DEPOIS DA COVID, A DÍVIDA PÚBLICA!
(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 18) Os danos para a economia e para as finanças públicas brasileiras provocados pelo surto da covid-19 serão gigantescos. Meu modelo de projeção, baseado em hipóteses relativamente otimistas para o cenário internacional e supondo saída gradual do isolamento social, que só terminaria completamente no segundo trimestre de 2021, indica que o PIB terá contração de 5,0% em 2020. O déficit primário da União, no corrente ano, deverá alcançar R$ 650 bilhões (cerca de 9% do PIB).
De acordo com esse cenário, a dívida bruta do governo geral (DBGG), em 2021, será de 102% do PIB (conceito FMI), ou 90% do PIB (conceito governo brasileiro). A diferença entre essas duas métricas é que, ao contrário do que faz o FMI, o governo brasileiro exclui da DBGG os títulos de emissão do Tesouro Nacional que estão fora do mercado, na carteira do Banco Central (BC). Por razões técnicas, prefiro e adotarei aqui o conceito do FMI, até porque é o utilizado em comparações internacionais. Para ter uma ideia do estrago, no final de 2019 a DBGG era de 89% do PIB, ou seja, em dois anos crescerá cerca de 13% do PIB.
Isso significa que o Brasil caminha para a insolvência ou que entrará na chamada dominância fiscal, possibilidade admitida recentemente pelo economista Samuel Pessôa? Não necessariamente, pois nos restam alternativas para lidar com o problema.
O primeiro ponto a lembrar é que, para um dado resultado primário, a dinâmica da dívida depende do diferencial entre a taxa real de juro (r) ea taxa real de crescimento da economia (g). Tudo indica que r-g, ao menos nos próximos dois a três anos, tenderá a ser nulo ou até mesmo negativo, o que ajudará a conter, ou até mesmo a reduzir, a relação dívida/PIB. Duas razões dão suporte a essa previsão: uma de natureza externa, outra doméstica.
A razão externa é que os juros nominais nos países desenvolvidos serão mantidos em patamares muito baixos, até mesmo negativos, não só pela inexistência de quaisquer sinais de inflação no futuro visível, como também para tentar estimular a recuperação da atividade econômica e evitar a deflagração de forte crise de inadimplência de devedores, tanto empresas como pessoas físicas. Para os interessados, sugiro a leitura de um importante artigo do consagrado economista Kenneth Rogoff, em que propõe taxa de juros básica de até -3% ao ano nos EUA: https://www.project-syndicate.org/commentary/advanced-economies-need-dee ply-negative-interest-rates-by-kennethrogoff-2020-05.
A razão doméstica é que, no que pese ser provável modesta retomada do crescimento da economia a partir de 2021, o PIB efetivo deverá continuar abaixo do potencial (hiato do produto negativo) pelo menos até o final de 2022, o que possibilitará ao BC manter a taxa real básica de juro em patamar muito baixo, provavelmente aquém da taxa de crescimento do PIB, sem ameaçar o cumprimento da meta de inflação.
Apesar disso, a solução da crise fiscal não virá sem sacrifícios. A reforma administrativa, muito mais severa do que a que se pensou antes da epidemia, e uma reforma tributária que inclua não só a excelente proposta contida na PEC 45, que cria o Imposto sobre Bens e Serviços, como também drástica redução dos privilégios tributários da população mais rica, como os hoje concedidos no sistema de lucro presumido e nas vultosas desonerações e renúncias fiscais, serão instrumentos importantes para o ajuste das contas públicas e para o aumento de produtividade da economia.
Mas não é só isso. O governo ainda possui estatais valiosas que podem e devem ser privatizadas, e necessita retomar o programa de concessões. Essas medidas não só melhorarão as finanças públicas, como impulsionarão a produtividade e o crescimento econômico.
Como se vê, a questão é mais política do que técnica, e aí é que mora o maior perigo.