INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PARA A GESTÃO DA JUSTIÇA!
(Luis Felipe Salomão, Elton Leme e Renata Braga * – O Estado de S.Paulo, 29) As grandes questões que envolvem a eficiência da Justiça passam obrigatoriamente pela ideia de gestão. Nesse campo, o uso de ferramentas tecnológicas, no universo da computação, ganhou força no início dos anos 2000.
A onda tecnológica foi rápida e não tardou a reconhecer a imprescindibilidade dos novos avanços da ciência da computação na gestão da Justiça, agora inserida na era digital.
A “inteligência artificial” destacou-se nos últimos anos na otimização e no controle de processos, na aprendizagem, no planejamento e no escalonamento de atuações e no desenvolvimento de bancos de dados dedutivos, dentre muitas outras funcionalidades. No entanto, quais são essas outras tarefas? Qual o melhor uso da inteligência artificial na gestão do sistema de justiça? Quais os campos prioritários de ação para fazer frente às demandas da sociedade por justiça?
Para responder a essas e muitas outras questões foi criado, em 2019, o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Concebido como um “laboratório de ideias”, de natureza privada, sua missão é identificar, entender, sistematizar, desenvolver e aprimorar soluções voltadas para o aperfeiçoamento da Justiça.
O centro da FGV pretende contribuir com o nosso país para a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, documento obtido na reunião dos representantes de 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro de 2015. Nele há o compromisso dos países com a adoção de medidas para promover o desenvolvimento sustentável até 2030. A publicação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 da Agenda 2030 ampliou um movimento que já vinha ganhando corpo nas pesquisas acadêmicas e nos levantamentos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): o estudo da gestão do sistema de Justiça.
Diante do indiscutível boom digital, uma das pesquisas desenvolvidas pelo centro da FGV intitula-se Tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do poder judiciário: o estudo das experiências brasileiras de inteligência artificial. Seu objetivo é pesquisar o estado da arte e as experiências nacionais de aplicação de tecnologia com a utilização de inteligência artificial nos tribunais brasileiros. O levantamento inclui dados do Supremo Tribunal Federal (STF) e envolve os demais tribunais e instâncias do País.
A amostra atual – representada até aqui por 85% dos tribunais brasileiros – permitiu identificar 28 projetos de inteligência artificial no sistema de Justiça brasileiro. A pesquisa já apontou que, atualmente, o espectro da automação do Judiciário possibilita aplicações como o cadastro, a classificação e a organização da informação, o agrupamento de casos por similaridade, assim como a utilização de algoritmos para tornar a Justiça mais eficiente e otimizar a sua administração.
Interessantes achados dessa pesquisa já podem ser compartilhados. Verificou-se que soluções colaborativas têm sido desenvolvidas pelo Judiciário brasileiro. Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça firmou termo de cooperação com o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) para o desenvolvimento e o uso colaborativo de soluções em inteligência artificial com o objetivo de nacionalizar tais sistemas. Já no âmbito da Justiça do Trabalho há um órgão central no Tribunal Superior do Trabalho (TST) que otimiza esforços e custos dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) para criar projetos de desenvolvimento de inteligência artificial em parceria com os diversos tribunais. A cooperação entre os tribunais também tem a finalidade de aprimorar a alocação de mão de obra especializada em inteligência artificial, que é difícil de ser encontrada.
Para ter a ideia da dimensão do avanço que a inteligência artificial pode proporcionar, a experiência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) é reveladora. Nesse tribunal, as execuções fiscais representam um terço dos processos. Em abril de 2019 foi implantado na Vara de Execução Fiscal o sistema Hórus, que realiza em cerca de dez segundos diversas atividades que levariam muito mais tempo pelo sistema convencional. A meta inicial era a de trabalhar com 48 mil processos e o Hórus já superou essa meta, distribuindo automatizadamente mais de 275 mil processos da Vara de Execução Fiscal.
Para analisar e debater essas e outras experiências o centro da FGV realizará, virtualmente, o I Fórum sobre Direito e Tecnologia, hoje, 29 de junho, e na próxima quinta-feira, dia 2 de julho.
Em tempos de pandemia, mais do que nunca, o uso da tecnologia para atender às novas demandas da sociedade em geral e do sistema de justiça em particular revela toda a sua importância estratégica. Vem em boa hora a pesquisa para a construção do conhecimento que estimule a celeridade processual e a cooperação interinstitucional.
* RESPECTIVAMENTE, MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ); DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO (TJRJ); E PESQUISADORA COLABORADORA DO CENTRO DE INOVAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PESQUISA DO JUDICIÁRIO-FGV, PROFESSORA DE DIREITO DA UFF-VR