06 de janeiro de 2021

SHE-CESSION!

(Cecilia Machado – Folha de S.Paulo, 05) He-cessions —recessões econômicas com impactos diferenciados no emprego dos homens— têm sido a norma desde que as mulheres passaram a participar de forma mais permanente no mercado de trabalho. Na última grande recessão, em 2007-2009, não foi diferente: a perda de empregos concentrou-se em setores da indústria e da construção, sendo maior para os homens.

Na depressão de agora, os impactos no mercado de trabalho são ainda mais expressivos, mas, ao contrário de antes, estão drasticamente concentrados nas mulheres.

Os efeitos já eram dados como certo no início da pandemia, e o termo she-cession não demorou para ser inaugurado.

Uma política de distanciamento social —que afeta os setores nos quais as mulheres estão mais inseridas, como em serviços—, combinada com o fechamento das escolas, é a receita perfeita para fazer das mulheres as maiores perdedoras desta recessão.

As recentes estatísticas de emprego confirmam de forma impressionante o tamanho do desastre. No Brasil, o número de pessoas ocupadas caiu de 93 milhões para 82 milhões entre os terceiros trimestres de 2019 e 2020, uma perda de 11 milhões, repartida igualmente entre os gêneros, apesar de a participação das mulheres na população ocupada ser menor, de apenas 43%.

Pior ainda é o aumento da população fora da força de trabalho, que passou de 64 milhões para 78 milhões, uma alta de 14 milhões no número de pessoas que saíram do mercado de trabalho —nem trabalham, nem procuram emprego—, das quais 5,1 milhões são homens e 8,5 milhões são mulheres.

Ou seja, a cada 10 pessoas que saíram da força de trabalho, 6 eram mulheres e 4 eram homens. Nos Estados Unidos, a razão chegou a atingir 8 para 2, em setembro de 2020.

As preocupações com relação às amplificações das desigualdades de gênero ganham corpo quando se consideram que afastamentos, ainda que temporários, têm efeitos duradouros mesmos muitos anos após a recessão. Diversos estudos mostram que separações e afastamentos do emprego durante as recessões resultam em perdas salariais expressivas e menores chances de reemprego, assim como também efeitos que transbordam para a saúde e o bem-estar dos indivíduos.

E, mesmo que a recuperação fosse em “V”, nada indica que a recomposição de empregos irá compensar as perdas desiguais no mercado de trabalho. De fato, a retomada da economia vem favorecendo justamente mais os homens e menos as mulheres.

Hoje já se coloca bastante em dúvida se a recuperação se dará de forma rápida, e muitos analistas consideram que a crise sanitária permanecerá por boa parte de 2021, especialmente em economias periféricas.

As implicações para a amplificação das desigualdades de gênero são reais e concretas, e seus desdobramentos, persistentes no tempo. Alguns estudos (Alon et al. 2020) estimam que a pandemia implicará um gap de gênero aumentado por mais de uma década de agora, já que o salário relativo das mulheres cai durante a pandemia, como também mantém-se abaixo do nível inicial durante toda a recuperação.

Mas não só isso. Para além da desigualdade, a participação das mulheres no mercado de trabalho tem implicações para a própria recuperação da economia. Intuitivamente, a propagação de um choque econômico depende de como as famílias ajustam consumo, e o impacto é tanto menor quanto maior a possibilidade de emprego das mulheres, o que ficou bastante prejudicado com o fechamento das escolas.

A natureza de uma she-cession —como nesta pandemia— é bastante distinta das recessões anteriores. E as ações e políticas de enfrentamento à crise precisam considerar essas particularidades.

Entre elas, cabe reconhecer que reabertura das escolas tem implicações econômicas. Ela libera mão de obra para trabalho produtivo e favorece mais que proporcionalmente as mulheres. Permite não apenas que pais com filhos pequenos possam trabalhar como também reduz as barreiras da mobilidade social das crianças em situação de pobreza e estimula o crescimento econômico.

É um dos principais pilares da retomada da economia e precisa urgentemente passar a fazer parte do plano de recuperação em escala nacional, coordenado pelo Executivo federal, com planos e metas integrados.

Entre bares e escolas, a abertura das escolas promete exibir retornos econômicos muito maiores.