Folha de São Paulo 13/11/2010
Há um paralelismo entre a política e a economia argentina e brasileira em relação às suas especificidades e ao tempo em que ocorrem. Foi assim com Getulio e Perón, com Frondizi e JK, com os militares, com Collor e Menem, Alfonsín e FHC, com os planos Austral e Cruzado, Primavera e Verão e agora com Kirchner e Lula. As análises de ambas as dinâmicas políticas ajudam a entendê-las. E a preveni-las, se for o caso.
Em sua coluna (“La Nación”), na semana passada, o politólogo Natalio Botana analisa os desafios que virão com a morte de Kirchner. Para unificar o peronismo, só com um líder forte. Afinal são quatro peronismos, como sugere.
A semelhança com o PT tem raízes e história. A base do peronismo é uma liderança popular, onicompreensiva. Seus ciclos sempre dependeram dessas presenças, com Evita e Perón, Menem e depois Kirchner. Na ausência de líder forte, o peronismo perdeu o poder.
Na Argentina, diz, esse tipo de liderança nunca se desenvolveu fora do peronismo. Aliás, como aqui, entendendo o trabalhismo de ontem e de hoje como linhas contínuas.
Diz Botana que, “para isso, as fronteiras do peronismo devem ser laxas, segundo as circunstâncias”. Com cada novo líder, a trama se atualiza e vêm novos registros de concentração do poder. Perón, Menem e Kirchner representaram interesses distintos, mas sempre com a mesma apetência hegemônica. “Quando o êxito está ao alcance da mão, o peronismo é vertical. O paradoxo é que essa concentração se dá com uma base plural: é uno na chefia e plural quanto à sua conformação sociológica”.
São quatro suas tendências internas: a política, a sindical, a revolucionária surgida nos anos 70 e os movimentos sociais mobilizadores ativados nas crises. Kirchner disciplinou sua base parlamentar e os governadores através do caixa, diz Botana. Sublinha que ele foi negociador com o sindicalismo, que tem, aliás, base financeira própria, como aqui.
Com os movimentos sociais, negocia, coopta, mobiliza e desmobiliza, neste caso via políticas sociais. Finalmente, o “setentismo” (ex-revolucionários), “com o qual agregou uma política de reparação histórica. Esses se sentiam como vanguarda que abria uma nova história alimentada com memórias excludentes”.
E conclui Botana: “Dessa forma, sem uma liderança carismática, essas quatro linhas (política, sindical, setentista e movimentos sociais) terão que se cruzar, porque são difíceis de conciliarem-se e exigem a liderança forte como signo de identidade. Mas o pós-líder forte arrasta a complicação dos desengajamentos que ele mesmo produz”.
Não será diferente aqui. Líder fora do poder não é forte. Só se fosse de oposição.