ESTRAGO FISCAL MENOR DO QUE ESPERADO!
(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S.Paulo, 28) Quando os países desenvolvidos anunciam medidas de expansão de gastos, como os bilionários pacotes para compensar os danos econômicos da pandemia, o mercado financeiro torna-se otimista, com reflexos altistas nos preços das ações e redução da aversão ao risco. Aqui, no Brasil, ocorre exatamente o contrário. Qualquer suspeita de aumentos das despesas públicas tem forte impacto negativo sobre as expectativas dos agentes econômicos. Há várias razões para esse comportamento tão oposto, e as duas principais são as seguintes.
A primeira é que o Brasil, mais de uma vez, declarou moratória. A última foi em fevereiro de 1987, com a suspensão unilateral do pagamento dos juros sobre a dívida externa. Sem falar da redução forçada (haircut) do valor real da dívida interna, ocorrida nos vários planos econômicos para conter a hiperinflação. Ou seja, nosso passado nos condena.
A segunda é que nosso sistema político é frágil e pouco eficaz na condução de políticas públicas, o que gera muita instabilidade na economia. Desde a década de 1980 o País não consegue engatar um ciclo duradouro de crescimento. Isso, obviamente, põe a sustentabilidade do passivo público permanentemente em xeque.
Essas são as maiores restrições à validade, entre nós, da chamada Moderna Teoria Monetária, que tem como maior defensor no Brasil o brilhante economista André Lara Resende. Essa teoria tem como princípio fundamental a ideia de que todo governo que emite a moeda na qual sua dívida está denominada não possui restrição orçamentária.
Tudo isso para dizer que não é necessário ser um economista ortodoxo radical, tampouco um fiscalista extremo, para entender a necessidade premente de manter as contas públicas sob controle. Felizmente, o custo fiscal da pandemia no Brasil ficou muito menor do que o esperado.
Tornou-se lugar comum, e continua sendo utilizada por economistas de grande reputação, a expressão “com a dívida bruta em quase 100% do PIB…”. De fato, durante o segundo trimestre deste ano, projetava-se um resultado primário negativo de quase 15% do PIB, e a dívida bruta, conceito Banco Central, alcançaria e logo superaria a marca psicológica de 100% do PIB. Ocorre que alguns fatos mudaram completamente esses números:
1) queda real do PIB em 2020 bem inferior à inicialmente projetada;
2) revisão, para maior, feita pelo IBGE do crescimento real do PIB desde 2018;
3) surpresa (para cima) nas variações de diversos índices de inflação que, entre outros efeitos, deve fazer com que o deflator, usado para estimar o valor nominal do PIB, supere 5% em 2020; e
4) como consequência dos pontos 1 e 3, a arrecadação do governo também superou bastante as expectativas.
Segundo estimativas da MCM Consultores, o déficit primário deste ano deve ficar em R$ 761 bilhões, 10,2% (e não 15%) do PIB. A relação dívida bruta/PIB (DBGG/PIB) deve fechar o ano em 89,7%. Para 2021, se forem observados os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e se o BNDES pagar ao Tesouro R$ 100 bilhões para amortizar sua dívida, como tem sido anunciado pelo Ministério da Economia, a relação DBGG/PIB tende até a cair ligeiramente.
E quanto à trajetória de longo prazo da dívida? Pode-se mostrar que, com algumas medidas, já com debates bastante avançados, destacando-se a reforma tributária, nos moldes da PEC 45, e a manutenção do teto de gastos, até 2036, com mudanças nas regras, a partir de 2023, como a proposta pelos economistas Fábio Giambiagi e Guilherme Tinoco, a relação DBGG/PIB é benigna, tendendo à estabilidade e, posteriormente, à queda.
O governo insiste em mostrar números piores, talvez como argumento contra a criação de pautas-bomba no Congresso Nacional. Isso não é uma boa prática. Dados fiscais precisam ser críveis e transparentes.