23 de abril de 2021

O QUE QUER A ESCOLA AUSTRÍACA!

(Helio Beltrão, do instituto Mises Brasil – Folha de SP, 21) Toda ciência é, por definição, isenta de juízos de valor, ou seja, livre de vieses e opiniões do cientista que possam impactar a análise. Tal princípio é uma das grandes contribuições da revolução científica.

David Hume articulou no século 18 o problema do “ser”-“dever ser”. Argumentava que não se pode derivar o que “deveria ser” a partir do que “é”.

A dicotomia de Hume sinalizou uma forma analítica de fatiar escopos para aprofundar o conhecimento. A ciência deve se limitar a cuidar dos fatos, daquilo que “é”, ao passo que a filosofia política e a ética, por exemplo, formam disciplinas voltadas ao que “deve ser”.

O princípio da neutralidade se aplica também às ciências sociais, em particular à econômica. Como dizia Ludwig von Mises, a “economia é apolítica ou não política e se refere sempre aos meios, nunca à escolha dos fins últimos”. É, portanto, a discussão sobre o que funciona e o que não funciona, de forma a alcançar certos fins dados.

Nas ciências naturais como a física, a química e a biologia, é razoavelmente trivial afastar juízos de valor. Experimentos controlados em laboratório —replicáveis e que isolam o objeto de estudo de todas as demais influências— deixam pouco espaço para contaminação por valores pessoais.

As ciências sociais são diferentes, pois é virtualmente impossível desenhar um experimento controlado com seres humanos que elimine interferências indevidas e permita apontar o fator causador isolado, que explique o futuro em todas as ocasiões. Os dados no mundo real são produto de diversas influências que o pesquisador não consegue isolar, especialmente por tratar do inconstante comportamento humano.

O caso da separação das Alemanhas Oriental e Ocidental e das Coreias no pós-guerra são possíveis exceções que comprovam a dificuldade. Povos com mesma cultura, trajetória histórica, língua e valores foram separados abruptamente em metades, nas quais políticas públicas distintas foram implementadas. O “experimento” demonstrou inequivocamente o dano de políticas públicas coletivistas.

Em razão dessas dificuldades metodológicas inexpugnáveis, “escolas” de pensamento perduram, cada qual com distintos pressupostos. Em economia, além da Escola Austríaca, que chegou aos 150 anos, há as escolas neoclássica, keynesiana de várias vertentes, monetária/Chicago, de escolhas públicas, institucionalista, marxista.

Não há um método consensual que comprove definitivamente que a escola rival não funcione. Por exemplo, a despeito das evidências das Alemanhas e das Coreias, os marxistas respondem com mantras como “deturparam Marx” e “o socialismo não foi aplicado até o fim”, cuja refutação, infelizmente, não conta com o auxílio de resultados objetivos de um experimento de laboratório.

Os austríacos e outros economistas utilizam termos como “melhorar sua satisfação” em um sentido formal estrito. O pressuposto normativo equivalente seria algo na linha de que a imensa maioria das pessoas prefere saúde a doença, vida a morte, e abundância a escassez. O sentido estrito da ciência econômica, no entanto, não denota juízo de valor.

Dados os fins da imensa maioria, o economista da Escola Austríaca, por exemplo, utiliza seu arcabouço científico para demonstrar que trocas voluntárias em um regime de igualdade perante a lei e respeito à propriedade privada são eficazes.

Caso Stálin lhe perguntasse como alcançar a utopia marxista da igualdade material perene, Mises provavelmente diria que políticas socialistas são plenamente eficazes, porém ressaltaria o resultado: todos iguais na pobreza material.