AFEGANISTÃO, TERRAS RARAS E A CHINA DE OLHO NELAS!
(Celso Ming e Pablo Santana – O Estado de S. Paulo, 26) O Afeganistão é um dos países mais pobres do mundo. Em 2020, seu PIB per capita não passou de US$ 508 por ano. Mas é rico em minérios estratégicos ainda quase nada explorados. Entre estes estão as chamadas terras raras. Com a derrota dos Estados Unidos na guerra contra o Taleban, a China cobiça essas jazidas hoje avaliadas em cerca de US$ 1 trilhão.
Têm essa designação 17 materiais cada vez mais exigidos na economia de descarbonização e geração de energia renovável. Entre eles estão o escândio, o ítrio, lantânio, cério e neodímio. São essenciais na produção de veículos elétricos e componentes, semicondutores, smartphones, placas fotovoltaicas, cabos de fibra óptica, sistemas de GPS, turbinas eólicas e, também, para o setor de defesa (mísseis, aeronaves, satélites, drones).
Embora não sejam materiais escassos, recebem essa designação porque são difíceis de ser encontrados em concentrações tais que permitam extrações como produto principal. A demanda por esses minerais deve aumentar 35% até 2025, conforme apontam estudos da consultoria alemã Statista. Essa condição deixa o xadrez geopolítico mais sujeito a disputas comerciais ou a choques por eventuais embargos na oferta, como já aconteceu com o petróleo na década de 1970.
“Esses materiais têm propriedades específicas que dificultam sua substituição por outros. O índice de reciclagem de alguns deles é muito baixo”, observa Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ.
A movimentação geopolítica em relação aos minerais mais críticos orbitará em torno de quatro grandes questões. A primeira envolve a existência de jazidas. O Brasil, terceiro país mais importante em reservas (veja gráfico), pode vir a ter papel relevante nesse mercado, caso avance em regulações e fortaleça a indústria de mineração. Hoje, contribui com apenas 0,42% da produção mundial.
A segunda e terceira questões correspondem à capacidade de extração e de processamento. É nesse campo que a China se destaca, pois praticamente monopoliza a cadeia global de processamento, quase 90% da capacidade global. A quarta questão gira em torno dos riscos sistêmicos que envolvem as cadeias globais de valor. A crescente dependência desses minerais tende a tornar sua oferta e sua reposição mais altamente vulneráveis à escassez e à alta de preços.
Cerca de 85% da produção está concentrada em três países: Estados Unidos, Mianmar e China, esta última principal fornecedora do mundo, responsável por 60% da produção. Detém reservas estimadas em 44 milhões de toneladas.
Como aponta Carlos Crêspo, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, esse domínio da China aumenta seu protagonismo global. E pode dificultar o desenvolvimento da indústria de defesa de outros países. A China já foi alvo da Organização Mundial do Comércio por restringir as exportações desses materiais por razões políticas.