SINUCA DE BICO!
(Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal – O Estado de S. Paulo, 12) A forma como o Brasil vem tratando da crise do coronavírus – seja no controle das contaminações, seja de seus impactos econômicos – é bastante preocupante.
Por um lado, a falta de coordenação e de profissionalismo na gestão do isolamento social (com especial destaque para a atitude negacionista do presidente da República) tem conduzido a um ritmo crescente de contaminações e mortes após quase dois meses de confinamento. Neste cenário, a retomada da atividade econômica, ainda que parcial, tende a ser postergada, seja pelo acirramento das medidas de distanciamento social, seja pelo próprio temor da população.
Por outro lado, o espaço fiscal para medidas de compensação dos efeitos da crise está cada vez mais estreito. Além de partir de um patamar elevado de dívida pública, o custo fiscal das medidas já anunciadas de combate à crise tem sido extremamente elevado. Segundo estimativas elaboradas por uma equipe coordenada por Marcos Lisboa, o custo fiscal da crise em 2020 tende a ser de, pelo menos, R$ 597 bilhões. Tal custo já dificulta bastante a contenção do crescimento da dívida pública sem um aumento da carga tributária, que teria impactos muito negativos para o crescimento do País.
A conjunção desses dois elementos é explosiva. De um lado, a má gestão da política de isolamento social torna difícil a sua flexibilização e a retomada da atividade econômica. De outro, o custo das medidas econômicas adotadas já é muito elevado – provavelmente maior do que precisaria ser –e o espaço fiscal para sua prorrogação é cada vez menor. É uma sinuca de bico que provavelmente levará a que tanto as mortes quanto o custo social e econômico da crise sejam mais elevados no Brasil do que em outros países.
Se a política de isolamento social e a política econômica tivessem sido bem conduzidas, o ritmo de contaminação já teria caído, o confinamento estaria sendo progressivamente afrouxado e as medidas horizontais de garantia de renda das famílias e de garantia do emprego estariam sendo substituídas por políticas focalizadas e de menor custo para o governo.
Não dá para voltar atrás e refazer a trajetória dos últimos dois meses. Mas ainda é tempo de tentar minimizar o custo humano, social e econômico da crise nos próximos meses. Para tanto, precisamos de profissionalismo, de planejamento e de coordenação – entre os Poderes da República e entre os entes da Federação.
Em primeiro lugar, é preciso ter uma estratégia inteligente e coordenada de distanciamento social, de uso de equipamentos de proteção individual e de testagem da população – a qual, se não puder ser a mais ampla possível, pelo menos tem de ser a mais racional possível. Essa é a condição indispensável para que a atividade econômica seja retomada, ainda que parcialmente, no menor prazo possível.
Em segundo lugar, é preciso reavaliar as medidas de garantia da renda, do emprego e da liquidez das empresas, planejando a transição das medidas horizontais adotadas no início da crise para medidas focalizadas e com menor custo fiscal. Para tanto, é preciso uma avaliação rápida e detalhada das providências que já foram adotadas.
Por fim, é preciso avançar na estruturação de uma agenda de aumento da produtividade e de reforma do Estado, para que, na saída da crise, o crescimento da economia seja o maior possível e a expansão das despesas públicas seja controlada, contribuindo para uma trajetória sustentável da dívida pública. Trata-se de parte central da agenda de financiamento do custo fiscal da crise. Talvez ainda não seja o momento de avançar no debate dessa agenda no Legislativo, mas é importante que ela esteja o mais madura possível para quando esse debate se iniciar.
Sei que é difícil de avançar no sentido do profissionalismo e da coordenação, até porque o chefe do Poder Executivo federal não parece ter o menor interesse nessa agenda. Mas alguém precisa fazê-lo, sob risco de perdermos muito mais vidas e de termos um custo econômico muito maior do que o inevitável.