15 de junho de 2019

O GLOBO (14) ENTREVISTA O DEPUTADO RODRIGO MAIA PRESIDENTE DA CÂMARA DE DEPUTADOS!

BRASÍLIA – Um dia depois de aprovar a reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), concedeu entrevista ao GLOBO na qual falou sobre os próximos passos da agenda econômica . Embora ainda seja preciso aprovar a proposta em segundo turno no plenário da Câmara, Maia apontou três novos eixos: reforma tributária , reestruturação de carreiras do funcionalismo e reforma social . Essa última envolve ações para melhorar a alocação do dinheiro público. Segundo Maia, “para recuperar o respeito da sociedade, o parlamento precisa assumir seu protagonismo”.

Segundo Maia, é preocupante o governo não ter uma agenda num momento em que houve aumento da pobreza e do desemprego. Para ele, a liderança do governo no Congresso não tratou dos interesses dos mais pobres na reforma da Previdência e sim das corporações que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro.

– O que a gente quer é que o governo dê certo. Demos uma demonstração disso, e esperamos que eles possam olhar para os brasileiros mais pobres. O presidente Bolsonaro sempre representou corporações, que têm estabilidade no emprego. Esse é um eleitor que não passa fome, não fica desempregado – afirmou Maia.

Leia a íntegra da entrevista:

O Globo: Aprovada a Previdência na Câmara, a agenda reformista veio para ficar?

Rodrigo Maia: Meu sentimento é que sim. A agenda das reformas tem um objetivo. Ninguém quer reformar por reformar. Os deputados estão brigando por R$ 10 milhões de emendas, enquanto a Previdência está tomando da gente R$ 50 bilhões a mais a cada ano. Estamos perdendo esse montante para financiar uma distorção em detrimento de podermos atender ao eleitor que nos trouxe ao parlamento.

OG: Quais são os grandes temas que vêm pela frente?

RM: Além da Previdência, reestruturação de carreiras, reforma tributária e reforma social. Esta última, a Câmara pode fazer. A (deputada) Tábata (Amaral)  trouxe aqui o (economista) Ricardo Paes de Barros para falar sobre a rede de proteção dos trabalhadores. Estamos trabalhando para avaliar a aplicação desses recursos e qual é o melhor formato a ser proposto.

OG: O que seria a reforma social?

RM: Você precisa primeiro avaliar os programas que existem. A aplicação do Bolsa Família. Como ter um formato onde você possa, de fato, trabalhar com foco na educação da primeira infância e na evasão no final do ensino fundamental. Como estimular que as crianças entrem mais cedo na escola e fiquem mais tempo na escola. E estudar os incentivos. Por exemplo, o da cesta básica. Existem economistas que têm convicção de que os R$ 14 bilhões que nós damos como incentivos não chegam na ponta no preço do produto. Temos que pegar tudo o que existe e ver a melhor forma que alocar os recursos, criar programas com recursos existentes, discutir a melhor forma de usar o FGTS. A gente tem um idoso abaixo da linha da pobreza para cinco crianças por uma decisão política do BPC (Benefício de Prestação Continuada), que ninguém tem coragem de mexer. A gente tomou uma decisão de alocar recursos no idoso em detrimento da criança.

OG: O senhor acha que se deve mexer no BPC?

RM: Eu acho que hoje é impossível mexer no BPC. Mas ele é uma alocação de recursos numa parte da sociedade em detrimento de outra. Como não tem recurso para tudo, o volume que você tem para investimentos na criança está menor do que deveria em relação ao idoso.

OG: Como estão as discussões sobre a reforma tributária?

RM: Estamos esperando a proposta do governo e vamos apensar na nossa.

OG: Por que o Congresso apresentou uma proposta?

RM: O Marcos Cintra (secretário da Receita) foi muito agressivo com o parlamento lá atrás, dizendo inclusive que não precisava do parlamento para fazer a reforma tributária. Não sei em que país ele está, se ele está citando a Venezuela. Mas no Brasil é impossível a gente fazer sem o parlamento. Se o secretário é mantido numa relação de confronto com o parlamento, entendemos que deveríamos começar nosso processo de discussão da matéria. Não contra o governo, mas vamos tocar a nossa vida.

OG: O que faz o senhor acreditar que vai ser possível tocar a reforma tributária, especialmente que inclua estados?

RM: Os estados não estão contra uma legislação única de ICMS. A preocupação deles é que apenas uma alíquota é ruim. Só que você pode calibrar. Não é mais Brasil e menos Brasília? Também temos que ver como resolve a Zona Franca e o setor de serviços. Você está gastando muito dinheiro para ter muito menos emprego na Zona Franca. Não quero acabar com a Zona Franca, mas tem que ter uma alocação melhor de recursos.

OG: A reforma tributária é viável para 2019?

RM: Não tenho como aferir. O que eu disse é para tomar cuidado com debate no varejo.

OG: O tema da Câmara é a reforma tributária?

RM: Não. Eu acho que tem muitos projetos em que a gente pode ajudar o setor privado. Tem o projeto de lei da recuperação judicial. Está pronto e a partir de agosto começa a tratar com líderes. O projeto de saneamento, que está pronto para votar em agosto. O projeto do Fundeb. Outro eixo, que é muito sensível, é o da saúde privada. Ela hoje inviabiliza o acesso de quem tem menos recursos. Há a necessidade de (o plano privado) cobrir tudo. A legislação, que deveria ser uma ampla desregulamentação, é uma regulamentação excessiva que prejudica a necessidade de ter mais pessoas na base do setor privado. O problema é que eu tenho certeza de que nenhum ente federado vai ter recursos para investir na área de saúde nos próximos 10 anos.

Tem um projeto que eu fiz com o Rogério Marinho (ex-deputado e atual secretário de Previdência). Nos últimos anos, os planos de saúde passaram a ter situação parecida com o setor público. A área de saúde tem que ter uma solução. E acho que a educação também. O acesso à creche não se dará pelo setor público nos próximos anos. Ou não vai acontecer nada ou vamos ter que construir um modelo híbrido entre público e privado, com referência pública, mas privado. Se eu resolver o problema de vaga em creche em todos os municípios, pelo menos 70% dos municípios não vão aceitar. É um problema de financiamento. O setor público não fará.

OG: O senhor está apresentando uma extensa agenda que vai desde a tributária até políticas de ponta. O protagonismo que o Congresso ganhou na reforma também vai seguir para outras áreas?

RM: Eu acho que há um divórcio da política com a sociedade. E a gente só vai acabar com esse divórcio quando a gente assumir a nossa responsabilidade. Por que eu entrei na reforma da administração pública? Em 2005, eu era líder do PFL e segurei 30 MPs para não deixar aprovar o plano de cargos e salários do Judiciário. Eu dizia que aquilo ia acabar com as carreiras do setor público porque eles colaram o piso salarial no teto. E essa aprovação, porque eu não aguentei a pressão e fiquei sozinho, desorganizou o setor público brasileiro nos três poderes.

OG: Qual é o cenário hoje?

RM: Hoje, não tem mais carreira nos três poderes. E vejo pela Câmara, onde um servidor público chega no teto em poucos anos. Não há estímulo para galgar para chegar no topo. O que aconteceu nos últimos anos? A AGU criou a sucumbência, a Receita criou o bônus. O ser humano precisa de estímulo. Na hora em que você já está no teto, qual é o estímulo que você tem para acordar de manhã e ir trabalhar? E o Estado ficou caro. O custo da mão de obra no serviço público, no governo federal é 67% mais caro que seu equivalente no setor privado. Na média dos estados é 30%. Tem que reorganizar. Não quero fazer reforma para trás, mas tem que fazer. A Câmara dos Deputados custa R$ 4 bilhões sem deputado. No total, custa R$ 5,5 bilhões.

OG: E quem é o protagonista da agenda reformista?

RM: Há um divórcio da sociedade com a política. A política sempre é comandada pelo Executivo. A gente só tem um encaminhamento para que a gente recupere esse protagonismo: é a gente ter coragem de enfrentar os temas áridos. O custo do estado brasileiro nos últimos anos aumentou 6%, 7% acima da inflação. Não tem como a sociedade brasileira pagar essa conta. Não é que eu ache que a Câmara quer um protagonismo, ela precisa recuperar seu protagonismo nessas agendas. Porque quando você atende todas as corporações – e não estou culpando ninguém – , mas poucos segmentos foram atendidos no orçamento público, ele está completamente engessado e eu não consigo recurso para o município que me elegeu. Nós fomos capturados pelas corporações públicas e privadas e não conseguimos fazer política social para nossos eleitores. É uma equação completamente irracional e que afastou o parlamento da sociedade.

OG: E que impacto isso tem nos estados e municípios?

RM: Para que serve o prefeito hoje além de tentar pagar salário e aposentadoria? Para nada. Não tem mais dinheiro para investir. Se nós não reformarmos, a gente vai continuar distante da sociedade. Porque qual a política pública que poderá ser implementada na qual o político vai estar valorizado? Nenhuma. A gente só vai conseguir, com o modelo que está colocado, sem reformar o Estado, estar mais longe da sociedade. Porque a saúde, a educação, a segurança vão continuar piorando. O estado vai continuar tentando tirar mais dinheiro da sociedade para financiar sua estrutura básica.

OG: E o Orçamento vai ficando mais engessado…

RM: Enquanto não jogarmos isso aqui (despesa) para baixo, a política vai continuar sendo atacada, não apenas pelos seus erros éticos, mas por seus erros políticos, de ter entregue o orçamento público a poucos. Aí fica essa briga: libera orçamento, emenda. A gente está discutindo um orçamento que tem, de fato, um capacidade de investimento de R$ 50 bilhões em cima de R$ 1,5 trilhão de orçamento. A política tem que ter coragem de falar assim: nós construímos esse monstro, vamos desfazer o monstro. Acho que o resultado da Previdência é a primeira votação de uma certa compreensão do parlamento disso. E o parlamento tem essa compreensão majoritária hoje porque a sociedade tem.

OG: Tem espaço para aumento de impostos hoje?

RM: A sociedade está vendo que cada dia vai ter mais necessidade de tirar da sociedade. Agora vem: recria CPMF, recria imposto… Essa parte de aumento de imposto não passa no parlamento, então nós temos de fazer a outra. Se a gente recuperar a capacidade de investimento do governo federal e voltar a poder investir 20% do orçamento, se voltarmos a ter um orçamento de R$ 250 bilhões, R$ 300 bilhões, a política vai estar se reaproximando da sociedade. Então, se eu quero estar na política, é para ser valorizado pela sociedade, não para estar sendo muitas vezes humilhado pela sociedade, porque a sociedade acha que isso aqui não serve pra nada. Se a gente for manter tudo do jeito que está apenas para ser aplaudido por pequenos grupos de interesses públicos e privados, que não serão nem atendidos no médio e longo prazo, vamos estar na política para quê? É melhor sair da política.

OG: Como fica o pacote anticrime na agenda?

RM: A comissão está votando os projetos e vamos avançar. O problema é que antes de reformar o estado não dá para tratar de investimento. Acho que a área de segurança precisava de uma grande reforma do sistema penitenciário, uma grande discussão sobre esse tema. A melhoria das leis é importante, mas você tem um problema no sistema que precisa ser resolvido. O pacote tem temas que vão ser aprovados, que são de boa qualidade, mas são coisas soltas. Ele não traz uma grande reforma na área de segurança pública no Brasil. Aliás, nós fizemos muita coisa nesse tema e foi desmontado no governo. Criamos sistema integrado de segurança que é fundamental, deu condições de as polícias trocarem informações. O presidente Michel Temer teve a coragem de criar o Ministério da Segurança Pública, que nenhum outro governo teve. Porque nenhum outro presidente quis assumir a responsabilidade da segurança pública, sempre quis transferir para os governadores, e isso foi desorganizado. Acho que acabar com o ministério da Segurança foi um erro. O projeto vai melhorar alguns pontos, mas, pelo que ouço de especialistas, ele não traz uma solução sistêmica para a área de segurança. Mas vai votar rápido, não vai demorar não.

OG: A aprovação da reforma foi uma vitória para o governo, a quem o senhor disse faltar diálogo. Por que o parlamento vai se engajar em outras agendas que favoreçam o governo?

RM: Para recuperar o respeito da sociedade, o parlamento precisa assumir seu protagonismo. A gente aprovou a reforma pelos brasileiros que nós representamos. Em um país com a pobreza no nível que está, com as campanhas de combate à fome voltando, não dá para a gente ficar preocupado se vai beneficiar o governo. A reforma da Previdência beneficia o Estado. E os projetos que beneficiem o Estado nós vamos aprovar. Projetos que beneficiem o governo, que deem caixa no curto prazo, terão muita dificuldade. Sem a reorganização do diálogo com o parlamento, as privatizações não vão andar. É simples assim, é bem objetivo. Porque estaremos dando ao governo recursos para ele continuar atacando o parlamento.

OG: Mas o clima do Palácio é de comemoração: dizem que não cederam e ganharam…

RM: Isso não me preocupa. O que me preocupa é o governo não ter uma agenda. No final do ano o projeto do Betinho voltou a ter que dar alimentos para as pessoas e o governo depois de seis meses não tem uma preocupação, uma palavra para o pobre brasileiro. Isso que me preocupa. Se eu estiver fazendo a reforma da Previdência e o governo conseguir se organizar para reduzir a pobreza e o desemprego, este é o meu papel. Não é o quanto pior, melhor. O que a gente quer é que o governo dê certo. Demos uma demonstração disso, e esperamos que eles possam olhar para os brasileiros mais pobres. O presidente Bolsonaro sempre representou corporações, que têm estabilidade no emprego. Esse é um eleitor que não passa fome, não fica desempregado. Quando a gente vai em uma comunidade, saímos de lá com 30 currículos, porque o desemprego só aumenta no Brasil nos últimos cinco anos. É para essa parte da sociedade que a gente está querendo falar. Ótimo que o governo seja beneficiado, mas que ele saiba usar o benefício da responsabilidade do parlamento, que ele saiba usar o benefício daquilo que a gente está fazendo. E rápido.

OG: O parlamento fez sua parte?

RM: A única clareza que todos têm hoje na sociedade é que o parlamento assumiu a responsabilidade, organizou a votação e aprovou. Se tivéssemos deixado na mão do governo, a reforma estava na comissão especial. Isso todo mundo já sabe. Espero que eles comemorem até domingo (hoje) e na segunda-feira eles comecem a pensar em como vão cuidar dos vulneráveis. Porque o governo, através de seu líder, só tratou das corporações na reforma da Previdência. A gente quer que eles cuidem dos brasileiros mais simples, é para isso que a gente aprovou a Previdência, é uma reforma de Estado. Ele é o presidente, eu não posso esperar até 2023 para fazer a reforma da Previdência, porque isso ia gerar 20 milhões de desempregados, um incremento dos brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza que já são quase 10 milhões. O lugar que representa de forma mais legítima toda a sociedade brasileira é o parlamento, não o poder Executivo.

OG: Por que a reforma foi aprovada apesar de o presidente Jair Bolsonaro não ter demonstrado a convicção que o senhor cobrava dele?

RM: Acho que a sociedade compreendeu a importância da reforma, mesmo sabendo que é um tema árido. Posso dizer que conseguimos aprovar “apesar do governo” em relação aos temas mais corporativos. O líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), é uma representação corporativa no caso das polícias e ele foi um dos que mais trabalhou a favor delas.

OG: Os protestos de rua ajudaram?

RM: Não. Você já tinha um ambiente mais favorável desde o início na Câmara. Não vou dizer que uma Câmara mais liberal, mas mais reformista. As manifestações falam para aquele ambiente da Câmara que foi eleito pelas redes sociais, que não é majoritário.

OG: Foi melhor ter retirado estados e municípios da reforma?

RM: Olhando hoje, depois de ter ficado isolado na defesa dos estados e municípios, foi decisivo ter tirado estados e municípios. O acordo para que o Novo retirasse o destaque (para incluir esses entes) foi fundamental para não dar confusão na hora da votação.

OG: O senador Tasso fala em voltar com esse tema no Senado, o senhor acha que é inócuo?

RM: Não. Uma coisa é você ter que enfrentar uma batalha, outra coisa é ter que enfrentar várias batalhas e uma contaminar a outra. Acho que devolver para a Câmara um texto sobre estados e principalmente aquilo que é prioridade para os governadores, alíquota extraordinária sobre toda a base, é mais fácil de enfrentar do que enfrentar polícias e professores. Numa PEC paralela, você trazer o que mais interessa a eles, é mais fácil do que ir para o enfrentamento com as categorias.

OG: Qual foi o momento mais tenso da votação da Previdência?

RM: O primeiro foi no início da orientação da votação do mérito, porque eu não tinha 100% de certeza se todos os partidos iam ao plenário votar. O segundo foi depois da votação, quando entrou o primeiro destaque eu vi que estava desorganizado demais. E o terceiro momento, que foi o que me preocupou mais, foi o primeiro destaque do PT que tratava de pensão.

OG: Adiando o segundo turno para agosto não vai dar tempo para que quem está contra se organize?

RM: E não vai dar tempo também para aqueles que estão a favor? Aqueles que votaram o texto principal, mas não alguns destaques… Claro que a oposição quando sentiu que o segundo turno seria em agosto não obstruiu mais, porque estava também todo mundo cansado. É claro que eles têm a expectativa de virar votos. Mas nós também temos agora o mapa do jogo e sabemos, dos 379, quantos votaram cada destaque. E nos destaques mais difíceis a gente também pode trabalhar até agosto, chamar cada um. Minha reunião hoje de manhã com o Rogério Marinho e a equipe dele foi para começar a organizar isso.

OG: Vocês já estão trabalhando nessa organização?

RM: Claro. Vamos ver cada destaque onde a gente perdeu e como pode recuperar. Eles vão trabalhar e nós vamos trabalhar. E a sociedade vai se manifestar. Eu não tenho dúvida nenhuma, espero não estar errado, que o resultado de 379 não é apenas fruto da articulação dos deputados, da minha, ou de qualquer pessoa.