintes, fornecedores dos governos e das coroas, ou receptores de serviços. Estados e cortes se descolaram da sociedade. A crise política era inevitável, abrindo caminho, no século 18, para o Estado do Iluminismo.
No mundo de hoje, e o Brasil certamente não é uma exceção, esse sistema permanece, informal e nem sempre tão oculto. A demanda de cargos públicos para nomeação, em boa parte, cria uma renda adicional para campanhas ou… patrimônios.
O próprio acesso ao mandato parlamentar ou executivo incorpora em seu valor a possibilidade de usufruir de rendas que ultrapassam em muito as remunerações. A diversidade é grande e vai a comissões, autorizações tarifárias, sobrefaturamento, sonegação consentida, venda de flagrantes, extorsão policial e fiscal, venda/aprovação de novas legislações, autorizações de obras e de atividades econômicas…
É claro que nada disso se registra nas despesas governamentais. Mas, sendo um custo adicional pago pela sociedade, se fosse possível calculá-lo, dever-se-ia agregá-lo ao “custo do Estado” e à carga tributária paralela, em rubricas de “purveyance” e “paulette”, para não inventar nomes novos. O aumento do número de edis, recém-aprovado, tem um limite constitucional de 5% às despesas. Mas a possibilidade de que sejam novos concessionários de “purveyances” e “paulettes” não pode ser descartada.
A sofisticação econométrica existente, informações reservadas e casos notórios levariam, numa pesquisa bem feita, a chegar próximo dessa sobrecarga paratributária brasileira.