REFORMA OU AJUSTE?!
(Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal – O Estado de S. Paulo, 01) Uma das críticas ao projeto de reforma tributária em análise na Câmara dos Deputados (PEC 45) é de que ela seria desnecessária e equivocada. Desnecessária porque os grandes problemas do sistema tributário brasileiro – burocracia e excesso de litigiosidade – poderiam ser resolvidos por meio de mudanças administrativas. Equivocada porque a adoção de uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços resultaria numa grande redistribuição da carga tributária prejudicando, por exemplo, os prestadores de serviços do regime do lucro presumido. A principal falha desse tipo de crítica é que ela parte de uma visão limitada dos problemas do sistema tributário brasileiro, bem como de uma incompreensão das características de um bom sistema tributário.
O argumento de que uma reforma estrutural dos tributos seria desnecessária, pois seria possível reduzir a burocracia e o litígio por meio de melhorias no processo administrativo fiscal, é equivocado por dois motivos.
Por um lado, ainda que a melhora do processo administrativo fiscal seja desejável, ela é claramente insuficiente para eliminar os problemas que resultam na excessiva burocracia e litigiosidade. Parte importante desses problemas é de natureza estrutural, como a fronteira imprecisa entre a área de incidência do ICMS e do ISS. Parte deve-se à profusão de alíquotas dos tributos atuais, a qual inevitavelmente leva a problemas de classificação e contencioso.
Por outro lado, e principalmente, as distorções estruturais dos tributos brasileiros sobre bens e serviços – como a fragmentação da base de incidência, a tributação na origem e a cumulatividade – têm impactos que vão muito além da burocracia e do alto grau de litígio. Entre esses impactos se destacam a oneração de investimentos e exportações, a guerra fiscal entre os Estados (e entre os municípios) e a criação de uma série de distorções alocativas que levam a uma organização extremamente ineficiente da economia brasileira. A consequência é uma enorme redução do potencial de crescimento da economia brasileira, decorrente da perda de produtividade e da redução da taxa de investimento.
Tais problemas não podem ser resolvidos mantendo-se os tributos atuais: em parte porque são de natureza estrutural (como a fragmentação da base de incidência, a tributação na origem e a incidência cumulativa do ISS) e em parte porque sua correção resultaria numa perda de arrecadação que é inviável na atual situação fiscal do País (como a desoneração completa dos investimentos e das exportações no ICMS).
Já o argumento de que o modelo de alíquota uniforme da PEC 45 seria equivocado por provocar grande redistribuição da carga tributária também não se sustenta.
Em primeiro lugar, a proposta da adoção de alíquota uniforme e base ampla na tributação do consumo não é uma invenção brasileira, mas sim a recomendação quase unânime da literatura internacional. Não é por acaso que a grande maioria dos IVAs criados nos últimos 30 anos tem apenas uma alíquota positiva (embora com alguns casos de isenção e alíquota zero).
Em segundo lugar, um dos efeitos da redistribuição da carga tributária (claramente superestimada pelos críticos) é corrigir distorções alocativas absolutamente injustificáveis. Esse é o caso, por exemplo, dos sócios de empresas do regime do lucro presumido. No regime atual, um prestador de serviço do lucro presumido com renda mensal de R$ 100 mil ou mais está sujeito a uma alíquota marginal de 14,5% a 19,5%, enquanto a alíquota marginal incidente sobre a renda de um empregado formal que ganha R$ 6 mil chega a mais de 42% (parte cobrada na forma de IRPF e parte como contribuição do empregador sobre a folha).
Os críticos da PEC 45 argumentam que a correção dessa distorção levaria a uma “tempestade perfeita” de sonegação. Honestamente, prefiro acreditar que é possível combater a sonegação no Brasil sem depender de um sistema tributário em que os ricos são muito menos tributados que os empregados formais de renda média.