DESTRA, SINISTRA E AS FEDERAÇÕES PARTIDÁRIAS!
(Maurício Costa Romão) A partir de questionários aplicados a 519 cientistas políticos residentes no país e no exterior, no ano de 2018, professores da Universidade Federal do Paraná classificaram os partidos políticos brasileiros, segundo sua posição ideológica, numa escala de zero a dez, em que zero representava posição mais à esquerda e dez, mais à direita.
Longe de enveredar pelas infindáveis discussões acadêmicas que envolvem os conceitos de direita e esquerda, e muito menos pretender cotejar metodologias de classificação partidária de posições ideológicas, o presente texto se vale do relevante estudo da UFPR como referência empírica para melhor compreender as dificuldades que envolvem a celebração de federação de partidos para as eleições de 2022.
Registre-se, ab initio, que no pleito de 2018, em todos os estados brasileiros, à exceção do Rio de Janeiro, os partidos classificados no estudo como de esquerda (PCdoB e PT) e centro esquerda (PDT e PSB) celebraram alianças com um ou mais partidos de espectros à direita para eleição de governadores.
Mais recentemente, na disputa de 2020, o mesmo fenômeno ocorreu na eleição municipal: as mesmas siglas à esquerda estiveram juntas com outras à direita em coligações para prefeito em todas as capitais do país (menos em Florianópolis e Rio de Janeiro).
Não é de todo ousado inferir que o mesmo tenha acontecido na larga maioria dos 5.568 municípios brasileiros na eleição de 2020. Há fortes indícios indicativos dessa possibilidade, conforme aponta trabalho do cientista político Humberto Dantas, que catalogou dados junto ao TSE sobre as alianças partidárias que se formaram em 2012 na eleição para prefeito nos municípios brasileiros.
Dos 10 maiores partidos à época, cada um do “campo” da esquerda (PT, PSB, PDT) esteve junto em aliança em torno de uma mesma candidatura a prefeito com partidos do “campo” oposto, nunca menos que em 1.000 municípios. Por exemplo, o PT com o PP (aliados em 1.531 municípios), com o DEM (1.041), com o PR (1.402), com o PSDB (1104), etc. A mesma coisa com as alianças do PSB e PDT. É de se imaginar que nas eleições de 2016 e de 2020 o mesmo diapasão se haja mantido, com incidências numéricas aproximadas.
Esse breve mosaico de letras misturadas ressalta a natureza incoerente e inorgânica dos partidos brasileiros e sua descarada sustentação pragmática em conveniências eleitorais. Não é à toa que as federações partidárias, agora definitivamente legitimadas pela decisão colegiada do STF na quarta-feira (9/02), estão tendo tantas dificuldades de se formarem.
Com efeito, para se apresentarem como não sendo meras replicações das coligações proporcionais, as federações incluíram na sua lei de criação dois dispositivos de disfarce: (1) a abrangência nacional da aliança (verticalidade) e (2) a exigência de um mínimo de 4 anos de união federada.
Estava assim ancorada para seus idealizadores a narrativa que distinguia o novel mecanismo das antigas coligações: a federação não era composta diversamente em cada localidade e nem tampouco efêmera, que se desfazia assim que terminavam os pleitos. A narrativa foi convincente, conforme se depreende da decisão do STF.
Os dois dispositivos que dão base discursiva de “união programática” aos defensores da novidade eleitoral são ao mesmo tempo os obstáculos à concretização dessa mesma união por conta da complexidade dos arranjos políticos locais e da negociação que perpassa duas eleições, uma geral e outra municipal.
Definitivamente, é muito difícil conciliar os dois requerimentos da federação diante de painel partidário tão descaracterizado programática e ideologicamente.