22 de junho de 2020

TULSA E OS VÁRIOS PECADOS DO RACISMO!

(P. Krugman – O Estado de S. Paulo, 21) Quando Donald Trump agendou um comício em Tulsa, enviou um sinal de aprovação aos supremacistas brancos. A data escolhida, dia 19, era o Juneteenth, um dia comemorado pelos negros para marcar o fim da escravidão. E Tulsa foi o local do massacre de 1921, um dos incidentes mais mortais da ofensiva para negar aos negros a liberdade.

Dizem que a campanha de Trump não entendeu o significado da data, mas não acredito. O presidente, com má vontade, adiou a manifestação em um dia, mas isso foi certamente porque ele e seu círculo mais próximo foram surpreendidos pela força da reação – assim como foram surpreendidos pelo apoio aos protestos do Black Lives Matter. Mas vamos falar sobre Tulsa e como ela se encaixa na história do racismo nos EUA.

Joe Biden declarou que a escravidão é o “pecado original” da América. Ele está certo, é claro. É importante, no entanto, entender que o pecado não parou quando a escravidão foi abolida. Se os EUA tratassem ex-escravos e seus descendentes como verdadeiros cidadãos, com proteção total da lei, o legado da escravidão desapareceria gradualmente.

Os escravos libertados começaram com nada, mas, com o tempo, muitos teriam subido, adquirindo propriedades, educando seus filhos e se tornando membros plenos da sociedade. De fato, isso começou a acontecer durante os 12 anos do período conhecido como “Reconstrução”, quando os negros se beneficiaram de alguma coisa parecida com direitos iguais.

Mas o acordo político que terminou com a Reconstrução deu poder aos supremacistas brancos do Sul, que suprimiram os avanços raciais. Os negros que conseguiam adquirir propriedades, descobriam que elas havia sido desapropriadas, seja por subterfúgios legais ou à mão armada. E a nascente classe média negra foi sujeita ao reino de terror. É aí que Tulsa se encaixa.

Em 1921, a cidade foi o centro de um boom do petróleo, um lugar para o qual as pessoas em busca de oportunidades migraram. O local ostentava uma classe média negra considerável, centrada no bairro de Greenwood, descrito como a “Wall Street negra”. E esse foi o bairro destruído por uma turba de fanáticos brancos, que saquearam empresas e casas de negros, matando centenas (não sabemos quantos, porque o massacre nunca foi investigado). A polícia, é claro, não fez nada para proteger os negros. Em vez disso, se juntou aos manifestantes.

Não é de surpreender que a violência contra os negros que conseguiram alcançar algum sucesso econômico desencorajasse a iniciativa. Por exemplo, a economista Lisa Cook mostrou que o número de negros que registram patentes, que dispararam por várias décadas após a Guerra Civil, caiu em face da violência branca. A repressão ajudou a impulsionar a Grande Migração, movimento de milhões de negros das cidades do Sul para o Norte, que começou cinco anos antes do massacre de Tulsa e continuou até 1970.

Mesmo nas cidades do Norte, aos negros eram negadas oportunidades de ascensão. Por exemplo, em 1944, trabalhadores de trânsito brancos na Filadélfia entraram em greve em protesto contra a promoção de negros. Mas a discriminação foi menos severa do que no Sul e era possível esperar que a saga tivesse terminado com a Lei dos Direitos Civis, promulgada um século após a Emancipação.

Infelizmente, para muitos negros, as cidades do Norte se tornaram armadilhas socioeconômicas. As oportunidades que atraíram os migrantes desapareceram quando os empregos se mudaram, primeiro para os subúrbios, depois para o exterior. Chicago, por exemplo, perdeu 60% dos emprego na indústria, entre 1967 e 1987. E, quando a perda de oportunidades levou a uma disfunção social, muitos brancos estavam prontos para culpar as vítimas e dizer que o problema estava na cultura negra – ou, alguns sugeriram, na inferioridade racial.

Esse racismo implícito alimentou a oposição a programas do governo. Se perguntarmos por que a rede de segurança social nos EUA é mais fraca do que a de outros países avançados, a resposta se resume a uma palavra: raça. Embora a escravidão fosse o pecado original da América, seu legado foi perpetuado por outros pecados, alguns dos quais continuam até hoje. A boa notícia é que os EUA estão mudando. A tentativa de Trump de usar o antigo manual racista o levou a uma queda nas pesquisas. Seu comício em Tulsa parece ter saído pela culatra. Ainda estamos manchados pelo pecado original, mas podemos estar no caminho da redenção.