A PEQUENA ALEXANDRA NAJJAR E O ANIVERSÁRIO DA CATÁSTROFE EM BEIRUTE!
(Guga Chacra – Globo, 05) Há uma foto de uma menina de 4 anos nos ombros do pai em uma manifestação em 2019 contra a crise econômica e a incompetência da classe política em Beirute. O nome dela era Alexandra Najjar. Vestia um macacão rosa e carregava uma bandeira do Líbano, com o cedro, árvore símbolo do país, em meio às duas faixas vermelhas que significam o sangue dos mártires da independência.
Um ano mais tarde, no dia 4 de agosto de 2020, Alexandra se tornaria uma das centenas de vítimas da explosão do porto de Beirute. Uma explosão que assombrou o mundo, da Argentina ao Japão. As imagens mostram uma fumaça preta, estranha, antes de um cogumelo se formar, como se uma bomba atômica houvesse sido despejada na capital libanesa. Em centésimos, esta cidade à beira do Mediterrâneo ficaria cinza, com vidros quebrados e escombros por todas as partes, além dos mortos e feridos.
Depois de anos para se reconstruir da Guerra Civil, que devastou o país entre 1975 e 1990, Beirute mais uma vez se tornava sinônimo internacional de destruição. Mar Mikhail (São Michel), um antigo bairro armênio que havia se tornado a área da boêmia libanesa nos últimos anos, com jovens em mesinhas de bares nas calçadas, praticamente acabou. Muitos prédios do sofisticado bairro cristão greco-ortodoxo de Ashrafyeh foram arrasados. Pouco sobrou de áreas do centro reconstruído, conhecido como Solidere.
Não estava em Beirute naquele dia. Vi, como muitos, à distância, aqui de Nova York. Todos os anos costumo ir ao Líbano e pretendia ir em 2020, para mostrar aos meus filhos a terra dos ancestrais deles. A pandemia nos impediu. Não havia tanto problema em esperar. Mas, ao ver a destruição causada pelo porto, senti como se tivesse perdido um parente, uma parte de mim, das minhas memórias de andar por aquela cidade.
Se nós libaneses e descendentes de libaneses da diáspora choramos com a explosão, imaginem a dor de quem estava em Beirute e, mesmo sobrevivendo, perdeu os avós, os pais, os amigos e os filhos, como Paul Najjar, o pai da pequena Alexandra? Perderam suas casas, suas escolas, seus restaurantes preferidos e até mesmo suas árvores.
Passado um ano da explosão, o cenário no Líbano é catastrófico. O país enfrenta uma das maiores crises econômicas do mundo desde o século XIX, segundo o Banco Mundial. A inflação anual atingiu 100%. A moeda perdeu 90% de seu valor. A classe média empobreceu. Os mais pobres passam fome nesta que é a nação com o maior número de refugiados do planeta. Milhares morreram de Covid-19. E ninguém foi punido pela explosão no porto. Os políticos, divididos em grupos sectários cristãos, sunitas e xiitas, seguem incapazes de formar um governo um ano depois da tragédia. Não há transporte público, falta eletricidade várias horas por dia, há escassez de combustível nos postos de gasolina e a coleta de lixo é intermitente.
Claro, assim como no Rio, Beirute tem o seu “Leblon”, como uma elite dolarizada indo a caros restaurantes, lotando as baladas a céu aberto, com hospitais excelentes e passando os fins de semana em praias paradisíacas em Byblos, Batroun, Tyro e outras vilas mediterrâneas. Mas, assim como no Rio, basta sair desta bolha para descobrir não apenas uma nação decadente, mas uma nação que literalmente explodiu. Afinal, Beirute e o Líbano como um todo podem ser mágicos, mas são trágicos ao mesmo tempo. A pequena Alexandra é uma das vítimas da tragédia e mais uma mártir da história libanesa.