06 de setembro de 2019

CRESCE O RISCO DE O REINO UNIDO VIRAR UM PAÍS DECADENTE!

(Guga Chacra – O Globo, 05) Quando uma crise se prolonga por décadas, como a da Argentina, passamos a chamar de decadência. O Reino Unido ainda não está neste patamar. Poderíamos dizer que segue em crise prolongada e sem perspectiva de resolução. Ao longo destes intermináveis quase quatro anos de caos do Brexit, no entanto, esta nação já diminuiu de importância, dando prosseguimento ao encolhimento iniciado com o fim do Império Britânico. O risco de virar decadente cresceu.

Longe de dizer que Londres se tornará uma despedaçada Alexandria, uma empobrecida Atenas, uma arrasada Aleppo ou uma marginalizada Caracas. A capital britânica segue como uma das duas metrópoles mais cosmopolitas do mundo ao lado de Nova York. É o sonho de russos, de sauditas, de brasileiros e ainda de muitos europeus.

De forma abrupta e inesperada, porém, a nuvem do Brexit estacionou sobre a cinzenta metrópole às margens do Tâmisa. Desde 2016, o país parou. Dois primeiros ministros caíram. Um terceiro corre o mesmo risco. Parece até a decadente Itália. A nação se divide entre aqueles que querem romper de vez com a União Europeia e aqueles que ainda lutam para se manter como parte do bloco europeu.

Pouco se fala de planos para a educação, saúde, segurança e mesmo a economia do Reino Unido. Todos os dias os jornais, tabloides e TVs se concentram nas notícias do Brexit de uma maneira ainda mais voraz que os americanos diante da sempre presente figura de Donald Trump. Mesmo hoje, nenhum parlamentar, nenhum ministro, nenhum analista e tampouco a rainha sabe qual será o destino do Reino Unido.

Não sabemos exatamente quando começou a decadência da Argentina, que mesmo decadente ainda tem números melhores do que os do Brasil em educação e segurança. Mas a persistente sequência de crises deixou os vizinhos dos brasileiros bem distantes do mundo desenvolvido e Buenos Aires, de uma certa forma, até encanta por sua decadência nostálgica se visitarmos como turistas e não pensarmos nos desempregados e endividados argentinos. Tampouco está claro quando o Egito começou a desmoronar. Foi com Nasser? Ou antes? A Venezuela, ao menos, sabemos que entrou em decadência com o chavismo e esta se agravou com Maduro.

No Reino Unido, se esta crise se prolongar e o final da novela do Brexit não for feliz, saberemos no futuro que a decadência começou por um dos maiores gols contra da história política internacional. A decisão de David Cameron de convocar um referendo sobre a permanência ou não dos britânicos na União Europeia, sem planejamento algum para a possibilidade de a maioria dos eleitores decidir abandonar a União Europeia, foi movida por uma campanha repleta das chamadas “fake news”, ou informações mentirosas.

A série “Years and Years”, da HBO, exibe um futuro próximo no pós-Brexit, no qual todas as tendências atuais de nacionalismo, extremismos de direita e de esquerda, xenofobia e aquecimento global se agravam. O Reino Unido se transformou em uma nação decadente e populista nesta ficção. Este futuro fictício pode ser o real. Em décadas, o Brexit possivelmente será lembrado como o símbolo do momento que vivemos.

Nenhum parlamentar, nenhum ministro, nenhum analista e tampouco a rainha sabe qual será o destino do Reino Unido.