QUAL POLARIZAÇÃO?!
(Angela Alonso, professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Folha de SP, 07) Polarização é palavra da moda. Borda o debate público a torto, a direito e ao centro. Grudou na língua de presidenciáveis, que se propagandeiam como o meio entre “polos” igualmente extremados e indesejáveis.
Anda pop tratar o fenômeno como fruto das mídias sociais, mas a clivagem nós/eles está aí desde que o mundo é mundo —e com mais assiduidade que a tolerância. Sempre existiram comunidades autorreferidas, cujos membros se insulam, que respeitam somente opiniões, estilos, ações de seus compatriotas de grupo, enquanto depreciam, atacam e, se possível, destroem os que lhe são estrangeiros.
Nem é coisa nova, nem veste bem conjuntura eleitoral. Segundo turno só tem mesmo duas opções, obriga afunilar. O termo “polarização” ajuda quem se pretende o centro, pois bane o resto para os cantos, como extremos. A operação intelectual de equiparar adversários à direita e à esquerda —Lula vale tanto, ou tão pouco, quanto Bolsonaro— legitima a terceira via como uma necessidade.
A equivalência ajuda uns, reconforta outros, mas é falsa.
Não existem dois extremos na cena eleitoral. Há um conjunto de candidaturas dentro do espectro democrático —de moderadas a conservadoras. Não há candidatura radical à esquerda, disposta a desacatar resultados eleitorais e decisões judiciais, destruir instituições e pegar em armas para eliminar adversários. Tudo isso floresce exclusivamente em torno de uma única candidatura, à direita.
A retórica do “tudo farinha do mesmo saco” empana o fundamental: a candidatura Bolsonaro é uma candidatura extremista. Embora eleito por meio das regras democráticas, jamais ocultou a intenção de subvertê-las.
Extremismo que anima o jogo presidencial preferido, o do bem contra o mal. Assim insufla a ilusão da sociedade partida pela metade, quando é socialmente minoritário —conta com apoio contínuo e firme de cerca de 15% do eleitorado. Para atrair mais votos, é útil ao presidente desenhar a outra candidatura viável como um extremismo especular.
Assim, bolsonarismo a terceiraviismo se encontram na produção retórica de um “extremismo” de esquerda. Produção porque o “outro extremo” é, de fato, um conjunto vazio. A candidatura Lula-Alckmin é moderada, no máximo, de centro-esquerda.
Na ditadura, Lula, tido por radical, foi preso. Cumpriu a pena. Depois de presidir o país, acatou sentença judicial, quando tinha faca e queijo para se converter em líder político no exílio. Nos dois casos, não conclamou apoiadores à resistência armada, defendeu-se dentro das instituições. Nesta eleição, buscou vice na ala direita do PSDB, um político de proclamados valores conservadores.
A situação nada tem de bipolar. Há várias candidaturas democráticas e um único extremismo de tipo reacionário e autoritário.
O contraste ficou patente em episódio desta semana. Lula exortou sindicalistas a irem às residências dos deputados e pressioná-los: “não é para xingar não, é para conversar.” O cabo Junio Amaral, deputado pelo PL mineiro, logo deu seu endereço e o seu estilo de conversa, encerrou seu vídeo com pistola engatilhada. Carla Zambelli o secundou noutro vídeo, encimado pelo letreiro “Lula ameaça famílias”, no qual fala em “pregar bala” em “legítima defesa”.
Esta é a genuína polarização, entre os fiéis aos mecanismos democráticos da persuasão e do voto e os amantes das alternativas autoritárias e violentas