TETO PARA DÍVIDA: MÁ REGRA FISCAL!
(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 14) Felizmente o senador Márcio Bittar (MDB-AC) resolveu reestudar seu substitutivo da PEC 186 (PEC Emergencial), que veio a público na semana passada. A PEC decepcionou aqueles que aguardavam com ansiedade as tão prometidas novas normas fiscais, mas prefiro esperar a reformulação da proposta para melhor analisá-la.
No entanto, desde a versão inicial da PEC, apresentada pelos senadores Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e outros, em 2019, baseada na proposta do Ministério da Economia, há um ponto preocupante e que provavelmente será mantido na reformulação.
Trata-se da inclusão, no artigo 163 da Constituição federal, do inciso VIII, que estabelece a obrigatoriedade de lei complementar (LC) dispor sobre a sustentabilidade da dívida pública. Entre outras medidas, será obrigatória a indicação da trajetória de convergência do montante da dívida para os limites dados. Ou seja, deverá ser estipulado um limite para a dívida, muito provavelmente como porcentagem do PIB (D/P), que é o mais usual. A LC também definirá qual conceito de dívida pública será adotado, já que existem vários e alguns são muito inadequados para esse fim.
Há problemas de ordem prática e conceitual em utilizar limite de dívida como regra fiscal.
A dinâmica da relação D/P depende de vários fatores, muitos fora do controle do governo, que geram dificuldades para a sua acurada projeção e, consequentemente, para a fixação de limites a serem perseguidos. Essa trajetória depende do nível de endividamento atual, do diferencial entre a taxa real de juro (r) incidente sobre a dívida e a taxa real de crescimento do PIB (g), e do resultado primário.
A dificuldade de projetar essas variáveis é maior do que parece à primeira vista. Tome a relação (r-g). A taxa real de juro (r) é calculada deflacionando-se a taxa nominal pela inflação ao consumidor (IPCA). No entanto, a inflação embutida no valor do PIB nominal, conhecida como deflator do PIB (DP), tem sido muito diferente da variação do IPCA. Dependendo da hipótese que se faça sobre a evolução no tempo desse diferencial, podem-se obter trajetórias totalmente diversas para a relação D/P, sem que isso tenha qualquer origem na melhor ou na pior gestão da política fiscal.
E a diferença, no Brasil, entre o DP e o IPCA tem sido muito expressiva. No período 1997-2018, o DP foi 1,28 ponto porcentual ao ano superior ao IPCA (1,37, se tomarmos a mediana). Quando se trata de avaliar a sustentabilidade da dívida projetando a trajetória D/P para o médio e o longo prazos, esse diferencial tem enorme importância. Além disso, o PIB apurado pelo IBGE tem sofrido significativas revisões, em geral para cima. Ou seja, uma determinada relação D/P, que se mostrou acima do limite estabelecido e ensejou medidas corretivas na política fiscal, pode não ter ocorrido, o que só se saberá após a revisão do PIB.
A principal questão conceitual é que esse teto induz política fiscal prócíclica, ou seja, tende a provocar contração de despesas nos períodos recessivos, quando a receita e o PIB caem, e a estimular a expansão de gastos, nos períodos de boom. Essa é uma propriedade extremamente indesejável em regras fiscais.
Excelente trabalho do FMI, de 2018, denominado How to Select Fiscal Rules, argumenta que um dos objetivos das regras fiscais é promover a sustentabilidade da dívida pública, mas não recomenda metas de dívida para nortear a política fiscal. Após analisar vantagens e desvantagens de várias possíveis regras fiscais, é nítido que a preferência é por norma que discipline a evolução das despesas, dado que são mais fáceis de serem comunicadas e monitoradas, permitem estabilização macroeconômica e fornecem clara orientação operacional. O teto de gastos vigente no Brasil pertence a essa categoria, embora deva, em breve, ser aperfeiçoado para perdurar.