HISTÓRIA DOS EUA AJUDA A ENTENDER O NOSSO ATRASO INSTITUCIONAL!
(Marcos Lisboa – Folha de S.Paulo, 24) Em tempos em que o STF é fonte de incerteza jurídica e os Poderes perderam o pudor de fazer intervenções arbitrárias, talvez seja recomendável, enquanto dura a desordem, deixar na geladeira a comemoração do dia da Proclamação da República.
Para entender o tamanho do nosso atraso institucional, vale resgatar uma história.
Em 1783, diplomatas negociavam, em Paris, o fim da guerra pela independência dos EUA. Havia reparações de lado a lado, mas os americanos não aceitavam concluir o acordo sem obter a região para além do rio Ohio.
Os ingleses aquiesceram, e a ex-colônia, ainda sem governo, tornou-se proprietária de terras que duplicavam a sua extensão territorial.
Pouco depois, representantes da Confederação dos Estados Americanos elaboravam a Constituição do novo país na Filadélfia, enquanto seu Congresso, em Nova York, enfrentava os conflitos decorrentes da independência.
A Confederação não tinha poder para cobrar tributos e pagar os títulos de dívida com que remunerara seus soldados durante a guerra. As terras obtidas no acordo de Paris vieram em boa hora.
A engenhosidade americana construiu uma solução surpreendente, que congregava revolucionários e oportunistas, incluindo membros do Congresso responsáveis pela sua aprovação.
Muitos colonos da Nova Inglaterra desejavam ocupar a região, que encantava pelos relatos sobre a generosidade das suas terras. Parte da área recebida seria vendida para uma empresa que comercializaria lotes para os colonos e aceitaria como pagamento títulos de dívida emitidos pela Confederação.
Durante semanas, representantes da empresa negociaram com o Congresso as regras no novo território. “O que valeriam as casas dos homens da Nova Inglaterra na ausência de um bom governo?”, dizia-se então, segundo conta David McCullough em seu livro “The Pioneers”.
Em 1787, o Congresso aprovou a Ordenança do Noroeste, atendendo a muitas condições consideradas essenciais pelos colonos para a construção de uma sociedade justa.
As regras previam liberdade religiosa, direito ao habeas corpus e ao julgamento com júri, proibição da intervenção em contratos livremente pactuados, a menos em caso de fraude, e apoio à educação, “que deve ser para sempre incentivada”.
Ficava também proibida a escravidão no novo território.
Alguns dos celebrados direitos individuais das emendas à Constituição americana copiam, quase literalmente, artigos da Ordenança.
Foi preciso, porém, uma guerra civil no século seguinte para que a escravidão fosse abolida no restante do país.
O desenvolvimento dos EUA é filho de longa, por vezes conflitada, construção das instituições, e não de canetadas.