UM PAÍS CAPAZ DAS REFORMAS!
(O Estado de S. Paulo, 24) A destacar as várias reformas feitas no País desde a redemocratização, o conjunto de podcasts A Arte da Política Econômica – uma iniciativa do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças – mostra que houve um considerável avanço no ambiente institucional e econômico do País. Não condiz com a realidade, portanto, a ideia de que nada foi feito ou de que as coisas só pioram. Muito se fez ao longo dessas três décadas e meia, e olhar em perspectiva a trajetória das reformas pode fornecer lições importantes para os tempos atuais, tão desafiadores.
Em primeiro lugar, ao considerar o que foi aprovado desde o governo de José Sarney, percebe-se que muita coisa foi feita. E ainda mais significativo: muitas reformas foram aprovadas em situações políticas e econômicas dificílimas. Elas não são uma utopia, tampouco exigem circunstâncias excepcionalíssimas. Demandam, isso sim, diagnóstico qualificado do problema, proposta séria e liderança e coordenação políticas.
Não se trata de otimismo ingênuo.
Levantamento do Estado, realizado a partir dos podcasts da Casa das Garças, contabilizou 28 reformas aprovadas desde 1986, começando pela extinção da chamada “conta movimento” do Banco do Brasil, que fazia com que a instituição recebesse um fluxo automático e ilimitado de recursos do Banco Central, como forma de viabilizar operações de interesse do governo federal (por exemplo, compra de produtos agrícolas e concessão de crédito rural). Na prática, a conta transformava o Banco do Brasil em autoridade monetária paralela.
Ao olhar as reformas em perspectiva, fica evidente também a disparidade entre os diferentes governos. Muitas reformas foram realizadas, mas elas não aconteceram por uma espécie de impulso histórico incontornável. Houve períodos com aprovação de medidas estruturantes em ritmo intenso, como os governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, e outros em que nenhuma reforma foi aprovada. Não é exagero: durante o período em que Dilma Rousseff esteve na Presidência da República, nenhuma medida de modernização do País foi implementada.
A escandalosa omissão petista revela a responsabilidade do cidadão na escolha de seu voto. Dilma Rousseff não aprovou nenhuma reforma não porque não contasse com apoio político. Em seu primeiro mandato, tinha ampla maioria no Congresso. O ponto é que ela não queria nenhuma reforma. Sua agenda era intervencionista, em irracional adesão ao retrocesso.
Caso peculiar é o governo de Jair Bolsonaro. O Congresso, quando ainda Rodrigo Maia ocupava a presidência da Câmara dos Deputados, aprovou reformas significativas, como a da Previdência e o novo marco do saneamento básico. No entanto, em vez de representar mérito para o presidente Bolsonaro, a aprovação das duas medidas revela, sobretudo, o influxo positivo, ao longo do tempo, de um governo verdadeiramente reformista. Previdência e saneamento foram objeto de intenso estudo, debate e amadurecimento no governo de Michel Temer.
As “reformas” do governo Bolsonaro – entre aspas, porque carecem de elementos mínimos para se qualificarem como medidas estruturantes – nunca foram prioridade do Palácio do Planalto. Basta ver as PECs apresentadas, em fins de 2019, sob o rótulo de “Plano Mais Brasil” ou a proposta de reforma administrativa. O governo as esqueceu.
O diagnóstico em perspectiva das reformas deixa o presidente Jair Bolsonaro em situação delicada. O bolsonarismo travou a tramitação no Congresso de dois projetos de reforma tributária (de longe, os textos mais maduros sobre o tema que apareceram em anos) e trabalhou para aprovar a PEC do Calote, paradigma de retrocesso na política fiscal.
Seria equivocado, portanto, ignorar que, ao lado das reformas e avanços, também houve, ao longo do tempo, retrocessos e paralisias. A modernização do Estado e do ambiente econômico não é uma utopia, mas requer responsabilidade do eleitor e das lideranças políticas. O obstáculo não é uma eventual impopularidade do governante, e sim o populismo, seja qual for sua cor ideológica.