O NOVO PATAMAR DO JURO NO BRASIL!
(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 04) Na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a taxa básica de juro (Selic) para 5% ao ano e sinalizou pelo menos mais uma queda de 0,5 ponto porcentual, encerrando 2019 em 4,5% ao ano, não sendo descartada queda adicional em 2020. Com isso, a taxa real de juro, após a tributação, estará próxima de zero, podendo até mesmo tornar-se ligeiramente negativa. Até há pouco tempo isso era impensável. Quem fizesse tal previsão não seria levado a sério. Mas não se trata de canetada. O Copom vem seguindo o bom manual de política monetária. Eu mesmo defendi nesta coluna, por mais de uma vez, a necessidade de um afrouxamento monetário mais agressivo, em razão da enorme ociosidade dos fatores de produção existente atualmente na economia e da ausência de pressões inflacionárias.
A grande pergunta no momento é se este nível de juro é transitório, decorrente de condições momentâneas peculiares, ou se veio para ficar, por tempo indeterminado. Acredito que a segunda alternativa seja a mais provável, embora deva ocorrer modesta elevação da taxa real, talvez para 2% a 2,5% ao ano, na medida que a enorme ociosidade existente hoje vá desaparecendo. É claro que tal previsão depende da não ocorrência de choques negativos externos ou internos de grande intensidade, além da manutenção da política de responsabilidade fiscal iniciada no governo Temer e que permanece na atual administração.
Há três razões principais para que a expressiva queda do juro real no Brasil seja duradoura.
A primeira é que os juros internacionais, principalmente nos países desenvolvidos, caíram de forma expressiva e, certamente, por razões estruturais. Isso, evidentemente, pressiona a taxa de juro doméstica para baixo. Vejamos com mais detalhes este ponto.
Em 2014, o renomado economista Lawrence Summers, da Universidade Harvard, provocou muita polêmica com o artigo Reflections on the New Secular Stagnation Hypothesis (Reflexões sobre a hipótese de Nova Estagnação Secular). O texto de Summers é denso e não cabe ser analisado aqui. Destaco apenas sua visão sobre as razões da queda do juro real de pleno-emprego, ou juro neutro, que o autor acredita tenha se tornado muito baixo, provavelmente negativo.
Em síntese, Summers defende que tenha se formado um excesso de oferta de poupança em relação à demanda de fundos para investimentos. O crescimento mais lento da população e os avanços tecnológicos reduzem a demanda por bens de capital para equipar os novos e mais produtivos trabalhadores. Acresce-se a isso a contínua queda que se vem observando nos preços desses bens. O aumento da poupança, ou seja, a queda do consumo, seria uma decorrência natural da crescente desigualdade, que transfere renda dos segmentos da população com maior propensão a consumir para aqueles com maior propensão a poupar. Os dados dos últimos anos dos países desenvolvidos mostram que Summers estava correto.
A segunda razão está ligada à maior austeridade fiscal brasileira, que, a meu ver, tende a continuar. Para ilustrar isso, tomemos o conceito de resultado primário estrutural, ou seja, o resultado primário excluídas as receitas e despesas não recorrentes, e os efeitos do ciclo econômico sobre as contas públicas. Por essa métrica, segundo minhas estimativas, o saldo primário, que era negativo em 1,8% do PIB em 2016, deverá fechar com valor positivo de 0,2% do PIB em 2019. E aqui se cria um círculo virtuoso. O menor patamar de juro real exige superávit primário também menor para estabilizar, ou mesmo reduzir, a relação dívida/PIB.
Finalmente, a terceira razão é a grande credibilidade de que desfruta hoje o Banco Central, que tem permitido a ancoragem das expectativas inflacionárias para valores compatíveis com as metas, até 2023, conforme mostram a pesquisa Focus e o próprio mercado de juros futuros.