A POLÍTICA ESTÁ MOLDANDO A ECONOMIA!
(Fareed Zakaria – O Estado de S. Paulo, 15) Enquanto testemunhamos picos de inflação a um ritmo que não era visto desde os anos 80, especialistas debatem se esse fenômeno é preocupante e duradouro ou benigno e transitório. Não sou economista, mas como estudioso da história imagino que o retorno da inflação seja parte de uma mudança maior, que ocorre por todo o mundo. Para colocar de maneira simples, por décadas, em país atrás de país, a economia moldou a política. Agora, da China aos EUA, é a política que está moldando a economia.
O controle da inflação é uma das mais abrangentes mudanças da nossa era. Países acreditavam que simplesmente tinham de conviver com a inflação e lidar com preços e salários em alta. Quando tendências inflacionárias fugiram do controle, com frequência tiveram consequências políticas.
Ao contrário do desemprego, que afeta apenas uma pequena porcentagem de pessoas que não conseguem trabalho, a inflação afeta todos. E, ao contrário do desemprego, que encolhe seus ganhos futuros (se você tem emprego), a inflação encolhe o que você tem agora, ao erodir o valor de suas economias. É por isso que a inflação alta tem se associado com tanta frequência a turbulência política, desde a Alemanha da década de 1920 até o Irã dos anos 70 e a América Latina dos 80.
Andamos esquecidos disso agora, mas recentemente, nos anos 80, a inflação era galopante em grande parte do mundo.
Países como Brasil, Argentina e Peru tinham índices de inflação na casa de milhares por cento. Os EUA entraram na década com mais de 12% de inflação. Em alguns países europeus, como Itália, a taxa era maior do que 20%. Na maioria deles, as causas eram algum tipo de combinação entre elevados déficits dos governos, políticas desleixadas de bancos centrais e choques externos, como a crise do petróleo dos anos 70.
REVOLUÇÕES. As crises produziram revoluções nas políticas. Bancos centrais tornaram-se mais independentes e colocaram o foco em domar a inflação. Governos do mundo em desenvolvimento tornaram-se mais responsáveis fiscalmente. Em alguns casos, os governos simplesmente atrelaram o valor de suas moedas ao dólar. Um dos principais motivos que convenceram países como a Itália a abrir mão de suas moedas nacionais em favor de uma moeda comum europeia foi acreditar que fundir suas políticas monetárias com a da Alemanha lhes permitiria consertar seus problemas na inflação.
Em grande medida, isso funcionou e, no início dos anos 2000, países congratulavamse
As políticas econômicas de hoje não têm sido mais orientadas para o crescimento
uns aos outros por terem vencido a guerra. Isso tudo parecia parte de um paradigma segundo o qual governos reconheciam o poder do livre-mercado e do livre-comércio.
Thomas Friedman usou a metáfora de uma “camisa de força dourada” para explicar o que aconteceu. Os governos colocaram a si mesmos numa situação em que suas opções de políticas eram estritamente condicionadas pelos mercados e, como resultado, suas políticas encolheram, mas suas economias cresceram.
Ao longo dos últimos anos, parece que o oposto tem ocorrido em quase toda parte. Considere a Turquia, que na década de 2000 se tornou modelo de país em desenvolvimento, domando a inflação e estimulando o crescimento. Seus formuladores de políticas eram elogiados em todo o mundo.
Hoje, o presidente turco abandonou até mesmo a pretensão de uma economia racional, usando a política para recompensar amigos, punir inimigos e defendendo uma política monetária que é o oposto do que a maioria dos especialistas acredita ser correto. O Chile, que era considerado o país mais prudente fiscalmente na América Latina, agora parece ter tomado um caminho mais parecido a um populismo de esquerda.
PROTECIONISMO. Ou considere a garota-propaganda dos países em desenvolvimento, a China, onde o crescimento econômico foi a estrela-guia das formulações de políticas. Hoje, o presidente, Xi Jinping, persegue políticas que, com frequência, atacam o setor privado em áreas essenciais para o crescimento, como tecnologia.
Conforme apontou a estudiosa Elizabeth Economy, foi a China, não os EUA, que iniciou a movimentação para desatrelar as economias dos dois países e assumiu o protecionismo e o nacionalismo econômico, quando Xi anunciou sua estratégia “Made in China”. A Índia, de sua parte, espelhou essa movimentação com o próprio protecionismo e subsídios.
O mundo ocidental tem seguido o exemplo. Dirigida por uma preocupação compreensível a respeito dos salários da classe média e da desigualdade, a política econômica não tem sido mais orientada para o crescimento. Tarifas, subsídios e pacotes de ajuda refletem o fato de que a política está moldando a economia.
Bancos centrais têm se apressado na última década em aplicar medidas extremas em resposta aos dois grandes choques desta era – a crise financeira e a pandemia. Como nota Ruchir Sharma, na metade dos anos 90, nenhum país do mundo tinha um índice de dívida em relação ao PIB acima de 300%. Atualmente, 25 excedem essa marca.
A antiga obsessão com a economia acima da política foi exagerada. Ela alcançou grandes sucessos, mas criou outros problemas, como estagnação salarial. Mas a atual ênfase da política acima da economia parece mais perigosa. Ela permite aos governantes adotar políticas clientelistas, protecionismo e artimanhas de curto prazo para evitar que as pessoas comuns sintam as dores da crise. No longo prazo, porém, nos perguntamos se essas mesmas pessoas comuns terão de pagar o preço.