ATAQUE NAZISTA MATOU MAIS DE 600 PESSOAS E FEZ ARACAJU VIVER 2ª GUERRA! (UOL, 27) Era uma noite agradável de sábado, dia 15 de agosto de 1942. Os moradores de Aracaju, como os de todas as cidades brasileiras, apenas ouviam de longe as notícias sobre a Segunda Guerra Mundial, que à época devastava Europa, Ásia e até a África. Mas essa realidade mudaria naquele mesmo dia. Três navios brasileiros a menos de 10 km do continente foram atacados e afundados pelo submarino nazista U-507. A ação da temida Kriegsmarine (a Marinha de Adolf Hitler) deixou cerca de 600 mortos —o número exato nunca foi calculado. Submergiram naquele fim de semana as embarcações Baependy, Araraquara e Aníbal Benévolo. O navio com mais mortos foi o Baependy, que tinha 323 pessoas e levava filhos de oficiais do 7º Grupo de Artilharia de Dorso —nenhum deles escapou com vida. “Os afundamentos foram o estopim para a declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália, naquele que foi descrito como o nosso próprio ‘Pearl Harbor'”, contam em artigo os historiadores Andreza Maynard e Dilton Maynard, pesquisadores do Grupo de Estudos do Tempo Presente da UFS (Universidade Federal de Sergipe). Pela primeira vez, os ataques em águas sergipanas trouxeram o conflito para o Brasil e foram repudiados por vários países do continente, como os EUA. À época, o governo brasileiro havia emitido um comunicado oficial: O inominável atentado contra indefesas unidades da Marinha de um país pacífico, cuja vida se desenrola à margem e distante da guerra, foi praticado com desconhecimento dos mais elementares princípios de direito e humanidade.” A ação dos nazistas revoltou o presidente Getúlio Vargas, que declarou guerra contra o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão. O resto da história é mais conhecida fora de Sergipe: o Brasil montou a FEB (Força Expedicionária Brasileira) e foi lutar na Itália contra tropas fascistas e nazistas. Oitenta anos depois, Aracaju, única capital brasileira a viver a guerra de perto, relembra o episódio, que causou grande comoção, indignação e medo. Nos dias seguintes ao ataque, cadáveres e destroços chegaram ao mar de Aracaju e em algumas praias da região sul de Sergipe. Contam os jornais à época que corpos nus, mutilados e até comidos pelos peixes boiaram até a costa. O combustível dos navios destruídos também manchou as águas. As notícias levaram a população a exigir vingança por parte das autoridades. “Para termos dimensão do ataque, até ali haviam morrido 135 pessoas nos afundamentos de 11 navios brasileiros vítimas de ataques durante a guerra, iniciada em setembro de 1939”, compara Dilton Maynard, que é professor de história contemporânea na UFS. O episódio também matou mais brasileiros do que na guerra na Itália —dos 20.573 enviados, 467 morreram nos combates na Europa. Àquela época do atentado, o Brasil já tinha deixado a neutralidade na guerra. Em janeiro de 1942, o Brasil havia sediado a 3ª Conferência de Chanceleres do continente americano, quando o governo declarou apoio aos aliados. “A partir de então, navios brasileiros passaram a ser alvo de ataques de submarinos do Eixo em águas internacionais. Vargas registrou em seu diário pessoal o descontentamento com a decisão. Mas o Brasil só declarou guerra após os torpedeamentos”, ressalta Andreza Maynard, que é professora do Colégio Aplicação da UFS. Entretanto, ela afirma que os ataques fizeram a população viver sob forte tensão e temer novos ataques —inclusive aéreos. Com cerca de 60 mil habitantes à época, Aracaju não estava preparada para uma tragédia daquela magnitude. Os trabalhos de resgate de corpos e destroços levaram dias e foram precários. “A área não era de fácil acesso. O aparecimento de corpos e destroços em praias do litoral durou dias. Tudo teve que ser improvisado”, conta Dilton Maynard. Na realização das autópsias, é possível ver entre as fotos muitos corpos jogados ao chão. “Já os sobreviventes que chegaram a Aracaju foram espalhados pelos hotéis da cidade, residências e mesmo as instalações do quartel do Exército na cidade também foram utilizadas”, relata. Aracaju também foi invadida por boatos. A polícia passou a investigar a presença de apoiadores ou mesmo infiltrados no Eixo na cidade. A população, revoltada com os ataques, também pressionava por respostas das autoridades. Os relatórios policiais apontaram para um pequeno grupo identificado com possíveis atividades oposicionistas ao apoio aos aliados. Eram dois blocos: o primeiro formado basicamente por brasileiros do movimento integralista (conhecido também como o fascismo brasileiro) e um segundo de estrangeiros que moravam em Aracaju e cidades próximas. Entre os estrangeiros, dois chamaram a atenção da polícia: Nicola Mandarino (italiano) e Herbert Merby (alemão), sendo que o primeiro estava com armamento e explosivos em sua propriedade. “Não bastasse o retrato de Hitler, o italiano teve dificuldades para explicar a origem e a finalidade do material apreendido: 456 cartuchos de guerra ogivais, 1.402 balas de rifles, 75 cartuchos de guerra pontiagudos, além de 19 bananas de dinamite”, detalham os historiadores em artigo. Do episódio, Aracaju tem lembranças até hoje. A exposição “Aracaju: A Capital que Viu a Guerra” vai até outubro no Centro Cultural de Aracaju e conta como a cidade viveu aqueles momentos. “Ficou na nossa história um fato tão chocante que ocorreu dentro do nosso território e com tantas embarcações. Lembre que Pearl Harbor não fica na plataforma continental dos EUA, mas a mais de 3.000 quilômetros da costa dos EUA. No nosso caso, os ataques ocorreram próximo à costa. O submarino estava a poucas milhas do nosso litoral”, diz Dilton Maynard. |