07 de novembro de 2022

AUMENTAR O LIMITE DO SIMPLES É UM ERRO!

(Vanessa Rahal Canado, coordenadora dos cursos de pós-graduação em Direito do Insper e consultora em política tributária – O Globo, 06) Recebi por estes dias um “save the date” para o evento de apresentação do parecer final sobre o PLP 108/2021 — que trata do aumento no limite de faturamento das empresas enquadradas no Simples Nacional — pelo relator, deputado Darci de Matos (PSD-SC). Não sei se existem razões para comemorar ou apoiar a iniciativa. Aumentar o limite do Simples é um erro duplo: rema contra o crescimento econômico e aumenta um gasto tributário comprovadamente ineficiente.

Chegou-se a um consenso de que não há espaço para baixar nossa carga tributária. Logo, qualquer diminuição de impostos para uns significa majoração pra outros. Se mais empresas pagarão menos impostos ao poder aderir ao Simples Nacional, alguém pagará a conta. Nada de novo neste Brasil de “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Não adianta dizer, sobre o PLP atual, que não se trata de benefício fiscal, que sem o Simples essas empresas não existiriam e, portanto, não haveria arrecadação alguma. Por esse raciocínio, o Simples não só não seria renúncia fiscal, como teria potencial de criar arrecadação onde não haveria. Não é bem assim. Os bens e serviços produzidos por essas empresas — subsidiadas —seriam produzidos por outras empresas, mais eficientes e menos dependentes do Estado. Aliás, convenhamos, se não fosse para pagar menos, ninguém migraria de um regime regular para o Simples.

Mais grave que o aumento na renúncia fiscal é o impacto negativo dessa medida sobre uma agenda real de crescimento econômico. Aumentaremos nosso potencial de “país do Peter Pan, onde as empresas nunca crescem”, como recentemente ouvi de empresários.

Tratamos o Simples como um mero regime simplificado de recolhimento de tributos, quando ele se tornou muito mais que isso. Diferentemente do modo como evoluímos no tema dos regimes simplificados de tributação no Brasil, ele não deve ser pautado por renúncias fiscais. A instituição de regimes especiais para pequenas e médias empresas (PMEs) busca mitigar custos de conformidade e fiscalização.

O custo de pagar tributos (compliance) é fixo. Em empresas menores, esse custo é maior, proporcionalmente ao faturamento, que nas grandes. O mesmo pode-se dizer sob a ótica da eficiência da administração pública. Não vale a pena fiscalizar e cobrar um crédito tributário cujo montante é inferior a seu custo administrativo.

O aumento do subsídio para pequenas e médias empresas (PMEs) — que não seriam mais tão médias ou pequenas — fortalecerá ainda mais empresas não competitivas à custa de dinheiro público. Em 2019, a FGV publicou estudo com avaliação econômico-jurídica do Simples. A conclusão foi que esse regime não tem paralelo no mundo e é um gasto tributário que se traduz em entrave ao desenvolvimento. Ao tratar algumas empresas de forma benéfica, temos de tributar mais as outras e evitamos que aquelas cresçam e se tornem eficientes.

Nem sei se vale a pena falar em equidade. O aumento nos benefícios do Simples incentivará a pejotização. Assalariados ou prestadores de serviços já pagam 300% a mais de imposto que os sócios de empresas do Simples e do Lucro Presumido. Detalhes dessa distorção estão no Caderno nº 34 da FGV Projetos, em artigo publicado pelos diretores do Centro de Cidadania Fiscal em 2018.

O PLP 108 abusa do voluntarismo e do populismo, quando deveríamos estar construindo as bases de um projeto que ajudasse o país a crescer mais e melhor. É preciso criar soluções a partir de evidências. O projeto faz o contrário. Não há justiça social e melhora da competitividade das nossas empresas com esse projeto. Precisamos de uma racionalização do sistema tributário brasileiro a partir de uma reforma abrangente, bem pensada, focada em crescimento econômico e igualdade.