O QUOCIENTE ELEITORAL COMO REFERÊNCIA!
(Maurício Costa Romão) Duas mudanças na legislação eleitoral aprovadas na reforma de 2017 – (a) a abertura para partidos disputarem sobras de votos, mesmo que não tenham atingido o quociente eleitoral (QE), e (b) ofim das coligações proporcionais – têm suscitado discussões sobre o que representa hoje o próprio QE.
Antes de 2017 só poderiam ascender ao Parlamento e participar da distribuição das sobras de votos partidos (ou coligações) que tivessem ultrapassado o QE (aqui o quociente era uma barreira à entrada).
Agora, liberada a disputa de vagas legislativas por sobras de votos, essa ascensão é permitida a qualquer partido ainda que não haja atingido o QE(neste caso o quociente passa a ser apenas uma referência).
Dessa maneira, esse novo contexto normativoenvolve uma revisão conceitual do QE, que deixade funcionar como uma “cláusula” de barreira e torna-se um parâmetro referencial.
Temos advertido, todavia, que a abertura suscitada pelas novas regras para ascensão ao Legislativo exige do partido situado no pelotão de baixo do QEuma certa densidade eleitoral, isto é, que tenha votação próxima do próprio QE (condição necessária).
Satisfeita esta exigência preliminar, a condição suficiente para tal partido obter assento no Parlamento é a de que sua votação esteja entre as maiores médias de votos nas rodadas de distribuição de vagas por sobras eleitorais.
Tais requerimentos não são triviais. Com efeito, a evidência empírica da eleição de 2018 mostrou que são raros os casos de partidos ou coligações que não alcançaram o QE e lograram conquistar vaga por sobras de votos. A imensa maioria dos disputantes não consegue cumprir com as duas condições simultaneamente. Neste sentido, para tais partidos, o QE ainda é percebido como barreira à entrada no Parlamento.
O fim das coligações proporcionais deve que ser compreendido também nesse contexto referencialdo QE.
De fato, sem coligações, um partido, isoladamente, só consegue ascender ao Legislativo se tiver musculatura de votos para ultrapassar o QE, ou se sua votação satisfizer as condições necessária e suficiente acima aludidas.
Simulações sobre a eleição de vereadores em 2020, no Rio de Janeiro, apontam que cerca de 49% dos partidos que disputaram a eleição passada terão poucas chances de, isoladamente, eleger parlamentares no próximo ano (nas nove capitais do Nordeste esse percentual chega a 62%, em média).
É oportuno aduzir, por último, que os sistemas proporcionais têm sempre um desafio matemático a resolver: como dividir as vagas de um Parlamento entre os partidos concorrentes, de acordo com a proporção de votos por eles obtida?
São vários os métodos empregados para resolver essa divisão. No Brasil, e na maioria das democracias contemporâneas, o método utilizado é o de D’Hondt, às vezes chamado de método das maiores médias.
Pois bem, todos os métodos necessitam de um ponto de partida, uma base, uma métrica, para proceder à transformação de votos em vagasparlamentares. Essa métrica no Brasil é o QE.
A legislação recém instituída em 2017 apenas ensejou uma interpretação mais flexível para o QE. Não alterou em nada a sua essência. Ele continua existindo, sendo calculado como sempre foi, e separando pelotão de cima do pelotão de baixo.