29 de junho de 2022

MAIS SALGADA QUE O MAR E 100 VEZES MAIOR QUE A RODRIGO DE FREITAS: CONHEÇA A LAGOA DE ARARUAMA – QUE NÃO É LAGOA!

(G1, 26) Situada na Região dos Lagos, no estado do Rio de Janeiro, a Lagoa de Araruama – que, apesar de ser conhecida com este nome, não é uma lagoa – é um dos maiores corpos de água hipersalina (ou seja, mais salgada que a água do mar) do mundo.

O termo correto é “laguna” porque existe uma ligação com o mar. Ela é separada do Oceano Atlântico por uma comprida linha de costa, que compõe a Restinga de Massambaba, e a única ligação com o mar é pelo Canal do Itajurú, em Cabo Frio. Já sua salinidade vem do fato de que a laguna recebe mais água do mar do que consegue escoar água de seu interior para o oceano; esse processo, combinado ao clima seco da região –que faz com que a água evapore da laguna e deixe o sal –, faz com que ela fique hipersalina.

A Lagoa de Araruama se estende por 160 dos 850 quilômetros da região costeira do RJ. Além de Cabo Frio, outras cinco cidades são banhadas por suas águas salgadas: Araruama, Iguaba Grande, Saquarema, São Pedro da Aldeia e Arraial do Cabo.

A laguna tem 220 quilômetros quadrados e cerca de 630 milhões de metros cúbicos de água; como comparação, a Lagoa Rodrigo de Freitas, que fica na Zona Sul da cidade do Rio, e talvez seja a mais conhecida do estado, tem 2,4 quilômetros quadrados e cerca de 6 milhões e 200 mil metros cúbicos. Ou seja, a laguna é quase cem vezes maior que a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Estudos apontam que a salinidade da água da laguna pode chegar ao dobro da salinidade da água do mar. De acordo com o Instituto Estadual do Ambiente, o Inea, podem ocorrer variações desse parâmetro em diferentes pontos da laguna, variando entre 33 ‰ (por mil) a 65‰, enquanto a salinidade média da água do mar é de 35%.

Além das belezas naturais que atraem banhistas e praticantes de diversos esportes como vela, stand up paddle e canoa havaiana, a Lagoa também é responsável pelo sustento de centenas de famílias de pescadores da região.

Por que é tão salgada?
O g1 conversou com o biólogo Eduardo Pimenta, bacharel em Biologia Marinha, pós-graduado em Planejamento Energético e Impactos Ambientais e Master of Sciences em Ciências da Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, para entender o que leva a laguna a ter essa alta salinidade.

Pimenta atua há mais de 40 anos na área de impacto ambiental e já participou de diversos estudos e projetos que buscam beneficiar a Lagoa de Araruama. Ele também é presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica Lagos São João, que promove a gestão sustentável, democrática e participativa dos recursos hídricos na Região dos Lagos e Baixada Litorânea do Rio de Janeiro.

O especialista explica que o clima particular da região tem influência na salinidade da laguna. A área entre a Lagoa de Araruama e Armação dos Búzios apresenta um clima semiárido, com presença de cactos, vegetação característica de locais desérticos, e tem pouca chuva. Ele explica ainda que a laguna é parte de um estuário ou sistema estuarino, caracterizado por uma reentrância da costa para o continente onde a água doce de um rio se mistura à água salgada do oceano.

“Por ser um clima semiárido e chover muito pouco na região, principalmente no entorno da Bacia Hidrográfica da Lagoa de Araruama, entra mais água do mar pro interior da Lagoa do que sai água do interior dela para o mar. Ou seja, existe uma corrente preponderante mais forte jogando pra dentro da lagoa do que tirando água dela pro mar, porque tem muito pouco aporte de rios no interior da lagoa de Araruama. Os rios que tem não são caudalosos. Então, entrando mais água do mar e por ser um clima semiárido, essa água evapora e deixa o sal. Por isso que ela é hipersalina”, completa.

Fauna
Diversas espécies de animais podem ser encontradas dentro e no entorno da laguna. Recentemente, a presença de cavalos-marinhos foi identificada e passou a ser estudada pela Universidade Santa Úrsula. O biólogo Eduardo Pimenta destacou que o aparecimento de cavalos-marinhos é um dos indicativos de que a laguna está saudável e se recuperando.

“Existem vários animais que vivem na Lagoa e no entorno dela. Por exemplo, nós temos uma avifauna [conjunto das aves de uma região] riquíssima. Existe um grupo de estudo de aves da Região dos Lagos, que tem origem na Universidade Veiga de Almeida (Cabo Frio). O grupo vem inventariando as aves de toda a região há uma década. Mas nós também temos alguns outros animais. Os que são explorados economicamente é o pescado como perumbeba, carapicu, carapeba, tainha, parati e o camarão”, diz Eduardo Pimenta, que já publicou um livro em parceria com o ambientalista e fotógrafo Antonio Angelo Trindade Marques sobre as aves da Laguna Araruama.

“Esses são os produtos de maior valor comercial e explorados pela cadeia produtiva setorial pesqueira da Lagoa de Araruama. O camarão gosta muito de lagoa, lagunas e estuários, então é muito comum ver camarão em lagoa. Mas essas espécies de peixes são as que se sentem mais à vontade, que se sentem confortáveis e que toleram alta salinidade. Por isso, essa lista de espécies diferencia um pouco das espécies oceânicas, onde a salinidade é de 36 partes por mil litros. Então, tem uma variedade muito maior de peixes no oceano do que na própria Lagoa de Araruama pela característica hipersalina dela que condiciona uma ocorrência menor de espécies de peixes”.

Potencial turístico
A região tem um grande potencial turístico e geralmente é procurada pelas belas praias em Cabo Frio, Arraial do Cabo e Búzios, que são praias de mar aberto. Mas quem visita as praias da Lagoa também encontra um cenário paradisíaco.

Ao longo das cidades, os banhistas encontram píeres e espaços “instagramáveis” para registrar o momento da visita. Também foram espalhadas pela areia placas lembrando os visitantes da importância de preservar o meio ambiente.

Em Araruama, é possível fazer um passeio de ferryboat que sai da praia do Centro e atravessa a laguna até o distrito de Praia Seca, que possui mar aberto e é parte da Restinga de Massambaba. O trajeto é de 7 quilômetros e o tempo de travessia leva em média de 25 minutos a 30 minutos, variando a depender do peso da embarcação, do vento e das correntes marítimas.

Em Iguaba Grande, moradores e turistas podem admirar o nascer do sol privilegiado e até visitar a Ilha de Santa Rita, que fica no meio da lagoa, a cerca de 400 metros da orla. É possível chegar à ilha fazendo trajeto a pé por dentro da Lagoa. Esse caminho só pode ser feito andando a partir de um ponto específico, em frente à Câmara Municipal da cidade.

Práticas esportivas
A laguna também é muito usada para esportes, inclusive com projetos gratuitos de incentivo às práticas esportivas em algumas cidades. Em Araruama, existe um projeto gratuito que oferece modalidades esportivas diferentes como caiaque, standup paddle, Futmesa, Frescobol, Vôlei, Futevôlei, Beach Tênis.

Em Iguaba Grande e São Pedro da Aldeia também há projetos que estimulam a prática de esportes na lagoa e na orla, como futebol de areia, stand up paddle, vôlei de praia e corrida, entre outras modalidades.

Questões ambientais
“Em relação a preservação ambiental, existe uma legislação. Tenho até muito orgulho de falar disso porque foi uma legislação que eu ajudei a construir quando eu era diretor do Ibama na Região dos Lagos. A gente consolidou, claro, com um grupo maior de pessoas, não fui eu sozinho. É a legislação da pesca na Lagoa de Araruama”, destaca Eduardo Pimenta.

De acordo com Pimenta, a lagoa entrou em colapso no final da década de 1990 porque a pouca eficiência do tratamento de esgoto na região deixou-a muito poluída. Com o tempo, a rede de coleta tornou-se maior e a qualidade da água melhorou: “Hoje, em 2022, um monitoramento físico ou químico de balneabilidade do corpo hídrico, feito por cientistas, comprovam que 85% das praias lagunares estão em boas e ótimas condições de saúde, de balneabilidade”, diz o pesquisador.

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), explica que a qualidade da água pode variar e é acompanhada com medições realizadas a cada 15 dias pelo instituto. Os resultados são disponibilizados no portal do órgão ambiental estadual. A análise da balneabilidade é feita com base nos níveis de bactérias de origem fecal (coliformes fecais ou enterococos) nas amostras de água coletadas, como recomenda a Resolução Conama 274/2000.

O biólogo reforça que também existem outros indicadores que comprovam isso, como a aparição de cavalo-marinho.

“Há quase duas décadas não ocorria e agora voltou a ocorrer como antigamente, quando a laguna tinha saúde. Hoje existe cavalo-marinho em abundância na Lagoa de Araruama e isso é um bom indicador de que a lagoa está se recuperando. Outro indicador é a produção pesqueira que aumentou demais”.

A região recebe um grande número de turistas em épocas de férias, principalmente no verão. Esse aumento também tem impacto na preservação ambiental.

“Claro que com o aumento populacional – e a região cresce assustadoramente -, aumentam os impactos oriundos da atividade humana. Seja de geração de efluentes, resíduos sólidos, resíduos líquidos… Tudo isso impacta, mas a Lagoa hoje passa por um bom momento. A Lagoa de Araruama hoje é estudada como um case de sucesso de recuperação ambiental e é um sistema tão grande e tão importante”.

O especialista atribui essa recuperação a um trabalho realizado em conjunto por diferentes órgãos e entidades. “Isso reflete em aquecimento da atividade econômica, seja pesqueira, turística, esportes náuticos, pousadas, quiosques do entorno da Lagoa de Araruama. Toda a cadeia produtiva setorial pesqueira volta a funcionar com maior propulsão, gerando trabalho, emprego e renda”, afirma.

Mesmo com os avanços em relação às questões ambientais, o futuro da laguna e o que é feito com o esgoto tratado ainda é discutido.

“O despejo desses efluentes tratados, que são água doce, num ecossistema hipersalino não tem alterado a salinidade da Lagoa de Araruama”, explica Pimenta. Ainda assim, o despejo de água doce na laguna não é o ideal, e está sendo estudada a transposição desses efluentes para outras regiões. “Já existem diversos estudos de viabilidade econômica e ambiental que comprovam a possibilidade dessas transposições, seja pra um rio ou pra zona rural ou até mesmo através de emissário submarino”, diz o biólogo.

No início de junho de 2022, o Ministério Público Federal fez uma recomendação à Prolagos, concessionária responsável pela água e esgoto de cinco cidades da Região do Lagos, com o objetivo de solucionar o antigo problema da poluição da lagoa. O MPF listou uma série de exigências para solucionar o problema da poluição da lagoa, que, segundo o órgão, ainda recebe lançamento de esgoto in natura.

Procurada pelo g1, a concessionária informou que as recomendações são resultado de uma vistoria realizada em 2019 às margens da Lagoa de Araruama para identificar pontos de lançamento de esgoto ainda não coletados.

A Prolagos disse que, desde então, iniciou uma série de investimentos, como a implantação de rede coletora no entorno da laguna, aumentando sua proteção, construção de novas elevatórias e melhorias nas estações de tratamento de esgoto.

A concessionária informou que já apresentou o plano de investimentos aos municípios e ao Ministério Público Federal onde prevê a ampliação das estações de tratamento de esgoto, implantação de rede separadora e a construção do trecho final do cinturão no entorno da Lagoa de Araruama, que iniciará no próximo mês, em julho de 2022.