EXCESSO DE REGRAS!
(Bernard Appy – O Estado de S. Paulo, 16) Há um razoável consenso de que a situação fiscal do Brasil é preocupante. De um lado, a dívida pública do País cresceu muito nos últimos anos, aproximando-se de 90% do PIB. De outro lado, as finanças da União e de muitos Estados e municípios encontram-se fragilizadas, resultando em um nível extremamente baixo de investimentos e em dificuldades de pagamento de despesas obrigatórias.
Há vários motivos para termos chegado a essa situação, mas certamente isso não ocorreu por falta de regras fiscais, ou seja, regras destinadas a conter a expansão excessiva de gastos públicos e a sinalizar para a sustentabilidade da dívida. Segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente (de janeiro de 2018), o Brasil possuía 11 regras fiscais, sendo uma aplicável apenas à União (teto dos gastos) e as demais a todos os entes da Federação (como a Regra de Ouro, a exigência de metas de resultado primário, etc.).
A PEC Emergencial, aprovada na semana passada, introduziu pelo menos mais duas regras fiscais: a) a vedação à concessão de créditos ou garantias pela União a outro ente da Federação, caso as despesas correntes desse ente excedam a 95% das receitas correntes e não seja implementada uma série de medidas de contenção de despesas (sobretudo de pessoal); e b) a definição de que lei complementar introduzirá regras dispondo sobre a sustentabilidade da dívida pública e mecanismos de ajuste caso a trajetória da dívida desvie de parâmetro a ser estabelecido (sendo que a Lei de Responsabilidade Fiscal já prevê limites de endividamento).
Adicionalmente, a PEC Emergencial introduziu também uma regra visando à redução de incentivos e benefícios fiscais da União (que também pode ser entendida como uma regra fiscal), sinalizando a redução de seu montante a 2% do PIB em oito anos. Não se deve, no entanto, esperar muito da aplicação desse dispositivo.
Segundo estimativas da Receita Federal, os benefícios fiscais federais devem alcançar 4% do PIB em 2021. No entanto, os benefícios excepcionados da redução prevista na PEC correspondem a, pelo menos, 1,8% do PIB. Segundo minha leitura do texto da PEC Emergencial, apenas os benefícios não excepcionados (2,2% do PIB, no máximo) teriam de ser reduzidos de forma a caber no limite de 2% do PIB. Mesmo se a leitura for outra, ou seja, de que todos os benefícios têm de caber no limite de 2% do PIB, a PEC obriga apenas o envio de projeto de lei de redução dos incentivos pelo Poder Executivo, mas não sua aprovação.
Por fim, a PEC Emergencial introduz ainda outras medidas de cunho fiscal, como a definição de critério para o acionamento dos mecanismos de ajuste previstos na Emenda Constitucional 95 (teto dos gastos).
Ainda que bem-intencionadas, as novas regras introduzidas pela PEC Emergencial provavelmente contribuirão muito pouco para a melhoria da gestão das finanças públicas do País. O que o Brasil precisa não é de mais regras fiscais, mas sim de parâmetros claros para a aplicação das já existentes e, sobretudo, de regras de melhor qualidade.
Idealmente, boas regras fiscais deveriam garantir a solvência do setor público no longo prazo e, ao mesmo tempo, permitir uma gestão anticíclica da política fiscal, ou seja, estimular a poupança do setor público em tempos de bonança, de forma a permitir gastos mais elevados em períodos de contração econômica.
No Brasil, apenas a regra do teto dos gastos tem um caráter moderadamente anticíclico; todas as demais regras são pró-cíclicas. Em particular, nenhuma regra atual obriga Estados e municípios a pouparem mais em períodos de forte crescimento da receita. Ao contrário, mecanismos de vinculação de receita a despesas e a destinação de parte da receita com royalties de petróleo a Estados e municípios acentuam ainda mais o caráter pró-cíclico das finanças subnacionais.
Se queremos melhorar a qualidade da política fiscal brasileira, não precisamos de mais regras. O que precisamos é de regras mais consistentes e de mecanismos que garantam sua aplicação.